6 de setembro, 2024
Pastores e líderes debatem sobre os impactos das ações do governo para fechar igrejas
Apenas algumas semanas após fechar 1.500 organizações e igrejas, o governo da Nicarágua suspendeu o status legal de mais 169 entidades, sendo 86 delas cristãs. Entre as entidades afetadas estão a Aliança Evangélica Nicaraguense, denominações como a Igreja Episcopal e a Igreja da Morávia, e congregações locais, incluindo a Primeira Igreja Batista de Manágua.
Em seu anúncio de 29 de agosto, o governo chamou as suspensões de necessárias devido à falta de apresentação de relatórios financeiros e às falhas das organizações em relatar informações sobre sua liderança. O governo também diz que as medidas são um esforço para combater a lavagem de dinheiro por parte de organizações sem fins lucrativos.
A suspensão do status legal não resultará no fechamento imediato das igrejas. Em uma declaração emitida em 31 de agosto, dois dias após as suspensões, o conselho provincial da Igreja da Morávia admitiu falhas em sua documentação financeira, culpando por isso uma mudança feita em 2019 nos regulamentos internos da igreja. No entanto, o conselho garantiu aos congregantes que as atividades religiosas “serão mantidas normalmente, sem quaisquer restrições por ninguém”. A denominação também disse que seus líderes se encontraram com autoridades regionais em 31 de agosto, para discutir o assunto. “Eles nos disseram que não havia intenção de suspender as atividades das congregações, nem os ativos da igreja seriam tocados”, afirmou.
A maioria das organizações afetadas são pequenas e não têm apoio formal de contadores profissionais, disse um pastor nicaraguense que pediu para permanecer anônimo.
Alguns cristãos continuam a apoiar a posição do governo. Sergio Tinoco, presidente da Federação Nicaraguense de Igrejas Evangélicas, que afirma representar mais de 10.000 congregações no país, disse que “a alegação de que as igrejas estão sendo fechadas é uma mentira”.
Ele acredita que o governo está apenas implementando “uma mudança no arcabouço legal para melhor auxiliar as igrejas”. Em sua opinião, o governo está cancelando esses registros porque as igrejas afetadas não mais serão registradas no Ministério do Interior.
Em vez disso, segundo Tinoco, o governo quer que as igrejas que administram escolas trabalhem com o Ministério da Educação, que as que administram um hospital denominacional se registrem no Ministério da Saúde e que as que administram orfanatos se registrem no Ministério da Família.
“Não haverá fechamentos [de igrejas]. [O propósito] é obter novos registros para trabalhar sob um novo modelo”, ele afirmou.
No entanto, o decreto provocou reações preocupadas de organizações que promovem a liberdade religiosa. A Christian Solidarity Worldwide (CSW; Solidariedade Cristã no Mundo), sediada no Reino Unido, condenou o cancelamento do status legal das organizações sem fins lucrativos e apelou à comunidade internacional que fizesse o mesmo.
“O cancelamento arbitrário de associações religiosas históricas e diversas está, em muitos casos, deixando seus membros sem ter onde se reunir para fins religiosos”, disse Anna Lee Stangl da CSW em uma declaração. A CSW também está “bastante preocupada” com o efeito que os fechamentos terão em escolas e hospitais administrados por essas organizações.
Em outro local, um acordo negociado entre os governos dos EUA e da Nicarágua levou à libertação de 135 presos políticos, entre os quais estão 11 pastores do ministério Mountain Gateway, sediado no Texas, que foram presos em dezembro do ano passado sob alegações de lavagem de dinheiro. Em março, o governo os condenou a 12 a 15 anos de prisão e multou cada um em 80 milhões de dólares.
Como condição para sua libertação, o governo enviou os presos libertados para a Guatemala. “Os Estados Unidos e nossos parceiros humanitários fornecerão temporariamente aos indivíduos comida, hospedagem e assistência médica, incluindo apoio psicológico, para ajudá-los a se recuperarem e a começarem o difícil trabalho de reconstruir suas vidas”, disseram os governos dos Estados Unidos e da Guatemala em uma declaração conjunta.
23 de agosto, 2024
nicarágua passa a tributar dízimos
Uma série de políticas recentemente implementadas pelo governo nicaraguense impactará significativamente as atividades de igrejas e ministérios que operam no país.
Vistas por especialistas em liberdade religiosa como uma tentativa de aumentar o controle estatal sobre as instituições religiosas, as medidas impõem tributos sobre dízimos e ofertas, ao mesmo tempo em que exigem que as organizações façam parcerias formais com o governo nicaraguense, para a implementação de projetos no país. O jornal local La Prensa estima que a tributação sobre dízimos possam chegar a 30%.
O presidente Daniel Ortega apresentou o projeto de lei, que foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Nacional, no dia 20 de agosto. O partido de Ortega, a Frente Sandinista de Libertação Nacional, que começou nos anos 1970 como um grupo guerrilheiro, controla o legislativo.
As mudanças na lei favorecerão “o desenvolvimento de projetos de interesse para famílias e comunidades, dentro de um cenário de solidariedade e de adesão às leis nacionais”, disse a vice-presidente Rosario Murillo, esposa de Ortega.
O escopo da nova regulamentação legal tem sido vago. Tanto Murillo quanto uma declaração da Assembleia Nacional sobre o projeto de lei descreveram a legislação como algo “que visa fortalecer a transparência, a segurança jurídica, o respeito e a harmonia”. Uma consequência provável é que igrejas que recebem dinheiro do exterior — inclusive fundos enviados por suas próprias denominações — serão obrigadas a entrar em uma “alianza de asociación” (“aliança de parceria”) para acessar seus recursos.
No mesmo dia em que a legislação foi aprovada, o governo cancelou o status legal de 1,5 mil organizações, citando a falta de apresentação de relatórios financeiros adequados. Pela primeira vez, desde que o governo Ortega começou a reprimir as organizações sem fins lucrativos, quase metade das instituições afetadas inclui entidades com conexões evangélicas.
Isso abrange um grande número de ministérios e igrejas pentecostais, bem como aqueles que são administrados por batistas, metodistas, luteranos e presbiterianos. Embora poucas das instituições afetadas trabalhassem em âmbito nacional, muitas eram igrejas de bairro com menos de 100 membros.
A maioria dos outros grupos afetados é ligada à Igreja Católica. (O restante tinha seu foco voltado para as áreas do esporte ou da cultura). Como parte do decreto governamental, os bens dessas organizações serão transferidos para o governo nicaraguense.
“Igrejas, especialmente as menores, são lugares onde o senso de comunidade e a participação são muito fortes”, disse um porta-voz do Observatório da Liberdade Religiosa na América Latina (OLIRE), com sede na Holanda, que pediu para permanecer anônimo por razões de segurança. “O governo quer diminuir a importância dessa contribuição, para que apenas o Estado se destaque.”
No ano passado, esses requisitos de prestação de contas com relatórios financeiros levaram ao fechamento de dez igrejas pertencentes a um ministério com base no Texas, Mountain Gateway, e à prisão de 11 de seus pastores que serviam na Nicarágua. Semanas antes, o grupo havia liderado um evento evangelístico e de ajuda humanitária de dois dias, que reuniu mais de 300.000 pessoas.
No entanto, várias leis aprovadas nos últimos anos criaram padrões complexos para os relatórios financeiros das organizações não-governamentais, resultando em dificuldades de atender e se adequar a essas normas, de acordo com o The New York Times. Até mesmo a Igreja Católica enfrentou dificuldades.
Desde 2018, o governo nicaraguense fechou 3.390 organizações (10% delas estrangeiras) sob a acusação de “lavagem de dinheiro”, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 2022, o governo fechou 20 igrejas evangélicas com base em acusações semelhantes.
A Christianity Today (CT) tentou entrar em contato com representantes de várias organizações cristãs na Nicarágua, incluindo algumas das que tiveram seu status cancelado. Quase todas se recusaram a comentar. Uma fonte descreveu a situação como “muito delicada”.
“Podemos até ser presos ou perder a cidadania por comentários críticos”, disse a pessoa.
No ano passado, o governo nicaraguense proibiu procissões e cultos ao ar livre, citando preocupações com a segurança após os protestos de 2018, que resultaram em tumultos e prisões. O governo também proibiu a exibição de símbolos, como cruzes ou a Estrela de Davi, em frente a residências particulares.
Os evangélicos representam quase 40% dos 7 milhões de habitantes da Nicarágua, o que faz do país o terceiro mais evangélico da América Latina. Muitos não veem problemas nas ações de Ortega.
“Isso não é exatamente perseguição”, disse Ismael Jara, pastor da Igreja Batista Sendero de Luz, em Ciudad Sandino. “Não estamos proibidos de sair às ruas e fazer evangelismo… Apenas grandes aglomerações não são permitidas devido à [instabilidade política que se seguiu aos protestos de 2018].”
Jara explicou que as regras mais rígidas para eventos fora das igrejas forçarão as congregações a serem mais organizadas ao planejar eventos. Ele também sugeriu que a perda dos registros das organizações pode até ser positiva para algumas igrejas, incentivando-as a se tornarem mais transparentes financeiramente, para atender às exigências de prestação de contas ao governo.
Além disso, Jara acredita que será saudável para os fiéis manterem uma distância maior da política. “Precisamos aprender a ser neutros e a respeitar as autoridades”, disse ele.
Em abril, após um grupo de especialistas apresentar um relatório sobre violações de direitos religiosos nas Nações Unidas, seis organizações evangélicas — entre elas três associações de igrejas, dois grupos denominacionais e um centro de estudos teológicos — publicaram cartas abertas reafirmando a existência de liberdade de culto no país. O bispo Aldolfo Sequeira, presidente do Centro Intereclesial de Estudos Teológicos e Sociais, assinou uma das cartas, declarando que o governo “respeita a liberdade de culto e as expressões de fé do povo cristão, permitindo que cada pessoa pratique a religião de sua escolha em todo o país.”
Na mesma época, a Convenção Batista da Nicarágua publicou uma declaração de apoio a Ortega e Murillo, que “sempre apoiaram nosso trabalho evangelístico e foram favoráveis a todas as nossas atividades.”
Mas os que estão fora do país estão menos convencidos disso.
Como esses fechamentos são “respaldados por um arcabouço legislativo”, a ameaça do governo à liberdade religiosa é “mais evidente e mais escandalosa” do que a repressão aos grupos religiosos pelos sandinistas, na década de 1980, disse o porta-voz da OLIRE.
Ao revogar registros e confiscar bens de organizações religiosas, o governo está forçando esses ministérios a se alinharem com grupos maiores, que estão dispostos a se submeter às condições impostas pelo governo, explicou um representante do poder legislativo que pediu para permanecer anônimo por razões de segurança. Sem um registro legal, elas não podem comprar terrenos nem construir igrejas.
Além disso, de acordo com a OLIRE, o governo impõe suas metas e políticas às organizações cristãs na tentativa de “eliminar qualquer presença de instituições que não comunguem da mesma orientação política”.
Em sua justificativa para a legislação aprovada, Ortega argumentou que as atividades das organizações não-governamentais resultaram em “uso discricionário de [programas e projetos] que não está ligado aos planos, estratégias e políticas nacionais, promovidos pelo nosso bom governo na luta contra a pobreza e pela segurança de nossa população.”
Em junho, a Comissão dos EUA sobre Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF) publicou um relatório destacando “condições de liberdade religiosa gravemente deterioradas na Nicarágua”. “O presidente Daniel Ortega e a vice-presidente Rosario Murillo estão usando leis sobre crimes cibernéticos, crimes financeiros, o registro legal para organizações sem fins lucrativos, a soberania e a autodeterminação para perseguir comunidades religiosas e defensores da liberdade religiosa”, afirmou o relatório.
A USCIRF recomendou que os EUA designassem a Nicarágua como um país de preocupação particular “por engajar-se em violações sistemáticas, contínuas e flagrantes da liberdade religiosa”, e sugeriu a imposição de sanções a agências e representantes do governo nicaraguense.
Até agora, a principal fonte de tensão entre os sandinistas e o setor religioso tem sido com a Igreja Católica. Em fevereiro do ano passado, o bispo de Matagalpa, Rolando Álvarez, foi preso sob a acusação de conspiração e teve sua cidadania nicaraguense revogada, devido a sermões considerados contrários ao governo.
Álvarez ficou detido até janeiro deste ano, quando o governo o exilou para o Vaticano. A tentativa do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva de negociar sua libertação levou a um esfriamento nas relações entre Brasil e Nicarágua, culminando na expulsão dos embaixadores de ambos os países, no início de agosto.
Em agosto de 2023, a pedido do governo, a justiça nicaraguense ordenou o fechamento e o confisco dos bens da Universidade Centroamericana, uma instituição de ensino superior em Manágua que é administrada por jesuítas. As autoridades acusaram a universidade de abrigar atividades criminosas durante os protestos de 2018. A ação gerou protestos na comunidade acadêmica e no Vaticano.