À medida que o evangelicalismo cresce na América Latina católica, também cresce o secularismo

Um acadêmico colombiano avalia a situação do movimento, cerca de 150 anos após a chegada dos primeiros missionários protestantes.

Pessoas passam em frente a uma igreja católica, no Brasil.

Pessoas passam em frente a uma igreja católica, no Brasil.

Christianity Today December 21, 2023
Mario Tama / Staff / Getty / Edits by CT

Nos últimos anos, o crescimento do movimento evangélico na América Latina ganhou as manchetes. Mas Daniel J. Salinas, um historiador colombiano, fica ainda mais surpreso com o tempo que o movimento levou para se firmar de fato.

Os missionários protestantes chegaram à América Latina pela primeira vez há cerca de 150 anos, na década de 1870. Hoje, no Brasil e na Guatemala, a população evangélica é de 41% e 31%, respectivamente. Esses países são exceções ao lento crescimento do evangelicalismo vivido na maior parte da América Latina, que historicamente tem sido católica.

“O principal fator que tem desafiado o poder da igreja católica não tem sido o protestantismo, mas sim o secularismo”, disse ele. “Se você conversar com qualquer pessoa na América Latina, ela lhe dirá que é católica, mesmo que nunca tenha ido à igreja. A maioria das pessoas segue os rituais da religião predominante, mas não há compromisso com a doutrina dessa religião. Eles são batizados quando bebês, passam pela crisma e se casam na igreja, mas isso é tudo.”

Salinas cresceu frequentando uma igreja pentecostal em Bogotá, na Colômbia. Depois de trabalhar um tempo como engenheiro mecânico, ele sentiu que Deus o havia chamado a fazer mais com a sua vida, e serviu como missionário em locais como Uruguai, Equador, Bolívia e Paraguai. Atualmente, Salinas leciona em vários seminários, inclusive na Fundación Universitaria Seminario Bíblico de Colombia, em Medellín. Ele é o autor da obra Taking Up the Mantle: Latin American Evangelical Theology in the 20th Century [Vestindo o manto: Teologia Evangélica na Améria Latina do século 20], lançada pela Langham Global Library, em 2017.

Salinas conversou recentemente com Geethanjali Tupps sobre questões como a sua jornada como missionário na América Latina, as tensões históricas e as atuais na região, entre protestantes e católicos, e o impacto da história política sul-americana do século 20 sobre a igreja.

Que tipo de impacto os missionários protestantes tiveram, quando começaram a chegar [na América Latina] na década de 1870?

Os primeiros missionários — presbiterianos e metodistas, que chegaram no final dos anos 1800 e início dos anos 1900 — abriram hospitais e escolas, muitos dos quais ainda estão em funcionamento e são muito respeitados atualmente. No entanto, após as décadas de 1930 e 1940, a maioria dos missionários abriu apenas igrejas. Nada mais. Perdeu-se o interesse social do início.

Durante essa época, os missionários dos Estados Unidos que vinham para a América Latina eram vistos sobretudo não como pessoas que queriam disseminar sua fé, mas como aqueles que estavam tentando fazer com que os latino-americanos aceitassem melhor os Estados Unidos. De fato, é possível encontrar livros escritos por católicos que afirmam que os missionários protestantes eram espiões da CIA ou profissionais enviados pelos Estados Unidos para mudar nosso modo de viver e nossa cultura.

No geral, o crescimento foi lento e a situação era bem difícil. Muitos desses missionários provavelmente foram para junto do Senhor sem ver os resultados de seus esforços. Mesmo nas décadas de 1960 e 1970, a igreja evangélica ainda era muito pequena.

Como os governos latino-americanos reagiram ao movimento evangélico?

Não foi nada fácil para os missionários que vieram para a América Latina na virada do século 20. Os governos liberais eram abertos e muito receptivos em relação aos missionários, pois achavam que o protestantismo ajudaria a desenvolver o país. Mas, assim que presidentes mais conservadores chegaram ao poder, eles fecharam suas fronteiras.

Voltemos ao início dos anos 1900: Alguns países começaram a reconhecer a liberdade de religião e de culto. Durante anos, muitas constituições declararam que a religião oficial do país era a católica. A Argentina e a Colômbia sequer retiraram a exigência de que o presidente fosse católico, senão na década de 1990.

Hoje, bem poucas vezes se veem evangélicos sendo convidados pelos governos para participar dos diálogos que definirão as políticas públicas ou que ajudarão o país. O único momento em que os vemos se aproximarem dos evangélicos é antes das eleições, pois agora os candidatos estão percebendo que o voto evangélico pode fazer diferença para eles.

Quando servimos como missionários em Cochabamba, na Bolívia, em 1998, procuramos um lugar para comemorar o 40º aniversário da IFES [Sigla em inglês da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos] na América Latina. Uma escola católica tinha um belo local para eventos que estávamos interessados em usar; eles alugavam esse local para diferentes grupos. Quando fomos reservar o espaço dessa escola, porém, eles disseram que não reservariam, porque não somos católicos.

Que grupos o movimento protestante alcançou com maior eficácia?

Já nos anos 1900, as classes mais instruídas da população e os que eram ricos ou detinham algum poder político tinham abandonado por completo a religião, embora fosse a igreja católica que abençoava o presidente e o congresso.

Historicamente, as pessoas de classe baixa têm sido mais receptivas ao evangelho. Uma das razões para isso foi a acelerada urbanização. As pessoas estavam deixando os ambientes seguros e protegidos do campo, onde cresceram, em busca de novas oportunidades nas cidades. Mas elas chegavam à cidade sem uma rede de contatos; então, uma maneira de se conectar com outras pessoas era encontrando uma igreja evangélica, que geralmente oferecia uma rede de apoio para a sua vizinhança.

Na década de 1970, as igrejas evangélicas começaram a crescer. A liderança nessas congregações estava passando a ser mais local e menos estrangeira, tornando mais fácil para as pessoas se sentirem representadas ali. A maioria das igrejas não tinha nenhuma conexão com nenhuma agência ou missão estrangeira.

Por volta dessa época, muitos países também viveram ditaduras militares. Uma coisa que ainda não está clara para mim é o tipo de efeito que esses governos tiveram sobre as igrejas católicas e protestantes. Embora muitas pessoas tenham se desiludido com a igreja católica, que era uma aliada de muitos desses regimes, as igrejas evangélicas também se mantiveram caladas. Tanto as igrejas católicas quanto as protestantes não denunciaram de fato as injustiças cometidas pelas ditaduras militares, mas simplesmente ficaram de braços cruzados, enquanto aumentava o poder das ditaduras.

Até que ponto os evangélicos latino-americanos estão descobrindo uma identidade própria?

Nos primeiros anos em que os missionários chegaram, a igreja católica dizia: “Nós somos latino-americanos e a América Latina é católica. Se você é latino-americano, você é católico.” Ao chegar aqui, os evangélicos não perceberam como isso estava intimamente ligado à identidade das pessoas.

Levou muito tempo, mais de um século, para que essa forte conexão entre catolicismo e latino-americanismo se rompesse, e para que alguém sentisse que poderia ser latino-americano e evangélico sem se sentir um estrangeiro [em sua própria terra].

Como as mulheres moldaram a teologia latino-americana?

Em muitos lugares, as mulheres foram as primeiras a aceitarem o evangelho, e muitas das igrejas foram plantadas por mulheres e lideradas por mulheres. Com relação ao envolvimento da igreja, as mulheres sempre participaram disso, mas sua participação na produção de teologia é um desdobramento recente. Você encontra uns poucos nomes na década de 1970 e outros poucos na década de 1980. Beatriz Melano Couch (1931-2004), do Uruguai, é a primeira mulher protestante a obter um doutorado em teologia de que se tem notícia na América Latina.

Outras estudiosas com as quais estou familiarizado são Elsa Támez, que é mexicana e foi professora de estudos bíblicos na Universidad Bíblica Latinoamericana, e Nancy Bedford, atualmente professora do Garrett Evangelical Theological Seminary, e que nasceu na Argentina.

No grupo de bolsistas da Langham, temos pelo menos quatro mulheres que concluíram doutorados em teologia, missiologia ou em diferentes aspectos da teologia.

Você acredita que o movimento evangélico tem abordado as necessidades e preocupações sociais do povo latino-americano?

Isso é algo ainda mais recente.

Os teólogos latino-americanos têm sido muito importantes na maneira como contamos a história da conquista e como entendemos a invasão dos espanhóis. Não houve uma organização que fizesse com que os grupos autóctones operassem em conjunto. Em vez disso, diferentes cristãos autóctones estão expressando sua compreensão da fé cristã sem muito contato com outros grupos autóctones. Isso também é reforçado por fatores geográficos e linguísticos.

Que papel a imigração desempenhou na compreensão do movimento evangélico ou de outras formas de religião?

Nossos países são um caldeirão de muitas culturas. Na Colômbia, por exemplo, recebemos nos anos 1800 muitos libaneses e turcos. Alguns deles se miscigenaram completamente à população local, embora ainda seja possível identificá-los por seus sobrenomes.

Em contrapartida, se você for para o sul do Chile, verá que há muitas igrejas ali em que ainda se fala o alemão. Se for a algumas igrejas no sul da Argentina, o idioma falado é o inglês. Ainda há algumas das igrejas provenientes da França. Elas estão no canto sul da Argentina, do Chile, do Brasil e do Uruguai.

O Uruguai tem muitos alemães, especialmente menonitas, que foram inicialmente expulsos da Alemanha porque não queriam se alistar no serviço militar. Eles foram para a Rússia, e então estourou a Revolução Bolchevique. Há várias colônias menonitas no Paraguai, no sul do Brasil e no sul do Chile, e umas duas grandes na Argentina.

A influência ou o efeito da imigração sobre o evangelho é uma questão complexa, pois muitos cristãos que vieram eram menonitas, os quais, historicamente, têm sido comunidades fechadas para o resto da sociedade do país. Eles se mudaram para a América Latina em busca de proteção para educar seus filhos como quisessem, bem como para usar seu próprio idioma. Foi só recentemente que eles começaram a se abrir mais.

Tenho um amigo que trabalha na Igreja Presbiteriana Japonesa de São Paulo, no Brasil. A igreja e o ministério são bem grandes, e trabalham com a segunda ou a terceira geração de japoneses, que hoje são brasileiros, mas têm um primeiro culto celebrado em japonês, para a geração mais velha.

No Uruguai, quando eu era missionário, morava perto de uma família armênia. A igreja deles ainda tinha cultos em armênio, que eram frequentados pelos pais, enquanto os filhos iam aos cultos celebrados em espanhol.

Como você vê os países latino-americanos assumindo um papel mais ativo em missões?

Estive recentemente no Quênia para a Assembleia Global da SIM International. Conheci uma família boliviana de Cochabamba que trabalha no norte do Quênia, com somalis, uma família da Cidade do México que trabalha em Katmandu, no Nepal, e outro obreiro mexicano que trabalha na Índia.

O Brasil é um país grande que envia muitos missionários para todos os lugares, e sei que a Costa Rica e a Colômbia também são países que enviam muitos missionários. Temos os mesmos problemas que muitas missões têm, como, por exemplo, o desgaste, e muitos missionários que voltam para seus países completamente exauridos. Mas também temos histórias de coisas que estão acontecendo, de modo que é animador testemunhar tudo isso.

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