Church Life

O tempo é escasso, mas também sagrado

O calendário litúrgico pode nos ajudar a lidar com o ritmo frenético de nossa vida.

A glowing gold hourglass.
Christianity Today November 11, 2025
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Unsplash

Nunca tive a intenção de ser um defensor do calendário litúrgico. Por frequentar diferentes contextos denominacionais enquanto crescia — cultos batistas tradicionais, missas católicas romanas e reuniões em igrejas pentecostais —, pude testemunhar beleza e vitalidade em cada um deles. Ainda assim, tirando os momentos marcantes da Sexta-feira Santa e da Páscoa, o ano litúrgico nunca me chamou a atenção.

Na minha primeira década de ministério pastoral, observei de longe o ano litúrgico e o que girava em torno dele, mas não me importava muito com o que via — aquilo me parecia uma linguagem impenetrável, falada apenas pelos mais eruditos. Simplesmente não me interessava. Somente depois de um confronto contínuo com a minha própria fraqueza na área devocional é que compreendi o ano litúrgico como a dádiva que ele é, para todo o povo de Deus: uma imersão formativa e comunitária na vida de Jesus.

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Assim como a própria liturgia, o ano litúrgico está se tornando popular entre os evangélicos de tradição não litúrgica. Tanto a liturgia quanto o calendário são feitos da mesma matéria. Em termos bem gerais, eles oferecem uma maneira historicamente enraizada, altamente experiencial e profundamente bíblica de vivenciar Cristo com seu povo. Embora toda adoração seja litúrgica, no sentido de que toda adoração possui uma ordem e segue determinada forma, o que geralmente entendemos por liturgia é uma adoração que seja intencionalmente participativa e responsiva. Não é um espetáculo para espectadores, mas sim obra, capacitada pelo Espírito, de todos os que estão ali reunidos — respondendo, ajoelhando-se, orando.

Durante séculos, os cristãos têm vivenciado o tempo, enquanto elemento espiritualmente formativo, inspirando-se em práticas judaicas, como festas, estações e memória (Levítico 23.4-8), as quais, hoje, estão centradas na revelação de Deus em Jesus. O ano litúrgico nos oferece uma estrutura para a formação comunitária, marcando nossos dias pelos momentos da vida de Jesus.

Assim como a liturgia desafia a noção que vê a adoração como uma performance, na qual somos meros espectadores olhando para um palco, o ano litúrgico desafia a noção que vê o tempo como um servo da produtividade. Aos domingos, a liturgia nos convida à participação, e nos afasta da tentação de sermos meros observadores. O calendário litúrgico nos convida a olhar para o tempo e priorizar a formação espiritual, em vez da agitação e da correria do resto do ano.

O tempo é o contexto em que a formação ocorre, pois ele é o palco onde nossa existência se desenrola. A escritora Annie Dillard expressa isso muito bem: “A maneira como passamos nossos dias… é a maneira como passamos nossa vida”. Essa verdade essencial muitas vezes nos leva a um destes dois extremos: atividade frenética ou pânico silencioso.

Como o tempo é curto e escasso, uma resposta comum é viver como um carro de corrida a toda velocidade. Essa pressão é constante, mesmo que não seja explicitada e seja gerada por nós mesmos. A escassez de tempo nos tenta a aproveitar toda boa oportunidade que aparece, a alcançar todos os objetivos e a galgar novos níveis de sucesso a cada ano que passa. O resultado costuma ser uma agenda lotada, uma constante luta contra o esgotamento e a velha promessa, já exausta e resignada, de mudar de hábitos assim que o calendário anunciar outro ano que se inicia.

Diante de tais pressões, será que o ano litúrgico realmente pode nos ajudar? Existem algumas objeções legítimas: o ano litúrgico — com seus muitos dias de festa e jejum — não seria simplesmente um convite para mais atividades? Certamente, há uma maneira de seguir o ano litúrgico que resulta em esgotamento e, pior ainda, em arrogância espiritual. Mas, se ele for abraçado da forma correta e praticado com humildade, o ano litúrgico nos oferece uma postura completamente diferente em relação ao próprio tempo.

Mas o ano litúrgico não faz milagre; ele não é capaz de aumentar o tempo, mas é plenamente capaz de mudar a forma como nos orientamos em relação a ele, oferecendo-nos uma mudança santificada em nosso sistema operacional temporal. Dentro desse sistema, o tempo é uma dádiva do nosso Deus triúno, uma dádiva que, a cada mudança de estação, nos insere, juntos, na história de Jesus, chamando-nos a definir os nossos dias pelo mover de sua história.

A centralidade de Cristo no ano litúrgico é o seu maior benefício. Sou um defensor do ano litúrgico apenas no sentido de que desejo que as pessoas experimentem Jesus de todas as maneiras possíveis. Que discípulo não deseja que a vida de Jesus molde e permeie sua própria vida — e até mesmo o seu calendário? No ano litúrgico, Deus utiliza o tempo e o calendário como nossos mestres, moldando-nos através do currículo da vida de Cristo.

As formas variadas do ano litúrgico, mesmo quando sutis e nuançadas, são unificadas em seu cristocentrismo. Muitos definem o movimento do ano litúrgico em duas partes: a história de Jesus e a história do povo de Jesus.

Baseando-me na obra de Robert Webber, prefiro uma abordagem que divide o ano litúrgico em três partes: o ciclo da luz (Advento, Natal, Epifania), o ciclo da vida (Quaresma, Semana Santa, Tempo Pascal, Pentecostes) e o ciclo do amor (tempo comum).

O ciclo da luz representa Deus conosco, na Encarnação e na Segunda Vinda; o ciclo da vida mostra Deus por nós, no dom da salvação através da cruz, da Ressurreição e do envio do Espírito; e o ciclo do amor é Deus agindo através de nós no serviço, na misericórdia e na missão, pois “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2.20). Nesses movimentos da história do evangelho, o ano litúrgico nos convida a medir nossos dias e meses e a vivê-los não pela agitação ou pela produtividade, mas na contemplação e na vivência da vida redentora de Jesus.

Destaco que o ano litúrgico não é uma panaceia para todos os males espirituais. Existem muitas igrejas que se dedicam a uma precisão litúrgica — de gestos, estações do ano e música — enquanto negligenciam seu primeiro amor (Apocalipse 2.4). Sem o sopro vivificador do Espírito, uma igreja litúrgica não passa de um vale de ossos secos. De fato, quando colocado em mãos que não são continuamente guiadas por um coração que cresce na virtude que se enche do Espírito, o ano litúrgico pode se tornar uma arma de arrogância espiritual. Se o caminho de Jesus é a humildade (Filipenses 2.5-11), que o Senhor tenha piedade de nós, quando a estrutura dada para nos imergir em sua vida nos levar a agir como fariseus. O zelo carnal de um novo adepto do calendário litúrgico pode transformar uma dádiva da graça em fonte de arrogância.

O ano litúrgico não é uma ferramenta reservada apenas para os mais sofisticados ou para uma elite. É um legado de família disponível para todos os crentes e igrejas — batistas, não denominacionais, pentecostais, anglicanos e outros. Imagine um pai que deixa uma herança para todos os seus filhos, e depois descobre que seus filhos estão brigando e discutindo sobre quem vai usar essa dádiva que foi destinada a todos. Quer uma igreja ou uma família abrace esse legado por inteiro ou apenas em parte, o ano litúrgico é uma dádiva ancestral da igreja a ser recebida com gratidão, nunca com superioridade.

A dádiva de viver o tempo em sintonia com Cristo está ao nosso alcance. Podemos começar reformulando a nossa noção de tempo. Ele não é algo apenas passageiro. É uma dádiva que está nas mãos de Deus, o Deus que busca e ama, a nós e a este mundo; o Deus revelado primeiramente na libertação e ressurreição de Israel através do Êxodo; o mesmo Deus que é revelado em Jesus Cristo. Cada estação do nosso ano deve ser medida pela vida dele, e devemos deixar que isso molde nossas orações e nosso tempo devocional.

À medida que nos aproximamos do Advento, o período que nos leva a refletir sobre a primeira e a segunda vindas de Cristo, podemos refletir ao lado de outros sobre a graciosa manifestação de Jesus neste mundo e em detalhes da vida real, aqui e agora. Essa perspectiva nos ajudará a caminhar pela fé, em vez de nos deixarmos apenas levar pelos altos e baixos dos prazos do último trimestre e pela correria do fim de ano.

Por meio do Espírito, podemos viver uma vida piedosa a partir de diversas perspectivas em relação ao tempo; porém, se formos honestos, a maioria de nós precisa confessar que o esforço necessário para isso é quase hercúleo. Talvez, assim como eu, você também anseie por caminhar mais perto de Jesus, mas esteja tropeçando na disciplina. Pelo poder do Espírito, o ano litúrgico pode ser um guia constante e gracioso para uma espiritualidade rica, que seja centrada menos na sua determinação e mais na sua atenção, observando os movimentos da vida de Jesus, uma vida vivida por nós.

Claude Atcho é pastor da Igreja da Ressurreição em Charlottesville, Virgínia. Ele é autor de Rhythms of Faith: A Devotional Pilgrimage Through the Church Year [Ritmos da Fé: Uma Peregrinação Devocional pelo Ano Litúrgico] e Reading Black Books [Lendo Livros de Autores Negros].

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