Evangélicos estão adiando para ter filhos. Será que esta é a decisão correta?

A maternidade sempre foi uma bênção para o meu trabalho, nunca um prejuízo.

Christianity Today April 20, 2024
Ilustração de Mallory Rentsch / Imagens de: Getty

“Então, vamos direto ao assunto. Vocês dois foram um equívoco?” Meus filhos gêmeos olhavam sem entender para o professor do ensino médio, que estava brincando de forma bem-humorada. O professor estava explicando que ele também era um filho temporão, nascido anos depois de seus irmãos mais velhos. “Seus pais já vieram com aquela conversa sobre como surpresa é diferente de equívoco?”

Dezesseis anos atrás, nossos três filhos já estavam quase em idade escolar, e eu estava planejando voltar para a pós-graduação. Doamos o berço, a cadeirinha do carro e todos aqueles utensílios para bebê. Mas os planos são maleáveis nas mãos de Deus, e não demorou seis meses para que eu engravidasse novamente — e desta vez de gêmeos.

Não há “equívocos” na economia do reino de Deus. Ainda assim, precisei de algum tempo para me acostumar com a “surpresa”. Cinco filhos era um verdadeiro espetáculo, especialmente nos corredores do supermercado. No entanto, hoje, esses longos dias se transformaram em breves anos. Nossas duas “surpresas” cresceram e já têm pelos nas pernas, sobreviveram à fase dos aparelhos ortodônticos e participaram de seu primeiro baile de formatura do ensino médio. Dizer que meu coração fica pesado quando conto o tempo que me resta com eles é subestimar por completo minha tristeza.

Nos últimos 22 anos, a maternidade tem sido muitas coisas para mim. Tem sido um limite. Uma vulnerabilidade constante. Mas também uma dádiva. E gostaria de argumentar em favor de escolher a maternidade — sempre que ela for possível.

Uma pesquisa do Wall Street Journal-NORC, publicada no segundo trimestre de 2023, mostrou um declínio assustadoramente precipitado de certos valores americanos “tradicionais”. De acordo com a pesquisa, em um curto período de quatro anos, os americanos passaram a valorizar menos coisas como patriotismo, ter filhos, religião e envolvimento com a comunidade do que antes valorizavam. (O pesquisador profissional Patrick Ruffini observou que era provável que os números de 2019 tivessem sido inflados pelo “viés do desejo social”. As respostas dos entrevistados podem ter representado menos a realidade e mais a percepção que eles queriam passar).

Mas aqui está o que de fato sabemos: a taxa de natalidade nos Estados Unidos está em declínio. Em geral se supõe que esse declínio representa nosso desejo cada vez menor de ter filhos, mas pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte e da Universidade Estadual de Ohio discordam disso. Os dados deles indicam que os americanos entre 20 e 24 anos querem ter tantos filhos quanto sempre se desejou ao longo da história. No entanto, parece que as pessoas de hoje estão adiando a tarefa de criar filhos — e, ao fazê-lo, a quantidade ideal de filhos diminui.

O adiamento da paternidade e da maternidade pode se dever a uma série de fatores diferentes. “Não há muito apoio para os pais nos EUA, e os jovens adultos enfrentam muitos desafios — dívidas de empréstimos para financiar os estudos, alto custo de moradia, insegurança no emprego — os quais podem levá-los a adiar, ou talvez até a desistir de ter filhos”, disse Karen Benjamin Guzzo, professora de sociologia da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill e diretora do Carolina Population Center.

As ansiedades em torno da paternidade e da maternidade nos dias de hoje são reais: incertezas econômicas, crise ecológica, medo da inadequação para uma tarefa tão importante. Não está claro se os evangélicos compartilham desses medos, mas, nos últimos anos, eles se juntaram à cultura mais ampla no sentido de terem menos filhos e de tê-los mais tarde.

Não acredito que uma vida feliz vire um caos de fraldas e papinhas [quando se tem filhos]. A participação no reino de Deus é plenamente desfrutada por casados e solteiros, por quem não tem filhos e por quem tem muitos filhos. Ainda assim, vale a pena dizer às jovens mulheres casadas (enquanto se envolvem com esse cálculo atual sobre aumentar a família): “Os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá” (Salmos 127.3).

Segundo a educação evangélica conservadora que recebi, era um pressuposto cultural que eu me casaria e teria filhos. Embora esse não fosse o sentimento de meus pais, eu ouvia outras pessoas no contexto da nossa igreja falarem sobre casamento e maternidade como os mais altos chamados que uma mulher cristã poderia assumir (não importa o quanto isso eliminasse outras possibilidades de vida). Quando estava no segundo ano do ensino médio, fui custeada e enviada por outra família da igreja para assistir a um seminário de Bill Gothard. Entre outros princípios extrabíblicos que ele pregava, Gothard argumentava que não era aconselhável que mães trabalhassem fora.

Essas visões mais fundamentalistas do papel da mulher nunca me convenceram. Ainda assim, como jovem mãe, sempre me impressionava o fato de que a tarefa de criar meus filhos exigia toda a devoção que eu pudesse reunir. Participei de um curso sobre criação de filhos na igreja, com duração de um ano, ministrado por uma mulher que admitiu, logo no primeiro dia, que seu marido a havia proibido de cursar medicina. Quando o assunto sobre trabalhar fora surgiu, no final daquele ano, ela propôs um método simples para discernir se nossa vida estava em equilíbrio: sabíamos quantos litros de leite tínhamos na geladeira?

Hoje posso dizer com segurança que essas mensagens sobre maternidade não foram nada úteis. Elas estavam erradas.

A maternidade nunca foi a única forma de medir a minha vida. Ainda assim, quero chamar de boa essa parte da minha vida, especialmente em uma cultura na qual os filhos são frequentemente vistos como ameaças à ambição profissional, como um peso financeiro, como imprudência ambiental. Quero dizer às mulheres de hoje: se for possível, arrisquem-se a ter filhos. Valerá a pena.

Confesso que, quando meus filhos eram mais novos, eu lutava para enxergar além das restrições que as crianças impunham à minha vida. Como escritora, eu era repetidamente lembrada sobre as autoras bem-sucedidas que limitaram sua exposição à interrupção da carreira limitando o número de filhos que tiveram, se é que tiveram algum.

Mas confesso que, se eu pudesse fazer tudo de novo, teria valorizado mais aqueles dias barulhentos. Teria percebido que foram meus filhos que me possibilitaram escrever. Foram eles que me iniciaram no mundo concreto do maravilhamento, que me ajudaram a prestar mais atenção a um mundo “que brilha como papel alumínio”. Como mãe, abri mão de um tipo de vida, mas ganhei outro em seu lugar.

Recentemente, quando estava estudando Salmos 1, lembrei-me do quão pouco cultivei, dos meus vinte aos trinta anos, uma versão contracultural do que é uma vida feliz. O salmo retrata a vida humana próspera como uma árvore saudável: “Tudo o que ele faz prospera”. Segundo um comentário da Bíblia de Estudo Judaica, “viver até uma idade avançada e ter muitos filhos é a ideia bíblica de uma vida bem-sucedida”.

Talvez precisemos chegar a uma idade avançada para apreciar plenamente essa sabedoria ancestral.

Tenho escrito cada vez menos sobre maternidade ao longo dos anos. Quando meus filhos eram bem mais novos, parecia que a maternidade era algo que estava acontecendo somente comigo e com meu corpo. Hoje, vejo que estamos juntos nisso, que, junto com meu marido, ajudei a construir a história que eles hoje habitam.

Não tenho sido a mãe que orei e planejei ser. Acho que nenhuma mãe é. Como todo mundo, volto sempre à graça que está disponível para mim em Jesus Cristo: àquele que escreve histórias de redenção com todos os nossos rascunhos de vida.

“Graça”, como escreve James K. A. Smith em How to Inhabit Time (Como habitar o tempo), “é superar. Não é desfazer. Não é apagar. Não é arrependimento, mas superação”. Smith nos lembra que a obra eterna de Deus é feita no tempo e na história.

Meus erros como mãe não poderiam ter sido evitados — porque a sabedoria não é algo que se possa obter de uma vez só. Com certeza, parte da sabedoria que me faltou no início foi apreço, tanto pela formação que eu receberia como mãe quanto pelos filhos que eu criaria e amaria.

“Há algo de escandaloso”, continua Smith, “na maneira como Deus assume as contingências em nossas vidas — todas elas, até mesmo o desgosto e a tristeza, o mal e a injustiça — e as transforma nessa vida singular que é minha, que sou eu. A graça transforma surpresas em felizes acasos, e equívocos em dádivas. Ela faz de mim quem eu sou, e faz dos meus filhos quem eles são.

Sou mais do que mãe, mas nunca menos do que isso.

Jen Pollock Michel é apresentadora de podcast, palestrante e autora de cinco livros, entre eles In Good Time: 8 Habits for Reimagining Productivity, Resisting Hurry, and Practicing Peace [Em bom tempo: 8 hábitos para permanecer produtivo, resistir à pressa e praticar a paz] (Baker Books, 2022).

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Sua mente está segura na mente de Deus

Por mais horríveis que sejam nossos pensamentos, Deus não se assusta com eles.

Christianity Today April 19, 2024
Illustration by Abigail Erickson / Source Images: Unsplash

Esqueça tudo o que acha que sabe, é o que nos dizem. Lembre-se daquilo que esqueceu. Contudo, com o aumento da velocidade da tecnologia e a saturação excessiva de informações que ela gera pode ser difícil nos lembrarmos do que exatamente precisamos lembrar. E em momentos de estresse ou de recuperação de algum acontecimento traumático, até mesmo as tarefas mais simples ligadas à memória — como lembrar o nome de um ente querido ou daquele comentário engraçado que um amigo fez há poucas horas — podem parecer frustrantes e difíceis.

No que diz respeito ao funcionamento interno da mente, Deus se preocupa com nossos pensamentos, e não apenas com nossas almas. Ele quer trazer plenitude a nossas mentes e a nossas memórias. Quando sentimos estar no limite, do ponto de vista mental, o Senhor se lembra de nós. Não precisamos ficar inquietos quando nos esquecemos de algo, pois ele nos vê e cuida de nós. Ele tem nas mãos o tempo e a verdade; Deus não nos deixará escapar. Os pensamentos de Deus podem ser “maravilhosos demais” para nós e “elevados demais” para serem alcançados (Salmos 139.6), mas ele nos dá o entendimento de que precisamos, quando o reconhecemos em nossos caminhos e nos apoiamos nele para alcançar sabedoria (Provérbios 3.5-6).

Quando eu era mais jovem, ao fim de um longo dia, muitas vezes ficava ruminando sobre conversas ou palavras que gostaria de ter dito ou não ter dito. Muitos de nós, mesmo adultos, ainda fazemos isso. Deus não fica decepcionado com os pensamentos recorrentes de vergonha que temos. Nossa mente pode ficar presa a falhas que cometemos e a coisas de menor importância. Mas, quando voltamos nossa atenção para Deus e meditamos em sua Palavra, ele quebra esses ciclos egocêntricos (Salmos 119.37). Deus não se deixa abater por nossas ansiedades; ele entoa uma canção para acalmar nosso coração (1Pedro 5.7; Sofonias 3.17).

Deus também não fica surpreso nem é afastado pelo nosso ego. Quando somos arrogantes com nossas grandes respostas para problemas complicados, e fingimos saber mais do que de fato sabemos, ele não se deixa levar pelas correntes subterrâneas do nosso orgulho e da nossa insegurança. Em vez disso, o Senhor nos convida a edificar nossa vida sobre ele, a sólida Rocha da verdade.

Podemos orar com o salmista: “Desde os confins da terra eu clamo a ti… põe-me à salvo na rocha mais alta do que eu” (Salmos 61.2). E, uma vez humilhados pela altitude da perspectiva de Deus, seremos finalmente capazes de dar sentido às nossas memórias e padrões de pensamento.

A maioria de nós sente, na própria vida e na vida das pessoas ao nosso redor, que as pressões e as mudanças do cotidiano moderno aumentaram nossa ansiedade. Deus promete um remédio para curar nossas preocupações, ainda que este exija de nós paciência e empenho. As lembranças mais difíceis que temos e as que mais nos desfiguraram podem levar tempo para serem esquecidas. Em compensação, é preciso intencionalidade para apreciar os detalhes das experiências que nos trouxeram mais alegria.

Em minha própria vida, vejo evidências de que Deus curou memórias minhas ao longo de muitos anos, mas sinto ansiedades que não desapareceram por completo. Às vezes, ainda sinto que elas disparam, como se fossem alarmes internos. Aprendi a ouvir esse toque como um chamado santificador, que me alerta para que eu me lembre das coisas que mais importam. Assim, embora nossas ansiedades possam persistir, por meio da comunidade e da graça podemos nos tornar mais dependentes do Senhor para termos resiliência e paz.

Assim como Adão e Eva ficaram vulneráveis, quando comeram o fruto proibido, estamos vulneráveis a sermos enganados por histórias mentirosas que manipulam nossa memória. A Serpente gerou dúvida — “Foi isto mesmo que Deus disse: […]?” — e depois transformou desobediência em condenação (Gênesis 3.1-7). Ela ainda usa esses mesmos truques conosco.

Mas Deus veio em socorro no jardim, tirou Adão e Eva de seu esconderijo, esclareceu a verdade sobre a história em que um colocava a culpa no outro, fazendo-lhes perguntas amorosas, e cobriu-lhes a nudez com roupas. Nossos relatos pessoais sobre o que aconteceu conosco nem sempre são confiáveis. Mas Jesus esmagou a cabeça da Serpente, a grande manipuladora de nossas memórias, libertando-nos do engano e cobrindo nossa vulnerabilidade.

Deus nos criou para lembrar, porque somos feitos à semelhança dele. Ele se lembra de nós e compreende tanto nosso potencial quanto nossos limites (Salmos 103.14). Contudo, de forma contrária e misericordiosa, Deus também pode diminuir a intensidade ou a frequência de nossas lembranças de trauma ou de remorso. Ele pode amenizar o poder que elas exercem sobre nós, renovando nossa mente (Romanos 12.2).

A cura de Deus geralmente é um processo, e pode durar a vida inteira. Mas os flashbacks de medo que sentimos um dia serão substituídos por visões da glória. E, até que o encontremos face a face, nós o louvamos em meio a névoa de nossas memórias falíveis — de geração em geração desmemoriada.

Sandra McCracken é uma cantora, compositora e autora que vive em Nashville. Ela também é a apresentadora do podcast The Slow Work, produzido pela CT.

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O céu não é o fim eterno do trabalho

Só os nossos melhores dias nos dão um vislumbre do jubiloso trabalho que está por vir.

Christianity Today April 19, 2024
Ilustração por Mallory Rentsch Tlapek / Fonte das imagens: Unsplash

Há um velho ditado sobre o trabalho: “Encontre algo que ame fazer e você nunca trabalhará um dia sequer em sua vida”.

A ideia é bacana, embora seja uma orientação difícil de cumprir. Há empregos mais difíceis de serem amados do que outros, e mesmo o trabalho com mais propósito e significado pode nos esgotar ou frustrar. Nossa relação com o trabalho pode ser complicada; e até os mais diligentes entre nós sucumbem e abrem mão de suas fantasias de vez em quando.

E as demandas da vida muitas vezes significam que não podemos nos dedicar a encontrar um trabalho que gostamos de fazer. Então, simplesmente temos de fazer o trabalho necessário. As pilhas de contas não se importam com nossa satisfação no trabalho ou com nossos talentos naturais. Aquele mofo estranho que aparece no chuveiro não tira férias. Uma boa porção entre nós está trabalhando em coisas que não gosta de fazer, e é bem possível que continuará trabalhando nisso até que o Senhor volte.

A maioria de nós sonha com anos de férias intermináveis na Nova Jerusalém. E em meio ao debate sem fim sobre se as melhores férias são na montanha ou na praia, a descrição de novos céus e nova terra onde não existe mar já ameaçou o conceito de felicidade eterna de mais de um santo. Independentemente da paisagem, porém, poucos são os que pensam na vida futura como um lugar onde se trabalha.

Para muitos, o céu é a suprema fantasia de parar de trabalhar. Afinal de contas, é o Sabbath eterno, onde cessaremos nosso trabalho, certo? Bem, é e não é.

Apocalipse 14.13 de fato promete que os santos “descansar[ão] dos seus trabalhos” (cf. a versão ARC). Mas, em Apocalipse, a palavra trabalhos significa “labutas”, como o árduo esforço da perseguição que os santos enfrentarão nesta vida.

Em Isaías 65, Deus fala sobre o trabalho que haverá na nova criação:

Construirão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão do seu fruto. […] os meus escolhidos esbanjarão o fruto do seu trabalho. Não labutarão inutilmente […] (v. 21-23)

Essa é a poesia de uma produtividade que não é atrapalhada pelo pecado. Em Sião, descansaremos do pecado, da tristeza, da tentação e da perseguição. Mas trabalharemos com alegria e júbilo, exatamente como fomos criados para fazer. E por fim cumpriremos nossos chamados vocacionais, mas livres da frustração ou do trabalho árduo, da labuta que nos fadiga. Não sabemos qual será especificamente o nosso trabalho, mas sabemos que será frutífero, como deveria ter sido o tempo todo.

Desde a rebelião no Éden, nossa relação com o trabalho tem sido difícil. Não temos lembrança de como o trabalho deveria ser: sempre gratificante, sempre uma expressão de amor pelos outros, sempre algo que traz glória a Deus. Nunca uma fonte de frustração. Nunca algo sem propósito ou desumanizante. Não mais como peças em uma engrenagem, apenas como seres humanos que refletem a imagem de Deus com o trabalho de suas mãos.

Talvez tenhamos uma remota ideia de como o trabalho deveria ser. Imagine o dia de trabalho mais satisfatório que já teve. Para mim, é como a satisfação de todo o trabalho de cozinhar e limpar a casa que culmina na reunião da família em torno da mesa, ou como o bom cansaço de ter ensinado com afinco uma passagem difícil das Escrituras. Dias como esses são um eco do Éden e uma antecipação da Nova Jerusalém.

Fomos criados para o trabalho tão certamente quanto fomos criados para o descanso. Por causa do pecado, fizemos de ambos [do trabalho e do descanso] ídolos, moldando-os para que sirvam à nossa autopromoção e à nossa preguiça. Nosso trabalho não nos satisfaz plenamente, e nosso descanso não restaura totalmente nossas forças.

Haverá um dia, porém, em que voltaremos a trabalhar como fomos criados para trabalhar. E em que descansaremos como fomos criados para descansar. Nosso trabalho não será frustrante, e nosso descanso não será entediante.

Por enquanto, ainda podemos e devemos fazer nosso trabalho de todo o coração, como se estivéssemos trabalhando para o Senhor (Colossenses 3.23). Quando enxergamos nosso trabalho como servir a Cristo, nosso Senhor, até mesmo as tarefas mais humildes são transformadas, e passam de trabalho a adoração. Nossos esforços se tornam ofertas, como expressões de nossos dons ou como atos de simples obediência.

Já limpei muitos chuveiros como se o fizesse para o Senhor, e provavelmente limparei muitos outros, antes de caminhar pela rua de ouro puro da Nova Jerusalém. Não haverá contas a pagar na cidade celestial; também não haverá mofo. Mas haverá bom trabalho a fazer. Que nosso jubiloso trabalho aqui e agora sirva como as primícias de nosso trabalho frutífero que está por vir.

Jen Wilkin é esposa, mãe e professora de Bíblia. Ela é autora de Women of the Word e None Like Him [Mulheres da Palavra e Ninguém como ele]. Encontre-a no twitter como @jenniferwilkin.

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‘Recatada e do lar’: conteúdo traduz o fundamentalismo para a linguagem do Instagram

Movimento recente de influenciadoras cristãs tenta “trazer de volta” uma visão estreita da feminilidade bíblica, com belas fotos, vestidos longos e pães caseiros.

Christianity Today April 17, 2024
WikiMedia Commons / Edits by CT

“Vamos trazer a beleza de volta”. Assim começa a legenda de um vídeo que viralizou no Instagram.

O clipe mostra Katie Calabrese, influenciadora cristã, em um vestido longo e esvoaçante, e na sequência traz uma montagem de imagens: flores sobre as páginas de uma Bíblia aberta, um varal cheio de roupas de linho de cores neutras, uma escadaria com degraus de madeira e paredes com revestimento ripado, uma mulher, cujo rosto não é mostrado, em frente de uma tigela com massa de pão, segurando um bebê no colo.

A legenda cita outras coisas que ela quer trazer de volta: jovens “que saibam preparar uma refeição deliciosa para convidados que chegam de surpresa”, que vão à igreja, que tenham famílias grandes e “que amem seu marido e o elogiem na frente dos outros”.

Calabrese pertence a um grupo on-line de influenciadoras do movimento tradwife [em tradução livre, “esposa tradicional”, expressão que denomina mulheres cristãs defensoras da volta de papéis de gênero ultratradicionais. No Brasil, pode ser comparado ao movimento de influenciadoras que se autodenominam piedosas e/ou produzem conteúdo mais fundamentalista]. Uma tradwife tem sua persona construída com base no resgate de várias expressões “tradicionais” de feminilidade, casamento, vida doméstica e vida familiar. A essência de sua mensagem, que propõe uma volta às origens, soa familiar para aqueles que cresceram em círculos cristãos fundamentalistas, embora seja singularmente empacotada para o Instagram e o TikTok, onde as postagens do movimento tradwife cresceram substancialmente desde 2020.

O conteúdo desse movimento é descaradamente a-histórico, pois se baseia em ideias e imagens de vários períodos, de várias épocas. Algumas tradwives constroem sua marca com uma persona ao estilo da June Cleaver [personagem de um sitcom norte-americano] dos anos 50, usam batom e vestido evasê para fazer o trabalho doméstico. Outras evocam versões imaginárias de Little House on the Prairie [seriado norte-americano que retrata a vida no campo]: vestidos longos, pão caseiro artesanal e propriedades rurais. Algumas postagens fazem uso de ilustrações de casas vitorianas ou de festas do período regencial.

Diferentemente de outros influenciadores que criam conteúdo sobre educação domiciliar ou sobre um estilo de vida dedicado a cultivar os próprios alimentos [no qual a própria família produz boa parte do que consome], uma influenciadora tradwife faz da fidelidade a algum aspecto da feminilidade “tradicional” um princípio central de sua marca e de sua identidade on-line. É uma distinção sutil, mas nem todas as influenciadoras on-line que usam vestidos longos e assam pães de fermentação natural se enquadram na categoria tradwife.

https://www.instagram.com/p/C4SCeKZtUPn/

“A tendência tradwife busca um passado mítico em que todos conheciam seu papel”, disse Emily McGowin, professora associada de teologia no Wheaton College e autora do livro Quivering Families: The Quiverfull Movement and Evangelical Theology of the Family [Famílias Quiverfull: O Movimento e a Teologia Evangélica da Família. A palavra “quiverfull” deriva da ênfase em encher sua “aljava” (quiver, em inglês) com o maior número possível de filhos (veja Salmos 127.5)].

“Vivemos em uma época de confusão e feiura. As pessoas estão procurando por aquilo que é belo e atraente, pelo tempo em que as coisas eram mais simples, embora saibamos que as coisas não eram de fato mais simples.”

Muitas influenciadoras do movimento tradwife também são crentes que colocam sua fé em primeiro plano, defendendo a “feminilidade bíblica” por meio de seus feeds elegantes e meticulosamente pensados. Mesmo as criadoras que não se consideram religiosas estão apresentando um ponto de vista e uma cosmovisão que muitas mulheres cristãs — especialmente as evangélicas — apoiam com entusiasmo.

A ideologia de gênero está no centro do que significa ser uma tradwife. Não é de surpreender que as mulheres evangélicas sejam atraídas por conteúdos que afirmam a diferença de gênero e colocam as mulheres em uma posição de quem serve a família e o marido — como também acontece com os católicos e os mórmons, bem como com alguns agnósticos da Nova Era e os “sem igreja” socialmente conservadores e não ligados a uma religião.

Evangélicos e mórmons se juntam no espaço do movimento tradwife, e compartilham de uma mesma visão de vida familiar, de casamento, de modéstia e de liberdade religiosa, apesar das diferenças teológicas marcantes.

Quando Hannah Neeleman, mórmon que participa do movimento tradwife, publica um vídeo de sua família de dez pessoas se arrumando para ir à igreja, em sua conta do Instagram intitulada “Ballerina Farm”, os seguidores evangélicos conseguem deixar de lado sua objeção ao tipo de igreja [que a família Neeleman frequenta], porque a visão apresentada tem muito pouco a ver com doutrina e práticas de adoração comunitária.

Pode ser que o fundamentalismo, e não um conjunto específico de crenças cristãs, seja o ponto em comum que funciona como um amálgama para esse império do movimento tradwife.

O colunista David French descreveu o fundamentalismo recentemente como uma postura psicológica marcada por convicção, ferocidade e solidariedade. O conteúdo do movimento tradwife e as comunidades de seguidores que se unem em torno desses influenciadores oferecem essas três coisas: convicção sobre uma forma de ser mulher, esposa e mãe que é mais satisfatória e ordenada por Deus; defesa feroz e persistente de um estilo de vida específico, bem como compromisso perfeccionista com sua estética; e solidariedade entre os milhões de seguidores que curtem, comentam e compartilham [esse tipo de conteúdo].

O separatismo, ou seja, levar uma vida à parte da sociedade, está incluído na proposta que o conteúdo do movimento tradwife oferece, atraindo os cristãos que querem estar “no mundo, mas não ser do mundo”, como as mulheres de Provérbios 31 dos dias de hoje. Essas influenciadoras são modelos que têm apelo para aquelas que querem se vestir, alimentar suas famílias, educar seus filhos ou limpar suas casas de forma diferente do esperado na sociedade do século 21, seja ela americana ou de outras partes ao redor do mundo.

As mulheres que cresceram em contextos religiosos fundamentalistas reconhecem os paralelos no conteúdo proposto pelo movimento tradwife. Ele vende um estilo de vida que elas experimentaram em primeira mão, que já lhes foi vendido por suas igrejas e comunidades religiosas.

Elas o veem como uma nova maneira de espiritualizar uma feminilidade hiperfeminina e papéis de gênero estritamente definidos. É um conteúdo que elas já viram antes, mas que recebeu uma nova embalagem para uma nova geração.

“Essas imagens de beleza singela e slow living [viver sem correria] não são reais”, disse Abbi Nye, arquivista da Universidade de Wisconsin-Milwaukee, que cresceu como a mais velha de nove filhos em uma igreja pentecostal Latter Rain, no norte do estado de Nova York.

Antes do Instagram, segundo Nye destacou, havia revistas voltadas para famílias cristãs conservadoras, como Above Rubies e Vision Forum (da organização de mesmo nome). Suas histórias nostálgicas e sentimentais incentivavam as mulheres a pensarem em ficar em casa, dedicarem-se à educação domiciliar, à jardinagem e a se manterem aptas a engravidar.

Nye disse que as famílias de sua igreja estavam tentando viver essa vida que as influenciadoras do movimento tradwifemodelam no mundo digital, mas que isso colocou as mulheres e as crianças em uma posição vulnerável. Praticamente todos estavam lutando para pagar as contas e sobreviver.

“O conteúdo do movimento tradwife que vemos on-line vem de pessoas com muito dinheiro. Em minha comunidade, a maioria das pessoas vivia abaixo da linha da pobreza”, disse Nye, que dirige uma rede de defesa para sobreviventes de abuso em sua comunidade religiosa. “Isso me deixa irada, pois sei que essa imagem que está sendo apresentada é falsa.”

Reportagens recentes sobre influenciadoras do movimento tradwife observaram que os porta-estandartes dessa tendência são bastante ricos. Neeleman é nora do fundador da JetBlue. A Ballerina Farm é um negócio lucrativo, e a conta tem quase 9 milhões de seguidores no Instagram, onde você pode ver Neeleman cozinhar, ordenhar vacas ou competir no recente concurso Mrs. World [que pode ser traduzido literalmente por ‘Senhora mundo’]

https://www.instagram.com/p/Ci9MSEBjYxY/

Os influenciadores desse movimento que não têm a mesma riqueza que Neeleman ainda podem tentar projetar a imagem de uma vida pefeita e de um lar idílico. A postagem de Calabrese sobre “trazer a beleza de volta” é uma montagem feita de imagens que ela encontrou no Pinterest (como ela mesmo reconhece na legenda).

A autora Tia Levings, que aparece na recente série documental Shiny Happy People [Pessoas felizes e brilhantes], diz que o conteúdo do movimento tradwife é apenas uma nova encarnação da mídia e dos livros que a levaram à vida “trad” [estilo de vida tradicional], em meados dos anos 90.

Levings frequentou igrejas e conferências onde aprendeu sobre os perigos das vacinas e dos pediatras, a importância das conservas para montar uma despensa para o fim dos tempos e como encomendar kits de parto e remédios à base de ervas pelo correio. Eram distribuídos revistas, catálogos e panfletos caseiros para ajudar as mulheres a imaginarem uma existência mais pura e afastada do mundo.

A edição de abril de 2009 da Above Rubies traz uma matéria de duas páginas sobre pão de fermentação natural (um dos pilares das influenciadoras do movimento tradwife dos dias de hoje) e um artigo intitulado “How to Fight Like a Woman” [De que maneira lutar como uma mulher], que exorta mulheres a “chorar como uma guerreira” porque “as lágrimas são exclusivas das mulheres e levam Deus a lutar”.

O artigo que traz a receita do pão de fermentação natural poderia tranquilamente ser copiado da legenda de um reel qualquer do Instagram que elogiasse “pão caseiro, artesanal, orgânico, nutritivo, feito com massa de fermentação natural e grãos ancestrais”, livre de fitatos que “tornam o pão muito mais difícil de digerir”, mas que também alerta: “se você tiver mais de 30 anos e não tiver um metabolismo veloz como o Ligeirinho, não coma mais de dois pedaços por vez”.

A diagramação da Above Rubies não tem o refinamento estético do atual conteúdo viral do Instagram, mas a revista está claramente tentando alcançar as mulheres com as mesmas mensagens: O mundo ao seu redor — a comida, as escolas, a mídia — não é como deveria ser. Você, como mulher, pode tornar sua casa diferente.

“A mensagem não é diferente”, disse Julie Ingersoll, professora de estudos religiosos da Universidade do Norte da Flórida. “A mídia é diferente, e isso tem algum impacto. Mas quando se olha para a mídia anterior, podemos reconhecer suas raízes.”

A família de Rebekah Hargraves passou a frequentar uma igreja reformada integrada à família, perto de Chattanooga, no Tennessee, durante sua adolescência, e logo foram conquistados pelos catálogos e pela mídia da Vision Forum.

Hargraves e seu pai participaram de conferências para pais e filhas, nas quais os homens falavam sobre o valor de ser uma filha dona de casa e de abrir mão do sonho de ter uma carreira profissional, a fim de cumprir uma vocação mais elevada.

“Minha família estava no ponto para ser colhida, em alguns aspectos”, disse Hargraves, hoje escritora e blogueira adepta da educação domiciliar para seus dois filhos. “Minha mãe tinha essa imagem sonhadora de volta ao passado. Meus bisavós tinham uma fazenda. Todos nós tínhamos uma visão romantizada desse estilo de vida.”

Hargraves foi educada no sistema de educação domiciliar, mas a vida doméstica começou a ficar diferente, quando a família adotou os ideais defendidos por livros como So Much More [Muito mais], um guia de sobrevivência para mulheres jovens que vivem em uma “cultura selvagemente feminista e anticristã”.

“Passei do pensamento ‘Puxa, não seria legal usar vestidos longos?’ para a crença de que era pecado não usá-los”, disse Hargraves.

Antes de entrar para a nova igreja, ela sonhava em trabalhar no mundo editorial — mais especificamente para a Lifeway, a editora da Convenção Batista do Sul. Mas a nova visão de feminilidade que lhe fora apresentada parecia exigir que ela deixasse esse sonho de lado.

Levings, cujos pais eram empresários do meio-oeste americano, cresceu acreditando que poderia ter uma carreira e ser dona de casa; porém, pouco depois que se tornou mãe, foi conquistada pela ideia de que dedicar sua vida ao lar e à família era a sua maior vocação. Ela acredita que o conteúdo do movimento tradwife, tanto o antigo quanto o novo, oferece a muitas mães cristãs algo que elas desejam desesperadamente: reafirmação e reconhecimento.

“As mães estão exaustas; então, a beleza estética é parte do que ajuda a trazer as mulheres de volta para o lar. Por que não fazer jardinagem e potes de conserva? E acontece que tudo isso agrada aos olhos”, disse Levings. “Esfregar o chão se torna um ato sagrado. Você está cumprindo a Grande Comissão por meio da maternidade.”

Para Levings, romantizar as tarefas domésticas mundanas parecia uma forma de honrar e de elevar esse trabalho à condição de única opção digna para as mulheres. O senso de propósito justo e convicção eram poderosos. Era sua maneira de participar do projeto dominionista de ganhar o mundo para Cristo. E, por um tempo, isso manteve Levings comprometida com seu papel.

“Você sente que está fazendo uma escolha positiva e proativa em favor de sua casa e de sua família”, disse Levings. “Mas eu estava tão isolada e sozinha em minha pequena casa no subúrbio. O resultado de tudo isso foi solidão.”

As influenciadoras cristãs do movimento tradwife mostram seus estilos de vida, suas famílias e seus lares como fonte de inspiração, mas também como prova de que o compromisso com a versão delas de feminilidade “tradicional” produz coisas boas e belas. O conteúdo é cativante; e assim deve ser. A implicação que está por trás é que esse estilo de vida está de acordo com o projeto e a intenção de Deus para as mulheres e suas famílias. A combinação entre estética e missão espiritual torna essa mensagem especialmente urgente e potente.

“Estávamos muito conscientes de estar provando alguma coisa”, disse Abbi Nye, acrescentando que a esposa de seu pastor instruía as famílias a verem sua conduta e sua aparência como um testemunho para o mundo. “A razão pela qual vestíamos roupas bonitas era para tornar Jesus atraente para o mundo. Tínhamos que provar que o ensino domiciliar era o melhor, que nossa igreja era a melhor, que esse era o melhor caminho.”

Sua missão incluía provar não só a superioridade de seu estilo de vida separatista, mas também seu compromisso com papéis de gênero e hierarquia claramente definidos. O feminismo era o inimigo, assim como muitas adeptas do movimento tradwife nos dias de hoje dizem oferecer uma alternativa ao feminismo fracassado das “chefonas”.

A convicção, a ferocidade e a solidariedade que Nye, Hargraves e Levings experimentavam acabaram dando lugar à percepção de que uma visão abstrata de feminilidade tradicional e de vida familiar tradicional não cumpria as promessas de uma vida bela, confortável e pacífica. Isso também começou a desmoronar, quando elas se depararam com mulheres cristãs que estavam fazendo as coisas de modo diferente.

Aos 17 anos, quando Hargraves se matriculou em uma aula de dança de salão para estudantes do sistema de educação domiciliar, ela ficou chocada com uma colega que usava shorts. “Mas ela tinha uma luz sobre si”, disse Hargraves. “E eu não conseguia entender como alguém poderia ter Cristo e usar shorts.”

Esse encontro abalou sua confiança na retidão e na superioridade do estilo de vida de sua família, e hoje ela o vê como o início da revelação de seu compromisso com uma vida “tradicional”.

“Isso plantou em mim uma semente de dúvida. E me deixou desconfortável, mas eu não podia ignorar. Pensei: ‘Talvez eu esteja errada, algo não está batendo’”.

Para algumas mulheres cristãs, o modelo do movimento tradwife parece oferecer uma maneira ideal de viver a feminilidade bíblica, mas a orientação fundamentalista de grande parte do conteúdo implica que há um ideal, aquele algo que é o “melhor de Deus” para as mulheres.

Até mesmo os conservadores que atribuem certos papéis de gênero como bíblicos têm advertido contra apresentar ou ver a estética do movimento tradwife como o padrão cristão.

“Evidentemente, não há nada de errado em viver em uma fazenda, fazer seu próprio pão de fermentação natural, cultivar os próprios alimentos e todas essas coisas maravilhosas; porém, como isso se tornou uma tendência no TikTok e nas mídias sociais, infelizmente algumas pessoas cometeram o erro de confundir essa chamada vida tradicional e o fato de ser uma esposa tradicional com ser uma esposa bíblica”, disse a comentarista Allie Beth Stuckey, na conferência Founders, que aconteceu em março. “Há padrões bíblicos, é claro, para os quais as mulheres são chamadas, mas eles não são padrões definidos pelas mídias sociais.”

Os defensores dos criadores de conteúdo dizem que as tradwives estão se expressando, construindo negócios e publicando conteúdo que serve ao seu público. Ainda assim, o conteúdo das tradwives, impulsionado pela fé, faz afirmações e implicações significativas sobre a teologia de gênero.

“Nossa teologia de gênero é muitíssimo importante”, disse McGowin. “Mas quando Jesus prega o evangelho, ele não fala sobre como estamos representando nosso gênero.”

Embora o evangelho que encontramos nos conteúdos do movimento tradwife afirme oferecer às mulheres um caminho diferente e melhor, quem já viveu suas versões anteriores sabe que o fundamentalismo e o legalismo podem prometer liberdade, mas acabam com uma visão que, embora bonita, é, em última análise, estreita e enclausurante.

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Seu trabalho é importante para Deus porque você é importante para Deus

O mandato da criação preenche uma lacuna no movimento fé e trabalho.

Christianity Today April 13, 2024
Illustration by Christianity Today / Source Images: Unsplash / Pexels / Getty

Se alguém fosse resumir em uma única frase a tese que está por trás do movimento fé e trabalho na atualidade, provavelmente diria: “Seu trabalho é importante para Deus”.

Dezenas de livros foram publicados sobre o assunto e um movimento aparentemente significativo de conferências, sites e recursos ganhou força nas últimas duas décadas. As respostas sobre por que nosso trabalho é importante para Deus e o que isso significa na prática podem variar, mas a mensagem de que “nosso trabalho é importante para Deus” deu forma à grande parte dessa conversa, tanto nas igrejas quanto em ambientes de trabalho cristãos.

Mas acredito que precisamos de uma compreensão mais kuyperiana desse conceito. Nosso trabalho é importante para Deus porque toda a ordem criada pertence a Cristo, e encontramos no relato da criação não apenas as verdades antropológicas que importam para esse assunto (que a humanidade é portadora da imagem de Deus), mas também as verdades ontológicas (que nosso próprio ser está ligado ao nosso mandato pré-queda para sermos trabalhadores e cultivadores da criação de Deus). Esse apelo fundante a uma teologia do trabalho exige uma compreensão pré-queda do trabalho e do propósito e, em seguida, uma aplicação pós-queda.

Uma compreensão kuyperiana dessa teologia oferece uma visão do trabalho que, assim como toda a natureza, está contaminado pelo pecado, mas também está submetido à obra redentora do plano de Deus na história. Os seres humanos, como portadores da imagem de Deus — que foram criados com uma incompreensível capacidade de produtividade e criatividade — demonstram o senhorio de Cristo, mesmo em um mundo caído, e participam do glorioso processo de redenção, à medida que nossos esforços terrenos constroem o reino de Deus tijolo a tijolo, tarefa por tarefa.

“Algumas pessoas imaginam o estado de glória, em volta do trono de Deus, como se todo o trabalho tivesse terminado, para saborearmos o júbilo celestial em agradável ociosidade”, dizia Abraham Kuyper. “Essas pessoas não conhecem Deus, nem seus anjos, nem como será a vida no céu”.

Uma visão decadente do trabalho, que vemos na cultura em geral, conseguiu retratar o trabalho como um fator que contribui significativamente para o estresse, a ansiedade, a desolação e o isolamento. Pressupostos humanistas, muitas vezes inconscientemente associados ao elitismo, deram origem à ideia de que as profissões básicas do mercado — dos trabalhadores de colarinho azul ou de atividades que não exigem um diploma de pós-graduação — são “inferiores”, o que contribui para um olhar arrogante da sociedade e para uma grave insatisfação do trabalhador. Essa dinâmica de causa e efeito é um círculo vicioso que prejudica a realização e o florescimento [do ser humano].

O movimento fé e trabalho promete ser um antídoto para esse ciclo de feedback negativo. Uma visão elevada do trabalho nega a necessidade de a pessoa sucumbir ao pensamento de que o trabalho é um “beco sem saída”, e certamente evita a tentação de abandonar de uma vez por todas o mercado de trabalho (onde os graus de desespero são dos mais intensificados).

Mas eu argumentaria que, no próprio mandato da criação (Gênesis 1—2), encontramos significado para nossos esforços terrenos, o que oferece um remédio para essa crise de desespero. Não só podemos evitar a noção terrivelmente contraproducente de que o trabalho está causando esses problemas, como também podemos acatar a solução que o trabalho pode nos oferecer para solucioná-los.

A sociedade ocidental parece sugerir que, no mercado, altos estratos sociais e valor econômico são significativos; no entanto, rende-se à ideia de que outras formas de trabalho não podem proporcionar significado e realização ao ser humano. Mas será que o movimento fé e trabalho está preparado para fazer algo melhor do que isso? Será que algumas décadas dizendo “seu trabalho é importante para Deus” realmente nos prepararam para o que temos nas mãos? Ou será que “seu trabalho é importante para Deus” é um lema que só vale para o mesmo grupo demográfico ao qual a cultura secular se refere — isto é, aos membros da elite, bem remunerados, altamente instruídos e de colarinho branco, que compõem a força de trabalho e ganham elogios significativos da cultura em suas profissões?

Talvez eu não seja o candidato perfeito para afirmar que nosso trabalho é importante para Deus não só quando é acompanhado de riqueza e prestígio, mas universalmente. Reconheço abertamente que sou um trabalhador de colarinho branco que alcançou sucesso financeiro em um campo notoriamente reconhecido pela cultura (em Wall Street). O garçom frustrado ou o motorista de ônibus exausto podem não estar interessados em ouvir, da boca de uma elite rica e engravatada, que seu trabalho é importante. E, no entanto, o valor universal de todo tipo de trabalho é o ponto crucial para uma compreensão devidamente estruturada de trabalho, de vocação, de criação e dos compromissos teológicos que envolvem esse assunto.

Um apelo do século 21 para integrarmos fé e trabalho, assim como qualquer outro apelo à importância de todo trabalho, morre, quando não está conectado a uma compreensão criacional da pessoa, do propósito e dos planos do ser humano.

A mensagem de que nosso trabalho é importante para Deus é precisa, mas a implicação de que isso é verdade na medida em que levar ao sucesso nos quatro cantos de um escritório é excludente, arrogante e, o pior de tudo, teologicamente falha, ainda que bem-intencionada. O mundo e, com bastante frequência, a própria igreja se esforçam tanto para dar propósito à força de trabalho, pelo simples fato de que o próprio fundamento da mensagem de que nosso trabalho é importante para Deus é falho ou incompleto.

Nosso fundamento para o trabalho e a vocação sempre se refere à pessoa humana. Deus se importa com o trabalho porque se importa com o trabalhador e, em uma antropologia distintamente cristã, não estamos lidando meramente com produtores e consumidores ou com economia unitária [ou seja, com a relação custo-receita por unidade], mas sim com seres humanos criados por Deus com propósito e dignidade.

Embora certas formas de trabalho exijam mais expertise ou instrução do que outras, todo tipo de trabalho é feito por um ser humano criado à imagem de Deus e é feito em benefício de outros seres humanos criados à imagem de Deus. A realidade econômica de que as pessoas só pagarão por um trabalho que agregue valor é fundamental. Nosso trabalho desempenha algum papel na produção de bens ou serviços que atendem a necessidades humanas. Em um nível econômico básico, isso tanto era verdade quando eu varria o chão do cinema do meu bairro, aos 16 anos, quanto é agora, quando gerencio carteiras de investimentos, aos 50 anos.

A mensagem de Gênesis 1 é que o sujeito que faz o trabalho (o trabalhador) é importante para Deus. Pode haver uma grande variação no valor do objeto do trabalho, do ponto de vista sociológico, cultural e comercial. O que não muda é o valor subjetivo do trabalho, incutido em uma criação que deu domínio e dignidade ao sujeito. Deus, em seu amor e sabedoria infinitos, como alguém que não faz acepção de pessoas, deu a toda a criação humana a bênção do trabalho — a bênção de um processo criativo, produtivo e inovador de serviços e atividades.

Ao longo da história, tanto a tecnologia quanto o capital modificaram as ramificações objetivas desse fato, alterando os meios e as circunstâncias por intermédio dos quais os bens e serviços são produzidos. Mas ambos jamais alteraram a realidade subjetiva de Gênesis 1, o fato de que o mandato da criação é universal e está indissociavelmente ligado à pessoa humana como protagonista da atividade econômica.

E, se a pessoa humana é o protagonista, o trabalho é o verbo da economia [e não o sujeito]. Nessa estrutura, nós nos divorciamos da inveja de classes, da luta de classes e de um sistema de castas em prol do movimento fé e trabalho. As forças do mercado atribuem valores diferentes a determinadas habilidades e funções, porém, não podem alterar a realidade criacional que está em jogo nessa discussão. Os diferentes níveis de remuneração e de status não vão desaparecer, nem deveriam, quando pensamos nas dimensões objetivas do trabalho e da vocação.

O fato de que uma força de trabalho diversificada sempre terá variações na precificação de mercado para diferentes habilidades, serviços e empreendimentos aumenta a aposta para aqueles de nós que pedem a integração entre fé e trabalho.

A mensagem kuyperiana do senhorio de Cristo é endossada na cozinha do restaurante e na sala da diretoria executiva, quando ela parte de verdades criacionais sobre a antropologia. A tolice da mensagem do mundo é que o trabalho é importante na medida em que constrói status, o que leva a uma grande fatia de pessoas insatisfeitas na população, pelo fato de esse status ser algo tão difícil de se alcançar. A mensagem para o movimento fé e trabalho do século 21 deve ser que o trabalho é importante porque o trabalhador é importante.

David L. Bahnsen é o fundador, sócio-gerente e diretor de investimentos do The Bahnsen Group e autor de Full-Time: Work and the Meaning of Life (2024).

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Culture

O neoateísmo finalmente aprendeu como destruir o cristianismo

O “cristianismo” cultural de Richard Dawkins tem potencial para esvaziar nossa fé com muito mais eficiência do que ataques diretos.

Christianity Today April 11, 2024
Ilustração: Christianity Today / Fonte da imagem: Unsplash

Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore. Para recebê-la, inscreva-se aqui.

Um dos ateus mais notórios também teve o seu momento “venha para Jesus”. E descobriu, finalmente, uma maneira de minar a religião cristã que ele tanto detesta. Mas, ao contrário de seus esforços anteriores, esse pode realmente funcionar.

Richard Dawkins, autor de The God Delusion, está entre os mais reconhecidos proponentes do neoateísmo ou novo ateísmo, um movimento que rejeita a existência de Deus e que teve sua época de ouro há 15 ou 20 anos. De fato, ele foi um dos “quatro cavaleiros” do movimento, juntamente com Christopher Hitchens, Sam Harris e Daniel Dennett.

O que havia de “novo” em todo esse movimento dificilmente seriam os argumentos, que eram, no geral, um Bertrand Russell requentado. A novidade estava no ânimo beligerante de tudo isso. O público podia sentir um senso vicário do contraculturalismo sarcástico, quando ouvia Hitchens ridicularizar não apenas televangelistas ou padres abusivos, mas também dizer que Madre Teresa era uma fraude. Esse caráter teatral acabou se desgastando com o tempo, até que mesmo colegas ateus pareciam envergonhar-se dele.

Mas eis que Dawkins ressurge das cinzas, em um vídeo que viralizou, e desta vez defendendo o cristianismo… ou quase isso. Por um lado, ele observa a queda da frequência às igrejas e da identificação cristã em seu país, o Reino Unido, e diz que, em certo nível, ele fica feliz em ver isso. Contudo, por outro lado, Dawkins continua, ele se sente “ligeiramente horrorizado” ao ver a promoção do Ramadã no Reino Unido. Afinal de contas, ele é um cristão que vive em um país cristão.

Para que ninguém fique confuso, Dawkins deixou claro que ele é um “cristão cultural, […] e não um crente”. Ele adora os hinos, as canções de Natal e as catedrais — ou seja, tudo que diz respeito ao cristianismo, exceto, bem… exceto Cristo. “Gosto de viver em um país culturalmente cristão”, disse Dawkins, “embora eu não acredite em uma única palavra da fé cristã”.

Nesse caso, ser cristão cultural é um conceito com um significado distinto para Dawkins, e que equivale a “não ser muçulmano”. É uma forma de definir quem somos nós e quem são eles com base nos costumes nacionais, e não com base em qualquer preocupação quanto a quem Deus é (ou se ele existe).

Lembrei-me de imediato de um trecho da série de televisão Ramy, em que o personagem principal, interpretado por Ramy Youssef, conversa com um empresário judeu sobre as semelhanças entre as experiências dos judeus americanos e dos muçulmanos americanos. Uma das principais semelhanças, segundo Ramy, é a “ausência do Natal”.

Não consigo pensar em nenhum dos meus amigos e conhecidos judeus ou muçulmanos que definiriam o fato de ser judeu ou de ser muçulmano dessa forma (e tenho certeza de que nem o próprio Youssef diria que isso resume tudo). Mas suspeito que existam algumas pessoas para as quais esse sentimento é a parte principal de sua identidade nos Estados Unidos, e para as quais a questão não é se Deus realmente estava lá no monte Sinai ou em Meca, mas sim quem faz parte desse nós e quem são eles. O tipo de “cristianismo” proposto por Dawkins apenas substitui a “ausência do Natal” pela “plenitude do Natal”, pela “plenitude da Páscoa” ou, mais precisamente, pela “ausência do Ramadã”.

Há mais ou menos quinze anos, alguns amigos meus cristãos ficaram apavorados com o neoateísmo. Eles consideravam o discurso dos “quatro cavaleiros” como sinal de algum tipo de catástrofe, da qual esses ateus eram uma vanguarda. No entanto, o projeto não deu certo. Sim, algumas partes do mundo ocidental continuaram a se secularizar, mas, dentre todas as razões para a perda da fé, é provável que não estejam os argumentos da obra de Dawkins, The God Delusion.

Se eu fosse um aprendiz, um verdadeiro defensor do Diabo, e estivesse aconselhando os ateus sobre a melhor forma de realmente destruir a igreja, o tipo de cristianismo cultural explicitamente desiludido de Dawkins não seria a minha proposta. O ateísmo explícito não funcionará, pelo menos de início. As pessoas nutrem uma certa atração por pertencer e por adorar. No entanto, eu proporia o impulso básico do que Dawkins disse, embora vinculado a uma retórica que ainda soasse religiosa. Atacar o cristianismo raramente funciona; cooptá-lo é o que geralmente funciona.

O ímpeto de transformar a religião em uma maneira de provar a própria identidade cultural contra os “forasteiros” sempre encontrará um público ávido. Para aqueles que adoram a própria carne — definida em termos de raça, região, classe, identidade política, o que quer que seja — ter um mascote que possam chamar de “deus” sempre será útil. Projetar tudo aquilo que eles amam — a respeito de seu próprio povo, de sua nação e de si mesmos — em um mascote inquestionável e incontestável pode gerar coesão. Eles podem até chamar esse mascote de “Jesus”.

Esse tipo de “cristianismo” esvazia a religião cristã com muito mais eficiência do que as tentativas diretas de convencer as pessoas de que Deus é uma ilusão. Ele derrota o cristianismo ao substituir o Deus vivo por um deus que é, de fato, uma ilusão.

Funciona para reprimir a consciência que, na noite mais profunda, diz: “O Deus que você está adorando é uma projeção do seu grupo; o grupo que você está adorando é uma projeção de você mesmo”. E elimina a fé cristã que exige não a conformidade exterior, mas sim um novo nascimento, a renovação da mente e a união com o Cristo vivo. Em seguida, esse tipo de “cristianismo” passa a habitar a casca dessa religião, paganizando-a, até que possa jogar fora essa casca.

Essa mudança final não demora muito. E essas religiões definidas por sangue e solo nunca se contentam em valorizar seu próprio sangue e seu próprio solo. Com o tempo, elas passam a derramar o sangue de outras pessoas e a roubar o solo de outras pessoas.

O problema com o “cristianismo cultural” de Dawkins, portanto, não é o fato de ele confessá-lo em voz alta; é o fato de muitas pessoas terem a mesma opinião dele, mas não confessarem isso… ainda. O cristianismo não tem a ver com hinos nacionais, capelas em vilarejos e canções de Natal à luz de velas. E certamente não tem a ver com usar alavancas da cultura ou do Estado para coagir outras pessoas a fingirem que são cristãs, quando não são.

Se o evangelho não for real, o evangelho não funciona. O paganismo genuíno sempre vencerá o cristianismo fingido.

O apóstolo Paulo advertiu que, nos últimos dias, os falsos mestres lançariam mão de tudo o que as pessoas desejam — prazer, poder, pertencimento, ego — para introduzir um tipo de religião com “aparência de piedade, mas negando o seu poder” (2Timóteo 3.5). O diabo é suficientemente inteligente para usar o cristianismo oco e cultural a fim de nos tornar ateus a longo prazo, e também para perceber que a melhor maneira de derrubar uma cruz é substituindo-a por uma cultura, uma coroa ou uma catedral — ou até por uma árvore de Natal.

Mas lembre-se de uma coisa: Jesus está vivo e consciente de tudo. E ele também é um cavaleiro.

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública da revista.

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O complementarismo sobreviverá?

Quero continuar me descrevendo como complementarista. Mas precisamos resgatar o significado do termo.

Christianity Today April 10, 2024
Illustration by María Jesús Contreras

Há futuro para o complementarismo? Eu não estou questionando se o conceito em si da complementaridade entre homens e mulheres, ordenado por Deus, continuará a existir. Aqueles de nós que defendem o princípio da igualdade e distinção entre os gêneros entendem que esse conceito está fundamentado nas próprias Escrituras. Na verdade, refiro-me ao complementarismo como um movimento específico, um arcabouço coerente de algumas dessas convicções bíblicas.

Eu gostaria muito de poder continuar me descrevendo como complementarista por convicção, acreditando que as Escrituras prescrevem papéis específicos para homens e mulheres na igreja e no lar. Mas, nos últimos anos, o crescente cancelamento, além da cooptação e da canibalização do complementarismo como conceito me levaram a questionar se continuarei a usá-lo para descrever minhas convicções.

Desde que a palavra complementarismo foi usada pela primeira vez, no final da década de 1980, para descrever ou delimitar as crenças teológicas que sustento, o conceito tem sido alvo de muitas críticas. Como cristãos, não devemos temer perguntas; pelo contrário, devemos acolher críticas saudáveis e respeitosas. Elas nos fazem questionar nossas convicções, identificar nossos pressupostos tácitos e crescer em nossa compreensão e conhecimento de Deus.

O cancelamento, por sua vez, é diferente. Não é dizer simplesmente: “Acho que você está errado, e aqui está o motivo”. Cancelamento é dizer: “Você não merece existir. Não há lugar para você aqui”. E, lamentavelmente, um número crescente de opositores do complementarismo está optando por passar da crítica diretamente para o cancelamento. De fato, muitos críticos mais atuais e mais jovens tendem a condenar todas as formas de complementarismo — em quaisquer tempos e lugares — como algo intrinsecamente abusivo e intolerável.

Compartilho do lamento expressado por muitos desses irmãos e irmãs. Lamento que a teologia complementarista tenha sido mal utilizada e distorcida por aqueles que se intitulam seus proponentes, em profundo detrimento e prejuízo de outros, principalmente das mulheres. Em oração, anseio por arrependimento e por uma repactuação com aquilo que, segundo estou convencida, é o ensino biblicamente fiel e frutífero da complementaridade entre homens e mulheres.

No entanto, muitos agora veem o conceito de complementarismo como fundamentalmente incapaz de ser algo que não seja prejudicial às mulheres, de forma que não há lugar para ele na igreja contemporânea. Todavia, isso significa que não há lugar na igreja para mulheres que, como eu, são complementaristas.

Tenho doutorado em teologia e uma vasta experiência em liderança ministerial, além do respeito e do apoio de inúmeros colegas homens, que também são complementaristas. Quando busco apresentar minha própria experiência e minhas credenciais como prova de que o complementarismo é, de fato, capaz de enaltecer e honrar as mulheres, sou confrontada com a afirmação de que é impossível que o complementarismo tenha gerado tais resultados positivos e que, portanto, não devo de fato ser complementarista.

Como é possível que o complementarismo tenha um futuro significativo, quando seus oponentes argumentam que ele sequer deveria existir no presente?

No entanto, o cancelamento não é a única coisa que ameaça o futuro do complementarismo. Seu arcabouço teológico também está sendo cooptado por aqueles que sustentam uma visão muito mais restritiva sobre relacionamentos e papéis de gênero, com o intuito de eliminar quaisquer diferenças entre o complementarismo e o patriarcalismo (o domínio social dos homens). Mas a teologia complementarista não é a mesma coisa que a ideologia patriarcal. Aqueles de nós que estão comprometidos com os princípios teológicos definidores do complementarismo conseguem detectar as diferenças de imediato.

Escrito em 1987, o documento fundante do complementarismo — a Declaração de Danvers —insiste na igualdade ontológica entre homens e mulheres. Ele também reconhece a existência de distinções bíblicas e apresenta o ensino da Bíblia sobre a forma piedosa como essas distinções se expressam no lar e na igreja. Ele chama as mulheres a exercerem a inteligência que lhes foi dada por Deus, a não serem subservientes e a proativamente tornarem a “graça de Deus conhecida em palavras e ações”.

Isso está em direto contraste com aqueles que dizem que homens e mulheres são diferentes em sua essência, que estendem a liderança masculina para além do casamento e da igreja, alcançando todas as áreas da sociedade, que afirmam que não há lugar para mulheres nos estudos teológicos (ou até mesmo na educação superior de forma geral), que incentivam os maridos a determinarem quais livros cristãos permitirão ou não que suas esposas leiam e que sugerem que não há ministério legítimo para as mulheres fora do lar. Isso não é complementarismo.

Para ser justa, muitos defensores do patriarcado reconhecem isso. Na visão deles, o complementarismo é excessivamente passivo, não vai longe o bastante. No entanto, apesar dessa percepção, o complementarismo está cada vez mais sendo cooptado por essa ideologia distorcida e repressora.

Quando não há distinção pública que seja reconhecida entre esses dois pontos de vista contrastantes, como o complementarismo pode se afirmar em seus próprios termos? Como pode continuar a ter um significado genuíno no futuro?

Além do cancelamento e da apropriação por elementos de fora, a terceira e provavelmente maior ameaça presente ao futuro do complementarismo é a canibalização interna.

Ela ocorre quando seus adeptos insistem em redefinir o complementarismo para além dos princípios teológicos fundacionais da Declaração de Danvers. Certamente, diferentes indivíduos, igrejas e ministérios chegarão a diferentes conclusões sobre a aplicação desses princípios.

No entanto, o perigo da autodestruição se apresenta quando tais interpretações são definidas como a única forma fiel de complementarismo. Isso ocorre quando não se dá espaço para conclusões diferentes, ainda que estejam fundamentadas nas afirmações teológicas definidoras do complementarismo e sejam consistentes com estas.

A canibalização também acontece quando os que se intitulam complementaristas refutam com avidez o menor indício de pensamento feminista e, ao mesmo tempo, aparentemente se contentam em ignorar a misoginia evidente. Recentemente, acompanhei um tweet de uma mulher que se identificava como feminista cristã ser alvo de um ataque agressivo por certos setores complementaristas. Ao mesmo tempo, um vídeo que viralizou, no qual era dito que as mulheres são biologicamente menos capazes de pensar racionalmente do que os homens, foi recebido com um silêncio praticamente indiferente pelo mesmo grupo.

Quando nós, complementaristas, somos seletivos sobre os princípios bíblicos que vamos ou não defender, participamos de nossa própria destruição. Como pode haver um futuro para o complementarismo se nós, seus adeptos, não defendermos de forma abrangente e consistente aquilo em que afirmamos acreditar?

Não posso dizer com certeza se há futuro para o complementarismo da forma como o conhecemos. No entanto, acredito que ele só terá um futuro, se os cristãos complementaristas estiverem dispostos a demonstrar, de forma consistente, tanto em palavras quanto em ações, que estão errados aqueles que julgam o complementarismo (e os complementaristas) incapaz de produzir bons frutos do evangelho. Creio ainda que ele só terá um futuro se estivermos dispostos a denunciar implacavelmente ensinamentos não bíblicos e misóginos sobre homens e mulheres; e se estivermos dispostos a assumir a responsabilidade por nossos princípios teológicos, tanto nos recusando a ir além deles quanto nos contentando com nada menos do que eles.

Se o complementarismo tiver um futuro divinamente designado, isso exigirá que tanto seus adeptos masculinos quanto femininos invistam proativamente nesse futuro, colaborando em uma parceria complementar e genuína uns com os outros. Aí reside o desafio, mas também a oportunidade: modelar o que realmente significa o fato de Deus ter criado homens e mulheres para que, juntos, sejam portadores da sua imagem.

Temos a chance de reiterar o papel central que Deus tem se agradado que as mulheres desempenhem no desenrolar da história das Escrituras (como em Lucas 24.1-12) e de desempenhar o tipo de parceria ministerial maravilhosa entre homens e mulheres que vemos em Romanos 16.

E temos a oportunidade de imitar e, assim, honrar nosso Salvador, que sempre tratou as mulheres com imensa dignidade e respeito, que as chamou a encontrar vida abundante nele e que as exortou a convidar outros a fazerem o mesmo.

Danielle Treweek é autora de The Meaning of Singleness: Retrieving an Eschatological Vision for the Contemporary Church [O significado da solteirice: resgatando uma visão escatológica para a igreja contemporânea] e oficial de pesquisa diocesana da Diocese Anglicana de Sydney.

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Por que os homens jovens não estão conseguindo voar com as próprias asas

Para os homens da Geração Z, que se sentem sem propósito e perdidos, o caminho para sair do sofá é o caminho da cruz.

Christianity Today April 9, 2024
Felipepelaquim / Unsplash

Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore. Para recebê-la, inscreva-se aqui.

Há algumas semanas, eu estava conversando com um grupo de homens — entre eles havia ateus; cristãos; judeus; conservadores; progressistas; e alguns de centro. Eram de origens geográficas, culturais e profissionais completamente diferentes.

Todos eles queriam falar sobre uma coisa: o número de jovens que conhecem que parecem estar perdidos, sem propósito. Para alguns desse grupo, o problema era urgente porque se tratava de seus próprios filhos. Para a maior parte deles, tratava-se de seus sobrinhos, afilhados ou dos filhos de seus amigos e vizinhos.

Na maioria dos casos, eles não estavam falando sobre o tipo de coisa com que as pessoas costumavam se preocupar em relação a meninos e rapazes. Não estavam preocupados com violência de gangues, dependência de drogas, corridas de carro ou brigas de rua. Nem mesmo estavam falando sobre promiscuidade sexual ou consumo excessivo de álcool. Eles estavam falando de algo bem diferente: de uma espécie de desesperança, uma falta de ambição até mesmo de sair de casa, em alguns casos, quanto mais de sair pelo mundo e formar suas próprias famílias.

Uma maneira de identificar esse problema é seguir o velho e já conhecido caminho de culpar a próxima geração por ser preguiçosa e mimada. Você sabe que está ficando velho não quando nascem seus primeiros cabelos brancos ou quando seus músculos doem só de pegar uma meia no chão, mas quando vê memes do Instagram sobre a sua geração, mostrando postes de luz ao anoitecer, acompanhado dos dizeres “Ei, geração Z, este era o aplicativo que nos dizia que já era hora de voltar para casa”.

Em geral, esse tipo de mentalidade “Vocês, jovens, saiam já do meu gramado” (ou “Vão brincar lá fora, em vez de ficarem dentro de casa jogando”) é insípida — uma certa nostalgia enganosa mesclada com o narcisismo geracional do tipo “Somos melhores do que vocês”.

Além disso, aqueles que realmente convivem com homens e mulheres jovens sabem que esses estereótipos simplesmente não são verdadeiros. Eu confiaria mais em meus filhos (que estão no primeiro e no último anos do ensino médio) do que confiaria em mim mesmo ou em qualquer um dos meus colegas de classe, quando tínhamos essa mesma idade. E as pessoas que conheço que lideram ministérios voltados para estudantes costumam dizer a mesma coisa sobre os rapazes e as moças que conhecem.

No entanto, não é preciso acreditar em tudo isso para se ver que há realmente algo de errado e que isso, de certa forma, está afetando meninos e meninas, bem como rapazes e moças de maneira diferente. Também é importante percebermos que há algo de errado para esses jovens, e não com eles.

Bate-papos sobre homens jovens que não conseguem voar com as próprias asas, como esse que tive com meus amigos, são por si só raros a ponto de se tornarem obsoletos, pois implicam deixar de lado, por um momento, as coisas que “devem” ser ditas para não ultrapassar os limites da própria tribo.

Para os que são de esquerda, isso significa dizer algo que talvez os levasse a serem denunciados ao departamento de RH em certos locais de trabalho: dizer que realmente existe um gênero binário masculino/feminino e que as diferenças entre homens e mulheres são mais (embora não menos) do que meros construtos culturais. Para os que são de direita, isso significa reconhecer que criar meninos com “valores tradicionais” e protegê-los de ideias liberais são atitudes que não estão resolvendo o problema — e que uma das principais crises que o país enfrenta é a radicalização de muitos jovens por ideias do nacionalismo branco ou por ideias adjacentes ao nacionalismo branco no espaço on-line.

É evidente que há muitos fatores em ação aqui — alguns que não conhecemos inteiramente e que não conheceremos pelos próximos anos. Mas algumas coisas já sabemos. O próximo livro de Jonathan Haidt — The anxious generation: how the great rewiring of childhood is causing an epidemic of mental illness [A geração ansiosa: como a grande reconfiguração da infância está causando uma epidemia de doenças mentais] — apresenta o que considero o melhor e mais convincente argumento que já vi sobre as formas como a tecnologia “reconfigurou as conexões” de uma geração inteira, além de demonstrar como as doenças resultantes de tudo isso tendem a afetar meninos e meninas de forma diferente.

Parte do problema, mesmo para alguns cristãos, é a relutância em reconhecer o que quase todos nós sabemos: não é preciso entrar na questão dos estereótipos de gênero para ver que homens e mulheres, embora sejam iguais nos aspectos mais importantes da criação e da Queda, também são diferentes em alguns aspectos relevantes. Na maior parte do tempo, as Escrituras se dirigem a todos nós, homens e mulheres, como pessoas, mas também dirigem palavras específicas a homens e a mulheres sobre questões que geralmente representam uma vulnerabilidade maior para um grupo ou para o outro.

Quando o apóstolo Paulo instruiu Timóteo no sentido de que os homens deveriam orar “sem ira e sem dicussões” (1Timóteo 2.8), ele não estava sugerindo que as mulheres estivessem livres de se envolver em brigas durante os pedidos de oração. Em vez disso, ele estava se dirigindo ao ponto em que se encontrava a principal tentação de causar brigas. Da mesma forma, quando Paulo e Pedro orientaram as mulheres, em especial, a evitarem roupas caras e demonstrações de riqueza, de modo a encontrarem sua identidade e valor não na comparação externa com os outros, mas na piedade (1Timóteo 2.9; 1Pedro 3.3-4), ele não estava sugerindo que os homens poderiam se vestir como pavões. Novamente, de modo geral, os pontos de vulnerabilidade eram diferentes para cada um dos dois grupos.

Para abordar as razões pelas quais tantos homens jovens estão sem rumo, precisamos abordar as crises que ambos os sexos enfrentam, tanto naquilo em que são semelhantes quanto no que tendem a ser diferentes.

Isso significa reconhecer, em primeiro lugar, onde os problemas de fato estão, em vez de concentrar toda a nossa atenção nos pontos onde eles costumavam estar. O principal problema para os rapazes atualmente não costuma ser uma devassidão do tipo que encontramos na obra Senhor das Moscas [romance britânico que trata das possibilidades da maldade humana e as várias faces que o ser humano pode assumir], mas sim uma espécie de morbidez letal que vem de uma imaginação que não consegue visualizar outro caminho. Sim — como em todas as épocas, desde o Éden — há pecados mais evidentes, como imoralidade e violência, mas mesmo estes tendem a ser predominantemente digitais hoje em dia, em vez de pessoais. Isso não torna a situação mais fácil, e sim bem mais difícil de identificar.

Em seu romance The Moviegoer, Walker Percy identificou algo a que ele chamou “mal-estar” — uma espécie de desespero que não encontra lugar para si mesmo no mundo. Não notamos isso, segundo escreveu ele, porque estamos acostumados a ver o pecado na prática externa de atos imorais. O problema agora, segundo ele, é que, quando se trata de pecado evidente, “a verdade é que, hoje em dia, alguém dificilmente está disposto a praticá-lo”. Sempre tentamos anestesiar qualquer problema que enfrentamos — e, muitas vezes, os dois lados do problema, geralmente de maneiras que o tornam pior.

Outro dia, recebi o historiador britânico Tom Holland em meu podcast para discutir seu livro sobre o Império Romano, Pax. Fiz a ele uma pergunta que tenho certeza que quase todo mundo tem feito ultimamente: Por que viralizou tanto o meme/a notícia de alguns meses atrás sobre quantas vezes por dia um homem comum pensa sobre o Império Romano? Ele respondeu com estas palavras: “Tiranossauro rex”.

Holland explicou que os garotos (e algumas garotas também) tendem a ficar hipnotizados pelo T. rex, o grande predador da Antiguidade. Holland diz que isso ocorre por dois motivos: poder e extinção. O dinossauro é assustador, temível e dominante sobre qualquer inimigo em potencial — e o dinossauro também não existe mais. Ele é assustador, mas na realidade não pode mais machucar você.

Exceto quando pode.

Com demasiada frequência, hoje, quando nossos rapazes se perguntam o que significa ser homem, muitos de nós lhes apresentamos as virtudes romanas. Algumas delas, de certa forma aspiracional, têm pontos de intersecção com virtudes cristãs, mas o paradigma fundamental não é apenas equivocado, ele é explicitamente denunciado pelo próprio Jesus (Lucas 22.25-27). A maneira romana de buscar domínio e posições de liderança é o que Paulo contradiz no Livro que leva esse mesmo nome, Romanos, bem como em outros livros. E a Besta do Apocalipse de João é literalmente inspirada em Césár e, como o T. rex, também é um predador alfa (Apocalipse 13.4 diz: “Quem é como a besta? Quem pode guerrear contra ela?”).

A cruz é um instrumento romano de tortura — uma contestação de poder que, ao que parecia, provaria que César sempre vence, portanto, tome cuidado. A cruz desfaz tudo isso — não por nos dar um César diferente para lutar contra o antigo, mas por nos dar algo que nunca pensamos que precisávamos, um Rei crucificado que voluntariamente entrega sua vida pelo mundo.

É exatamente disso que ainda precisamos hoje.

Quando penso em como internalizei —desde as minhas memórias mais antigas — o que é “sucesso” para um homem, vejo meu próprio pai, é claro, mas também vejo homens da minha igreja assumindo responsabilidades — levantando ofertas, orando pelos perdidos, empunhando suas motosserras para ajudar no socorro a desastres, após um furacão. Vejo um homem que permaneceu fiel à sua esposa, que durante anos sofreu de câncer; ou um homem que continuou amando seus filhos pródigos, mesmo depois que outros pensaram que eles o haviam envergonhado.

E o que é realmente crucial é que eles não deixaram nós, meninos, fora disso. Havia ritos de passagem, momentos em que sabíamos que havíamos feito algum tipo de transição de meninos a homens. Essa transição claramente não tinha a ver com proezas de força ou imoralidade sexual, mas sim com maneiras pelas quais se esperava que modelássemos o domínio próprio, e maneiras pelas quais se esperava que direcionássemos nossas vidas para servir ao restante do corpo.

Quando falta isso, como os rapazes podem saber a diferença entre infância, adolescência e vida adulta — como podem saber algo que não seja quanto dinheiro se tem para gastar com suas paixões? E mais até, como os rapazes podem saber como pertencer — não só como seres humanos ou como cristãos em geral, mas especificamente como homens que devem definir sua masculinidade não em termos de autossatisfação, mas em termos de pertencimento, responsabilidade, sacrifício e fidelidade?

Quando ignoramos essa questão, ignoramos as formas como a próxima geração está sofrendo. E deixamos essa geração à mercê dos deuses mortos do passado, que só o que podem fazer é destruí-la.

Se um jovem não sabe como tomar a cruz de Cristo e segui-lo, ele normalmente tomará o martelo de Thor e seguirá esse deus. Se, por omissão, o modelo de masculinidade madura que lhe dermos for Barrabás, e não Jesus, se nosso modelo de masculinidade se parecer mais com os crucificadores do que com o Crucificado, não deveríamos nos surpreender se o resultado for uma busca por pseudocésares e pseudo-haréns. Não deveríamos nos surpreender, portanto, se o esqueleto de um Tiranossauro morto parecer mais poderoso do que “um Cordeiro de pé, que parecia estar morto” (Apocalipse 5.6, ESV).

Com isso, acabaremos com muitos mais dos que não querem seguir o caminho pagão, que resistem a ele, mas ficam presos, como alertou Percy, entre um crescente e terrível paganismo e uma cristandade morta e sem vida. E o resultado é o desespero.

Há coisa demais em jogo para isso.

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública da revista.

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Complementarista em casa, igualitarista na igreja? Paulo aprovaria.

As maiores passagens do Novo Testamento sobre papéis de gênero podem ter mais a ver com casamento do que com ministério.

Christianity Today April 9, 2024
Illustration by María Jesús Contreras

Certa vez, a Christianity Today publicou um cartoon que mostrava o apóstolo Paulo chegando a Corinto e dizendo com mansidão: “Vejo que receberam minha carta”. Na estrada, para lhe dar as boas-vindas, via-se uma multidão furiosa de mulheres que empunhavam cartazes com os dizeres “Mulheres de Corinto unidas” e “O apóstolo Paulo é um porco chauvinista”. A imagem é divertida, mas o sentimento que transmite está longe da verdade. Para a época em que viveu, as cartas de Paulo eram radicalmente libertadoras e dignificantes para as mulheres, que tinham pouquíssimos direitos na cultura greco-romana oriental.

Os ensinamentos de Paulo sobre as mulheres têm sido, às vezes, mal compreendidos e mal aplicados, de uma forma que prejudica as mulheres. Por exemplo, em vez de dar atenção à ênfase de Paulo sobre a obrigação de o marido colocar os interesses da esposa à frente dos seus próprios, as pessoas muitas vezes interpretam erroneamente os comentários de Paulo sobre a submissão da esposa como uma tarefa para os maridos, como se eles devessem fazer com que suas esposas se submetam; ou como uma permissão para os maridos mandarem em suas companheiras; ou como justificativa para a prática de maldades, abusos ou até mesmo violência contra as mulheres.

No que diz respeito à sua visão sobre esses e outros textos relacionados ao casamento, as igrejas evangélicas continuam muito divididas quanto à questão do papel das mulheres na liderança da igreja. Com frequência, elas estão polarizadas ao longo de um espectro que tem, de um lado, os complementaristas (aqueles que acreditam que existem papéis distintos e complementares para homens e mulheres no casamento, na igreja e, às vezes, na sociedade) e, do outro lado, os igualitaristas (aqueles que negam que existam papéis distintos para homens e mulheres).

Apesar da lamentável divisão às vezes resultante dessas diferenças, algumas igrejas evangélicas decidiram respeitar os pontos fortes de ambos os pontos de vista e se concentrar naquilo que une complementaristas e igualitaristas de forma mais profunda . Para citar apenas um exemplo dessa unidade, a maioria dos complementaristas e dos igualitaristas celebra o valor intrínseco das mulheres e de seus dons. Eles sabem que as mulheres compartilham plenamente com os homens da imagem de Deus (Gênesis 1.27) e que homens e mulheres são coherdeiros da redenção realizada por Jesus Cristo e cobeneficiários do Espírito de Deus que foi derramado e de seus respectivos dons (Atos 2.17-21).

Além disso, em sua maioria, complementaristas e igualitaristas acreditam que a Bíblia ordena que homens e mulheres exerçam seus dons espirituais para a edificação da igreja (1Coríntios 12.7). Isso abrange, em muitas circunstâncias, ensinar a Palavra de Cristo a todos, independentemente do gênero. Por exemplo, Paulo exorta os crentes no sentido de “que a palavra de Cristo habite ricamente em vocês, ao ensinarem e aconselharem uns aos outros com toda a sabedoria, e ao cantarem salmos, hinos e cânticos espirituais" (Colossenses 3.16, NVI, 1984). Nada nesse contexto sugere que Paulo tivesse em mente apenas homens, quando ele se refere àqueles que deveriam “ensinarem e aconselharem”.

A esse texto podem ser acrescentados muitos outros (como Hebreus 3.13 e 5.12), que incluem descrições de mulheres que ensinaram verdades espirituais a homens, nos mais variados contextos, fossem eles privados ou menos formais, como Abigail, que repreendeu Davi em 1Samuel 25, ou Priscila, que com seu marido, Áquila, corrigiu as imprecisões da teologia de Apolo, em Atos 18.26.

A maioria dos complementaristas está convencida de que 1Timóteo 2.12 (“Não permito que a mulher ensine, nem que tenha autoridade sobre o homem. Esteja, porém, em silêncio.”) proíbe as mulheres de ensinarem homens em circunstâncias específicas, no papel de pastoras ou de presbíteras na igreja. Mas muitos complementaristas, assim como os igualitaristas, não se oporiam a que uma mulher ensinasse física para alunos do sexo masculino em uma universidade local, ou que uma chefe mulher ensinasse um funcionário do sexo masculino a fazer seu trabalho, ou mesmo que uma esposa ensinasse seu marido a atualizar seu computador.

Da mesma forma, a maioria dos complementaristas, do mesmo modo que os igualitaristas, não se oporia ao fato de uma mulher fazer profecias (apesar das diferenças na forma como isso é entendido) ou orações em voz alta na igreja (1Coríntios 11.5; 14.3), mesmo que o conteúdo dessas profecias e orações possa estar repleto de percepções teológicas profundas. De igual modo, complementaristas e igualitaristas reafirmam mulheres que compõem ou que cantam músicas de louvor na igreja, e que assim ajudam na adoração e reforçam verdades bíblicas, ou mulheres que são autoras de comentários bíblicos acadêmicos com os quais os pastores e outras pessoas possam aprender.

De fato, ambos os grupos [ou seja, complementaristas e igualitaristas] concordam que mulheres como Débora (Juízes 5), Ana (1Samuel 2) e Maria (Lucas 1) foram inspiradas pelo Espírito Santo a escrever várias porções das Sagradas Escrituras. Por meio de seus escritos, essas mulheres ensinaram homens e mulheres com autoridade inerrante ao longo dos séculos.

Complementaristas e igualitaristas não estão assim tão divididos quanto alguns pensam. Sua principal diferença diz respeito apenas à questão bem restrita do direito de mulheres ensinarem e liderarem homens dentro da igreja com autoridade que se possa caracterizar como de nível intermediário (que fica abaixo da autoridade das mulheres cujas palavras inspiradas foram incorporadas às Escrituras, mas acima da autoridade das mulheres que oram e profetizam em 1Coríntios 11).

Os cristãos de ambas as convicções e os que se situam entre elas têm uma profunda lealdade a Jesus Cristo e à sua Palavra e estão convencidos de que seu ponto de vista é o exigido pelas Escrituras. A lealdade comum à Palavra de Deus é o que constitui essa unidade mais profunda, que deve lhes permitir uma generosidade de espírito em relação àqueles que deles possam divergir nesse debate atual.

Complementaristas e igualitaristas podem alcançar maior compreensão e respeito mútuos aprendendo mais sobre três textos bíblicos importantes, citados com mais frequência em apoio aos principais pontos de discordância relativos aos papéis de gênero no que diz respeito à liderança da igreja: 1Timóteo 2, 1Timóteo 3 e Tito 1. Os desafios relacionados à interpretação desses textos podem incentivar uma maior tolerância para com aqueles que têm uma visão diferente da sua.

A primeira passagem, 1Timóteo 2.12, é traduzida, segundo a versão NVI, 1984, como: “Não permito que a mulher ensine, nem que tenha autoridade sobre o homem. Esteja, porém, em silêncio”. Se isso for lido sem levar em conta o contexto, parece proibir qualquer mulher de ensinar qualquer coisa que seja a qualquer homem ou de ter qualquer posição de autoridade sobre qualquer homem. As mulheres devem “estar em silêncio”, ou seja, ficar caladas. Com base em seu contexto mais amplo, no entanto, a maioria dos intérpretes limita a aplicação dessa diretriz a ambientes eclesiásticos, especialmente ao culto público coletivo.

Os igualitaristas geralmente argumentam que Paulo pretendia que a proibição fosse apenas uma medida temporária, baseada no fato de que as mulheres eram normalmente menos instruídas do que os homens. Talvez, também, as mulheres em Éfeso, local onde Timóteo estava ministrando, pudessem ter sido suscetíveis a certos ensinamentos falsos ou estivessem elas mesmas promovendo ensinamentos errôneos de que a ressurreição já havia ocorrido (2Timóteo 2.18) e, portanto, não há mais casamento (1Timóteo 4.3; Marcos 12.25).

Alguns igualitaristas também consideram a expressão de Paulo “não permito” como um indicativo da natureza temporária dessa exigência. De qualquer forma, agora que as mulheres são tão instruídas quanto os homens, e uma vez que essa perigosa heresia deixou de ser uma ameaça, a proibição de Paulo não mais se aplica.

Os complementaristas geralmente concordam que alguns aspectos da admoestação de Paulo podem ser temporários ou culturalmente relativos, como a proibição de usar “cabelos trançados”, que vemos alguns versículos antes; eles, porém, insistem que esse pode não ser o caso de 2.12, uma vez que Paulo fundamenta esse versículo em normas criacionais, baseadas no relacionamento entre Adão e Eva (1Timóteo 2.13-15). Essa convicção a respeito do caráter permanente de 1Timóteo 2.12 parece persuasiva, mas, se examinarmos mais de perto, o apelo a Adão e Eva implica que o que Paulo pretendia não era uma proibição relacionada aos papéis de gênero, mas sim uma proibição sobre os papéis do casamento — como esposa e marido devem se relacionar um com o outro.

Como Paulo corretamente reconhece, Gênesis 2.24 é explícito em sua conclusão de que o relato de Adão e Eva define o relacionamento matrimonial em que dois se tornam “uma só carne”. Adão se comprometeu perante Deus a amar e a cuidar de sua esposa, Eva, assim como ele ama e cuida de seu próprio corpo. Paulo se baseia nesse entendimento para construir sua metáfora sobre “cabeça-corpo” para o casamento, em Efésios 5.29-30: “Além do mais, ninguém jamais odiou o seu próprio corpo, antes o alimenta e dele cuida, como também Cristo faz com a igreja, pois somos membros do seu corpo.”

Além disso, em Efésios 2, Paulo cita Gênesis 2.24 sobre como os dois se tornam uma só carne, provando que o texto de Gênesis é a inspiração para seu uso da analogia cabeça-corpo. Com base no uso frequente, no Antigo Testamento, da analogia do casamento para o relacionamento de Deus com Israel (Isaías 54.5-8; Ezequiel 16), Paulo usa a imagem da cabeça e do corpo para mostrar o amor de Cristo pela igreja, que é o seu corpo.

Portanto, quando fala de Adão e Eva — assim como ele faz em 1Timóteo 2 e em Efésios 5 — Paulo não está usando Adão e Eva como um modelo de como todos os homens devem se relacionar com todas as mulheres (papéis de gênero), mas sim como um modelo definitivo de como marido e esposa devem se relacionar um com o outro (papéis de casamento), exatamente como Gênesis 2.24 enfatiza.

É importante reconhecer que, no grego, os termos para homem (anēra) e mulher (gynē), usados em 1Timóteo 2, são, de fato, termos normalmente usados para designar “marido” e “esposa”. Às vezes, um artigo definido ou um pronome ajuda a indicar os significados pretendidos, mas, na maioria das vezes, é o contexto que permite que os tradutores tenham certeza.

Embora muitas versões bíblicas em inglês traduzam o versículo 12 como mulher e homem, é bem mais provável, dada a ênfase de Paulo em Adão e Eva, que este devesse ser traduzido do modo com foi, por exemplo, na Common English Bible (2019): “Não permito que uma esposa [gynē] ensine ou controle seu marido [anēr].” Não causa espanto o fato de que Martinho Lutero, muito antes do feminismo moderno, já reconhecesse que 1Timóteo 2 se refere explicitamente a maridos e esposas, não a homens e mulheres em geral.

Três outras considerações apóiam a interpretação de 1Timóteo 2.12 para o casamento. Primeiro, no restante dos escritos de Paulo, a palavra anēr (que significa “homem” ou “marido”) ocorre 50 vezes em estreita proximidade com gynē (que significa “mulher” ou “esposa”), palavra que, por sua vez, aparece 55 vezes em 11 contextos distintos. Em todos os casos, esses termos têm o significado de “marido” e “esposa”, e não de “homem” e “mulher”.

Em segundo lugar, a lista detalhada de roupas e joias chamativas que são proibidas em 2.9 é paralela a listas semelhantes de adornos reprovados em outros textos greco-romanos, no período do Novo Testamento. A adesão a essas proibições é evidência do bom comportamento e da modéstia das esposas, e não das mulheres em geral. Portanto, Paulo parece já estar pensando em termos de maridos e esposas.

Terceiro, existem muitos paralelos de pensamentos e de palavras entre 1Pedro 3.1-7 e 1Timóteo 2.8-15. Pedro reconhece explicitamente que leu as cartas de Paulo (2Pedro 3.15), e é universalmente aceito que o texto de 1Pedro 3 se refere a casamento. Se permitirmos que a Escritura interprete a própria Escritura — ou seja, se permitirmos que aquilo que está claro ajude na interpretação do que está menos claro — a presença de tantos paralelos impressionantes entre 1Pedro 3 e 1Timóteo 2 cria uma base forte para a interpretação de que 1Timóteo 2 também se refere aos papéis do casamento, e não aos papéis de gênero.

É claro que ainda precisa ser esclarecido o que exatamente pretendem os mandatos em 1Timóteo 2.11-12, mesmo que pareça provável que esses versículos digam respeito ao relacionamento entre a esposa e seu marido: “A esposa deve aprender em silêncio e com total submissão. Não permito que a esposa ensine ou tenha autoridade sobre o marido; ela deve ficar em silêncio.” Também ajuda reconhecer que, em outros lugares, a Bíblia exige que os homens ou que todas as pessoas envolvidas fiquem “em silêncio” (1Tessalonicenses 4.11; 2 Tessalonicenses 3.12; 1Timóteo 2.2).

Com base em exemplos como esses, a exigência de ficar “quieta” ou “em silêncio” pode significar — dependendo do contexto — por fim a uma fala indesejável, incômoda ou negativa (discutir, reclamar, importunar, irritar), e não necessariamente um silêncio absoluto (1Pedro 3.1).

A proibição de Paulo de que uma esposa ensine seu marido parece estranha, especialmente se considerarmos o relato positivo da Bíblia sobre a notável sabedoria de muitas mulheres, incluindo casos em que elas corrigem os próprios maridos (Juízes 13.23) ou quando Deus instrui um marido a fazer o que sua esposa lhe diz (Gênesis 21.12). Nesse texto, “ensinar” está associado a uma palavra grega rara, às vezes traduzida por “exercer autoridade sobre”, mas que também pode ser traduzida em termos que sugerem autoridade abusiva, como “dominar”, “controlar” ou “chefiar”. João Crisóstomo, pai da igreja, em uma homilia sobre Colossenses, usa a mesma palavra, quando adverte o marido a não “dominar” sua esposa.

Com base em exemplos como esse, a versão Common English Bible traduz 1Timóteo 2.12 como: “Eu não permito que uma esposa ensine ou controle seu marido”. Essa tradução sugere que a palavra frequentemente traduzida por “ensine” pode ter seu sentido menos comum, embora reconhecidamente pejorativo, de “instruir”, “dar aula” ou “dar ordem”, como acontece, por exemplo, em Mateus 28.15. Assim, uma tradução mais adequada da declaração de Paulo pode ser “Não permito que a esposa dê lições ou dê ordens ao marido, mas que fique quieta”.

A menção à “submissão” por parte das esposas, em 2.11, soa humilhante para alguns leitores, mas parece que o que se pretende é uma disposição receptiva, uma disposição para ouvir e ser persuadida conforme necessário, e não uma obediência irracional. É proveitoso reconhecer que outros textos bíblicos exigem que todas as pessoas, homens ou mulheres, sejam submissas a todas as autoridades governamentais (Romanos 13.1,5; Tito 3.1; 1Pedro 2.13-14) e até mesmo submissas apenas aos mais velhos (1Pedro 5.5).

Tanto 1Timóteo 3 quanto Tito 1 insistem que os candidatos aos cargos de bispo ou de presbítero devem ser “marido de uma só mulher”. No entanto, essa instrução não pode ser vista como algo que desqualifica a questão das mulheres ocuparem cargos na igreja, pois a Bíblia quase sempre expressa generalizações, leis e normas de um ponto de vista convencionalmente androcêntrico, ou seja, masculino.

Por exemplo, cada um dos Dez Mandamentos é redigido em hebraico como algo que estivesse sendo falado apenas para homens (por exemplo, em hebraico, todas as formas do pronome “tu” estão no masculino singular), inclusive o décimo mandamento, que insiste: “[Tu (no masculino singular)] não cobiçarás a mulher do teu próximo” (Êxodo 20.17). Os leitores sempre entenderam corretamente, entretanto, que esse e todos os demais mandamentos se aplicam igualmente às mulheres.

A mesma linguagem androcêntrica é usada para todas as descrições de cargos vistas em 1Timóteo 3 e Tito 1. Esse é o caso mesmo quando há evidências claras de que o cargo em questão de fato era permitido para mulheres, ainda que elas fossem menos comuns nessa função. Por exemplo, sabemos que havia mulheres que foram legítimas profetisas, como Miriam (Êxodo 15.20), Débora (Juízes 4.4), Hulda (2Reis 22.14) e Ana (Lucas 2.36). Contudo, as descrições do ofício de “profeta”, que se encontram em Números 12.6-8, Deuteronômio 13.1-5 e 18.14-22, são escritas como se só pudessem ser aplicadas a um homem. A linguagem androcêntrica para descrever um legítimo profeta do Senhor, em Números 12, é especialmente impressionante, já que o único profeta que há no contexto imediato é a profetisa Miriam.

Se houver outros textos bíblicos que proíbam mulheres de servirem como presbíteras, 1Timóteo 3 e Tito 1 não estariam em desacordo com eles. Mas a linguagem androcêntrica dessas passagens não fornece uma base adequada para supormos que havia essa proibição. Talvez algo que sugira a possibilidade de que as igrejas do Novo Testamento incluíam tanto mulheres espiritualmente maduras quanto homens espiritualmente maduros seja a escolha do termo “anciãos”, no Novo Testamento, para se referir a esses líderes (veja Atos 14.23; 1Timóteo 4.14; 5.17; Tito 1.5; e 1Pedro 5.1).

A primeira ocorrência desse termo nas Escrituras, com seu sentido mais comum de referência a pessoas de idade madura, aparece em Gênesis 18.11, onde se refere a um homem e a uma mulher maduros: “Ora, Abraão e Sara eram anciãos bem avançados em idade” (tradução do autor).

O evangelicalismo histórico tem considerado outras questões secundárias — como o batismo, a política eclesiástica ou o estilo ideal de música de adoração — como importantes e dignas de serem examinadas em espírito de oração, mas não como motivo de obsessão divisionista. Não deve haver desculpa para que seguidores de Cristo se depreciem ou se desassociem uns dos outros por causa de questões secundárias.

Essa generosidade de espírito deve ser aplicada ao debate atual sobre os papéis de gênero na liderança da igreja. Não deveria ser necessário, nem mesmo por praticidade, que houvesse qualquer separação entre os seguidores de Cristo que defendem um ponto de vista e aqueles que defendem o outro. Tanto igualitaristas quanto complementaristas deveriam ser capazes de prosperar felizes na mesma igreja, independentemente da abordagem preferida por seus líderes.

Embora os igualitaristas aceitem que mulheres competentes sirvam como presbíteras ou pastoras, eles reconhecem que nenhum texto das Escrituras exige que haja uma presbítera ou pastora em sua igreja.

Da mesma forma, os complementaristas devem ser capazes de frequentar uma igreja em que mulheres sirvam como presbíteras ou pastoras. Naturalmente, os complementaristas não incentivariam nem votariam em nenhuma mulher para servir nessas posições de liderança.

No entanto, para complementaristas que pertençam a uma igreja que tenha presbíteras ou pastoras, jamais seria pecado aprender ou seguir as orientações dessas mulheres, desde que tudo o que essas líderes preguem ou orientem seja fiel à Palavra de Deus. Por exemplo, se uma presbítera orientar a congregação a abrir um culto de adoração cantando “Maravilhosa Graça”, os complementaristas da congregação não devem hesitar em cantar esse hino, pois não seria pecado obedecer a essa orientação.

Qualquer discussão ou ensino sobre papéis de gênero e papéis no casamento deve estar aberta à correção e ser o mais generosa e respeitosa possível para com aqueles que tenham uma visão diferente. Que o Senhor nos oriente a continuar buscando as Escrituras e nos ensine a amar uns aos outros com mais humildade e tolerância.

Gordon P. Hugenberger é professor sênior de Antigo Testamento no Gordon-Conwell Theological Seminary e ex-pastor sênior da Park Street Church em Boston.

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A violência doméstica é alarmante no Brasil. Como os pastores devem reagir a ela?

As estatísticas revelam que três em cada dez mulheres no país já sofreram abusos em algum momento da vida. Teólogos e líderes ponderam sobre como transformar as igrejas em lugares seguros para as vítimas.

Uma manifestação no Brasil contra o abuso sexual de mulheres em frente a fotos que mostram as vítimas de abuso.

Uma manifestação no Brasil contra o abuso sexual de mulheres em frente a fotos que mostram as vítimas de abuso.

Christianity Today April 6, 2024
NurPhoto / Getty / Edits by CT

Para muitas mulheres brasileiras que sofreram abusos nas mãos de seu cônjuge, a resposta de líderes da igreja para o seu sofrimento foi Efésios 5.22: “Esposas, cada uma de vocês deve se sujeitar ao seu marido”.

“É a frase mais cruel da Bíblia”, disse uma mulher à jornalista Marília de Camargo César, como lemos em seu livro O grito de Eva. “[Os líderes da igreja] ensinam isso de forma distorcida, sem levar em conta o contexto histórico, as tradições, a cultura”, explica essa mulher, que é identificada no livro apenas como professora Regina.

Três em cada dez mulheres brasileiras sofreram violência doméstica em algum momento da vida. O país registra altos índices de violência contra as mulheres, ocupando o quinto lugar no ranking mundial. No ano passado, uma linha direta de alcance nacional recebeu ligações de uma média de 245 mulheres por dia, que denunciavam algum tipo de violência. Tudo isso em uma nação em que as mulheres representam mais da metade (58%) dos evangélicos.

Acusações recentes de abuso em igrejas norte-americanas geraram discussões na igreja brasileira em torno da questão, mas as igrejas e as denominações têm procedimentos padronizados ou adotaram as melhores práticas para lidar com a violência doméstica. No entanto, em um ambiente no qual muitas vítimas não denunciam a violência por vergonha e medo de retaliação, as igrejas evangélicas têm a oportunidade de ser locais de abrigo e orientação para mulheres feridas.

Tendo em vista essa realidade, a CT convidou seis líderes evangélicos especialistas no assunto para responderem à seguinte pergunta: “O que os líderes devem fazer, quando uma mulher, que é membro de sua igreja, diz que foi vítima de abuso ou violência?”

As respostas foram editadas para fins estilísticos e de maior clareza.

Marília César, jornalista e autora do livro O grito de Eva, São Paulo

A liderança da igreja deve incentivar a pessoa a denunciar e, se possível, acompanhá-la até uma Delegacia da Mulher para fazer o boletim de ocorrência.

Em seguida, deve providenciar pessoas, de preferência mulheres da igreja com experiência nesse tipo de violência, para caminhar junto com a vítima do abuso, dando-lhe apoio emocional e, se necessário, encaminhamento aos profissionais de saúde ou saúde mental adequados.

O criminoso, caso seja membro da comunidade, deve ser exortado pelos pastores e chamado a responder pelos fatos. Há igrejas com trabalhos terapêuticos que reúnem homens para uma espécie de terapia em grupo, para tratar de comportamentos abusivos e relacionamentos tóxicos. Infelizmente ainda são poucas essas iniciativas.

As igrejas precisam promover esse debate mais abertamente e com maior frequência, até que se torne inaceitável para pastores e membros ter de conviver com situações de abuso sexual em suas congregações.

Alex Stahlhoefer, doutor em teologia e professor da Faculdade Luterana de Teologia, São Bento do Sul

A primeira atitude deve ser sempre de acolhimento da vítima. Jesus nos instrui a chorar com os que choram e a sermos consoladores e confortadores. Por isso, antes de lhes perguntar sobre detalhes do ocorrido, devemos oferecer suporte emocional para que ela consiga expressar sua dor, sua aflição e seus medos.

Após o acolhimento, é importante ocupar-se com a rede de apoio. Quem irá oferecer abrigo e segurança para essa mulher? Ela tem condições de voltar para sua casa? Quem irá acompanhar a vítima à delegacia para prestar queixa? É preciso tomar cuidado com o sigilo das informações, pois a vítima já se encontra fragilizada e podemos poupá-la de julgamentos desnecessários de pessoas que não precisam saber do que aconteceu.

Se o abusador for membro da congregação ou líder, a igreja também deve tomar o cuidado para que o acusado de abuso não utilize sua posição de liderança para coagir pessoas a testemunharem a seu favor ou para espalhar boatos sobre a imagem da vítima, a fim de diminuir sua responsabilidade.

Uma igreja séria deve ter um procedimento por escrito, aprovado pela liderança e divulgado entre todos os membros, sobre como a igreja deve proceder em casos de abuso e violência. Criar uma cultura onde a violência não é tolerada e onde as denúncias são levadas à sério ajuda a criar um ambiente saudável e seguro para as mulheres.

Jennifer Carvalho, coordenadora da Missão Imago Dei e do primeiro grupo de estudo de cosmovisão e sexualidade, Natal

Inicialmente, é preciso tomar cuidado para não revitimizar a pessoa fazendo perguntas inadequadas, questionando detalhes excessivos ou sugerindo que ela contribuiu para o abuso. É importante também identificar se o abusador é alguém próximo da vítima, para deixá-la a salvo dele — se possível, a mulher deve ser acolhida na casa de alguém confiável. Em caso de estupro, fazendo menos de 72h do crime, a vítima deve ser encaminhada para avaliação médica em hospital Por lei, se a vítima tiver menos de 18 anos, a condução hospitalar-policial é obrigatória.

Depois disso, é preciso orientá-la sobre a necessidade de denúncia na delegacia da mulher, acompanhamento psicológico e aconselhamento pastoral.

Se o abusador fizer parte da congregação, a liderança deve dar início ao processo disciplinar e de afastamento, e também deve haver um direcionamento para que ele entregue-se à polícia e inicie o tratamento psicológico. Somente após alguns anos, com acompanhamento psicológico e de liderança capacitada, poderá ser avaliado se houve arrependimento genuíno. Provavelmente, a reintrodução do abusador na igreja não será possível, e a liderança precisará, com muito discernimento e estudo, criar outra alternativa.

Se a pessoa que cometeu o abuso for um líder da igreja, aplica-se a orientação anterior concomitantemente a um realinhamento da igreja quanto ao ocorrido. Além disso, é preciso que haja extensa capacitação sobre o abuso e suas consequências, a publicação de sincero pedido de desculpa, o cuidado da vítima e uma investigação para descobrir se houve outros casos — para que outras possíveis vítimas sejam cuidadas.

As pessoas serão encorajadas a denunciar, se a igreja for um lugar acolhedor e consciente de que abusos existem, e se esse pecado for combatido do púlpito ao gabinete.

Yago Martins, pastor da Igreja Batista Maanaim, autor e YouTuber, Fortaleza

Infelizmente, muitos colegas pastores acreditam que só podem tomar alguma atitude depois de averiguar muito bem a história, entrevistar o marido, bater todas as narrativas em busca de qualquer contradição, em um esforço de descobrir se a denúncia da mulher é verdadeira ou não.

Por mais que o testemunho da esposa, sozinho, não sirva como uma prova de que o abuso realmente aconteceu, o simples testemunho já é o suficiente para a atitude de proteger a esposa de seu marido. Você protege primeiro e investiga depois. Eu pessoalmente já lidei com falsas denúncias de abuso em meu ministério pastoral, mas não me arrependo nem por um minuto de ter acolhido e protegido alguém que trouxe uma denúncia que com o tempo se revelou falsa. É melhor oferecer uma proteção que depois se mostra desnecessária do que correr o risco de descartar uma denúncia tão séria e deixar alguém à mercê de um agressor.

No processo de apuração também é importante comunicar o fato às autoridades civis, depor o líder (caso o abusador seja alguém que ocupe esta posição), aplicar a disciplina eclesiástica e cuidar da vítima.

Douglas Baptista, pastor da Assembleia de Deus de Missão e presidente do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB)

No ato criativo, a imagem divina foi distribuída sem distinção entre homens e mulheres (Gênesis 1.27). A Bíblia ensina a igualdade de importância de ambos (1Coríntios 11.11,12). O modelo de casamento cristão requer que o marido lidere o seu lar do mesmo modo como Cristo lidera a igreja, isto é, com vital interesse no bem-estar da sua esposa (Efésios 5.28-29). O marido deve amar a sua mulher assim como Cristo ama a igreja. Isso implica na prática de algum tipo de sacrifício (Efésios 5.25). A esposa deve ser tratada com amor e não com violência, ameaças ou autoritarismo. O marido deve cuidar de sua mulher do mesmo modo que se preocupa consigo mesmo (Efésios 5.28). Isso significa proteger a esposa e prover-lhe uma vida digna. Esse cuidado não se limita às provisões materiais, nele estão incluídos afeto, consideração e honra, dentre outras coisas. Tais ações devem ser sinceras e permanentes, tanto em público como no privado (Colossenses 3.19).

De acordo com o modelo bíblico, nenhuma mulher deve submeter-se a um relacionamento tóxico. Esse tipo de abuso acontece de diversas formas: verbal, física, emocional e até em tom de “brincadeira”. Por isso, a esposa deve estar atenta à agressividade de seu marido, e se ele fica mais agressivo quando é contrariado. Quando isso ocorrer, o primeiro passo consiste em imediatamente buscar ajuda , e denunciar quaisquer indícios de violência para seus líderes e para as autoridades civis.

Se o abusador for membro ou líder da Igreja, o caso deve ser tratado com firmeza, a fim de cessar o comportamento abusivo. Igualmente deve-se notar que, às vezes, as mulheres não enxergam ou negam a situação de abuso, ou ainda procuram justificar as ações violentas de seus maridos. Portanto, é imprescindível oferecer um sistema de apoio, deixando as mulheres confortáveis para se aproximarem e receberem ajuda.

Norma Braga, teóloga e consultora de imagem, São Paulo

Os cristãos devem perceber que o abusador é mestre na arte do engano e que o abusador pode ser um marido, um pai, um pastor, um líder de jovens. Líderes saudáveis agirão como protetores de mulheres e crianças, que são justamente os grupos mais visados por abusadores.

A melhor prevenção contra o abuso é o fomento de uma cultura centrada em Cristo na igreja. Não basta que a teologia seja boa. Em muitos casos de abuso sexual, até mesmo infantil, o criminoso deixa de ser reportado à polícia porque “irmão não entra na justiça contra irmão” — claramente uma distorção da Palavra. Em caso de crime, a igreja precisa recuar para que o Estado se ocupe do caso; é esfera do Estado, não da igreja.

O abuso entre nós cristãos é ainda pior, pois geralmente é justificado com leituras abomináveis da Bíblia, o que deixa marcas profundas na alma. Precisamos voltar às origens, para a liderança verdadeiramente humilde do Senhor Jesus, que não usou as ovelhas para seu proveito, mas se sacrificou por elas.

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