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Como um cristão deve debater nas redes sociais

Pode ser bom discutir teologia online. Mas não vamos transformar discussões em brigas.

Christianity Today July 24, 2025
Illustration by Christianity Today / Source Images: Getty, WikiMedia Commons

Cresci ao lado de três irmãos e uma irmã bem durona. Sim, nós brigávamos — e muito. Brigávamos sobre quem trapaceava no Uno. Sobre quem comeu o último bolinho de milho. Sobre se a mamãe realmente tinha dito algo ou se alguém estava inventando aquilo. Convivíamos com vozes alteradas, egos feridos e, vez ou outra, com alguns machucados.

Mas, como éramos uma família, sempre fazíamos as pazes. E, curiosamente, as brigas também nos fortaleciam. Elas nos lembravam que, mesmo que tivéssemos conflitos, ainda pertencíamos uns aos outros. Elas também ensinavam uma lição importante às outras crianças do nosso bairro em Chicago, cidade onde cresci: não se metam com os Butlers. Eles são durões e apoiam uns aos outros.

Em muitos aspectos, as brigas entre irmãos têm muito em comum com as discussões teológicas entre cristãos. Não é novidade que haja desentendimentos na igreja. E quando se trata de defender as doutrinas essenciais, é bom e piedoso batalhar pela fé (Judas 3-4). Mas, hoje em dia, é fácil ver que muitos crentes acabaram se transformando em pessoas que se envolvem com extrema rapidez em brigas, frequentemente lançando acusações uns contra os outros, a partir de subculturas combativas — e briguentas — nas redes sociais.

Um conflito recente ocorreu entre o pastor Eric Mason e Tiphani Montgomery, duas figuras que têm muitos seguidores online. A discussão pública entre eles sobre profecias precisas e submissão espiritual incendiou as redes sociais, gerando discussões e brigas online entre os seguidores de ambos. Vídeos em reação à discussão, análises e artigos de opinião circularam pelas plataformas, e as pessoas rapidamente escolheram um dos lados e diziam quem achavam que estava certo ou errado. Jackie Hill Perry e Preston Perry, que trabalharam no ministério com Mason, também se viram envolvidos na disputa.

Para alguns, a discussão virou espetáculo. Para outros, foi um conflito teológico pessoal sobre como discernir um profeta de verdade de uma fraude. Mas, para muitos de nós, também foi um momento para fazer uma pausa e refletir sobre o que todo esse frenesi online revela sobre a igreja em nossa era atual, ou seja, como ensinamos, como discipulamos, como formamos nossas convicções e como lidamos com divergências em público.

Do Concílio de Jerusalém, em Atos, à repreensão de Paulo a Pedro, em Gálatas, passando pelos Pais da Igreja em Niceia, os cristãos sempre tiveram que resolver tensões teológicas diante dos olhos atentos do mundo. Isso tem sido parte de como crescemos e de como damos testemunho da verdade de Jesus Cristo. Alguns conflitos teológicos precisam ser visíveis. E algumas perguntas devem ser feitas e respondidas diante de um grupo mais amplo.

Mas, em nossa era moderna, desentendimentos públicos também se tornaram uma espécie de esporte para espectadores. Nossos concílios hoje são as postagens no Instagram, e nossas “cartas às igrejas” assumem a forma de monólogos de 20 minutos no YouTube ou de uma thread [sequência de tuítes conectados] no X. As visualizações e os comentários chegam sem demora. E, quando a poeira da discussão baixa, o resultado é uma comunhão fragilizada e um testemunho público diminuído.

Se você é do tipo que luta pelo que acredita, eu entendo a tentação. Vivemos em uma era que frequentemente desmerece a teologia — mesmo quando ela é clara como a luz do dia — e a vê como algo divisivo ou ultrapassado. Como pastor, acho isso particularmente frustrante. Aquilo em que cremos e que também ensinamos, mesmo quando se trata de questões não essenciais para a salvação, são coisas que importam para Deus. A teologia molda a nossa vida, tanto para o bem quanto para o mal. E, por isso, “manejar corretamente a palavra da verdade” (2Timóteo 2.15) é algo valioso e necessário em todos os assuntos.

A busca de clareza doutrinária pode nos guiar, mas é sabido que isso não resolverá todas as nossas discussões. Às vezes, a Bíblia não fala com clareza sobre determinado assunto. E quando tópicos desse tipo vêm à tona, é bom que se diga que temos consciência de que nossa mente finita está lutando com uma verdade infinita, a qual deve ser abordada com reverência, não com arrogância. Devemos ter o tipo de humildade que reconhece que, embora a Palavra de Deus seja infalível, nós não o somos. E que, deste lado da glória, nosso entendimento será sempre parcial e incompleto (1Coríntios 13.9).

Isso não é desculpa para duvidarmos de tudo, mas é uma das razões pelas quais Deus nos ordena que sejamos “prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-[nos]” (Tiago 1.19). E quanto mais ainda devemos agir assim, quando outros crentes sinceros, igualmente comprometidos com a autoridade das Escrituras, chegarem a conclusões diferentes das nossas. Não precisamos abrir mão da verdade; contudo, devemos nos recusar a presumir que possuímos toda a verdade e com perfeição. Podemos defender nossas convicções com confiança e com compaixão, evitando a armadilha de tratar cada discordância como uma batalha a ser vencida. Afinal, a igreja é uma família, não uma torcida organizada.

Em uma igreja fragmentada, que não possua um órgão disciplinar comum, discussões públicas sobre teologia — especialmente entre líderes — exigem discernimento. A repreensão pública é um ato muito sério. E, embora possa ser necessária em alguns casos, nossas conversas devem ser arraigadas no amor pelo corpo de Cristo, marcadas pelo discernimento espiritual e conduzidas com humildade e um claro senso de responsabilidade diante de Deus.

Um dos maiores problemas que tenho observado nessas discussões online é que elas se tornam muito carnais. Mesmo quando um dos lados possa estar claramente certo, as brigas nas redes sociais costumam trazer à tona uma espécie de maldade muitas vezes temperada com pitadas de arrogância, de atitude defensiva e de ira. As pessoas não querem ser vistas como “perdedoras” aos olhos do público nem se mostram prontas a se desculpar pelo que poderiam ter dito ou feito de forma diferente. E, em pouco tempo, o caráter de filho ou filha de Deus fica em segundo plano, à medida que os seguidores tomam partido, atribuem motivações e tomam para si ofensas em defesa de alguém que nunca encontraram na vida.

Para muitos de nós, essas explosões e brigas também podem servir como um lembrete de que nosso crescimento espiritual não pode ser terceirizado para influenciadores nem para o pastor que conhecemos mais recentemente na internet. Professores e criadores de conteúdo que atuam online podem ser incrivelmente úteis. Mas sermos formados à semelhança de Cristo é algo que acontece com mais profundidade no contexto dos relacionamentos da vida real: nas famílias, nas igrejas locais e naqueles relacionamentos espirituais de amizade em que somos verdadeiramente conhecidos. O discipulado exige mais do que acesso a bons conteúdos. Ele requer submissão mútua, prestação de contas e comunidade.

Podemos acatar tudo isso e ainda assim ver que algo lindo está acontecendo online. Como Richard Foster escreveu em Streams of Living Water (Rios de água viva), “algo novo está chegando. Deus está reunindo seu povo mais uma vez, fazendo deles uma comunidade inclusiva de pessoas amorosas, uma comunidade que tem em Jesus Cristo seu principal sustentador e seu integrante mais glorioso”. Essa bela polinização cruzada está acontecendo em parte por causa das plataformas online, que estão ajudando os cristãos a se conectarem com pessoas que talvez nunca teriam conhecido.

Mas, como Tish Harrison Warren já discutiu, esse novo cenário também levanta questões importantes sobre autoridade e prestação de contas, responsabilização. Isso significa que a discordância teológica está mais visível do que nunca, algo que pode ser bom e nos ajudar a crescer, desde que a abordemos da maneira correta.

A cultura ao nosso redor precisa desesperadamente reaprender a discordar direito. Se a igreja puder ser um exemplo disso — se pudermos ser mutuamente afiados por nossas diferenças, em vez de massacrados — então, nossa teologia pública poderá se tornar não apenas um testemunho daquilo em que cremos, mas também um testemunho de quem somos e a quem pertencemos. E isso, mais do que qualquer vídeo ou qualquer postagem de feedback que esteja em alta, é o que o mundo precisa ver.

Chris Butler é o diretor de formação cívica cristã no Center for Christianity & Public Life [Centro para cristianismo e vida pública].

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