Church Life

Uma nova arquitetura para igrejas chinesas: além dos muros

Em uma China em rápida urbanização, algumas congregações veem na arquitetura a oportunidade de falar sobre o evangelho e a tradição local.

Shikai / INUCE

O átrio da Igreja Julong.

Christianity Today September 17, 2024

Uma torre de sinos em forma de pergaminho. Um átrio imponente em formato de arca. Um órgão de tubos que remete às igrejas metodistas da América do Norte do século 19.

Esses são alguns dos elementos mais marcantes nas igrejas do Movimento Patriótico das Três Autonomias, que o arquiteto germano-brasileiro Dirk U. Moench projetou na China. Moench, que é luterano, fundou o escritório de design INUCE em 2011, com sedes em Fuzhou, na China, e Münsterlingen, na Suíça, onde atualmente reside.

Moench projetou quatro igrejas na China. Duas igrejas, uma em Fuzhou e outra em Luoyuan, foram concluídas em 2018 e 2021, respectivamente, enquanto uma em Julong foi finalizada neste ano. Outro projeto em andamento em Jinshan atraiu atenção nacional e recebeu dezenas de milhares de curtidas em plataformas de mídia social, como Weibo e Xiaohongshu [que significa Pequeno Livro Vermelho], segundo Moench.

A CT entrevistou Moench para discutir sobre como o design de igrejas na China se conecta com os princípios arquitetônicos ocidentais e como a estrutura física de uma igreja pode interagir e participar do rápido desenvolvimento urbano do país.

Quando você foi convidado para projetar uma igreja no distrito de Jinshan, em Fuzhou, autoridades e políticos chineses disseram que queriam “uma igreja moderna para uma China moderna”. Como você interpretou isso?

Em muitos sentidos, essa é uma frase política. Você precisa dar-lhe significado como arquiteto e como cristão. Os arquitetos gostam de se referir ao termo em latim genius loci, ou o “espírito do lugar”, no sentido de que um edifício é uma reação ao respectivo ambiente construído imediato, como edifícios históricos, estradas específicas, características da paisagem e também a tradição arquitetônica — a percepção filtrada e amplificada de um arquiteto sobre a essência de um lugar.

Desde as reformas empreendidas pelo líder comunista chinês Deng Xiaoping, em 1979, o país foi transformado, e as cidades de hoje não têm muitas tradições como lugar. Construídos ao longo de vias modernas, temos edifícios modernos, como empreendimentos residenciais, escritórios, fábricas, e assim por diante. Não há um “espírito do lugar”, por assim dizer, ao qual você possa reagir.

Mas o que sempre foi muito importante para mim é entender o espírito de uma comunidade, o espírito da congregação individual. Aprendi que os cristãos chineses estão se fazendo grandes perguntas: Como esse novo edifício vai expressar quem somos? Como ele vai se relacionar com este lugar e atender às nossas necessidades?

As tradições arquitetônicas chinesa e ocidental muitas vezes dialogam entre si nos meus projetos, e eu procuro criar uma síntese artística entre elas. Isso não ocorre em escala universal, mas em termos mais específicos, como: Qual é o ambiente físico em que essa igreja vai crescer? Quais são as preocupações da comunidade local? Quais são os interesses que eles têm em elementos europeus e ocidentais do cristianismo, se é que têm?

Alguns anos atrás, autoridades removeram cruzes de prédios de igrejas na China. Como as igrejas que você projetou incorporam a cruz?

A China é um país vasto, praticamente um continente. É difícil dizer que o que acontece em uma área ocorrerá em outra parte do país. A cultura local, a política religiosa e a relação entre as igrejas cristãs e o Bureau Religioso [secretaria governamental para assuntos religiosos] podem variar muito de um lugar para outro.

Ouvi dizer que existem regiões onde a relação entre as autoridades e as congregações cristãs é mais difícil. Mas nunca precisei considerar ou comprometer minhas atividades artísticas e arquitetônicas.

As cruzes que projetei envolvem considerações estéticas e situacionais. Por exemplo, a cruz da igreja de Jinshan tem 70 metros de altura e parece uma simples cruz de proporções clássicas. A surpresa para os cristãos chineses está em sua cor.

Quase todas as igrejas protestantes de hoje têm uma cruz vermelha no topo da torre — geralmente bem robusta e feita de plástico para ser iluminada à noite. Para os ocidentais, essa imagem pode remeter à Cruz Vermelha ou a placas de hospitais. Então, optei por não usar essa cor nem a iluminação com neon; no meu projeto, propus que a cruz fosse branca para complementar a pureza do edifício da igreja abaixo dela.

Dirk U. Moench
Dirk U. Moench

Quais foram alguns dos princípios arquitetônicos orientais e ocidentais que influenciaram as igrejas que você projetou?

Uma das grandes ideias que tento transmitir é a noção bastante europeia de que a igreja é uma peça da infraestrutura pública. Ela faz parte da cidade, e está lá para servi-la tanto do ponto de vista visual quanto espacial e funcional. Embora o cristianismo seja uma religião minoritária na China, o edifício de uma igreja ainda pode ser admirado por um público mais amplo. Essa ideia foi muito bem recebida pelas congregações locais.

No Ocidente, pensamos em belos telhados curvos como um ícone da arquitetura chinesa. Mas o que é mais genuíno e central para a ideia de organização espacial na China é o muro.

Tradicionalmente, a cidade chinesa é composta por casas com pátios, que são totalmente cercadas por um muro. Há um portão principal, geralmente no centro da faceta sul do muro, que possui características decorativas e um pequeno telhado individual, cuja função é representar essa unidade, essa casa, essa família, para o mundo exterior. O muro não é [colocado por] uma questão de segurança; é uma tradição milenar.

Quando os missionários que vieram para a China começaram a construir igrejas lá, muitas vezes adquiriam terrenos no meio de uma cidade chinesa, onde antes ficava uma casa com pátio. Então, a ideia de um muro ou de um tapume ao redor de uma igreja “ocidental” não é completamente estranha, e esse princípio foi mantido.

Por isso, as primeiras igrejas contemporâneas que temos na China estão todas atrás de muros e também têm portões. A lógica espacial é bem chinesa, enquanto a igreja em si é mais inspirada no Ocidente.

Hoje quero desafiar isso, porque as comunidades cristãs chinesas com as quais conversei não se veem mais como uma minoria que precisa de proteção. Elas se veem como um elemento vital da sociedade, capaz de contribuir e ajudar a construir uma cidade melhor, não apenas por meio de obras de caridade, mas também fazendo parte da vida pública e urbana.

Como você traduziu para a realidade essa nova compreensão da comunidade cristã?

A igreja Hua Xiang, em Fuzhou, é um exemplo. As pessoas a chamam de “a igreja rosa” de Fuzhou. Ela está cercada por arranha-céus e shoppings, e fica ao lado de uma antiga igreja construída por missionários metodistas, na década de 1930.

Entrada principal da Igreja Hua Xiang.
Entrada principal da Igreja Hua Xiang.

Eu não fui o primeiro arquiteto que a comunidade consultou para este projeto. Já havia vários designs — uma igreja gótica com duas torres de pináculo e outra com um visual mais de basílica românica. A congregação não ficou muito satisfeita com essas ideias, porque pareciam “perdidas” e não tinham uma relação harmoniosa com a cidade. Ao mesmo tempo, eles se perguntavam sobre sua missão e se o novo edifício deveria atender aos membros mais antigos ou atrair os jovens. O que eu disse foi que a resposta não é uma coisa ou outra; é ambas as coisas. Para atrair os jovens, você precisa dar a eles um senso de profundidade histórica. Eles precisam conhecer a fundação sobre a qual estão construindo.

Tivemos que abandonar a ideia de um ideal de igreja inspirado na Europa, como uma igreja em formato de cruz com uma torre, e, em vez disso, buscar inspiração na situação heterogênea e caótica da cidade. Talvez essa nova igreja pudesse ajudar a criar relações positivas com o horizonte da cidade ou estar em continuidade com a temática do telhado inclinado, característico da arquitetura chinesa.

Em vez de muros altos e portões de entrada formais, como na arquitetura tradicional chinesa, instalamos barreiras retráteis nos pontos de acesso à igreja, que são quase invisíveis e permanecem abertas até tarde da noite. Há bastante área verde proporcionando sombra e assentos ao ar livre para fiéis e turistas.

Seus outros projetos de igreja também se inspiram no ambiente ao redor. Por que isso é importante para você, como cristão e como arquiteto?

Nas cidades chinesas, você vê lojas abrindo e fechando, fachadas sendo redecoradas para parecerem mais sofisticadas, mais chamativas e mais atraentes do que as dos vizinhos. Mas o design de uma igreja é mais atemporal e estável. É um mediador arquitetônico que pode ajudar a harmonizar desequilíbrios no ambiente construído ou trazer a beleza do lugar à tona.

Dessa forma, um edifício de igreja tem uma relação dialética com seu ambiente: ele se destaca e se integra.

Por exemplo, Julong é uma cidade recém-criada que fica nos arredores de Quanzhou, uma cidade portuária na província sulista de Fujian. As pessoas que moram lá vieram de toda parte do país. Transformar a igreja de Julong em uma arca ou um refúgio, inspirada na ideia de Pedro como a rocha sobre a qual Jesus construirá sua igreja (Mateus 16.18), envia uma mensagem de estabilidade em meio às tormentas de um mundo em [constante] mudança.

Sua localização ao pé da montanha de Julong também permite não só que as pessoas contemplem a beleza da natureza; é uma referência visual ao Sermão do Monte, no qual Jesus subiu em um monte para pregar e ensinar.

Você acha que a beleza arquitetônica das igrejas contribui para práticas espirituais como o culto ou a oração? Ou é uma distração?

Essa é a velha questão protestante: A beleza formal inspira e aproxima a pessoa de Deus ou a distrai? Essa questão precisa ser respondida pela congregação. Como arquiteto, você não pode criar um lugar de culto que se adeque às suas inclinações ou crenças pessoais. Você tem que ouvir o que a comunidade deseja.

O interior da igreja Hua Xiang é um espaço branco muito simples, com galerias superiores levemente onduladas, um teto plano e um número reduzido de luminárias. É uma concepção muito clássica, quase reformada, de como um espaço litúrgico deve ser.

Mas um grande órgão de tubos, popular nas igrejas norte-americanas na segunda metade do século 19, funciona como o principal elemento do palco. Esse foi um desejo da própria congregação, que queria um elemento que desse continuidade à sua herança metodista.

Esse órgão de tubos inspira o sermão ou inspira a oração? Eu não sei. Mas acredito que a música que ele cria restabelece laços com as formas cristãs de convivência. A igreja aprecia o fato de se sentir mais próxima de sua própria tradição por meio dele.

Há algo que você espera que as pessoas que visitam essas igrejas aprendam sobre Deus e sobre o cristianismo chinês?

Como arquiteto, não me imponho no que diz respeito ao que as pessoas devem pensar sobre Deus. Não estou aqui para proteger uma compreensão específica ou única de Deus. Eu planejo e projeto a igreja física, mas a verdadeira igreja são as pessoas dentro dela, os pastores e os irmãos e as irmãs que pregam, projetam e ensinam o cristianismo.

Se eles acham que minha arquitetura os ajuda a fazer tudo isso, então, fico feliz. Não acho que seja apropriado eu pensar algo que vá além disso.

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