Advento: Esperança Viva

Leituras devocionais diárias da Christianity Today.

Christianity Today November 28, 2020
Jared Boggess

O que significa ter esperança em tempos difíceis? A esperança é mais do que um sentimento; não é simplesmente estar sempre otimista ou ter uma atitude “esperançosa”. A Escritura nos oferece uma compreensão muito mais robusta de esperança. A esperança cristã tem peso, resiliência e propósito — e Deus é a sua fonte.

Deus, em “sua grande misericórdia […] nos regenerou para uma esperança viva" (1Pe 1.3). E é o nosso “Deus da esperança” que nos permite “transbord[ar] de esperança, pelo poder do Espírito Santo” (Rm 15.13). Essa realidade não é verdadeira apenas em tempos de calmaria; na verdade, é em tempos difíceis e sombrios que a esperança mostra verdadeiramente seu valor.

Como Jay Y. Kim escreve em “A esperança é um salto de fé”,

é com isso que a esperança cristã se parece. Não ignora o medo, a ansiedade e a dúvida; antes, os confronta. Ela se mantém firme, agarrando-se à paz em meio ao caos. Através das muitas tempestades traiçoeiras da vida […] a esperança cristã é impulsionada por algo maior que aconteceu, e por algo maior que vai acontecer novamente.

O projeto do Advento da CT em 2020 explora o tema da esperança, segundo ele se desenrola ao longo da história bíblica. Nessas reflexões devocionais diárias, meditaremos sobre a esperança do povo de Deus no Antigo Testamento, à medida que eles confiavam totalmente em Deus nas dificuldades e sofrimentos [Semana 1]. Veremos profecias e promessas de esperança que apontavam para o Primeiro Advento: a vinda do Messias [Semana 2]. Contemplaremos o milagre da esperança que irrompe na Encarnação, quando “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” como um bebê humano, envolto em faixas e deitado em uma manjedoura (Jo 1.14; Lc 2.12) . E refletiremos sobre nossa esperança na volta futura de Cristo — o Segundo Advento que esperamos — que traz perseverança, confiança e alegria para nossa vida cotidiana, apesar das dificuldades que possamos enfrentar [Semana 3 e Semana 4].

Essa é a nossa “esperança viva” ou a nossa “grande expectativa”, como diz a New Living Translation, uma versão bíblica em inglês. Nossa esperança é motivada por nossa expectativa confiante de que essa criança que nasceu virá um dia, novamente em glória, para restaurar tudo que está errado, e o seu reino não terá fim.

Kelli B. Trujillo

Traduzido por Erlon Oliveira

Advento Semana 1: Ele voltará em glória

Leituras devocionais diárias da Christianity Today para o Advento.

Christianity Today November 28, 2020
Illustration by Jared Boggess

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Domingo: Entre duas realidades

Leitura de hoje: Apocalipse 1.4-9; 19.11-16; 21.1-5,22-27; 22.1-5

Quase de imediato, o capítulo de abertura do Apocalipse ergue nossos olhos para contemplar uma glória que transcende totalmente nossas circunstâncias terrenas. “Eu sou o Alfa e o Ômega […] o que é, o que era e o que há de vir”(1.8). Nosso Salvador, que “nos ama e nos libertou dos nossos pecados”, voltará; “eis que ele vem com as nuvens, e todo olho o verá” (1.5,7). João passa a descrever uma visão maravilhosa do próprio Cristo — um encontro tão impressionanteque ele caiu “aos seus pés como morto” (v. 17).

Mas bem no meio dessas passagens gloriosas está uma frase que podemos facilmente deixar escapar: a breve descrição que João faz de sua vida e da vida dos destinatários de sua carta. Ele relata que é um “companheiro no sofrimento, no Reino e na perseverança em Jesus” (v. 9). João escreveu o Apocalipse durante o exílio e este livro circulou por uma igreja sofredora, que enfrentava pressão e perseguição que só aumentariam nas décadas seguintes. Os destinatários iniciais do Apocalipse viviam entre duas realidades justapostas: sua certeza do reinado soberano e do glorioso retorno de Cristo; e sua experiência terrena e cotidiana de espera e sofrimento.

Cerca de dois mil anos depois, ainda vivemos entre essas realidades justapostas. Aqui, entre a primeira vinda de Cristo e seu retorno glorioso, nossas vidas também podem parecer uma mistura de reino e confiança com espera e sofrimento.

Não é de admirar que as palavras sinceras de João sobre o sofrimento e a necessidade de perseverança paciente estejam entrelaçadas em suas visões de glória, pois é a visão do que está por vir que possibilita e encoraja essa perseverança. Considere as realidades retratadas no grande final do Apocalipse: Cristo vitorioso, cavalgando um cavalo branco e derrotando o mal; “novos céus e nova terra” sem tristeza ou morte, onde “agora o tabernáculo de Deus está com os homens” (21.1,3); e uma Cidade Santa, onde pessoas de todas as nações são reunidas à luz da glória de Deus. Com essa realidade final e eterna em vista, qualquer circunstância temporal —a despeito de quão terrível seja— perde a importância.

A ideia de perseverança paciente é repetida várias vezes em Apocalipse 1–3, com frequência associada a uma linguagem de superação e conquista. A perseverança não é apenas paciente, mas também tenaz, corajosa e forte. E é isso que Deus nos dá enquanto vivemos entre essas duas realidades. Em Cristo, como diz o hino clássico, encontramos “força para hoje e esperança radiante para amanhã”.

Kelli B. Trujillo

Medite em Apocalipse 1.4-9; 19.11-16; 21.1-5,22-27;22.1-5.

Como meditar neste futuro afeta sua perspectiva sobre as circunstâncias atuais? Ore, convidando Deus a fortalecer sua perseverança e avivar sua esperança para o futuro.

Segunda-feira: Profetize esperança

Leitura de hoje: Zacarias 9.9-17; Romanos 5.3-5; 8.18-30

“A esperança começa no escuro…”. Nunca consegui me livrar dessas palavras de Bird by Bird, de Anne Lamott. Essa linguagem de esperança se tornou recentemente um tema em minha vida — não no sentido abstrato, mas como uma diligência viva, uma luta, um compromisso, uma disciplina.

O teólogo Jürgen Moltmann enraizou a linguagem da esperança na ressurreição de Jesus e na práxis do protesto. Às vezes, a esperança parece ser a única linguagem poderosa o suficiente para conter o desespero. Ou talvez seja, nas palavras de Lamott, uma espécie de “paciência revolucionária”.

Seja qual for a ideia de esperança, há algo no fundo de cada um de nós que clama em expectativa. Às vezes não passa de um sussurro, mas está lá. No entanto, embora a esperança brote das profundezas da alma, muitas vezes ela surge das sombras. E começa no caos.

Há momentos em que parece que nunca conseguimos escapar das sombras daquela nuvem que cobriu a face da terra, durante a crucificação de Jesus. A desolação e o pesar de nosso mundo se parecem tanto com a escuridão que Elie Wiesel só poderia tê-los chamado de Noite, ao relatar os horrores de Auschwitz e do Holocausto. Temos de dizer a verdade sobre a dor, até mesmo sobre a dor da esperança.

Há algum tempo me sentei com minha avó e lhe pedi que me contasse sobre sua vida. No começo, ela não queria. Posso imaginar as cicatrizes profundas que sua alma carregou ao longo de 80 anos. Suas histórias eram muito tristes. É difícil descrever o que significou para ela viver no Sul, na pele de uma mulher negra. Uma palavra parecia captar a audácia de sobreviver em meio a um mundo cruel: amor. “O Senhor ainda não me decepcionou”, disse ela.

O amor radical, capaz de transformar vidas, uma comunidade e o mundo é, afinal, o caminho de Jesus. Ele veio pregar as boas-novas do Reino e curar todos os tipos de doenças e aflições. Profetizar esperança é um amor perigoso.

Martin Luther King Jr. disse: “O poder em sua melhor forma é amor implementando as demandas da justiça, e a justiça em sua melhor forma é amor corrigindo tudo o que se lhe opõe”. É isso que significa estar no mundo como profetas de amor, poder e justiça ou, para usar a linguagem bíblica de Zacarias, ser “prisioneiros da esperança” (9.12). Como alguém declarou certa vez: “Eu não sei o que o amanhã me reserva, mas sei quem guarda o amanhã”. Enquanto o amanhã está a caminho, vou profetizar esperança hoje.

Dante Stewart

Adaptado de um artigo mais extenso, intitulado “Por que ainda profetizamos esperança”, publicado em 21 de outubro de 2019 no site ChristianityToday.com.

Leia Zacarias 9.9-17 e Romanos 5.3-5, 8.18-30

. Reflita sobre como a esperança se apresenta“no escuro”. De que modo o sofrimento produz esperança e amor? Como a primeira vinda e o futuro retorno de Cristo possibilitam que você profetize esperança hoje?

Terça: Vem, Senhor Jesus

Leitura de hoje: João 1.1-5,14; Apocalipse 22.12,13,20

Em seu Evangelho, João diz: “No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus.[…]Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós”(1.1,14). Temos um Deus que veio. Ele veio para tornar o intangível tocável e o invisível visível. Ele veio para se tornar conhecível. Mas nossa esperança não está apenas no fato de que ele veio; está também no fato de que ele está vindo.

Ele está voltando. Essa promessa é o que pode dar sentido à dor e à frustração que agora vivemos no planeta Terra. Quando ele voltar, o justo será vindicado. Quando ele voltar, trará consigo sua recompensa para a zombaria que você enfrentou, por acreditar em um Deus que não podia ver. Quando ele voltar, todos os seres humanos que tentaram se tornar poderosos e soberanos cairão por terra, e veremos que sempre houve apenas um governante dos governantes e um Rei dos reis. De repente, nossa fé se tornará algo que nossos olhos poderão contemplar. E veremos aquele sobre quem falamos e com quem conversamos [em oração].

Em Apocalipse 22, Jesus diz: “Eis que venho em breve! A minha recompensa está comigo, e eu retribuirei a cada um de acordo com o que fez. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim”(v. 12,13). João registra: “Aquele que dá testemunho destas coisas diz: ‘Sim, venho em breve!’” (v. 20). E é como se João não tivesse mais nada a dizer antes de encerrar sua carta, exceto isto: “Amém. Vem, Senhor Jesus!”(v. 20).

Quando olhamos para o futuro, as coisas em nossa nação podem não correr do jeito que queremos. A economia pode não estar do jeito que achamos que deveria. Nas ruas, mais crianças podem ser alvo de balas perdidas, do tráfico sexual ou das drogas. Nosso casamento pode estar em crise, podemos enfrentar doenças, podemos nos preocupar com nossos netos. Em tudo isso, porém, há esta esperança: Apesar de tudo isso,vem, Senhor Jesus.

Seja o que for que enfrentemos, sabemos que ele está voltando. Um dia desses, o céu se abrirá, o anjo soará sua trombeta e o mundo todo o verá, ao mesmo tempo. Toda a criação responderá, quando nosso Senhor descer dos portais do céu para dizer: Agora é a hora de redimir minha igreja. Amém. Vem, Senhor Jesus!

Charlie Dates

Este artigo foi adaptado de um sermão que Charlie Dates pregou em 22 de dezembro de 2019. Usado com permissão.

Medite em João 1.1-5,14 e Apocalipse 22.12,13,20

, considerando o foco duplo do Advento: Jesus veio e está voltando. O que significa para você dizer: “Apesar de tudo isso, vem, Senhor Jesus”?

Quarta-feira: Advento e apocalipse

Leitura de hoje: Marcos 13.24-37; Lucas 21.25-28

Durante o Advento, ouvimos passagens das Escrituras que são permeadas por uma linguagem que fala de trevas, tribulação e apocalipse. Os Evangelhos de Mateus, de Marcos e de Lucas contém um capítulo totalmente apocalíptico. Em Marcos 13, Jesus diz: “Nação se levantará contra nação, e reino contra reino” (v. 8). A passagem fica ainda mais sombria à medida que avança. “Mas naqueles dias, após aquela tribulação, ‘o sol escurecerá e a lua não dará a sua luz; as estrelas cairão do céu e os poderes celestes serão abalados’” (v. 24,25).

Por que Jesus está falando dessa forma sobre morte e destruição, em vez de falar de ovelhas, pastores e hostes celestiais?

Na Bíblia, os escritos apocalípticos surgem da catástrofe. Os israelitas eram um povo que desfrutava do favor de Deus; o Senhor havia lhes prometido um futuro de segurança e prosperidade. Mas, então, foram conquistados e forçados a ir para o exílio, no império babilônico. Humanamente falando, não havia esperança para eles. Quando os israelitas se viram em crise, ocorreu uma “emergência teológica”. Foi a partir dessa emergência que um novo modo de pensar apocalíptico tomou forma. Tudo começou com a segunda metade de Isaías (capítulos 40–55) — escrita durante o cativeiro da Babilônia, quando tudo parecia tão desesperador — e floresceu a partir daí. Na época de Jesus, a linguagem apocalíptica já estava em toda parte.

A teologia apocalíptica é, acima de tudo, a teologia da esperança — e a esperança é o polo oposto do otimismo. O otimismo falha quando é tragado pela escuridão. Em contraste, a esperança é encontrada em algo que está além da história humana. É encontrada no Deus encarnado.

No Evangelho de Lucas, quando Jesus fala apocalipticamente de “sinais no sol, na lua e nas estrelas” e da “angústia das nações”, ele termina dizendo que a humanidade “verá o Filho do Homem vindo numa nuvem com poder e grande glória” (21.25-27). Jesus está falando de sua segunda vinda. Está nos dizendo que nossa grande esperança não vem de qualquer progresso humano, mas dele mesmo. Ele possui um poder soberano que independe da história humana. Apesar da aparente escuridão, Deus em Cristo está moldando nossa história de acordo com seus propósitos divinos.

O Advento nos diz para olharmos diretamente para a escuridão e nomeá-la pelo que ela é. Mas este não é o fim da história. Jesus disse: “Levantem-se e ergam a cabeça, porque estará próxima a redenção de vocês” (v. 28).

Fleming Rutledge

Adaptado de um artigo mais extenso, intitulado “Por que o apocalipse é essencial para o advento”, publicado em 18 de dezembro de 2018 no site ChristianityToday.com.

Leia Marcos 13.24-37 e Lucas 21.25-28.

Com quais partes do ensino de Jesus você mais se identifica? Quais são as mais desafiadoras? Como essas representações do poder soberano de Deus sobre a história aprofundam sua esperança?

Quinta-feira: Uma pergunta mais importante

Leitura de hoje: 2 Pedro 3.8-15

Qual é o motivo de tanta demora? Por que Jesus ainda não voltou como prometeu?Os destinatários da segunda carta de Pedro podem ter feito perguntas como essas — perguntas que continuam a ecoar em nossa época. Pedro se dirigiu a eles com uma inusitada garantia: primeiro, que o tempo de Deus reflete sua paciência e seu amor salvador (3.8,9) e, segundo, que o dia do Senhor será terrível e envolverá a destruição pelo fogo.

Uma linguagem apocalíptica como a de Pedro (semelhante à de Jesus, em Marcos 13 e Lucas 21) certamente nos faz refletir. O que significa “desfeitos pelo fogo” e “elementos desfeitos pelo calor”? Isso é algo que devemos temer?

Versículos anteriores em 2Pedro oferecem alguma perspectiva para compreendermos a linguagem de destruição usada no capítulo 3. Em 2.5, temos um paralelo com o tempo de Noé, quando Deus destruiu a terra pela água. Esse julgamento passado não significou que Deus varreu totalmente a criação da face da terra; da mesma forma, o julgamento final pelo fogo provavelmente não significa que Deus incinerará a terra, para abrir caminho para a chegada dos novos céus e da nova terra. Como Pedro descreveu em Atos, Cristo está no céu “até que chegue o tempo em que Deus restaurará todas as coisas, como falou há muito tempo, por meio dos seus santos profetas” (3.21). O novo mundo virá por meio da grande restauração e recriação que Deus proporcionará ao mundo que temos agora.

Entrelaçada a esta discussão, Pedro apresenta uma pergunta importante, a qual merece um foco ainda maior do que nossas dúvidas sobre o tempo de Deus ou sobre como será o retorno de Cristo. À luz do dia vindouro do Senhor, Pedro pergunta: “Que tipo de pessoas é necessário que vocês sejam?” (2Pe 3.11).E ele insiste em uma resposta que se traduza em vida santa e expectativa esperançosa daqueles que estão “aguardando com ansiedade” o novo céu e nova terra (v. 11-14). Vemos esses temas enfatizados na primeira carta de Pedro, que exorta os crentes a viverem com alegre confiança, alertas e com o foco esperançoso na vinda de Cristo (1Pe 1.3-5,13).

Somos o povo da esperança, como alguém que já sabe o final de um romance cheio de reviravoltas e imprevistos. Sabemos o fim da história; nosso conhecimento do final surpreendente que nos espera pode impactar o modo que abordamos o presente. Podemos não entender quando ou como isso tudo vai acontecer, mas podemos confiar que o fim inclui tanto julgamento quanto vindicação para o povo de Deus. Como a notícia do julgamento final é motivo para encorajamento em vez de medo? Deus vai tornar as melhores coisas deste mundo ainda melhores do que podemos imaginar. Julgamento, vindicação e transformação estão a caminho. A verdadeira Terra Prometida nos aguarda.

Vincent Bacote

Reflita sobre 2 Pedro 3.8-15.

(Alternativamente, leia também 1Pedro 1.3-5,13.) Que perguntas esta passagem levanta para você?Que emoções ela desperta? Como sua esperança no vindouro “dia do Senhor” influencia seu discipulado diário?

Sexta-feira: Esperando a festa começar

Leitura de hoje: 1 Tessalonicenses 4.13–5.11

Uma das minhas atividades favoritas como professor é exibir filmes que podemos classificar como “cinema escatológico”. Muitos desses filmes enfocam o Arrebatamento, uma interpretação de 1Tessalonicenses 4.17 em que “arrebatados” é entendido como uma referência a um retorno invisível de Cristo, quando ele virá para levar sua igreja consigo para o céu, antes do início da Tribulação. O objetivo desses filmes é nos conscientizar do fato de que Jesus pode voltar a qualquer momento.

É vasta a gama de opiniões a respeito do Arrebatamento e outras questões do fim dos tempos, e, quando lemos 1 Tessalonicenses 4–5, podemos facilmente nos encontrar focando apenas nesse aspecto da passagem. Nela há, porém, muitos outros pontos importantes sobre o retorno de Cristo que também merecem nossa atenção, incluindo um que parece ser a maior ênfase de Paulo: como encorajar os cristãos que estão vivos agora em relação à condição dos crentes que já morreram. Eles serão “deixados para trás” e ficarão de fora quando Jesus voltar?

Paulo encoraja os tessalonicenses (e nós) a que não se preocupem com qualquer possibilidade de Deus se esquecer daqueles que morreram. A ressurreição de Cristo é uma garantia de que a morte não é barreira para a participação no novo mundo que será inaugurado com a segunda vinda de Cristo. Estejamos vivos ou mortos, nosso relacionamento com Cristo é tudo de que precisamos para estar na lista de convidados, quando o Dia do Senhor chegar.

Quando Cristo chegar, sua entrada será magnífica, ao toque de trombetas. Incluirá “o ressoar da trombeta de Deus” (4.16) — linguagem que os tessalonicenses teriam entendido como a volta do líder mais vitorioso de todos. Ao contrário de qualquer outro ressoar de trombeta, este ressuscita os mortos em Cristo, os quais se juntarão aos vivos para dar boas-vindas a ele.

Vemos temas semelhantes na primeira carta de Paulo aos coríntios, na qual ele também aborda preocupações sobre a morte, “o último inimigo” que Cristo destruirá (15.26). Paulo garante aos coríntios que “a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados” (15.52). O “aguilhão” da morte ficará impotente com a vitória final de Cristo.

Enquanto aguardamos o grande Dia, somos chamados a nos prepararmos “vestindo a couraça da fé e do amor e o capacete da salvação” (1Ts 5.8). Essa chegada como a do “ladrão à noite” será uma surpresa, pois ninguém, a não ser Deus, sabe quando vai acontecer — mas será a maior festa-surpresa de todos os tempos para nós, que esperamos ansiosamente por sua vinda.

Vincent Bacote

Reflita sobre 1 Tessalonicenses 4.13–5.11.

(Alternativamente, leia também 1Coríntios 15.51-58.) Como você descreveria a ênfase e o tom de Paulo nesses textos?Como a esperança pode fazer diferença? Por que é significativo o fato de que o Segundo Advento chegará “como um ladrão à noite”?

Sábado: Esperança para o disfuncional

Leitura de hoje: 1 Coríntios 1.1-9

Quando lemos em 1Coríntios sobre a volta de Cristo, é importante lembrar o contexto da carta de Paulo. A igreja em Corinto era uma comunidade profundamente disfuncional. Na epístola de Paulo, aprendemos sobre a existência de facções na igreja que estavam comprometidas com diferentes líderes, práticas sexuais escandalosas, controvérsias acerca de carne sacrificada a ídolos, e muito mais. Embora essa comunidade cristã fosse altamente disfuncional, em 1Coríntios 1.1-9 Paulo os identifica como pessoas santificadas (“santos” na linguagem da versão King James). Ele prossegue os lembrando de que Deus tem sido generoso para com eles na concessão de dons espirituais, e os descreve como pessoas que “esperam ansiosamente” pelo retorno de Cristo. Paulo enfatiza a graça de Deus (v. 4) e seu compromisso com eles: “Ele os manterá firmes até o fim”(v. 8). Apesar de a fé débil dos coríntios se manifestar em comportamentos e atitudes pecaminosas, a fidelidade de Deus a eles (e a nós) inclui o compromisso de ajudar seu povo a crescer e se transformar à semelhança de Cristo.

Embora o capítulo 1 enfatize que Deus, por meio de sua graça, manterá os cristãos coríntios “firmes até o fim”, na mesma carta Paulo descreve a volta de Cristo e exorta os coríntios: “Portanto, meus amados irmãos, mantenham-se firmes e que nada os abale”(15.58, ênfase acrescentada). Ele os chama a uma firmeza que é uma parte indissociável da espera pela volta de Cristo. Apesar de suas falhas e fracassos, Paulo os chama para a transformação e a determinação.

Vemos uma imagem semelhante de determinação em outra carta de Paulo: “Enquanto aguardamos a bendita esperança: a gloriosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo”, a graça de Deus “nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas”(Tt 2.11-14).

Não podemos ler 1Coríntios ou as outras cartas de Paulo sem perceber quão vigorosamente o apóstolo denuncia o pecado e as disfunções; porém, como 1Coríntios 1.8,9 revela, Paulo está tratando dessas grandes preocupações com um pano de fundo de grande esperança. Somos chamados a fazer a nossa parte, enquanto Deus, em sua graça, faz sua obra em nossa vida.

Isto é um exemplo e um incentivo para nós. Provavelmente, a maioria já teve seus momentos pessoais de disfunção espiritual, mas nossos fracassos não devem ser nosso foco principal. Em vez disso, olhamos para Jesus, que não só tornou possível a reconciliação com Deus, mas também está comprometido conosco, para que sejamos apresentados irrepreensíveis a Deus, quando seu reino chegar. Graças a Deus, sua fidelidade é maior do que nossa disfunção.

Vincent Bacote

Considere 1 Coríntios 1.1-9 à luz das disfunções presentes na igreja de Corinto

.(Alternativamente, revisite também 1Coríntios 15.51-58 e leia Tito 2.11-14.) O que Paulo enfatiza sobre Deus? Sobre formação espiritual? Sobre o retorno de Cristo? Como isso lhe dá esperança?

Colaboradores:

Vincent Bacote é professor associado de teologia na Wheaton College. Ele é autor de The political disciple: a theology of public life.

Charlie Dates é pastor sênior da Igreja Batista Progressiva de Chicago. É PhD em teologia histórica pela Trinity Evangelical Divinity School.

Fleming Rutledge, uma sacerdotisa episcopal, passou 21 anos no ministério paroquial antes de se tornar conferencista, escritora e professora de outros pregadores. Ela é autora da obra The crucifixion.

Danté Stewart é um escritor e pregador que estuda na Candler School of Theology na Emory University.

Traduzido por Erlon Oliveira

A esperança é um salto de fé

O Advento nos lembra que a esperança cristã é moldada pelo que aconteceu e pelo que vai acontecer novamente.

Christianity Today November 28, 2020
Fabrizio Conti / Unsplash

Minha mãe, Young Kim, nasceu na Coreia, em 1948, quando o país estava à beira de uma guerra civil. Quando ela tinha cinco anos, o país havia se dividido em dois, Norte e Sul. Sua família, uma vez próspera, havia perdido tudo. Os pais dela morreram quando ela era adolescente. Ela perdeu seus dois irmãos mais velhos poucos anos depois. Minha mãe acabou tendo um casamento problemático. Ela se separou de meu pai e, com cerca de 30 anos, migrou para os Estados Unidos como mãe solteira, com uma sacola de roupas e uns poucos dólares nas mãos, e comigo, na época, uma criança pequena. Sua vida tem sido uma história de lutas, dor e perda. Mesmo assim, apesar dos desafios, ela sempre foi a pessoa mais esperançosa que conheço.

Se você tivesse a chance de perguntar-lhe o porquê, ela diria, sem a menor dúvida ou hesitação, que Jesus é a fonte singular de sua esperança. Ela lhe diria que, desde o dia em que encontrou o Cristo ressuscitado, quase quarenta anos atrás, as circunstâncias passaram de vez para segundo plano, em face de algo muito mais imutável e sólido. Mas esse algo não é um conto de fadas utópico, arcaico ou sofisticado, construído com base em pensamentos felizes ou fantasias de uma vida sem problemas. Sua esperança é um agarrar-se com firmeza e muitas vezes de modo exaustivo a algo muito mais substantivo. É um apegar-se de forma resoluta e inabalável a algo que aconteceu e vai acontecer.

Em 1Pedro 1.13, lemos: “Portanto, preparem sua mente para a ação e exercitem o autocontrole. Depositem toda a sua esperança na graça que receberão quando Jesus Cristo for revelado”. No grego original, a palavra traduzida como “ação” (anadzonumi) é um termo que descreve a preparação física. Deriva de uma prática comum no antigo Oriente Próximo: as pessoas recolhiam as pontas de suas longas capas e as prendiam à cintura, quando se preparavam para entrar em ação, fossem elas fazendeiros a caminho dos campos, soldados rumo à batalha ou corredores prendendo suas roupas, a fim de poderem correr sem nada que os atrapalhasse.

Eu me pergunto se Pedro estava pensando em um de seus primeiros encontros com o Cristo ressuscitado, ao escrever essas palavras de sua primeira epístola. No final do Evangelho de João, lemos a história do Jesus ressuscitado que aparece a seus discípulos no mar da Galileia. Pedro e os demais estão pescando, mas, assim que reconhecem Jesus, que os chama da praia, Pedro “amarrou sua túnica à cintura […] e lançou-se ao mar” (Jo 21.7, A21). Ele prendeu sua capa à cintura. É a mesma palavra e imagem que ele usa em 1Pedro 1.13. Quando Pedro viu Jesus surgir nas praias da Galileia, ele imediatamente amarrou sua capa e entrou em ação. Várias décadas depois, Pedro convida os primeiros seguidores de Jesus a tomar a mesma atitude em relação à esperança que eles — e também nós — temos na “graça que receberão quando Jesus Cristo for revelado” (1Pe 1.13).

Expectativa e ação

Alguns linguistas sugerem que, na língua inglesa, a palavra "hope" — que significa "esperança"— compartilha raízes etimológicas com a palavra "hop" — que significa "salto" —, comunicando que esperar por algo é dar um salto em expectativa, saltar em direção à possibilidade. Verdadeira ou não, a ideia propõe um ponto interessante. Em nossos dias, a ideia de esperança foi assimilada pela passividade, e castrada de sua pretendida natureza orientada para a ação. Esperamos que as filas não sejam muito longas. Esperamos um bom diagnóstico. Esperamos que tudo corra bem.

Hoje, a esperança é geralmente considerada uma versão adulta do desejo. É por isso que, quando nossas esperanças parecem um tanto remotas, podemos chamá-las de “pensamento positivo”. Mas a esperança cristã não é pensamento positivo. A esperança cristã é um salto de fé em frente. Nós agimos. Vivemos em movimento. Em A Mensagem, Eugene Peterson traduz o início de 1Pedro 1.13 desta forma: “Então arregace as mangas". A esperança cristã é arregaçar as mangas e começar a trabalhar. É uma esperança do tipo operária, que nos deixa prontos e dispostos a sujar as mãos, a trabalhar e a labutar em direção à expectativa e à promessa.

Essa natureza radicalmente contraintuitiva da esperança cristã é moldada por uma resistência e uma força que lamentavelmente faltam às expressões de esperança da cultura pop. A esperança cristã não foge do sofrimento e da dor em nosso mundo, mas sim corre em direção a ambos. Tim Keller escreve: “Enquanto outras cosmovisões nos levam a sentar em meio às alegrias da vida, prevendo as tristezas vindouras, o cristianismo capacita seu povo a se sentar em meio às tristezas deste mundo, saboreando a alegria vindoura”. A esperança cristã não se deixa enganar pelas promessas mundanas de conforto e facilidades nesta vida, enquanto espera ansiosamente pelo inevitável. Em vez disso, a esperança cristã se instala na luta da experiência humana com força e determinação. Sim, há dor e sofrimento nesta vida, mas a esperança cristã permite que seus destinatários permaneçam altivos em cada centímetro possível de dignidade de sua imago Dei.

Penso em meus amigos Landon e Sarah Baker. Nossa comunidade se alegrou, quando compartilharam a notícia de que o casal estava esperando um filho. Mas, quando o bebê nasceu, ocorreram complicações. No meio de uma pandemia global, entrei na UTI neonatal do hospital, com o rosto coberto por uma máscara, para apresentar ao Senhor uma linda garotinha, cuja vida na Terra duraria menos de três dias. Em lágrimas, os jovens pais oraram por sua filha e abraçaram-na, enquanto ela dava seu último suspiro e entrava na eternidade. Eles leram Salmos e cantaram seu amor por Jesus. Mesmo na dor, sua esperança jamais vacilou.

Penso em meu amigo Darren Johnson, que passou bem mais de um ano sem emprego. Com uma família para sustentar e contas para pagar, a situação era terrível. Ele não estava desempregado por falta de procurar emprego. As coisas simplesmente não estavam dando certo e ele não sabia por quê. Mas, em sua perplexidade, ele continuou a orar, a adorar, a liderar sua família com coragem e a servir a comunidade. Ele estava convencido de que Deus ainda estava operando e se movendo, até mesmo nos mínimos detalhes de suas circunstâncias desconcertantes, embora ele não soubesse como. Em meio às suas incertezas, ele modelou uma fé monumental. Sua esperança jamais vacilou.

Penso em minha amiga Christina Tang. Uma talentosa compositora de 20 e poucos anos, ela estava trabalhando em um álbum de canções, quando recebeu a notícia de que estava com câncer no estômago — um câncer agressivo. Houve tristeza e perplexidade por toda parte. Mas, então, houve uma decisão. Mesmo com o corpo enfraquecido, Cristina continuou a compor e a gravar suas músicas. Ela encontrava forças para, de vez em quando, liderar o louvor na igreja. Quando suas mãos não tinham mais forças para dedilhar o violão, ela recrutou amigos músicos para tocarem por ela. Algumas semanas após sua morte, demos a todos na igreja um CD de seu novo álbum: seis canções originais diligentemente compostas e gravadas em seus últimos meses de vida. Sua esperança jamais vacilou.

É com isso que a esperança cristã se parece. Não ignora o medo, a ansiedade e a dúvida; antes, os confronta. Ela se mantém firme, agarrando-se à paz em meio ao caos. Através das muitas tempestades traiçoeiras da vida — sejam elas pandemias, cisões políticas, agitação social ou luta pessoal —, a esperança cristã é impulsionada por algo maior que aconteceu, e por algo maior que vai acontecer novamente.

Jesus voltará; então, arregace as mangas

O Advento é o nosso grande lembrete disso. No final de novembro, começaremos a ver os jardins transformados em presépios. Mas a estação em que estamos prestes a entrar é muito mais uma jornada para o futuro do que uma jornada pela história. O Advento, que vem do latim adventus ("chegada"), é o nosso olhar ao longe e firme para frente, iluminado pela história. A luz da história do Natal invade as trevas de nossa culpa passada, da nossa dor presente e das nossas ansiedades futuras, apontando-nos para dias melhores à frente.

Em Atos 1.11, quando os primeiros seguidores de Jesus testemunhavam sua ascensão ao céu, eles foram lembrados de que “Esse Jesus, que foi elevado do meio de vocês ao céu, voltará do mesmo modo como o viram subir!” Ele voltará. Essa é a promessa que celebramos e lembramos durante o Advento; esse é o alicerce da esperança cristã. Lembre-se das palavras de Pedro: “Depositem toda a sua esperança na graça que receberão quando Jesus Cristo for revelado”. Arregaçamos as mangas e prosseguimos na obra da esperança cristã, porque Cristo está voltando. Podemos enfrentar toda e qualquer coisa com resiliência, coragem e paciência, porque o Advento nos lembra de como a história termina. É por isso que Paulo escreve: “Considero que nosso sofrimento de agora não é nada comparado com a glória que ele nos revelará mais tarde. […] Recebemos essa esperança quando fomos salvos. (Se já temos alguma coisa, não há necessidade de esperar por ela, mas, se esperamos por algo que ainda não temos, devemos fazê-lo com paciência e confiança.)” (Rm 8.18,24-25).

Minha mãe fez 70 anos alguns anos atrás. Visitar o Havaí estava havia muito tempo em sua lista de desejos; então fomos. Ficamos perto da praia de Waikiki e, da janela do hotel, podíamos ver Diamond Head, uma das trilhas mais populares e extenuantes da ilha. Perguntei a minha mãe se ela queria experimentar. Sem hesitar, respondeu que sim. A trilha Diamond Head tem 2,5 quilômetros de ida e volta, quase em linha reta, subindo cerca de 180 metros do início da trilha até o cume. Eu imediatamente me arrependi de ter perguntado; não tinha certeza se ela conseguiria fazer a trilha com a idade que tinha.

Na manhã seguinte, fizemos uma curta viagem até o ponto de partida da trilha. Perguntei de novo se ela realmente queria fazer aquilo, assegurando-lhe que poderíamos voltar e desfrutar de aperitivos na praia. Ela sorriu e começou a marchar. Na metade do caminho, vendo seu cansaço e estando eu mesmo exausto, perguntei novamente se ela queria voltar. Ela olhou para mim, sorriu e arregaçou as mangas. Continuamos e, finalmente, apreciamos a vista espetacular do cume. Claro que terminamos a trilha. É assim que a esperança funciona para minha mãe. E é assim que funciona a esperança cristã. Arregaçamos as mangas e damos um passo exaustivo após o outro, até chegarmos.

Assim que voltamos ao hotel para descansar, usamos o FaceTime a fim de ligar para meus filhos — os netos dela —, que estavam em casa. Minha mãe irradiava alegria, enquanto contava ao neto recém-nascido tudo sobre a conquista de Diamond Head. Ele nascera apenas três meses antes, e ela lhe dera um nome coreano: So-Mahng, que significa "esperança". É claro!

Jay Y. Kim é pastor titular da área de ensino na Igreja WestGate, professor residente na Igreja Vintage Faith e autor de Analog Church. Ele mora com sua família no Vale do Silício.

Traduzido por Maurício Zágari.

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Morre John Edmund Haggai, Evangelista que Treinou Evangelistas

O pastor da denominação Batista do Sul promoveu uma nova estratégia para difundir o evangelho em escala global.

Christianity Today November 24, 2020
Haggai International / Edits by Mallory Rentsch

John Edmund Haggai, pregador e avivalista que viu a necessidade de treinar cristãos do mundo todo para evangelizarem seus próprios países, morreu na quarta-feira, aos 96 anos.

Conhecido por desafiar as pessoas a "tentar fazer algo tão grandioso para Deus], que aquilo seja fadado ao fracasso, a menos que Deus esteja envolvido”, Haggai fundou o Instituto Haggai para Liderança Avançada, mudou-o para Cingapura e treinou mais de 120 mil evangelistas de países não ocidentais, incluindo 1.200 da Indonésia, 400 das Filipinas, 500 da Índia, 400 da Nigéria e 380 do Brasil. Ele argumentou que essa nova estratégia era a melhor para missões globais, após o fim do colonialismo ocidental.

Um de seus primeiros alunos foi K. P. Yohannan, que depois fundou a organização Gospel for Asia.

“Haggai contava muitas histórias”, lembra Yohannan. “Em todas elas, os cristãos eram vencedores e gigantes — homens e mulheres que receberam uma visão de Deus e se recusaram a abandoná-la. A diligência no chamado era uma virtude altamente valorizada. Haggai foi a primeira pessoa que me fez acreditar que nada é impossível com Deus”.

Haggai nasceu em Louisville, Kentucky, em 1924. Seu pai era um refugiado sírio, que fugiu das forças turcas em 1912 e foi acolhido nos Estados Unidos. Ele converteu-se do cristianismo ortodoxo oriental ao cristianismo evangélico, matriculou-se no Moody Bible Institute e tornou-se pastor da denominação Batista do Sul.

O filho foi inspirado a seguir os passos de seu pai: Aceitou Jesus como seu Senhor e Salvador aos quatro anos de idade e anunciou que sentiu o chamado para pregar aos seis. Alguns anos depois, Haggai disse que queria ser missionário na China.

Haggai foi estudar no Moody Bible Institute, como seu pai, e conheceu Christine Barker, de Bristol, na Virginia, uma soprano que cantava profissionalmente desde os 13 anos de idade e tinha seu próprio programa musical semanal no rádio. Ela havia desistido de uma bolsa de estudos na Julliard para estudar no Moody. Haggai se apaixonou e os dois se casaram um dia após a formatura, em 1945.

Enquanto o jovem recém-graduado ainda sonhava em ser um missionário na China, eclodiu uma guerra civil entre nacionalistas e comunistas, e o casal Haggai decidiu ficar nos Estados Unidos. Haggai logo aceitou o cargo de pastor de uma igreja em Lancaster, na Carolina do Sul. Ele fez a igreja crescer para cerca de mil membros e foi elogiado pelo recorde de frequência à escola dominical.

Haggai iniciou um ministério de rádio, com um programa semanal de 15 minutos chamado Cruzada por Cristo. Ele também se formou em história e filosofia, pela Furman University, em Greenville, Carolina do Sul, e começou a viajar com a Mocidade para Cristo.

Ele era um orador impactante e popular no circuito evangelístico. Um anúncio afirmava que, embora fosse apenas um jovem, ele “mergulhou nas profundezas da Bíblia e emergiu com respostas úteis para muitos dos problemas de nosso tempo”. Ele condenava o declínio moral da época e exortava as pessoas a recorrerem à Bíblia como um guia para a vida.

Em um sermão, ele pregou que “um milhão de martelos golpearam a bigorna da Palavra de Deus” e agora “os martelos estão quebrados, mas a bigorna permanece.”

Haggai não desafiou diretamente o racismo e a segregação do Sul, mas ocasionalmente ele próprio entrou em conflito com os códigos raciais. Em um hotel, ele foi confundido com um cantor que deveria se apresentar. Em certas partes do país, os anúncios de suas cruzadas evangelísticas já tinham de informar sua etnia.

Em 1950, o casal Haggai teve seu único filho, John Haggai Jr. Ele sofreu uma lesão cerebral traumática no nascimento, causada por um médico embriagado. O casal se recusou a deixar o filho aos cuidados de uma instituição, e Christine se dedicou a cuidar do menino em tempo integral. Depois que Johnny morreu, aos 24 anos, Haggai escreveu que, apesar do filho nunca ter falado mais do que duas palavras por vez, estava convencido de que ele fazia orações poderosas, preso dentro de seu corpo debilitado.

Poucos meses após o nascimento de Johnny, a família mudou-se para Chattanooga, no Tennessee, onde Haggai assumiu a igreja Woodland Park Baptist como pastor titular. Seu primeiro sermão na megaigreja foi intitulado: “O que há de errado com sua igreja”. Ele desafiou a congregação a viver sua fé, testemunhar a seus vizinhos e apoiar missões globais.

Em 1956, Haggai mudou-se para outra megaigreja, em Louisville, a Ninth and O Baptist Church. A escola dominical tinha mais de 2 mil participantes regulares. Ele batizou cerca de 420 pessoas em seu primeiro ano, e aumentou a classe de missão da igreja para quase mil pessoas. Naquele ano, Haggai foi convidado a falar na conferência de pastores que antecede a Convenção Batista do Sul, e decidiu pregar sobre o que havia de errado com os pregadores.

“Deus nos ajude a reavaliar e a enfatizar novamente o lugar do púlpito no evangelismo”, disse Haggai. “Púlpitos revitalizados em nossa terra, com a devida ênfase na pregação evangelística, trarão um novo dia, tanto em termos espirituais quanto sociais, para dentro de nossas fronteiras enevoadas pelo álcool, enlouquecidas pela luxúria e saturadas pelo ouro. Não permita, ó Deus, que minimizemos o lugar do púlpito no evangelismo”.

O sermão rendeu-lhe manchetes nacionais. “A CULPA É DO PÚLPITO”. Uma delas dizia: “Ministros que substituem a pregação do evangelho são denunciados na Convenção Batista”. Convites para falar começaram a aparecer — mais de 700 em todo o país — e Haggai decidiu deixar o ministério pastoral e se tornar um evangelista itinerante de tempo integral.

Depois de muitos anos apoiando o trabalho missionário e incentivando missionários, Haggai teve a chance de proclamar o evangelho no exterior, em 1964, quando foi convidado a pregar no Líbano. Lá, uma interação com cristãos em Beirute mudou o resto de sua trajetória no ministério. Ele ouviu alguns líderes cristãos locais reclamando dos missionários.

“Sinceramente, aquilo me deixou com raiva”, Haggai lembrou mais tarde. “Eu sabia de missionários no mundo todo que haviam se sacrificado imensamente, muitos dando a própria vida. Como alguém poderia questionar os métodos daqueles que estavam dispostos a pagar um preço tão alto por seu compromisso?”

Os líderes locais disseram a ele que os ocidentais não cooperavam com os cristãos locais, e muitas vezes os impediam de ocupar cargos de liderança, mesmo que tivessem mais experiência e melhor formação do que os missionários. Eles não compreendiam as culturas locais, causando ofensas desnecessárias, e, aos olhos dos não convertidos, pareciam representar mais o poder colonial do que a causa de Cristo.

“As pessoas não estão rejeitando Jesus”, disseram os cristãos libaneses. “Eles estão rejeitando a dominação ocidental.”

Haggai, então, mudou de ideia.

“Foi um momento significativo para o Dr. Haggai”, disse Ebenezer Bittencourt, diretor do Instituto Haggai no Brasil. “Na viagem de avião para casa, ele percebeu que o mundo estava mudando e que a estratégia para missões e evangelismo tinha de mudar também”.

Ele desenvolveu seu primeiro instituto para treinamento de liderança, voltado a “preparar e inspirar” líderes nacionais, em 1969, na Suíça. Os primeiros alunos foram da Indonésia, Índia, Paquistão, Coreia, que então se chamava Formosa, e Líbano.

Dois anos depois, com uma doação de 500 mil dólares e um empréstimo de 130 mil dólares de Cecil Day, fundador do Days Inn Hotels, Haggai mudou o instituto para Cingapura. Seguindo o conselho de Day, os membros do conselho eram todos cingapurianos e Haggai era o único professor com passaporte americano. O ministério treinou evangelistas de 189 países.

“A experiência de liderança no Haggai realmente mudou a maneira como vejo o mundo”, disse Josie Ching, cristã nas Filipinas. “Entendi que cada um de nós é um missionário por si só e no lugar em que Deus o colocou”.

O Instituto Haggai comemorou seu 50º aniversário em 2019, com mais de 600 líderes de mais de 60 países. O ministério se comprometeu a treinar mais 250 mil líderes na próxima década.

Haggai foi precedido na morte por seu filho, Johnny, que faleceu em 1964, e por sua esposa, Christine, que faleceu em 2019. O Haggai International está coletando homenagens a sua vida e trabalho em todo o mundo, e preparando um culto memorial on-line.

Traduzido por Erlon Oliveira

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History

As mães da igreja ensinam a nos deleitarmos nas Escrituras

Mônica e Macrina não influenciaram apenas Agostinho e Gregório de Nissa. Elas foram intérpretes da Bíblia por mérito próprio.

Christianity Today November 20, 2020
Illustration by Sarah Gordon

“O que está fazendo? Será que, nesses livros que você lê, alguma vez é dito que mulheres participaram desse tipo de discussão?”. Essa pergunta direta e um tanto estranha vem da mãe de Agostinho, Mônica, quando descobre que o filho está registrando comentários dela no livro "De Ordine". Ela fica mais consternada do que honrada com a censura que sua inclusão pode trazer a ele. Em resposta, Agostinho admite que alguns podem criticá-lo por incluir a voz de uma mulher em seus escritos. Mas ele não dá a mínima para essas críticas, e afirma que tais “homens arrogantes e ignorantes” deveriam dar mais atenção à substância e menos às “vestes” do que leem.

Embora ele espere que algumas pessoas de mentalidade superficial o desprezem por incluir ideias de uma mulher, Agostinho incorpora as contribuições de Mônica pela excelência de suas ideias. Ele deseja que ela participe da discussão porque suas inclinações espirituais e seu talento intelectual a tornam indispensável. Agostinho escreve sobre a mãe: “Pela longa intimidade e atenção diligente, a essa altura eu já havia percebido sua perspicácia e seu desejo ardente pelas coisas de Deus […] Percebi que sua mente é tão rara que nada parecia mais adequado à verdadeira filosofia. Consequentemente, eu estava determinado a fazer o meu melhor para que ela não ficasse de fora de nosso diálogo.” E, assim, por meio do relato de Agostinho, temos um vislumbre precioso dessa brilhante mãe da igreja.

Das poucas primeiras mulheres cristãs comumente conhecidas em nossos dias, Mônica, junto com sua quase contemporânea Macrina, são talvez as mais conhecidas. Mas, apesar dos registros que temos de seus extraordinários dons espirituais e intelectuais, elas não costumam ser conhecidas por suas habilidades pessoais. Em vez disso, essas mães da igreja do quarto século são famosas por associação. O filho pródigo de Mônica, Agostinho, tornou-se o pai da igreja ocidental. Gregório de Nissa e Basílio, os irmãos mais novos de Macrina, há muito são conhecidos, junto com o amigo Gregório de Nazianzo, como os Pais Capadócios. Esses homens, que tornaram Mônica e Macrina famosas, moldaram o pensamento teológico de toda a tradição cristã, dando formulação clássica a doutrinas que hoje consideramos básicas: as doutrinas da Trindade, da graça e do Espírito Santo.

Como Eunice para Timóteo e Miriam para Moisés, Mônica e Macrina são grandes mulheres de fé que possibilitaram o ministério de grandes homens. A submissão à liderança espiritual, o ensino e a admoestação de Mônica e Macrina, que continuaram mesmo na idade adulta de Agostinho e Gregório, fizeram desses pais da igreja os gigantes que acabaram se tornando.

Mas o que podemos dizer sobre Mônica e Macrina como fiéis intérpretes da Bíblia por seus próprios méritos? Em ambos os casos, um aspecto menos conhecido, mas fundamental de seu legado, conforme retratado nos textos que chegam até nós, é seu trabalho como alunas e professoras da Palavra de Deus.

Mônica: Ouvindo a Palavra e falando sobre ela

Agostinho caracteriza sua mãe como uma mulher que valorizava e buscava as Escrituras na vida cotidiana. Em um interlúdio cômico de seu primeiro diálogo filosófico, De Ordine, ele conta como um de seus alunos havia aprendido recentemente um cântico do salmo 80.19. O jovem simplesmente não conseguia parar de cantar. Cantou pela manhã e seguiu cantando o dia inteiro. Ele continuou cantando, como conta Agostinho sutilmente, até mesmo quando “saiu para atender às necessidades da natureza”. Diante disso, Mônica bateu o pé, diz Agostinho, “justamente porque o lugar era impróprio para cantar”. O jovem respondeu, “brincando: ‘Como se Deus não fosse ouvir minha voz, caso algum inimigo me confinasse aqui!’. Para nossa sensibilidade moderna, a reprovação de Mônica pode parecer afetada, e até pudica. Mas essa pequena anedota, destinada a divertir, é um sinal jovial do enorme peso que Mônica atribuía às Escrituras. Ela desejava que a adoração e a Bíblia tivessem um lugar de honra na vida das pessoas ao redor.

Além de respeitar as Escrituras, Mônica ansiava por elas. Agostinho, dirigindo-se a Deus nas Confissões, nos fala do grande anseio de Mônica por ouvir a Palavra de Deus: “não participando de fofocas vãs nem da tagarelice de velhas, [ela queria] ouvir a ti em tuas palavras e falar contigo em suas orações”. Mônica confidenciou suas esperanças e seus anseios mais profundos ao Criador, derramando lágrimas diante dele enquanto orava diariamente, ano após ano, pela salvação de seu filho. Mas ela também queria ouvir a Deus em seus próprios termos.

Mônica ouvia a Palavra de Deus por meio do culto cristão regular, frequentando a igreja duas vezes por dia. A Palavra pregada por seu conhecido pastor, Ambrósio, a fascinava, e ela “corria zelosamente para a igreja para ouvir atentamente [suas] palavras, para ‘a fonte de água que jorra para a vida eterna’ (Jo 4.14). ” Dado seu status social, também é provável que Mônica, ao contrário de muitas mulheres no mundo antigo, fosse alfabetizada e pudesse acompanhar as mensagens que ouvia na igreja com a leitura em casa. O envolvimento de Mônica com a Palavra, em adoração, era frequente, consistente e vivificante.

A atenta solicitude de Mônica em ouvir as Escrituras a preparou para incutir a verdade da Palavra de Deus na vida de seu amado filho Agostinho. Ele relata como sorver o nome de Cristo junto com o leite de sua mãe despertou-lhe um profundo apetite subconsciente pela Palavra. Quando leu a Bíblia pela primeira vez por si mesmo, ele a achou primitiva, mas sua atração era elementar. No final, Agostinho não conseguiu resistir. Quando o filho chegou à adolescência, Mônica mais uma vez provou ser veículo da Palavra de Deus. Vendo-o consumido pelo ardor de seus desejos adolescentes, ela tentou contê-lo. Na época, Agostinho desconsiderou seu conselho como “algo típico das mulheres”. Mais tarde, porém, ele percebeu que suas admoestações eram a própria voz de Deus. Olhando para trás com tristeza, ele orou: “Eu acreditava que tu estavas em silêncio, e que era apenas ela quem falava, quando tu falavas comigo por meio dela.”

Mônica continuou a incutir a Palavra de Deus na vida de Agostinho na idade adulta, como registrado em outro dos diálogos iniciais, Sobre a vida feliz. No final, Agostinho sugere que a vida feliz é conhecer o Deus triúno. Pegando a deixa, Mônica conclui com uma alusão a 1Coríntios 13.13: “Esta é sem dúvida a vida feliz, aquela vida perfeita para a qual podemos e devemos presumir que somos rapidamente trazidos por meio de fé sólida, esperança viva e amor ardente”.

Já adulto e um cristão comprometido, Agostinho recebe com gratidão essas palavras biblicamente inspiradas de Mônica, deixando-as como declaração final de substância para um grupo maior de homens cristãos, reunidos para debater, bem como para os muitos leitores que a obra teria em sua própria geração e além.

Macrina: As Escrituras como ponto de partida

Assim como Mônica foi uma professora ensinada por Deus para Agostinho, Gregório de Nissa refere-se repetidamente a sua irmã mais velha, Macrina, simplesmente como “a mestra”. O diálogo sobre "A alma e a ressurreição", em que Gregório propõe questões críticas, enquanto Macrina defende a fé cristã, nos dá uma visão de como ela usava as Escrituras.

Nascida em uma família próspera, Macrina provavelmente teve uma boa educação, além da alfabetização básica. Na obra sobre "A alma e a ressurreição", ela traz suas habilidades intelectuais, inatas e aprendidas, para se apresentar com sofisticação e habilidade, em pé de igualdade com seus irmãos e outros líderes intelectuais do período. Na verdade, sua sabedoria era tamanha que seus irmãos constantemente a admiravam.

O livro começa com muita emoção. Gregório decidira visitar a irmã para transmitir a triste notícia da morte de seu irmão Basílio. Mas, assim que Gregório põe os olhos em Macrina, fica chocado ao ver que ela mesma não ficará muito tempo neste mundo. Depois de dar tempo a Gregório para expressar sua tristeza, Macrina “repreendeu-me com a afirmação apostólica de que não devemos lamentar por aqueles que estão dormindo, pois essa emoção pertence apenas a quem não tem esperança”. Essas palavras, de 1Tessalonicenses 4.13, são as primeiras de Macrina na obra. O uso que ela faz das Escrituras para intervir em uma crise familiar é apenas uma das muitas maneiras pelas quais ela se baseia na Bíblia, como professora de teologia.

Macrina usa as Escrituras para estabelecer limites. Em suas palavras, “sempre usamos a Sagrada Escritura como o cânone e a regra de toda a nossa doutrina. Portanto, devemos necessariamente olhar para esse padrão e aceitar apenas o que é congruente com o sentido de seus escritos”.

No entanto, como mostra Macrina, esses limites tornam possível um engajamento construtivo e crítico com pontos de vista extrabíblicos. No diálogo, ela interage com uma grande variedade de ideias filosóficas, rejeitando algumas e aceitando outras. A Bíblia é a referência que possibilita essa diferenciação.

Macrina permite que as Escrituras lhe mostrem para onde direcionar sua energia teológica. Ela vê Paulo introduzir uma distinção-chave: “O apóstolo diz que ele cria nisto, que a própria era foi moldada pela vontade divina, bem como tudo o que veio a estar nela […] mas o 'como' ele deixou sem resposta”. Podemos saber que algumas questões são verdadeiras porque as Escrituras nos dizem, mesmo sem entender como são verdadeiras. Macrina usa essa distinção para escapar de ficar atolada em quebra-cabeças intelectuais insolúveis, de modo a poder se concentrar nas questões que Deus a chamou e capacitou para resolver.

Macrina também se baseia nas Escrituras para informar o conteúdo da fé. Ela o faz no nível de versículos individuais, determinando, por exemplo, com base em Gênesis 1.28, que a razão deve controlar as emoções, uma vez que os seres humanos foram, segundo suas palavras, ordenados a “governar sobre todas as criaturas irracionais”. Ela também se baseia na narrativa bíblica mais ampla, por exemplo, ao argumentar com base em vários exemplos bíblicos (Daniel, Fineias, Moisés) que as emoções não são nem boas nem más em si mesmas, mas cabe a nós as usarmos com sabedoria. E, como muitos outros pensadores cristãos primitivos, Macrina usa as Escrituras para interpretar as Escrituras. Em uma passagem particularmente bela, ela tece uma ampla gama de metáforas bíblicas para imaginar o que podem significar as palavras de Paulo, quando este descreve Deus como “tudo em todos” (1Co 15.28). Algum dia, ela diz, Deus será nosso tudo: “um lugar para os santos, uma casa, uma vestimenta, alimento, bebida, luz, riqueza, domínio e todo conceito e nome das coisas que contribuem para uma vida boa para nós. Aquele que se torna tudo também estará em todos”.

Por fim, Macrina está serenamente confiante sobre a verdade das Escrituras. Podemos descansar seguros no que a Bíblia diz, sem argumentar a cada passo. A certa altura, Gregório expressa preocupações sobre aqueles que rejeitam a existência ou o poder criativo de Deus: Se eles nem mesmo aceitam a realidade de Deus, como devemos convencê-los da ressurreição? A resposta de Macrina: Não deveríamos nem tentar. “Ela disse: ‘Seria mais apropriado manter silêncio sobre essas questões, e não considerar as proposições tolas e ímpias dignas de uma resposta, especialmente porque um dos ditos divinos nos proíbe de responder ao tolo segundo a sua tolice [Pv 26.4-5]. É, sem dúvida, um tolo quem, nas palavras do profeta, diz que Deus não existe [Sl 14.1].’" Não é que Macrina não se importasse com essas pessoas. Seu ponto é que a Escritura nos liberta para manter nossa paz em face de suas críticas; não precisamos ficar na defensiva.

Em vez de forçar a Bíblia a se ajustar a objeções que ela nunca foi idealizada para abordar, Macrina começa com as Escrituras, deixando-as falar em seus próprios termos: “Acho que devemos primeiro examinar brevemente o que está estabelecido sobre esta doutrina, em vários lugares pela Escritura divina.” Ela, então, se baseava em diversas passagens para estabelecer uma base sólida para a ressurreição (Sl 103; Ez 37.1-14; e 1Co 15.51–53, além dos evangelhos). Só depois de discutir as evidências bíblicas a seu favor, é que ela ouviu Gregório falar sobre as objeções. E, mesmo nesse ponto, ela enfatiza as Escrituras: “Primeiro devemos entender qual é o objetivo da doutrina sobre a ressurreição, por que isso é declarado pela revelação sagrada e por que acreditamos nela”. Ao oferecer sua avaliação final, Macrina não mede palavras. “Na verdade, devemos reconhecer a superfluidade e a inépcia das objeções, à medida que sondamos as profundezas da sabedoria do apóstolo.” Vemos a superficialidade desses argumentos, afirma Macrina, mergulhando na profundidade das Escrituras.

Amando as Escrituras, amando a Deus

A certa altura da obra sobre "A alma e a ressurreição", Macrina se baseia em um texto que Mônica também invocou, no final de "Sobre a vida feliz": 1Coríntios 13. O propósito da vida humana, sugere Macrina, é um aumento infinito no amor, porque a beleza de Deus é ilimitada: “Mas, quando vier o que se espera, tudo o mais se aquieta, enquanto o amor continua a operar, não encontrando nada que o substitua.”

Tanto para Mônica quanto para Macrina, as Escrituras fornecem um roteiro para a vida cotidiana: cantar um salmo de louvor a Deus, criar um filho, reconhecer limites intelectuais, aprender com os outros enquanto se apega à verdade, chorar por um ente querido que está morrendo. Mas, para as duas mulheres, a Bíblia é mais, no final das contas, do que um manual prático de como fazer as coisas. Ela nos direciona para a beleza arrebatadora de nosso Criador e para o propósito final e glorioso de nossas vidas, que dá significado a cada preocupação menor: ela ensina a nos deleitarmos em Deus.

Han-luen Kantzer Komline ensina História da Igreja e Teologia no Western Theological Seminary, em Holland, Michigan. Ela é autora de Augustine on the Will: A Theological Account. Este artigo é parte de “Por que as mulheres amam a Bíblia”, edição especial da CT que destaca as vozes das mulheres no que se refere ao engajamento nas Escrituras. Você pode baixar um PDF gratuito da edição ou solicitar cópias impressas em MoreCT.com/special-issue.

Traduzido por Maurício Zágari

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Mobilizando adolescentes como ativistas do Evangelho

A Geração Z é o segredo para reavivar a igreja e mudar o mundo.

Christianity Today November 20, 2020
Unsplash/Scott Webb

“Eu sou Greta” é um documentário que estreou, no início deste mês, no Festival de Cinema de Veneza. Ele narra a jornada da adolescente ativista pelo clima, Greta Thunberg, e seu compromisso inabalável de fazer o que for preciso para salvar o planeta. Em 2019, Greta atraiu atenção para sua causa, ao cruzar o Atlântico em um veleiro, para comparecer à Conferência sobre Mudança Climática da ONU, em Nova York.

Há também Malala Yousafzai que, quando adolescente, foi baleada e quase morta pelo Talibã, no Paquistão, por sua corajosa dedicação à causa de ver meninas adolescentes de lá terem acesso a educação gratuita e de qualidade. Tempos depois, ela ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu ativismo incomparável.

Desde impedir o tráfico humano até lutar por igualdade racial e acabar com a pobreza, cada vez mais adolescentes estão adotando o ativismo como estilo de vida. Hashtags como #BlackLivesMatter, #GunControl, #EndItMovement (em referência ao tráfico humano), #AnimalRescue, #ClimateChange e #EndPoverty inundam os feeds de mídia social de muitos jovens. A Geração Z anseia por viver em prol de uma missão que importe e de uma causa que conte.

Os adolescentes são idealistas, não realistas. Isso é parte do que os faz incríveis. Ter uma causa utópica em torno da qual se mobilizar apela aos corações e às mentes dos jovens, e de maneiras em relação às quais os adultos costumam se mostrar cínicos, insensíveis ou indiferentes.

Mas o ativismo bem feito muitas vezes pode fazer uma diferença significativa no ponto de vista das pessoas. E, na maioria das vezes, são os jovens que têm sido a ponta de lança desse tipo de ativismo de mudança cultural.

Então, por que essa mesma filosofia não se transferiu para nossas igrejas? Por que tantos líderes das igrejas veem os adolescentes e o ministério de jovens como um tipo de mal necessário? Por que tantos cristãos se referem aos adolescentes como “a igreja do amanhã” e não “a igreja de hoje”?

Há esperança, porém. Investi minha vida na mobilização de adolescentes para a causa de Cristo, e estou cheio de esperança de que isso possa mudar. Se os crentes estiverem dispostos a tomar três ações decisivas, podemos mobilizar a Geração Z para reavivar a igreja e mudar o mundo. Veja como:

1. Comece a levar os adolescentes a sério, como uma força espiritual para a mudança.

Todo grande despertamento espiritual da história da América teve adolescentes na vanguarda. Se você ler a história desse movimento espiritual que varreu as colônias, ficará claro que foi um avivamento liderado principalmente por jovens. O famoso pregador Jonathan Edwards (o mesmo que pregou “Pecadores nas mãos de um Deus irado”, sermão terrivelmente arrebatador) foi considerado por muitos como o principal historiador do Primeiro Grande Despertamento. Ele escreveu que este despertamento espiritual

“… aconteceu principalmente entre os jovens; entre os demais, comparativamente poucos se tornaram participantes dele. E de fato tem sido geralmente assim, quando Deus começa qualquer grande obra para o avivamento de sua igreja; ele tem pegado os jovens e tem deixado de lado a geração mais velha e obstinada”.

A história da igreja é um testemunho inegável do potencial de jovens que, por meio de Cristo, promoveram o Evangelho de maneiras poderosas. Dos primeiros mártires cristãos aos grandes reformadores e missionários pioneiros, os jovens responderam ao chamado de viver para Cristo e sua causa.

Na história mais recente, o Jesus Movement, dos anos sessenta e setenta, despertou um foco renovado em adoração, evangelismo e oração entre os jovens. Este movimento, de difusão acelerada, começou no norte da Califórnia, mas logo se espalhou para o sul da Califórnia e, por fim, pelos Estados Unidos como um todo. O ministério de jovens, a música cristã contemporânea e as igrejas da Calvary Chapel surgiram desse movimento, que foi impulsionado principalmente por adolescentes e jovens na faixa dos 20 anos.

Por que Deus frequentemente escolhe adolescentes para cumprir seus propósitos divinos? Talvez a resposta esteja em 1Coríntios 1.26-29: “Irmãos e irmãs, pensem no que vocês eram quando foram chamados. Poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento. Mas Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios; e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes. Ele escolheu as coisas insignificantes do mundo, as desprezadas e as que não são, para reduzir a nada as que são, para que ninguém se vanglorie diante dele”.

Deus adora usar as coisas que menosprezamos. Deus adora usar adolescentes.

Devemos começar a levar os adolescentes a sério como força para a mudança espiritual.

2. Reapresente a Grande Comissão como a maior causa de todos os tempos.

Quando Jesus disse aos seus discípulos, em Mateus 28.19, para irem e fazerem discípulos de todas as nações, ele estava dando a eles, a nós e a cada adolescente crente a maior causa de todos os tempos. Os cristãos costumam se referir a essa passagem como “A Grande Comissão”. Mas esse termo carrega um certo odor de mofo que cheira a antigamente.

Pergunte aos adolescentes cristãos comuns o que eles acham que o termo “Grande Comissão” significa e você receberá, em sua maioria, olhares inexpressivos em resposta. Mas apresente esta grande comissão como a maior causa da qual um ser humano possa participar e, num estalar de dedos, você terá a atenção deles. Afinal, é exatamente isso que ela é.

Quando nossos adolescentes compartilham o Evangelho, eles estão entrando em uma luta épica com o próprio Diabo, pelas vidas, almas e eternidades de seus amigos não alcançados. Eles estão compartilhando a cura para a pandemia do pecado, que infectou toda a humanidade. Eles estão resgatando seus colegas de classe, companheiros de time e amigos, livrando-os do inferno para onde estão indo e do inferno pelo qual estão passando, separados de Jesus Cristo.

Nenhuma causa é maior ou mais arrebatadora.

Claro, isso não significa que eles tenham de abandonar outras boas causas. O efeito cascata do Evangelho consiste no fato de que ele lida com questões de justiça, pobreza, igualdade, cuidado da criação e muito mais.

Podemos desafiar os adolescentes a deterem o tráfico humano e também o tráfico de almas (porque o maior traficante de todos é Satanás!). Podemos dizer-lhes que deem aos famintos pão e o Pão da Vida. Podemos pedir-lhes que deem água aos sedentos junto com a Água Viva. Podemos incentivá-los a construir um lar para os sem-teto na terra e um lar no céu também!

Em Lucas 19.8, quando Zaqueu ouviu o Evangelho e colocou sua fé em Jesus, ele disse “Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos pobres; e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais". A salvação da alma de Zaqueu fez nascer um coração para alimentar os pobres e corrigir qualquer injustiça que ele tivesse cometido. Esse mesmo Evangelho fará a mesma coisa no coração de nossos adolescentes.

É por isso que devemos reapresentar-lhes a Grande Comissão como a maior causa de todos os tempos.

3. Mobilize adolescentes como ativistas do Evangelho.

Os adolescentes vêm a Cristo mais rápido e podem espalhar o Evangelho mais depressa e mais longe do que os adultos. Como os integrantes da Geração Z são “nativos digitais” e nunca viveram em uma época sem tecnologia, eles estão estrategicamente posicionados para usar seus canais de mídia social com o intuito de promover causas, pelas quais forem apaixonados, para uma imensidão de outros adolescentes. Isso significa que eles podem usar o Instagram, Tik Tok e outros canais de mídia social para divulgar a mensagem de Jesus.

Além disso, os adolescentes podem ser inspirados, preparados e mobilizados para terem conversas sobre o Evangelho com seus amigos na escola, em suas equipes esportivas e em seus bairros. Ao compartilhar a mensagem de Jesus como relacionamento, e não como religião, os adolescentes cristãos podem ajudar seus colegas descrentes a compreender o amor de Deus por eles.

Eu vi isso acontecer nas últimas três décadas. Em 1991, lancei o Dare 2 Share [Ouse Compartilhar], um ministério comprometido em energizar a igreja para mobilizar os jovens. E, desde então, houve milhões de adolescentes ativistas do Evangelho enviados de maneiras poderosas para alcançar seus pares para Jesus. Os adolescentes são “ativados” por meio de uma experiência simples em tempo real, seja em um evento ou por meio de estudos. Esse único passo de fé leva a outro, e depois a outro. Eles logo se entusiasmam com a mensagem e a missão de Jesus. E começam a abraçar a fé cristã e a causa cristã como suas.

Em 10 de outubro de 2020, o Dare 2 Share apresentou outro evento de ativação catalítica chamado Dare 2 Share Live. Trata-se de um evento evangelístico de transmissão simultânea, em vários locais do país todo, que mobiliza um exército de ativistas do Evangelho de costa a costa. São milhares de adolescentes inspirados, preparados e mobilizados para compartilhar as boas-novas de Jesus com seus colegas, tudo em UM DIA. Muitos oraram comigo para que Deus despertasse um avivamento liderado por estudantes naquele dia. Se você conhece algum líder de jovens, desafie-o a fazer com que seus adolescentes participem desta transmissão simultânea no ano que vem (www.dare2sharelive.org ).

Adolescentes reavivados podem ser usados por Deus para desencadear um avivamento, não apenas em suas comunidades, mas também em suas igrejas. Três mil anos atrás, um pastor adolescente chamado Davi matou um gigante chamado Golias com nada além de uma funda e uma pedra. Ao fazer isso, ele inspirou um exército de soldados adultos aterrorizados a se catapultar para fora de suas trincheiras, com um grito, e perseguir os filisteus. Da mesma forma, uma geração de adolescentes, armados com nada mais do que a dependência de Deus e a mensagem do Evangelho, pode liderar o caminho para que nossas igrejas sejam mobilizadas para a causa de Cristo.

É hora de mobilizar adolescentes como ativistas do Evangelho para reavivarem a igreja e mudarem o mundo!

Traduzido por Eduardo Fettermann

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Books

O que Kuyper pode nos ensinar 100 anos depois

Os evangélicos podem construir a confiança social por meio de um compromisso com instituições cristãs e com o serviço ao mundo.

Christianity Today November 13, 2020
Illustration by Rick Szuecs / Source Images: WikiMedia Commons / Themefire / Brigat / Envato

Em um ensaio abrangente, publicado recentemente na revista The Atlantic, o colunista e comentarista político David Brooks explorou o colapso da confiança social nos Estados Unidos, a qual ele define como “a qualidade moral de uma sociedade — se as pessoas e instituições que dela fazem parte são confiáveis, se cumprem suas promessas e se trabalham em prol do bem comum”. As divisões profundas e agudas nos Estados Unidos estão em notória exibição nas eleições presidenciais e nos temores, incertezas e desconfianças subsequentes sobre nosso sistema eleitoral.

Uma resposta ao que Brooks chama de “convulsão moral” dos Estados Unidos é um novo compromisso com a reforma e a renovação das instituições sociais americanas. “A confiança social”, observa Brooks, “é construída no âmbito do trabalho básico da vida organizacional: ir a reuniões, levar pessoas de um lugar para outro, planejar eventos, sentar com os enfermos, regozijar-se com os que estão alegres, estar próximo dos desafortunados”. É construída através do voluntariado em locais de votação e escolas, locais de culto e instituições de caridade.

A confiança social, em outras palavras, existe no contexto social e institucional da solidariedade e do amor, que se expressam no mandato paulino: “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” (Rm 12.15). Brooks foi eleito o vencedor do prêmio Abraham Kuyper deste ano. Este ano também se comemora o centenário da morte de Kuyper, em 8 de novembro de 1920.

O calvinista holandês Abraham Kuyper é frequentemente apresentado por uma variedade de títulos: teólogo, pastor, professor, jornalista, político. Na realidade, Kuyper foi, por excelência, um criador de instituições — ou o que hoje costumamos chamar de “empreendedor social”. Se o desafio, conforme Brooks identifica, é reinvestir e reinventar as instituições sociais no século 21, então, Kuyper fornece algumas orientações importantes sobre como prosseguir nessa tarefa urgente de renovação holística, mesmo 100 anos após sua morte. Kuyper enfrentou uma sociedade com muitas diferenças da nossa, mas também com dinâmicas semelhantes. Convulsões e incertezas sociais, econômicas e políticas marcaram uma sociedade holandesa cada vez mais polarizada em torno de linhas ideológicas e teológicas.

A visão central do programa abrangente de Kuyper era a prioridade do evangelho sobre a descrença generalizada em Deus por parte da humanidade caída. A arrogância dos pecadores necessariamente leva à idolatria, que assume a forma moderna de uma revolta incrédula e ateísta contra a ordem criada por Deus. Para Kuyper, o exemplo mais recente e flagrante dessa corrupção generalizada foi a Revolução Francesa, e, no século 20, vimos múltiplas expressões desse caminho que leva à morte, incluindo revoluções violentas, guerras mundiais, genocídios, limpeza étnica e, bem mais recentemente, os desafios políticos e sociais de uma pandemia global.

O evangelho diz respeito a toda a criação de Deus, originalmente boa e agora caída. Para Kuyper, essa perspectiva fornece um ímpeto poderoso para seguir a Cristo fiel e plenamente, tanto na própria vida individual quanto corporativamente, como corpo de Cristo em toda a sociedade.

Um evangelho holístico

O hino de Isaac Watts “Joy to the World” [Alegria ao mundo] declara que Cristo, o Rei, “vem para fazer suas bênçãos fluírem/ até onde a maldição é encontrada”. Esta é uma das percepções escriturísticas centrais que animam a visão sócio-teológica de Kuyper. A graça — seja a que preserva (a graça comum), seja a que salva (a graça especial) — abrange toda a vida. A ideia de que nossa salvação tem significado não apenas para a vida futura, mas também para nossas vidas aqui e agora é o que atraiu tantos cristãos para a cosmovisão kuyperiana, e deve continuar a nos inspirar hoje.

Contra a corrupção abrangente introduzida pela queda no pecado, Deus agiu para preservar o mundo e salvar um povo para si mesmo. Esse povo, por sua vez, é chamado a viver de forma redentora e sacrificial para a glória de Deus em seu mundo.

Isso significa que a igreja tem a tarefa de viver para o mundo, e não de procurar apenas sobreviver nele. Significa que os cristãos proclamam o evangelho como corpo, na adoração aos domingos, e vivem esse evangelho em suas vidas diárias. O evangelho também nos leva ao que Kuyper chamou de “crítica arquitetônica”, que é uma forma técnica de se referir a uma visão de mundo e de vida que traz as correções radicais da revelação especial para todos os aspectos da ordem criada, especialmente a ordem social.

Assim como o evangelho tem significado para a vida cristã e a sociedade, a descrença e a idolatria também têm consequências sociais. Virar as costas para o Criador e buscar a realização final na criação é a marca registrada da humanidade caída, e assume diferentes formas em diferentes tempos e lugares. No mundo moderno, podemos nos concentrar nas possibilidades da tecnologia e da prosperidade para nos livrar do mal. Em nossa afluência, ficamos apaixonados pelos confortos deste mundo, e nos esquecemos que as coisas não são do jeito que deveriam ser, e que o cristão deve buscar o conforto final no conhecimento de que “eu não sou meu, mas pertenço — de corpo e alma, na vida e na morte — ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo”.

Essas são algumas das primeiras linhas do Catecismo de Heidelberg, uma confissão da tradição reformada que moldou de forma marcante a piedade e a prática de Kuyper. A adesão de Kuyper a uma corrente particular do cristianismo — a tradição reformada — mostra como um compromisso com o bem comum precisa estar enraizado em uma comunidade singular. O próprio Cristo é o Rei universal e salvador do mundo, que, no entanto, nasceu em uma época e um lugar específicos — e divinamente ordenados.

Princípios e pluralismo

Kuyper foi um criador cultural insuperável, e muitas das instituições que ele fundou e liderou concentravam-se na edificação e formação da comunidade reformada holandesa. Ainda assim, Kuyper defendeu com unhas e dentes a necessidade de outros grupos terem liberdade e meios para formar as próprias instituições. E essa preocupação com um pluralismo público genuíno não era simplesmente pragmática — era profundamente baseada em princípios. Somente quando se permitir que cada tradição de fé e cosmovisão trabalhe com seus próprios princípios é que se pode realmente concretizar uma esfera pública vibrante. Kuyper defendia:

soberania para nosso princípio, bem como para o princípio de nossos oponentes em toda a esfera do pensamento. Quer dizer, assim como eles empregam seu princípio e o método correspondente para edificar uma casa de conhecimento que brilhe com esplendor (embora não nos atraia), também nós, a partir de nosso princípio e de nosso método, cultivaremos nossa própria planta, cujos caule, folhas e flores são nutridos por sua própria seiva.

A liberdade institucional e religiosa não era algo apenas para os reformados holandeses, mas também para católicos romanos, judeus, secularistas e outros. O bem comum só pode ser realizado a partir das contribuições de cada confissão particular para a sociedade.

Este tipo de pluralismo não tem a ver simplesmente com liberdade de pensamento ou de expressão individual, mas inclui e requer os direitos de organizar e formar instituições também. Isso significa igrejas, certamente, mas também escolas, clubes, revistas, sindicatos e até partidos políticos. O desafio para essas instituições não é apenas enfocar formação de caráter e promoção de virtudes para seu grupo em particular, mas também voltar esses bens para a sociedade mais ampla.

Pela vida do mundo

Dessa forma, Kuyper defendeu uma compreensão do cristianismo que era fundamentada nas práticas formativas da igreja local em adoração e orientada para o bem do mundo. “A vocação do cristão absolutamente não reside apenas na esfera da igreja”, argumentava Kuyper.

Os cristãos também têm uma vocação em meio à vida do mundo. E a questão de como isso é possível, como é concebível que um filho de Deus ainda esteja envolvido com um mundo pecador, tem uma resposta breve, clara e simples: Pode e deve ser porque o próprio Deus ainda está envolvido com este mundo.

Como o apóstolo Paulo coloca em Gálatas 6.10: “Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé”. Há uma maneira adequada de priorizar nossos deveres para com os irmãos cristãos, ao mesmo tempo em que orientamos esses deveres para o bem comum, o bem de todas as pessoas, até mesmo a ponto de amar aqueles que consideramos — ou aqueles que se consideram — nossos inimigos (Mt 5.44).

A confiança social só pode ser restaurada e reconquistada nos conflitos e embates da vida social. Isso requer a construção e a manutenção de instituições cristãs de todos os tipos. Mas também requer que os cristãos saiam para fora dos muros dessas instituições e se envolvam com seus próximos, desafiem-nos e até mesmo os sirvam — sejam eles cristãos ou não.

Kuyper dedicou sua vida a construir instituições cristãs — uma denominação, uma universidade, jornais, um partido político. Mas, depois de seu período como primeiro-ministro, ele passou a maior parte do ano em uma excursão pelo mar Mediterrâneo. O propósito não era apenas realizar seu desejo espiritual de visitar a Terra Santa (embora isso fosse parte do objetivo). Pelo contrário, Kuyper também queria ver com os próprios olhos as diversas expressões de fé e de cultura da Europa Oriental, do Oriente Médio e da África. Ele queria conhecer o Islã em seus próprios termos e em seu próprio solo. Isso o levou a um maior reconhecimento dos perigos do que ele considerava uma falsa religião. Mas também o levou a ver semelhanças inesperadas e até certas maneiras em que os muçulmanos superavam os cristãos, como seu zelo religioso e sua piedade. (“A indiferença para com Jesus, que se encontra em países cristãos — é algo de que praticamente nunca se ouviu falar nas nações islâmicas em relação a Maomé”, escreveu ele.)

Podemos não estar em posição de desfrutar de uma viagem internacional subsidiada, na condição de ex-chefe de Estado. Mas podemos facilmente conhecer nossos vizinhos que moram na porta ao lado, do outro lado da rua ou a alguns quarteirões de distância — e servir com eles em grupos comunitários. Uma das lições duradouras de Kuyper para nós deve ser o duplo compromisso de construir comunidades e instituições cristãs vibrantes e de nos voltarmos para o serviço de Cristo no mundo — incluindo o mundo que está além dos muros de nossas casas de adoração e das fronteiras de nossa nação.

Jordan J. Ballor é pesquisador sênior do Acton Institute, acadêmico afiliado do First Liberty Institute e editor geral do Abraham Kuyper Collected Works in Public Theology.

Traduzido por Erlon Oliveira

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Gabriel Salguero: Buscando equilíbrio nas eleições de 2020

A importância do discipulado cristão na época das eleições.

Christianity Today November 13, 2020
Canva

No mês passado, concedi mais de uma dúzia de entrevistas para a imprensa sobre o voto evangélico hispânico e as eleições de 2020. Imagino que grande parte do interesse seja porque os evangélicos latinos estão no centro de dois principais grupos de eleitores na América. Há cerca de 60 milhões de latinos vivendo nos Estados Unidos, e eles votam esmagadoramente nos democratas. Os evangélicos, que representam cerca de 25% da população dos EUA, votam majoritariamente nos republicanos. Os evangélicos latinos, membros de ambas as comunidades, são eleitores indecisos por excelência. Como pastor da igreja The Gathering Place, uma congregação multiétnica liderada por latinos, estou, como muitos outros, experimentando em primeira mão a tarefa delicada e monumental de pastorear uma congregação politicamente diversa em tempos polarizados. A Flórida é um estado com um histórico significativo de oscilação entre os dois partidos em eleições, e os eleitores evangélicos latinos indecisos podem ser determinantes. Portanto, são muitos os apelos de políticos e as campanhas direcionadas à nossa comunidade. Fatalmente, ouço a pergunta: “Pastor, como devo votar sendo evangélico?” Eu nunca digo às pessoas em quem votar ou como votar, mas exponho os princípios do evangelho de Cristo para um engajamento público. Pastores são pastores, não autocratas.

Minha resposta inicial é lembrar a toda a família da igreja que evangélico NÃO é uma categoria política. O evangelicalismo não deve ser definido por ideologia partidária, mas por concomitâncias teológicas. O quadrilátero de David Bebbington — conversionismo, biblicismo, ativismo e crucicentrismo — sempre foi um arcabouço útil para mim. Além disso, aponto a muitos de nossos congregados o útil padrão de identificação evangélica desenvolvido pela NAE/LifeWay Research. O fato de muitos membros de igreja, eruditos e políticos terem definido o evangelicalismo em termos políticos é fundamentalmente um problema de catecismo e discipulado. Infelizmente, em tempos de pronunciada polarização, essa falha no discipulado leva a uma crise que ameaça dividir as congregações.

Muitas vezes, liderar congregações durante os períodos eleitorais gera duas tentações poderosas: desengajamento ou incivilidade. Uma tentação leva ao silêncio cúmplice; a outra, a um discurso público cacofônico e desumanizador. Para mim, nem o desengajamento nem a incivilidade são opções do evangelho de Cristo. Centrismo e apatia não são virtudes cristãs. Diante das tentações gêmeas do isolamento e da retórica desumanizante, o evangelho de Jesus nos chama às virtudes da coragem, da verdade e do amor. Como pastor de uma congregação politicamente diversa, preciso ter o cuidado de tratar das questões e orientações políticas com convicção, honestidade e caridade.

A lealdade primária dos cidadãos cristãos é ao evangelho de Cristo, e não a uma ideologia política. Isso não significa que os cristãos não possam atuar em partidos políticos, apenas significa que não lhes devem lealdade primária. O evangelho de Jesus não se encaixa perfeitamente em nenhum partido político. Todos nós somos, até certo ponto, politicamente sem lar. No entanto, nosso compromisso com a autoridade das Escrituras e do evangelho de Cristo exige que nos pronunciemos sobre coisas que impactam nossa vida em sociedade como cidadãos. Os profetas nos lembram que o medo de divergências ou de críticas não são razões válidas para o desengajamento cristão da vida pública. Em um momento hiperpolarizado, assumir a posição do evangelho, em qualquer assunto, pode nos tornar alvo de críticas apaixonadas, implacáveis e, às vezes, cruéis. Por não quererem ser alvo dessas polêmicas, alguns pastores optam por abandonar o engajamento público cristão. Como seguidor de Cristo, sou chamado a me pronunciar sobre nossos compromissos, centrados no evangelho de Jesus, para com a santidade da vida, a liberdade religiosa, a justiça e a reconciliação raciais, o amor ao imigrante, e a justiça em nossos sistemas penais. No entanto, devo estar sempre atento ao fato de que esses compromissos são, acima de tudo, estabelecidos pelo evangelho de Jesus e não por ideologia partidária. É evidente que pessoas bem-intencionadas podem divergir sobre quais políticas melhor alcançam esses objetivos do evangelho. Nosso discipulado informa a ética e os princípios, mas não apresenta frequentemente recomendações de políticas específicas. Não posso controlar se meus compromissos com o evangelho de Cristo são interpretados por lentes políticas ou partidárias. Só posso controlar meu modo de falar. Devo falar com respeito e civilidade enraizados nas Escrituras. O risco do engajamento sempre é o de ser mal interpretado ou rotulado. Ainda assim, para mim, o silêncio não é uma opção viável, principalmente porque muitas políticas têm impactos diretos de vida ou morte nas comunidades em que sirvo. A fé assume riscos.

Entretanto, coragem não é grosseria. Coragem é a capacidade de pregar o evangelho de Jesus no espaço público com convicção, e ao mesmo tempo respeitando a dignidade e a humanidade das pessoas que discordam de nós. Sempre que não integramos coragem com civilidade, contribuímos ainda mais para a polarização e a discórdia que procuramos curar. Em contrapartida, civilidade não é covardia, e sempre que não defendemos os valores do evangelho de Cristo no cenário político, deixamos um vazio que pode levar a leis e práticas injustas. Nosso momento atual nos chama a enfatizar uma renovada formação espiritual para a esfera pública. Essa formação espiritual está enraizada no que o eticista cristão Richard Mouw chama de “civilidade convicta”. A deterioração do discurso público fez com que muitos pastores que lideravam congregações profundamente divididas reexaminassem como discipularmos cidadãos cristãos. Tenho compartilhado em nossa congregação que não devemos questionar o compromisso das pessoas com Cristo baseando-nos em sua identificação partidária. A salvação é apenas pela graça, e não depende das preferências de voto.

Minha resposta pastoral às eleições sempre foi a mesma. Lembro a nossa congregação que os cidadãos cristãos se engajam com coragem e amor. Nenhum partido político detém o monopólio do evangelho de Cristo. Os cristãos são estrangeiros residentes; estamos no mundo, mas não somos deste mundo. Nossa cidadania do reino nos coloca na posição de nos engajarmos na política e, ao mesmo tempo, de resistirmos a ser cooptados. Talvez o melhor que possamos fazer seja constantemente lembrar nossas congregações de sua dupla cidadania. Nossa dupla cidadania nos chama a uma responsabilidade cristã que reflete convicção profunda e civilidade genuína.

Rev. Dr. Gabriel Salguero é fundador e presidente da Coalizão Nacional Evangélica Latina (NaLEC) e pastor da igreja The Gathering Place.

Traduzido por Maurício Zágari.

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Sua pregação não é a obra de Deus. Você é a obra de Deus.

Como a transformação interior molda a proclamação exterior.

Christianity Today November 6, 2020
Giacomo Flisi / Unsplash

Sua pregação não é a obra de Deus. Você é a obra de Deus. Recebi essa visão de uma maneira peculiar.

Enquanto cuidava da vida, liderando uma fundação que ajudava denominações a plantar novas igrejas, inesperadamente um recrutador me procurou para saber se eu tinha interesse em liderar o Alpha USA. Sempre adorei a interseção entre evangelismo, igreja e cultura. Eu tinha grande respeito pelos líderes internacionais do Alpha, então, busquei sinceramente discernimento, antes de assumir esta nova função.

Como parte dessa busca, telefonei para meu amigo Dallas Willard. Dallas pôde sentir em mim uma ênfase exagerada na escolha de um trabalho. Ele disse: “Todd, seu trabalho não é a obra de Deus. Você é a obra de Deus. Seu trabalho é simplesmente um contexto no qual você se torna um aprendiz de Jesus”. Mais tarde descobri que aquilo que aprendi sobre o trabalho, naquele dia, também se aplica à pregação: Todd, sua pregação não é a obra de Deus. Você é a obra de Deus. A pregação flui da obra de Deus dentro de nós.

Antes da proclamação

Proclamar é apregoar algo em público. Nós, pregadores, amamos a proclamação — ela é ativa e enérgica. Também tendemos a ficar entusiasmados com a ideia do que Deus está fazendo através de nós. Há uma sensação inebriante que vem do fato de ser usado por Deus. É emocionante! Isso não é em si um problema, contanto que reconheçamos que a proclamação requer “pré-clamação” — um clamor silencioso e oculto de nosso coração por Deus, de modo que nossa principal motivação, não importa o tamanho da multidão, seja pregar para uma audiência de um.

Essa pregação é a expressão exterior de uma jornada interior. A pregação está inevitavelmente ligada à vida interior do pregador. A realidade interior de uma pessoa é a nascente da qual flui a pregação. O que Deus está fazendo em mim transborda por meio da minha pregação.

Existe uma forte conexão entre a transformação interior e a proclamação exterior. A primeira inevitavelmente dá cor à última. Podemos tentar disfarçar, mas um coração insosso certamente produzirá um ensino insosso. Um coração espinhoso transbordará em um sermão espinhoso e cruel. Um coração ansioso irradia uma mensagem que gera ansiedade. Um coração cheio de julgamento envenena uma homilia. E o desejo de que Deus fale através de mim na pregação trará sérias armadilhas, se antes eu não orar: “Deus, fala comigo”. Devemos prestar atenção a uma questão crucial: “O que Deus está fazendo em mim?”

Os tesouros do seu coração

Um trabalho exegético e hermenêutico sólido é crucial. Um formato homilético eficaz também é bom. Mas nós, pregadores, clamamos por algo mais profundo. Ansiamos que um poder especial flua em nós e transborde por meio de nós.

O que constitui uma boa pregação? Os tesouros do coração. Descobri que praticar a sabedoria que Jesus ensina sobre o coração renova a pregação: “Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração”; “A boca fala do que está cheio o coração”; “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração” (Mt 6.21; 12.34; 22.37).

As afeições de nosso coração vêm à tona na pregação tanto quanto (ou talvez até mais do que) nosso intelecto. E uma afeição devidamente ordenada é o que meu amigo Dallas estava instigando em mim. Aplicando isso à pregação, ele escreveu:

Homens e mulheres envolvidos no ministério, que não encontram satisfação em Cristo, provavelmente, demonstrarão isso com esforço e preparação excessivos, antes de pregar, e sem ter paz sobre o que fizeram, depois de pregar. Se não tivermos chegado ao lugar de descanso em Deus, voltaremos e pensaremos: "Ah, se eu tivesse feito isso". Ou: "Ah, eu não fiz aquilo". Quando você chega a um ponto em que está sorvendo profundamente de Deus e confiando que Ele agirá com você, sentirá paz sobre o que comunicou.

Quem prega sem contentamento em Jesus corre o risco de transformar uma congregação do corpo de Cristo em uma audiência, da qual extrairá energia carnal e pseudossatisfação de curta duração. A tentação acontece assim: Não estou sentindo particular contentamento em Cristo, então, quando meu sermão é nota 6,5, em vez de 10, sinto-me inseguro e preciso de algo da multidão, para me assegurar de que sou uma pessoa valiosa. Mas os pregadores que estão profundamente satisfeitos em Jesus não são tipicamente tentados a usar as multidões para se sentirem seguros.

Desenvolver essa forma de contentamento é algo mais fácil de falar do que de fazer. Podemos nos sair bem em certas épocas da vida e mal em outras. Mas atitudes consistentes e um estado emocional estável virão, à medida que cultivarmos o coração descrito acima por Jesus. Minha paráfrase de Provérbios 4.23 me ajuda a estar alinhado com o que Jesus pretendia: “Ponha tudo o que você tem aos cuidados do seu coração — seu eu oculto, causador e motivador — pois dele procede tudo o que você faz. Ele é a verdadeira fonte de sua vida exterior. Ele determina o que significa a sua vida”.

Os domingos são uma rotina

Os domingos e suas exigências de pregação acontecem continuamente, como uma roda de moer implacável. E essa rotina, com o tempo, pode deformar nosso espírito, o que, então, destrói nossa pregação. Paulo estava ciente da conexão entre seu espírito e a pregação. Na verdade, ele disse: “O Deus a quem sirvo em meu espírito, anunciando [pregando] as boas-novas a respeito de seu Filho” (Rm 1.9, NVT). Em meu espírito significa essencialmente “de maneira espiritual”. Refere-se à pregação que vem lá do meu interior. É uma pregação que não consiste apenas em uma atividade mental ou física, mas que emerge de todo o coração e de toda a alma.

Em meio à rotina semanal para elaborar sermões, como protegemos nossos corações e almas? O que pode manter nossa pregação sempre renovada, livre de amarras e frutífera? É difícil, mas estou descobrindo que não preciso ser uma vítima da roda da rotina. Vários princípios me ajudam.

Eugene Peterson, ao descrever o solo no qual cresce a melhor pregação, faz uma citação da obra Moby-Dick, de Herman Melville: “Para garantir a maior eficiência do dardo, os arpoadores deste mundo devem começar a se mover a partir do descanso, e não da fadiga”. Em vez de sempre descansar da pregação, estou aprendendo a pregar a partir de um descanso essencial. Também dedico tempo à contemplação e a receber graça e paz. Isso me livra do esforço para controlar os resultados. Isso me dá tranquilidade para pregar, sabendo que Deus faz por nós, pregadores, o que não podemos fazer sozinhos.

A roda da rotina tem menos força quando cultivamos uma confiança cada vez maior no Espírito Santo. Para mim, o ato de falar em público é cada vez mais o transbordamento da escuta privada, interior. Um coração calmo e atento, sintonizado com o Espírito Santo, o texto e meu contexto, parece ser o ingrediente essencial para uma pregação eficaz.

Pregação graciosa, generosa e generativa

Quando era um jovem pregador, eu costumava orar por vários tipos de sucesso: para pregar bem, para receber outros convites para pregar ou para que muitas pessoas quisessem uma gravação de minha mensagem. Mas as orações dos meus últimos anos se alinham muito mais com as ideias que estamos discutindo.

Agora, pouco antes de me levantar para pregar, coloco minha mão sobre o lugar de onde Jesus disse que procedem as palavras: meu coração. Eu oro: "Deus, ajuda-me a estar verdadeiramente presente neste momento e para este grupo de pessoas. Irradia em mim e através de mim uma presença graciosa, generosa e generativa. O Salmo 23 também é útil nesses momentos. Em minha mente, vejo os elementos corporais implícitos nas palavras do salmo: “Unges-me a cabeça com óleo; o meu cálice transborda”(v. 5).

Sabendo que sou uma obra de Deus e que Ele está trabalhando em minha vida, peço que aquilo que Deus tornou real em mim seja para o bem dos outros. Lembrando-me do ensinamento do Mestre, “A boca fala do que está cheio o coração”, subo ao púlpito, e procuro pregar de dentro para fora.

Todd Hunter é bispo da diocese de Churches for the Sake of Others, da Igreja Anglicana, na América do Norte. Autor e professor, ele é ex-presidente da Vineyard USA e da Alpha USA.

Traduzido por Erlon Oliveira

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Por que os evangélicos discordam sobre o presidente

A razão pela qual estamos divididos e como podemos nos unir.

Christianity Today November 4, 2020
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Eddie Brady / Tasos Katopodis / Stringer / Getty Images / Jesse Zhou / Unsplash

Este artigo foi escrito tendo as eleições norte-americanas como pano de fundo. No entanto, muitos dos pontos aqui podem ser aplicados à realidade brasileira e de outros países de língua portuguesa.

Todos os quatro evangelhos descrevem a violência no Getsêmani. Jesus chorou sozinho entre as oliveiras, orando para que o cálice do sofrimento passasse dele. Quando ele voltou para junto de seus discípulos cansados, soldados e líderes religiosos os confrontaram. Pedro respondeu com um golpe de espada e cortou fora a orelha de um homem chamado Malco. “Guarde sua espada”, disse Jesus, enquanto curava Malco. “Acaso não beberei o cálice que o Pai me deu?” (Jo 18.11).

Jesus foi levado ao sumo sacerdote, e depois ao governador romano. “Meu reino não é deste mundo”, disse ele a Pilatos. “Se fosse, meus seguidores lutariam para impedir que eu fosse entregue aos líderes judeus. Mas meu reino não procede deste mundo”(18.36).

O reino dos céus é um mistério. Não vem com uma espada, mas com um sacrifício; não vem com uma coroa de metal, mas com uma coroa de espinhos. Ele vem não por meio dos poderes do mundo, mas pelo poder invertido da cruz, ou seja, o poder da impotência. Pedro atacou com a espada. Jesus bebeu do cálice.

Essa história vem à mente quando nos aproximamos de uma eleição presidencial com profundas divisões entre nós. Cristãos evangélicos que labutaram por muito tempo no mesmo lado, agora se encontram em campos adversários. Um lado declara que não consegue compreender como homens e mulheres que compartilham sua fé podem, em sã consciência, apoiar o candidato da situação. O outro se pergunta como alguém que se guia pela Palavra pode rejeitar o candidato da situação. Os dois lados não discordam apenas, mas não conseguem se entender. Incapaz de enxergar lógica no argumento do outro, cada lado afirma que o outro sucumbiu à falta de razão, ao preconceito ou ao desejo de poder ou de aprovação.

Nossa incapacidade de compreender a racionalidade de um ponto de vista oposto é mais frequentemente uma falha de imaginação de nossa parte do que uma falha de racionalidade da parte deles. A diferença entre os dois lados não pode ser que um lado seja verdadeiramente cristão e o outro não, ou que um dos lados detenha o monopólio das boas ideias e boas intenções. Incontáveis homens e mulheres, que lutam com todas as suas fibras para seguir a Jesus, encontram-se dos dois lados.

Se fosse uma divisão entre evangélicos conservadores e progressistas, seria mais facilmente compreensível. No entanto, essa é uma divisão entre os evangélicos conservadores, e lutei durante anos para entendê-la. Talvez ainda não a tenha entendido, mas quero explicá-la da melhor forma que puder. Passei a acreditar que, por trás das diferenças entre nós, está uma visão diferente do reino de Deus.

Após a publicação do editorial do ex-editor-chefe Mark Galli, em dezembro, e minha declaração reafirmando a consistência de sua preocupação, ouvi amigos respeitados e amados que estavam de coração partido. Lutamos incansavelmente, disseram eles, para salvar a vida dos embriões. Estamos na linha de frente, defendendo as liberdades religiosas que permitem que famílias e igrejas vivam de acordo com a consciência. Estamos trabalhando, eles disseram, em prol de um governo e de uma cultura que ouçam as preocupações cristãs e honrem os valores cristãos. Ouvir tais afirmações foi para mim tão doloroso quanto deve ter sido para eles fazerem-nas, pois queridos amigos sentiram que estávamos traindo a causa em um momento crítico.

Com algumas exceções, o sentimento geralmente veio de pessoas que foram formadas em ambientes onde o cristianismo era, ou até recentemente tinha sido, a força cultural predominante. Eles acreditavam que a ética cristã sempre fora uma influência para o bem e, conforme essa influência foi diminuindo, viram as próprias liberdades serem restringidas, mas também o bem comum da comunidade se deteriorar. Eles também acreditavam que anos de política externa progressista haviam diminuído nossa presença global e feito vista grossa para a perseguição cristã no exterior. Essas preocupações os levaram a apoiar um político que contradiz os valores cristãos em seu comportamento pessoal, mas que, segundo acreditavam, promove os valores cristãos na arena pública. Eles não admiravam a personalidade desse político nem subscreviam à sua retórica, mas acreditavam que ele e o partido que representa trariam o maior bem para a sociedade como um todo.

Vou chamar esse contingente de Igreja Reinante. A Igreja Reinante vê o reino de Deus, o fim pelo qual nos esforçamos, como um mundo no qual homens e mulheres são livres para seguir sua fé, a vida é considerada sagrada desde a concepção até a morte, as famílias podem criar seus filhos na verdade bíblica, as igrejas assumem a liderança nas práticas de caridade, e o governo garante uma ordem estável para o florescimento de empreendimentos significativos.

Os membros da Igreja Reinante estão preocupados com as políticas externa e econômica, mas se sentem especialmente compelidos a apoiar o atual governo por suas posições sobre a vida e a família. Não votar no candidato republicano dá poder ao partido que protege o terrível regime de aborto e promove uma ética sexual que leva a uma grande confusão e a sofrimento.

Existem, com certeza, forças de apoio ao presidente em exercício mais virulentas. Mas também há apoiadores amorosos e sensatos, e a discordância generosa exige que representemos nossos irmãos e irmãs da melhor maneira possível. Fazemos um desfavor à nossa fé quando caricaturamos nossos irmãos de fé.

Não há nada essencialmente irracional ou imoral na posição exposta acima. Ela leva a Igreja Reinante a dar mais valor à aquisição e ao uso do poder político. A Igreja Reinante vê a eleição inteiramente como uma batalha entre o bem e o mal. Os defeitos do presidente parecem pequenos quando a virtude do mundo está em jogo. Ganhar o poder político significa proteger o modo de vida cristão e plantar sementes de verdade e virtude na cultura, trazendo, assim, a bênção de Deus sobre a terra. Perder o poder político significa que a cultura mergulha em uma espiral profunda de imoralidade e inverdade, erodindo os fundamentos da sociedade e levando a um sofrimento maior para todos. Para esses amigos, então, minar o apoio ao presidente é minar o poder dos cristãos de moldar políticas de modo a proteger a igreja e a beneficiar o mundo.

É claro que o outro grupo respondeu de maneira bem diferente ao editorial de Galli. Eles ligaram e choraram ao telefone. Eles enviaram balões para a redação. Eles nos encorajaram a permanecer firmes contra as críticas fulminantes. Eles ficaram imensamente gratos por alguém ter articulado seus profundos receios éticos e espirituais sobre o apoio evangélico a Trump.

Como isso pode ser? Os dois grupos não estão divididos ao longo de linhas teológicas, e ambos seriam considerados conservadores antes do movimento Trump. Eles estudam as mesmas Escrituras, afirmam os mesmos credos e cantam os mesmos hinos. Eles também têm em comum a maioria dos compromissos éticos fundamentais, desde a liberdade religiosa e a santidade da vida até o propósito amoroso de Deus para o casamento e a sexualidade.

Vamos chamar o segundo grupo de Igreja Remanescente. Ao contrário da Igreja Reinante, a Igreja Remanescente tende a vir de lugares onde o cristianismo não é a autoridade cultural ou política dominante. Claro, essas são generalizações, mas a Igreja Remanescente tende a ser mais jovem, mais urbana e com mais diversidade do que a Igreja Reinante. Os membros da Igreja Remanescente têm maior probabilidade de viver à margem do poder, às vezes, deliberadamente e, às vezes, por exclusão.

Esse contingente é maior do que se imagina. Quando os evangélicos são definidos pela crença e todas as etnias são incluídas, vemos que apenas 58% dos eleitores evangélicos apoiaram Trump em 2016 — o que não diz absolutamente nada a respeito daqueles que optaram por não votar.

A Igreja Remanescente é cativada por uma visão fundamentalmente diferente do reino de Deus. O reino, nessa visão, é sagrado demais para ser confundido com ganhar eleições e aprovar leis. Não é uma dispensação política nem uma ordem social. Não é um reino deste mundo. Em vez disso, o reino irrompe no tempo e no espaço, quando homens e mulheres enviados pelo rei buscam os perdidos e servem aos menores dentre todos. O reino dos céus está entre nós, quando pregamos o evangelho em palavras e atos, servimos aos sem-teto e aos refugiados, e nos colocamos ao lado de nossos próximos que sofrem.

Para a Igreja Remanescente, o reino de Deus tem menos a ver com adquirir poder do que com desinvestir-se de poder, renunciando aos nossos direitos e privilégios como Cristo fez (Fp 2), a fim de servir aos que não têm voz. Em outras palavras, a cristandade não é o reino, e representar a cristandade não é o mesmo que representar Cristo. O reino dos céus não é sobre a espada, mas sobre o cálice, não é sobre nos defendermos, mas sobre morrermos para nós mesmos.

Por essa razão, a Igreja Remanescente dá mais prioridade à pureza da Igreja do que à prosperidade do país. A prosperidade nacional é importante, mas as nações florescem e caem, enquanto a Igreja permanece por toda eternidade. Sua unidade e integridade testemunham o caráter divino de Cristo (Jo 17) e não podem ser comprometidas. Isso torna a Igreja Remanescente mais otimista quanto à perda de influência cultural e política. A sede do poder possui uma enorme atração gravitacional, que muitas vezes distorce nossa capacidade de ver e testemunhar Cristo claramente. Às vezes, a Igreja precisa de um tempo no deserto para se lembrar de quem ela é.

A Igreja Remanescente prefere que a Igreja perca sua influência do que sua integridade, mesmo que a perda das liberdades religiosas leve à perseguição. Quando a perseguição alguma vez derrotou a Igreja? Certamente, o mesmo Deus que criou as estrelas, e que preservou a Igreja ao redor do mundo por dois mil anos, pode preservar a igreja americana contra quatro anos de exílio político. A igreja sempre morre a partir de dentro somente.

Mas, se a igreja perder sua integridade e, portanto, seu testemunho, a cultura ao redor sofrerá. Na verdade, para a Igreja Remanescente, o apoio evangélico ao presidente promoveu valores corrosivos na cultura — encorajando o narcisismo e o materialismo, a ganância e a luxúria, o racismo e o sexismo — que são tão prejudiciais, senão mais, do que políticas mal concebidas.

Os leitores que ficaram gratos pelo editorial de Galli não atiraram pedras em outros crentes que votaram relutantemente em Trump. Eles estavam mais preocupados com os líderes evangélicos que criaram a impressão de que toda a Igreja havia se unido em torno dele, especialmente quando esses líderes não se mostravam dispostos a condenar publicamente o mau comportamento de Trump ou a defender as vítimas de sua retórica. Isso, em sua opinião, manchou o testemunho do corpo de Cristo. Isso levou seus amigos a deixarem as igrejas e seus filhos a renunciarem à criação que receberam. Quantidade nenhuma de vitórias políticas poderia justificar isso. Eles sentiam que os evangélicos brancos haviam vencido a eleição, mas perdido uma geração.

A discordância entre a Igreja Reinante e a Igreja Remanescente tem menos a ver com manter valores diferentes do que com priorizá-los de forma diferente. A Igreja Reinante responderia que eles também valorizam o testemunho da Igreja e muitas vezes dão a vida para o evangelismo e o serviço, mas os cristãos são chamados a lutar por coisas que são importantes para Deus, mesmo quando isso nos torna impopulares. A Igreja Remanescente diria que eles também se preocupam com a santidade da vida e a proteção da Igreja e da família, e lutarão por essas causas de outras formas, mas não estão dispostos a ganhar influência à custa da integridade. Muitos também se apressariam a acrescentar que não podem apoiar o outro candidato, devido a seus pontos de vista pró-escolha; portanto, eles se veem incapazes de votar em qualquer um dos candidatos em sã consciência.

Então, onde isso nos deixa?

Alguns membros da comunidade da Christianity Today pertencem à Igreja Reinante e outros à Igreja Remanescente. Embora eu compreenda os dois lados, pertenço à Igreja Remanescente. Digo essas coisas não para envergonhar meus irmãos e minhas irmãs que pensam o contrário, mas para que possam entender meu coração. Eu acredito que o alinhamento evangélico com a administração de Trump promoveu os reinos humanos, mas não o reino de Deus. Minha preocupação é que isso cause danos à cultura e manche nosso testemunho por gerações. Claro, eu posso estar errado. Espero estar errado. Mas lamento que tantas pessoas olhem, agora, para os evangélicos e vejam Trump em vez de Cristo, e temo que, em consequência disso, meus filhos crescerão em uma sociedade mais hostil à sua fé. Estou de coração partido pelo fato de que tantos dos que estão à margem, em particular os cristãos negros, tenham sido feridos pelo apoio dos evangélicos brancos ao presidente.

Mas o amor exige que eu compreenda os homens e as mulheres (de todas as etnias) que pertencem à Igreja Reinante. Estes também são meus irmãos e minhas irmãs, homens e mulheres de mente sã e bom coração. É por isso que a Christianity Today continuará a ser um ambiente em que os evangélicos podem ter essas discussões, mas cercadas de muita reflexão e amor. Organizamos nossa série “Table”, no início deste ano, sobre diferentes pontos de vista do engajamento político evangélico. Publicamos argumentos eloquentes a favor e contra os dois candidatos. Fizemos uma parceria com o First Principles Project para superar as divergências partidárias e redescobrir os valores fundamentais, que informam por que e como os cristãos se envolvem na vida pública. E a conversa vai continuar.

O ato radical último em uma era radicalmente polarizada é amar e compreender os dois lados. O ano de 2020 já deixou muitos destroços em seu rastro. Estenda a mão para aqueles que discordam de você e demonstre o amor de Cristo. Seja qual for o resultado, precisaremos trabalhar juntos para levar o reino de Deus às ruínas do mundo, a fim de ajudar nosso povo a encontrar esperança novamente.

Timothy Dalrymple é presidente e CEO da Christianity Today. Siga-o no Twitter @TimDalrymple.

Traduzido por Maurício Zágari

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