Culture

Nossa adoração está transformando o louvor em lucro

Com a consolidação da música de adoração no mundo corporativo, mais entidades têm investido no que cantamos nas manhãs de domingo. Como esses incentivos financeiros moldarão a igreja?

Christianity Today November 2, 2023
Illustration by Matt Chinworth

Quando o líder de louvor Jonathan Anderson seleciona a música “O Cordeiro e o Leão” para um culto, ele pensa sobre o que significa para sua igreja multigeracional da Assembleia de Deus cantar sobre a volta de Cristo e sua vitória final: O mundo há de render-se ao Cordeiro e ao Leão [na versão brasileira].

“Temos pessoas mais velhas que adoram imaginar como seria ver a face de Deus, que anseiam por isso, por ver a beleza genuína”, disse Anderson, que serve na Igreja Bethel em Tallmadge, Ohio.

O compositor e artista Leeland Mooring (que se apresenta com a banda “Leeland”) começou a compor a música em um evento de adoração. Mooring e os que estavam com ele ficaram profundamente comovidos com as palavras e a música, à medida que elas tomavam forma.

Ele disse ao NewRelease Today: “Estávamos simplesmente chorando e não havia ninguém na sala que não tivesse lágrimas nos olhos […] Deus me deu todo o refrão da música ali mesmo.”

Oito anos após seu lançamento, “O Cordeiro e o Leão” continua entre as 30 melhores canções de adoração contemporâneas cantadas nas igrejas aos domingos, e já foi gravada por bandas populares como Leeland, Shane & Shane e Big Daddy Weave.

A popularidade contínua da música significa que as congregações entoam essas palavras poderosas no louvor a cada semana, como esperavam Mooring e os demais compositores (os já veteranos da indústria, Brenton Brown e Brian Johnson, da Bethel Music). E cada vez que igrejas como a de Anderson cantam “O Cordeiro e o Leão”— especialmente se o culto for transmitido ao vivo —, isso soma para empresas de licenciamento de música cristã, empresas gravadoras e investidores privados que passaram a ver o braço cristão dessa indústria como um fonte de renda anteriormente inexplorada.

Uma parte dos direitos e royalties da música de Mooring, que antes teriam sido continuamente pagos aos compositores e à gravadora da música, foram vendidos em um leilão em 2020 a um investidor privado, como parte de um combo de US $ 900.000. O combo de músicas rendeu US$ 156.393 no ano anterior, mais de três quartos do uso de “O Cordeiro e o Leão”. O investidor que fez a oferta vencedora recebeu um retorno projetado pela indústria de quase 15%.

Palavras e melodias que inspiram corações a adorar todos os domingos também são propriedade intelectual (PI) para o mercado, e foram engolfadas por uma recente onda de aquisições na indústria musical. Investir em música tornou-se um “frenesi”, de acordo com o executivo da indústria Hartwig Masuch, sendo que a adoração compõe uma pequena parte dos bilhões investidos em fluxos de propriedade intelectual e de royalties.

À medida que igrejas do mundo todo cantam, tocam e transmitem via stream músicas como “O Leão e o Cordeiro”, “Quão Grande é o Nosso Deus” e “10.000 Razões (Bendito seja o Senhor)”, a popularidade delas tem levado a música cristã cada vez mais longe dentro do universo da indústria musical convencional, com seu vasto ecossistema econômico de obtenção de lucros em uma nova era.

As tendências de aquisição de propriedade intelectual, turnês lucrativas em arenas e consolidação de músicas no mundo corporativo ajudaram a gerar receitas recordes nos últimos dois anos — a indústria de turnês registrou US $ 6,28 bilhões em 2022, e as receitas de gravação nos EUA atingiram um recorde histórico de US $ 15,9 bilhões, crescendo pelo sétimo ano consecutivo.

Muitos artistas cristãos, incluindo aqueles cujas carreiras e marcas são construídas com base em músicas de adoração, estão se beneficiando deste crescimento.

Ganhar dinheiro com música desse gênero não é novidade. A música cristã tem gerado lucro para os investidores americanos há séculos, desde que o livreiro Hezekiah Usher distribuiu o Bay Psalm Book, em 1640, o primeiro livro impresso nas colônias. O que há de novo é a complexa rede de procura, criação e geração de renda na versão atual da indústria. Quanto mais entidades corporativas lucrarem com os sucessos de adoração, mais estarão em posição de introduzir incentivos e de exercer pressão ao longo do caminho.

No universo das músicas de adoração, cada participante tem suas prioridades: as igrejas procuram canções que sirvam às suas congregações; os artistas criam músicas para ministrar à igreja; a indústria fornece uma plataforma e encontra formas de lucrar com os meios de comunicação populares e os investidores procuram ativos promissores.

Entre compositores, intérpretes, agentes, publicitários, organizadores de turnês, gravadoras, editores e investidores, todos estão à procura de novos cânticos de adoração que se tornem sucessos e de cânticos de adoração de sucesso que permaneçam populares e lucrativos. Mas nem todas essas pessoas têm igual influência na trajetória de uma música, e nem todo esforço rumo ao sucesso é neutro do ponto de vista moral ou teológico.

À medida que a música de adoração se integra cada vez mais ao panorama econômico da indústria musical dominante, será que ela conseguirá manter o seu propósito espiritual distinto? Será que os poderosos incentivos do negócio — fama, celebridade e sucesso financeiro — influenciarão a forma como os cânticos de adoração são produzidos e promovidos?

A música de adoração contemporânea tem conquistado interesse cada vez maior da indústria do entretenimento convencional, nas últimas duas décadas. Artistas da área de músicas de adoração lotam as maiores arenas do país. Em vez de vermos artistas cristãos fazendo suas versões de sucessos seculares, são os cânticos de adoração que chegam ao mainstream: Justin Bieber canta “Jireh” e “How He Loves” com Chandler Moore; participantes do The Voice cantam “Oceans”; o Today Show e o Fox and Friends apresentam artistas como Taya, Maverick City Music e Hillsong United.

Compositores e artistas da área de adoração “amam a igreja e querem fornecer músicas que sirvam à igreja”, disse Shannan Baker, pós-doutoranda em humanidades digitais no Centro de Estudos de Música Cristã da Universidade Baylor. Mas os principais artistas e compositores de músicas de adoração enfrentam hoje essas pressões intensificadas do mercado.

“Estou hesitante quanto ao papel que o dinheiro pode desempenhar na exaltação de certos cânticos de adoração”, disse Baker, partilhando uma preocupação sobre essa indústria. “A música é um negócio [para essa indústria]. Nos níveis superiores, o dinheiro impulsiona a tomada de decisões.”

O ganho financeiro — especialmente o excedente financeiro — não é um incentivo neutro e pode restringir os tipos de artistas que chegam ao topo.

“Para os evangélicos, o mercado sempre foi uma forma de provar a bênção de Deus”, disse Adam Perez, professor assistente de estudos de adoração na Universidade Belmont, em Nashville — o centro e a sede da indústria de música cristã. “O investimento é um indicador retardatário de sucesso.”

“Sempre que alguém aumenta o seu acesso ao capital, isso aumenta o seu acesso ao poder”, disse ele. “Ora, como esse poder será exercido?”

Mais empresas e investidores do mercado convencional têm reconhecido oportunidades de lucrar com artistas e músicas cristãs de sucesso, especialmente à medida que grandes corporações se consolidam como grandes detentoras da propriedade intelectual dessas músicas. Esse interesse levou a turnês gigantescas em arenas antes reservadas para estrelas do rock, e a leilões de royalties para obter uma participação em músicas famosas de adoração.

O Capitol Christian Music Group (CCMG), por exemplo, adquiriu as principais gravadoras cristãs: Sparrow Records, Hillsong Music e sixstepsrecords. O CCMG faz parte do Universal Music Group, que detinha uma participação de mercado de pouco mais de 37% na indústria musical, no final de 2022. Seus artistas agora incluem Chris Tomlin, Hillsong United, Brooke Ligertwood, Crowder, Cody Carnes, Jesus Culture e Newsboys. No ano passado, afirmou ter uma participação de mercado de 60% nas 10 músicas de adoração mais usadas nas igrejas.

Essas músicas são licenciadas para cultos e eventos através da Christian Copyright Licensing International (CCLI). Essa organização começou como um recurso para impedir que igrejas violassem os direitos autorais quando usassem letras e músicas de artistas da área de música de adoração.

Agora, a indústria musical começou a ver a popularidade na CCLI como um indicador da rentabilidade contínua de uma canção, uma vez que mais de 250 mil igrejas no mundo todo licenciam músicas de adoração através do ministério. Uma lista de venda de royalties para o combo de “O Cordeiro e o Leão” destacou que dois terços dos lucros anuais poderiam vir da CCLI — US$ 100.000 — e que os ganhos eram estáveis.

A CCLI também classifica as músicas com base no uso semanal informado pelas igrejas cobertas pela sua proteção de licenciamento. De acordo com a CCLI, “O Cordeiro e o Leão” ficou entre as 30 músicas mais cantadas nas igrejas, na primavera de 2023, oito anos após seu lançamento.

“Uma música que faz sucesso nas rádios cristãs rende algum dinheiro por algum tempo”, disse Andrew Osenga, diretor de artistas e repertório (A&R) da Integrity Music. “Músicas perenes [de adoração] geram muito dinheiro.”

A natureza “centrada na canção” do mercado de música de adoração funciona a seu favor. Em uma indústria que muda rapidamente (com que frequência você paga para ouvir música?), as receitas provenientes de composições e royalties nesse nicho continuam sendo fontes de renda confiáveis.

Osenga observou que, desde o início da pandemia, as receitas provenientes de royalties das músicas de adoração aumentaram substancialmente, devido ao aumento repentino de transmissões online ao vivo das igrejas e da publicação de gravações de cultos no YouTube. Antes de 2020, a maioria das igrejas cobertas pela CCLI para licenciamento de músicas de adoração contemporâneas pagavam entre US$ 170 e US$ 215 de licenciamento por ano. O direito de transmitir legalmente online apresentações dessas músicas exigiu que as igrejas adicionassem uma nova licença de streaming, que pode custar outros US$ 110 por ano, valor baseado em uma igreja que, em média, recebe 400 frequentadores por semana (o custo aumenta de acordo com o tamanho da igreja).

“Pense no número de cultos religiosos transmitidos por streaming”, disse Osenga. “Se ‘Bom, Bom Pai’ for cantada em milhares de igrejas, muitas das quais fazem transmissão ao vivo, a receita gerada por esses direitos autorais é enorme.”

Os cânticos de adoração normalmente não têm uma vida útil muito longa, mas uns poucos favoritos como “Quão Grande é o nosso Deus” e “In Christ Alone” [Somente em Cristo] chegam a ficar entre os 100 primeiros da CCLI e permanecem lá. Um estudo recente descobriu que, entre 2015 e 2019, a vida útil média de um cântico de adoração foi de quatro anos. Entre 1995 e 1999 era de 11 anos.

Os artistas mais famosos conseguiram ainda alcançar sucessos de longa duração nos quadros da CCLI; suas músicas agora aparecem em sites como o Royalty Exchange, onde investidores podem avaliá-las como ativos financeiros.

Historicamente, tem havido muito pouco interesse em catálogos antigos de artistas cristãos.

“Em contraste com o mercado em geral”, disse o etnomusicólogo Andrew Mall, em seu livro de 2021 intitulado God Rock, Inc.: The Business of Niche Music , “no mercado cristão há comparativamente pouca demanda por (ou mesmo conhecimento da existência de) músicas e artistas mais antigos.”

Mas a Hipgnosis Songs Fund, uma empresa de investimento em direitos musicais subsidiada pela Blackstone, adquiriu recentemente uma participação nos catálogos antigos do Third Day e do Jason Ingram, um produtor e compositor que trabalhou com Chris Tomlin, Matt Maher, Kari Jobe, Lauren Daigle, David Crowder e Christy Nockels. Hipgnosis é a mesma entidade que adquiriu os direitos do catálogo de Justin Bieber, em janeiro de 2023, em um acordo de alto nível na faixa de US $ 200 milhões.

O site da Hipgnosis considera Ingram uma potência na indústria da música cristã que “ajudou a moldar esse gênero no mundo da distribuição moderna”. Ingram foi um dos compositores de “Bondade de Deus” da Bethel Music, nº. 1 dos Top 100 da CCLI em 2023, bem como outras duas músicas que estão entre as top 10: “Grande é o Senhor” de All Sons & Daughters e “King of Kings” [Rei dos reis] da Hillsong Worship.

Em janeiro de 2022, a Primary Wave Music, uma empresa privada de publicação e gestão de talentos, adquiriu uma participação em todo o catálogo de Matt Redman, compositor de músicas de adoração. Sua música “Blessed Be Your Name” [Bendito seja o teu nome] passou 20 anos entre as top 100 da CCLI.

“É um bom acordo para ambos os lados”, disse Andrew Osenga. (Redman é atualmente contratado da Integrity Music, empregadora de Osenga.) Artistas como Redman ou Ingram podem aceitar uma aquisição, uma quantia fixa de uma empresa disposta a apostar que suas músicas trarão ganhos adicionais. É uma maneira inteligente de um músico comprar uma casa ou mandar os filhos para a faculdade. Os ganhos com as músicas futuras que eles escreverem ainda serão deles.

A linguagem usada por entidades como Primary Wave, Hipgnosis e Royalty Exchange revela a motivação puramente financeira por trás do seu investimento em músicas de adoração. Em um comunicado de imprensa, a Primary Wave descreveu a decisão de adquirir o catálogo de Redman como algo que continuaria a “fortalecer a sua posição no mercado religioso”.

A listagem da Royalty Exchange para o leilão realizado em 2020 do pacote de ativos com “O Cordeiro e o Leão” até nomeou a CCLI como uma “fonte de rendimento notavelmente única e lucrativa”, cujos “ganhos são bastante estáveis ano após ano”. A listagem também esclarecia que 78% da receita do catálogo vinha de “O Cordeiro e o Leão”, e referia-se a essa música como “a estrela desta coleção”.

Os investidores podem ou não ter algum interesse no aspecto espiritual da música, mas, como os seus lucros dependem do uso continuado das músicas pelas congregações, eles têm um interesse financeiro no que as igrejas cantam nas manhãs de domingo.

É muito cedo para dizer como as relações entre os investidores e os catálogos antigos dos artistas da área de adoração influenciarão o uso futuro ou a trajetória dos cânticos de adoração de sucesso. No entanto, com os financiadores preparados para lucrar com o uso continuado de algumas músicas e não de outras, aqueles que tiverem interesse em um determinado cântico de sucesso poderiam procurar formas de trazê-lo de volta e mantê-lo fresco nas mentes dos fiéis, através de covers, de novas gravações com artistas populares ou de arranjos novos.

O mercado de royalties é apenas um exemplo de como os fluxos de receitas na indústria das músicas de adoração — e na indústria musical de forma mais ampla — introduziram novas partes interessadas, novos incentivos e novas pressões no processo. Para artistas que são suficientemente populares para atrair grandes multidões, as turnês representam a oportunidade de gerar receitas com menos interferência de gravadoras e editoras, que ficam com uma porcentagem das músicas gravadas.

A indústria de música cristã é um reflexo dos incentivos financeiros e das estruturas da indústria musical convencional, por isso faz sentido que os artistas cristãos dependam das turnês para obterem rendimentos. Nas últimas três décadas, à medida que os artistas que trabalham com músicas de adoração chegaram aos palcos das arenas, esses espaços maiores aumentaram a consciência do público sobre a monetização na indústria. “Os ouvintes cristãos estão cada vez mais encontrando música de adoração em contextos de entretenimento que costumavam ser dominados pelo pop/rock”, escreveu Mall.

A linha entre entretenimento e adoração nesses contextos tornou-se mais tênue, mesmo quando os artistas que estão fazendo uma turnê abertamente enquadram suas performances como cultos ou experiências de adoração. Chris Tomlin fez uma turnê em 2022 com a Hillsong United, dizendo à Gospel Music Association: “Eu sempre digo, não há nada como o som do povo de Deus cantando louvores a Deus, na presença de Deus, e poder vivenciar tudo isso todas as noites é realmente um presente.”

Grandes nomes como Hillsong e Bethel realizam turnês em arenas, às vezes com pacotes VIP e experiências como entrada antecipada, artigos customizados, assentos premium e ensaios fotográficos encenados. E, como Coldplay, Taylor Swift ou outros que se apresentam em estádios, eles estão sujeitos à revenda de ingressos [algo conhecido no Brasil como “cambistas”, embora nos EUA essa revenda em alguns locais não seja ilegal].

No ano passado, o Elevation Worship teve de esclarecer que um ingresso de mais de US $ 1.000 na primeira fila para seu show não era o preço original, mas sim um valor inflacionado pela revenda.

A turnê Chris Tomlin–Hillsong United de 2022 — que se apresentou no Target Center em Minneapolis, no United Center em Chicago e no Banc of California Stadium em Los Angeles — inicialmente ofereceu uma opção de ingresso VIP para compra, mas em resposta à reação negativa dos fãs na Internet, a turnê removeu a opção de ingresso VIP e a substituiu por dois níveis de “pacotes de experiência”.

Chris Tomlin se apresenta no palco da Tomlin United Tour, que incluiu a Hillsong United, em 11 de abril de 2022.AP
Chris Tomlin se apresenta no palco da Tomlin United Tour, que incluiu a Hillsong United, em 11 de abril de 2022.

A “Tomlin-United Experience” incluía um assento próximo [do palco], acesso antecipado ao local, uma oportunidade para fotos na passarela, uma “oportunidade de compra de artigos antes do show”, uma “experiência de perto, no palco, com Chris Tomlin e a banda United, e “itens de presente de edição limitada, especificamente desenhados pelos artistas para os VIPs”.

Os artistas cristãos muitas vezes promovem shows de adoração ou “experiências de adoração” como mais do que meras performances, e a pregação de um sermão ou de uma mensagem curta pode fazer com que o evento pareça um culto religioso altamente produzido. E há pessoas que ficam incomodadas com a perspectiva de pagar para participar de algo que é considerado um culto de adoração ou para obter acesso VIP a ele.

“Deveríamos pagar para participar de um evento de adoração?” escreveu Tom Read, líder de adoração e compositor baseado no Reino Unido, em uma coluna para o Premier Christianity sobre a Tomlin-United Tour, em outubro de 2021. “Sejamos honestos, há uma diferença significativa entre pagar um artista pelo seu trabalho e comprar ingressos VIP para tirar uma foto na passarela de um evento de adoração. O que é tão problemático aqui é a alavancagem que se faz na adoração a Deus para ganhar fama e fortuna pessoais.”

Winter Jam geralmente está entre as turnês mais bem classificadas da indústria musical no primeiro trimestre do ano. Os organizadores mantiveram os preços dos ingressos baixos — apenas US$ 15 na bilheteria —, na esperança de tornar cada show um evento evangelístico acessível. Mas aqueles que procuram uma experiência mais exclusiva ainda podem adquirir acesso extra aderindo ao Jam Nation, um fã-clube diferenciado com opções para grupos e indivíduos.

Os participantes que ingressarem no Jam Nation Max por US$ 149,99, a opção de nível mais alto, terão um encontro e uma foto com We The Kingdom e o artista Jeremy Camp, sentarão em uma “seção reservada exclusiva”, terão descontos na compra de mercadorias, ganharão uma camiseta e o direito à entrada antecipada.

A turnê de grande sucesso ilustra a diferenciação cada vez mais tênue entre música cristã performativa (como os sucessos nas rádios) e música de adoração. O Winter Jam não é abertamente anunciado como um show ou uma experiência de adoração, mas a adoração e uma apresentação do evangelho fazem parte do evento. A turnê de 2023 incluiu bandas de adoração populares, como Thrive Worship e We The Kingdom.

A consolidação concentrada das músicas de adoração populares contemporâneas nas mãos de menos empresas — de entidades como o CCMG — significa que a indústria tem um maior incentivo para promover músicas de adoração e que os artistas mais famosos têm mais possibilidades de obter receitas sólidas.

Significa também que o CCMG tem um incentivo para obter maior acesso ao mercado de música cristã, especialmente para quem procura música de adoração.

O CCMG possui o Worship Together, um recurso online para líderes de louvor que promove novas músicas, publica blogs e podcasts e organiza uma conferência anual. Os artistas da conferência de 2023 serão Hillsong United e Cody Carnes, ambos artistas do CCMG.

Apesar do envolvimento de atores como o CCMG na promoção e na comercialização das músicas de adoração, Andrew Osenga tem fé no compromisso dos compositores em servir a igreja e na noção dos fiéis sobre qual música é adequada para seus santuários.

“Não queremos cantar um produto”, disse Osenga, ex-integrante da banda Caedmon’s Call. “Queremos cantar uma música que seja genuína.”

Ele não está preocupado com o aumento do investimento corporativo em músicas de adoração porque ele e os artistas com quem trabalha ainda encaram a composição de músicas de adoração como um chamado e uma prática espiritual.

“Você pode ver tentativas de curto prazo de monetizar [a adoração], mas elas parecem estar fora da comunidade”, refletiu Osenga. “É difícil fingir [que se tem chamado e prática espiritual].”

No início deste ano, o artista de adoração Dante Bowe disse à CT: “Se alguém está escrevendo música cristã por dinheiro, está no gênero errado”, considerando o risco e o sacrifício envolvidos.

“Muitos desses caras poderiam escrever ou fazer qualquer coisa. Mas não fizeram”, disse Bowe, que já cantou com o Maverick City Music e está lançando seu próprio selo. “Eles escolheram servir a igreja localmente e mundialmente.”

A consolidação sob grandes conglomerados oferece novo acesso aos mecanismos de marketing e de promoção da indústria musical, acesso que muitos na indústria acolheram com satisfação.

Quase uma década atrás, a análise da indústria feita pela Associação de Música Gospel (GMA) elogiava parcerias entre artistas cristãos e NASCAR, McDonald’s e Coca-Cola. A diretora executiva da GMA, Jackie Patillo, disse estar otimista de que o relatório atrairia novos parceiros comerciais, fornecendo fortes evidências de que a música cristã poderia ser uma ferramenta de marketing eficaz. A música cristã só se tornou mais lucrativa desde então.

Mas o impulso decorrente das parcerias corporativas e dos conglomerados de música também aumentou a distância entre os criadores de músicas de adoração de sucesso e a vasta maioria dos compositores.

A maioria das pessoas que faz música de adoração vê seus royalties diminuir rapidamente à medida que suas músicas caem de posição nas listas da CCLI e ficam fora de uso nas igrejas — se é que realmente chegam a se tornar populares. A CCLI licencia mais de 450.000 músicas; a maioria delas nunca foi apresentada em um estádio nem transmitida pela Internet centenas de milhares de vezes.

“Você receberá seu primeiro cheque de royalties e talvez possa levar sua esposa para tomar um café”, disse Chris Juby, compositor da Resound Worship. “A gente sabe que teve êxito quando o cheque dá para pagar um bom jantar.”

Juby, gerente da Jubilate Hymns Ltd, com sede no Reino Unido, e diretor de adoração, mídia e artes da King’s Church Durham, acha que a consolidação corporativa na música cristã também afetará a gama de temas teológicos presentes na adoração da igreja.

“Os cânticos de adoração carregam um grande peso litúrgico no conteúdo do culto”, disse ele. “A gama [de músicas] que poderia fazer sucesso através desses canais é muito mais reduzida do que a quantidade de músicas que a igreja deveria cantar.”

Jonathan Powers, professor assistente de adoração e reitor associado da escola de missões e ministério do Seminário Teológico Asbury, compartilha da preocupação de Juby.

“Muitas pessoas estão construindo sua teologia a partir das músicas”, disse Powers, que recentemente editou o hinário Wesleyano de Louvor ao Nosso Grande Redentor. “Há uma piedade sendo formada pela música na igreja — conceitos sobre quem Deus é, o que Deus faz.”

Quando deixados à mercê da promoção da indústria e das forças de mercado, os adoradores cristãos muitas vezes não conseguem uma gama tão ampla de expressões, temas e doutrinas como na curadoria de um hinário.

“Quantos cânticos de lamento aparecem entre os Top 100 da CCLI?”, pergunta Powers. Ele ainda destaca que é fácil encontrar canções de adoração ou de júbilo [entre os Top 100], mas é muito mais difícil encontrar canções que reflitam lamento e tristeza verdadeiros. O serviço SongSelect da CCLI pode classificar as seleções por tema, com 8.658 músicas atribuídas a “adoração” e outras 19.914 a “louvor”. Não existem categorias para lamento ou luto; “sofrimento” tem 336 músicas e “pranto”, 35.

“Com um hinário, somos muito intencionais. Queremos ter certeza de que esses temas serão abordados. Queremos ensinar nossa doutrina. Queremos usá-lo para dizer: ‘Isto é quem Deus é‘”, disse Powers. “Nosso relacionamento com Deus, o caráter de Deus, todas essas ideias estão sendo formadas na adoração, mas acho que isso ocorre de maneiras muito limitadas quando é o mercado quem está impulsionando tudo.”

Uma parcela significativa dos fiéis de hoje frequenta igrejas onde letras projetadas em telas substituíram os hinários, e a seleção das músicas é influenciada pelo que os líderes ouvem nas rádios ou online e veem nas paradas da CCLI.

Os cânticos de adoração não geram dinheiro nem sobem nas paradas, a menos que os líderes das igrejas os vejam como recursos teologicamente sólidos e valiosos. Na medida em que a indústria procura receitas estáveis, os especialistas preveem que ela continue a olhar para os compositores, artistas e marcas de adoração que já provaram ser rentáveis.

Assim, mesmo com mais dinheiro a se ganhar com cânticos de adoração, essa inclinação de se apegar ao que funciona estreita o modelo para novos artistas e novas músicas.

“Pense no cânone limitado de músicas. Um testemunho limitado da diversidade do reino de Deus. Expressões limitadas de beleza, devido a um som ‘no formato do mercado’”, disse Nelson Cowan, diretor do Centro de Adoração e Artes da Universidade de Samford. Os adoradores reconhecem — e os líderes tentam replicar — a batida da guitarra da banda Hillsong United, aperfeiçoada no início dos anos 2000 em canções como “Eu me rendo” e “Poder para salvar”, e os estilos vocais distintos de cantores como Kari Jobe e Jenn Johnson.

“Este processo autorreplicante é extremamente desanimador para mim, como líder de louvor, pastor e teólogo”, disse Cowan.

A compositora Krissy Nordhoff, que escreveu o hit de 2010 “Your Great Name” , disse à CT no ano passado que está mais difícil do que nunca para uma música chegar a qualquer pessoa do ramo, a menos que você seja uma figura reconhecida ou tenha algumas conexões poderosas.

O modelo estabelecido por líderes de adoração famosos chega ao nível local, onde se espera que os líderes de adoração imitem tudo, desde efeitos de guitarra e estilos vocais até aparência física e jeito de se vestir.

“Há uma sensação real de que ‘eu nunca poderia ser um bom líder de louvor porque não consigo sustentar a imagem’”, disse Powers.

No avivamento da Universidade de Asbury, em fevereiro, ele viu estudantes da Geração Z rejeitarem artistas famosos e preferirem líderes de louvor “anônimos”. Esse compromisso com a obscuridade e a humildade é difícil de manter, quando confrontado com uma indústria poderosa com interesse ainda maior em exaltar a obra criativa de um artista, mesmo que essa obra tenha sido criada para a glória de Deus, e não do artista.

Enquanto os cânticos de adoração se tornam bens no mercado e os nomes associados a eles atraem multidões às arenas de shows, as congregações locais continuam a adorar fielmente, usando canções que falem com seus membros como ferramentas para cantar coletivamente louvores a Deus.

“O Cordeiro e o Leão” ainda ministra a congregações como a de Jonathan Anderson todas as semanas. A música tem um significado especial para Anderson; foi uma das primeiras músicas que ele aprendeu como novo líder de louvor, anos atrás. Tornou-se parte da rotatividade regular de músicas na sua igreja.

Enquanto trabalha em seu primeiro álbum, ele espera gravar um cover de “O Cordeiro e o Leão”. A música transcendeu sua conexão com qualquer artista ou gravação em particular; de certa forma, pertence a ele e à sua igreja.

E, ainda assim, a cada uso na adoração e a cada transmissão no Spotify e no YouTube, a música continua a gerar receita. Prova ser um investimento inteligente. O profundo impacto da canção sobre seus criadores e sobre aqueles que a utilizam para adoração é justamente o que a tornou lucrativa. A indústria e os investidores estão de olhos e ouvidos atentos.

Kelsey Kramer McGinnis cobre matérias sobre músicas de adoração para a CT. Ela é musicóloga, com doutorado pela Universidade de Iowa, especialização em música em comunidades cristãs.

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Books

Mike Bickle, fundador da Casa Internacional de Oração (IHOP), é acusado de abuso sexual

Ex-líderes da IHOP apresentam o que consideram ser alegações críveis feitas por várias mulheres, ao longo de décadas de ministério.

Mike Bickle

Mike Bickle

Christianity Today October 30, 2023
Courtesy of IHOPKC

Mike Bickle, fundador da Casa Internacional de Oração de Kansas City (IHOPKC), enfrenta acusações de abuso sexual e espiritual que abrangem décadas e envolvem várias mulheres.

Bickle, 68, foi acusado de má conduta sexual “na qual a aliança do casamento não foi honrada”, de acordo com um comunicado divulgado no sábado, por um grupo de ex-líderes da IHOPKC que investigou as alegações.

Eles disseram que, embora inicialmente tenham ficado chocados, consideraram as alegações críveis com base no “testemunho coletivo e corroborador” de “várias vítimas”.

A megaigreja carismática de Bickle — que oferece oração e adoração 24 horas por dia, desde a sua fundação em 1999 — foi informada das acusações na sexta-feira, de acordo com The Kansas City Star, que obteve uma cópia do comunicado.

Stuart Greaves, diretor executivo da IHOPKC, disse à equipe que a liderança está “levando a situação muito a sério”.

Os líderes que divulgaram o comunicado — Dwane Roberts e Brian Kim, que fizeram parte da antiga equipe de liderança executiva e foram membros do conselho, bem como Wes Martin, ex-pastor da Forerunner Christian Fellowship — disseram que primeiro tentaram levar as acusações diretamente a Bickle, como a Bíblia instrui a fazer em Mateus 18. Mas eles disseram que Bickle se recusou a se encontrar com eles e depois tentou intimidar e desacreditar as vítimas.

O jornal The Kansas City Star informou que Bickle pregou a respeito das falsas acusações no último domingo.

No sermão, ele discutiu como, de acordo com Apocalipse 12.10, “a arma mais eficaz de Satanás no fim dos tempos é a acusação” e que Satanás transforma “insinuações sussurradas em acusações hostis que destroem vidas e relacionamentos”, de acordo com notas do sermão fornecidas em um link por The Roys Report.

Bickle também disse que “a igreja está se aproximando da hora mais gloriosa e desafiadora da história com o dragão (o cavalo preto) soprando sobre muitas pessoas para que acusem e traíam umas às outras”.

Greaves fez referência à frase desse sermão durante o anúncio feito à equipe, dizendo: “Pedimos que não façam referência ao ‘cavalo preto’ nesta situação, como forma de minimizar a dor das pessoas afetadas. Nossa principal preocupação é com aqueles que estão sofrendo dor e trauma, com nossa família espiritual, Mike e Diane, bem como com a família Bickle.”

Bickle concordou em fazer uma pausa na pregação e no ensino, enquanto a igreja envolve “partes externas para avaliar e arbitrar as alegações”, anunciaram os líderes da IHOPKC durante o culto de domingo e nas redes sociais.

Os líderes que investigaram as alegações contra Bickle disseram acreditar que as ações dele “estão aquém dos padrões bíblicos para líderes da igreja” e acrescentam que houve uso de autoridade espiritual por parte de Bickle para manipular as vítimas. O comunicado diz que as mulheres que apresentaram as acusações “nada tinham a ganhar partilhando a sua experiência, exceto buscar verdade, arrependimento, misericórdia e graça”.

Eles disseram que Bickle, que não respondeu publicamente às declarações recentes, negou todas as acusações.

Bickle começou seu ministério como pastor em Kansas City nas décadas de 1980 e 1990; sua igreja deixou a denominação Vineyard em meados dos anos 90, à medida que Bickle se tornava mais carismático e começava a ter pontos de vista diferentes sobre profecia e intercessão. Na época, Bickle tinha vínculos com “profetas” locais, entre eles Paul Cain e Bob Jones. (Ambos terminaram envolvidos em escândalo: Jones — que não tem nenhuma relação com a Bob Jones University — passou a admitir má conduta sexual e abuso espiritual, e Cain foi disciplinado por comportamento homossexual e alcoolismo.)

Na IHOPKC, Bickle enfatiza o jejum, a profecia, o reino espiritual e o fim dos tempos. Alguns consideram o seu ministério como parte dos carismáticos independentes, embora ele tenha rejeitado o rótulo de “Nova Reforma Apostólica”. Ele apareceu no Strang Report da revista Charisma, no início deste mês, para compartilhar uma palavra profética sobre a guerra em Israel, e no início deste ano promoveu um jejum pela “salvação de Israel”, que, segundo Bickle, trará a Segunda Vinda.

A equipe da IHOPKC chega a ter cerca de 2 mil obreiros, todos missionários de tempo integral que levantam o próprio sustento, de acordo com o site do ministério. Durante o anúncio feito pela liderança da IHOPKC, alguns pediram mais transparência, dizendo que “há mais para ser compartilhado”, segundo relatou o The Kansas City Star.

Roberts, um dos autores do comunicado, já atuou como líder da Casa de Oração de Florianópolis, no Brasil. A igreja anunciou que está se distanciando de Bickle por ora.

“Nosso clamor e nossa oração é para que sejamos fortes e não permitamos que esses acontecimentos abalem nossa fé, nem desencorajem nossos corações, nesta jornada de levantar uma igreja que ora e espera a volta do Noivo”, escreveu a igreja. “Estamos comprometidos com a total transparência e a Verdade e compartilharemos mais informações à medida que os fatos forem esclarecidos.”

Alguns ex-membros da IHOPKC disseram que a igreja exercia coerção e tinha características semelhantes a um culto; a igreja declarou que é liderada por presbíteros, faz verificações dos líderes e está comprometida em garantir a segurança contra abuso sexual, emocional, físico e espiritual.

Há mais de uma década, a IHOP foi alvo de investigação depois de terem ocorrido agressões sexuais e assassinato entre um grupo de estudantes que formaram a sua própria “comunidade religiosa”. A IHOP (International House of Prayer) também foi processada pela IHOP (International House of Pancakes) por violação de marca registrada.

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O “doisladismo” em relação ao Hamas é uma falha moral

Israelenses e palestinos são igualmente amados por Deus. Mas não há ambiguidade moral sobre a maldade genocida do Hamas.

Família e amigos lamentam a perda de um ente querido que foi assassinado pelo Hamas em um festival de música.

Família e amigos lamentam a perda de um ente querido que foi assassinado pelo Hamas em um festival de música.

Christianity Today October 26, 2023
Amir Levy/Stringer/Getty

Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore. Inscreva-se aqui.

Às vezes, certos momentos da história revelam em minutos algo que esteve oculto durante décadas. E, às vezes, esses momentos de revelação surgem quando a pessoa ouve a si mesma dizendo palavras como: “Sim, mas…” ou “Mas e quanto a…”.

O resultado do ataque terrorista do Hamas a Israel não é um desses momentos. Neste caso, dizer quem é culpado — e quem não é — não é nada difícil, quer do ponto de vista fático, quer do ponto de vista moral.

O “doisladismo” é um rótulo impreciso, muito parecido com desconstrução ou evangelicalismo. Há vários sentidos em que é plenamente correto apelar para os “dois lados” da realidade. Pois um lado, os dois lados — na verdade, todos os lados — são compostos por seres humanos criados à imagem de Deus. Deveríamos nos preocupar com as vidas e as mortes de israelenses e de palestinos na Cisjordânia, em Gaza ou em qualquer outro lugar. Aos olhos de Deus, uma vida israelense não tem mais valor do que uma vida palestina e vice-versa.

O “doisladismo” também faz referência, e de forma correta, a quem é prejudicado por esta atrocidade e pela guerra inevitável que se seguirá. O Hamas está matando e destruindo o futuro tanto de israelenses quanto de palestinos, como escreveu sabiamente a inigualável Mona Charen. Essa é uma das razões pelas quais não deveríamos pensar em tudo isso como uma guerra entre Israel e “os palestinos”, mas, exatamente como Israel a definiu, uma guerra contra o Hamas, em resposta a um ataque cruel e sem precedentes.

O “doisladismo” também é perfeitamente apropriado quando se trata de trabalhar e esperar por um futuro melhor, tanto para os israelenses quanto para os palestinos. Isso descarta a aceitação impensada de toda e qualquer coisa que o atual Estado de Israel faça (Deus com toda certeza não aceitava tudo nem mesmo que o Israel bíblico fazia!). E elimina a possibilidade de bradar na Times Square “From the River to the Sea” [“Do rio ao mar”, slogan político palestino], assim como descarta qualquer ponto de vista ou programa que levasse à total erradicação de Israel. Queremos que “os dois lados” (e aqui nos referimos a israelenses e palestinos, não ao Hamas) prosperem e coexistam.

Tudo isso é muito diferente do tipo de discurso “doisladista” que tem sido usado em algumas discussões sobre a moralidade do ataque do Hamas. O Hamas teve como alvo civis inocentes. O Hamas trucidou jovens que dançavam num festival de música. O Hamas assassinou idosos, crianças pequenas e bebês, segundo relatos, das formas mais sádicas que se possa imaginar. Não há neste mundo qualquer necessidade de “contextualização” para condenar tudo isso, para reconhecer israelenses (e palestinos inocentes) como vítimas desses atos, e reconhecer o Hamas como o vilão da história. Como disse o presidente Biden, “e ponto final”.

Esta é uma das maneiras mais rápidas de reconhecer se você terceirizou ou não a sua consciência para alguma ideologia ou seita: ao ver imoralidades ou injustiças gritantes, se sua primeira reação for alguma versão de Bem, é claro que isso é ruim, que ninguém apoia isso;mas você sabe o que as vítimas fizeram? — é porque você assumiu uma postura moralmente perigosa. Esse é o caminho da carnificina.

E como você sabe se é isso que está fazendo?

Discordo em muitos pontos do filósofo John Rawls, mas uma das célebress apropriações do seu pensamento pode ser útil aqui.

O argumento do “véu da ignorância” pergunta que tipo de ordem política iríamos querer construir, se a estivéssemos planejando, mas fôssemos totalmente inconscientes de onde nos enquadraríamos no sistema social. Se você não soubesse se seria desesperadamente pobre ou incrivelmente rico, que tipo de sistema de segurança social você desejaria? Que tipo de política fiscal?

Evidentemente existem limites claros para isso. Na verdade, não existimos como seres desencarnados que planejam antecipadamente em que mundo viverão. E a nossa imaginação brota da nossa psique, de modo que ela é perfeitamente capaz de nos ludibriar.

É fácil para mim, por exemplo, dizer em 2023 que eu teria me recusado a lutar pela Confederação [movimento que lutou pela independência dos estados do Sul dos Estados Unidos], se tivesse vivido na época dos meus antepassados. Mas não posso saber como minha mente e minha consciência teriam sido moldadas, se eu tivesse vivido no Mississippi, em 1861. Eu sinceramente espero que, se eu tivesse vivido na Alemanha dos anos 1930, eu teria ficado ao lado de Karl Barth e de Dietrich Bonhoeffer e da Igreja Confessante contra o movimento “cristão alemão”, que era moral e teologicamente degradado. Mas como posso saber como meu coração poderia ter me enfeitiçado, se eu estivesse lá?

Esse exercício, por mais limitado que seja, pode nos ajudar a pensar se as nossas escolhas podem ser moldadas mais por pressupostos culturais ou ideologias políticas do que por convicções bíblicas e pela orientação do Espírito Santo. Em uma determinada situação, tente imaginar como você reagiria, se visse a mesma coisa sendo feita por (ou para) quem quer que você considere ser “o outro lado”. Pegue uma frase e troque os nomes dos envolvidos. Você responderia de forma diferente? Por quê?

Repito, mais uma vez, que podemos enganar a nós mesmos — mas isso ao menos nos ajuda a parar, nem que seja só por um momento, e questionar as nossas próprias motivações.

Vemos repetidamente nas Escrituras os “profetas da corte”, que testificavam apenas o que um governante queria ouvir (1Reis 22.1-28), sem considerar as implicações morais. E vemos o que acontecia com os profetas que não faziam isso, mas deixavam que o seu “sim” fosse “sim” e o seu “não”, “não”. É possível, porém, sermos um profeta da corte em relação ao nosso próprio coração. Podemos até nos pegar dizendo à nossa própria consciência para “nunca mais profetizar em Betel, pois este é o santuário do rei e o templo do reino” (Amós 7.13, ESV).

Mas não importa como olhemos para isso, não há justificativa para o assassinato de não-combatentes desarmados. Não há justificativa para incendiar corpos ou, segundo relatos, decapitar bebês e crianças pequenas. Justificar esses atos seria ignorar atrocidades morais óbvias e dar prioridade a uma versão distorcida do doisladismo. Seria uma falha moral.

Para os que são americanos como eu, por exemplo, não creio que muitos de nós teríamos respondido ao 11 de setembro sugerindo que ficaríamos do lado da Al-Qaeda, ou que “os dois lados” deveriam declarar um cessar-fogo. E poucos de nós teríamos respondido a Pearl Harbor dizendo que o Congresso dos Estados Unidos realmente não deveria ter provocado isso, ao aprovar a Lei do Lend-Lease [o programa através do qual os Estados Unidos forneceram, por empréstimo, a nações aliadas, armas e outros suprimentos, entre 1941 e 1945, para combaterem a Alemanha nazista].

Há muitas questões moralmente ambíguas — é por isso que eu passava para meus alunos de ética estudos de caso para os quais, às vezes, eu nem sabia a resposta “certa”. Mesmo cristãos que se baseiam na Bíblia e pertencem à mesma tradição teológica encontrarão situações em que genuinamente não saberão qual é a decisão moralmente correta. Nessas situações, temos “bens” que concorrem entre si e é difícil ver como fazer a coisa certa sem também fazer algo errado.

Mas o conflito Israel-Hamas não é uma dessas situações.

O Hamas é genocidamente mau. O Hamas e os que com ele conspiram são os únicos responsáveis pelas suas ações. Quaisquer que sejam as nossas opiniões sobre a política no Oriente Médio, sejam lá quais forem as nossas opiniões sobre estratégia militar, não tenhamos medo de dizer isso, ou seja, que o Hamas e os que com ele conspiram são os únicos responsáveis pelas suas ações. E não vamos esquecer que a justiça e a misericórdia do nosso Deus superam a maldade do homem.

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública.

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A violência antissemita e sua defesa vergonhosa

Os cristãos devem cuidar das vítimas da guerra — tanto das israelenses quanto das palestinas — e isso significa rejeitar ativamente o ódio ao povo judeu.

Um manifestante segura um cartaz no comício All Out for Palestine [Todos na rua pela Palestina], na Times Square.

Um manifestante segura um cartaz no comício All Out for Palestine [Todos na rua pela Palestina], na Times Square.

Christianity Today October 26, 2023
Hailey Swanson / AP Images

Um dia depois dos massacres em Israel, promovidos pelo Hamas, durante as festividades do Simchat Torá, multidões reuniram-se em um comício na Times Square, promovido pelos social democratas dos Estados Unidos. “Nossa resistência invadiu assentamentos ilegais”, gritava um orador , “e atravessou de parapente as fronteiras das colônias”. A multidão respondia com aplausos entusiasmados.

Eles celebravam sem remorso o ataque terrorista em múltiplas frentes: a cidades israelenses, a kibutzim (aldeias agrícolas comunitárias e progressistas) e a um festival de música ao ar livre. Membros do Hamas assassinaram mais de 1.400 israelenses, estupraram, torturaram e feriram milhares de pessoas e sequestraram cerca de 200 outras. A maioria das vítimas eram civis e muitas eram crianças, idosos ou bebês. Em sua grande maioria eram judeus.

A manifestação na Times Square não foi um caso isolado de ativismo pró-Hamas. Manifestações pró-Hamas foram realizadas na seção de Chicago do movimento Black Lives Matter e pela organização Students for Justice in Palestine [Estudantes por justiça na Palestina], na Universidade do estado da California, em Long Beach, e na Universidade de Louisville, sendo que cada uma delas incluiu imagens de parapentes em seus materiais promocionais — uma referência não à causa palestina em geral, mas a este ataque específico do Hamas contra milhares de inocentes israelenses.

A organização-mãe desses grupos universitários classificou o ataque inicial do Hamas como “uma vitória histórica para a resistência palestina”, encorajando seus membros não apenas a se mobilizarem, mas a considerarem o “confronto armado com os opressores”.

Esta guerra ainda está no começo. Pode ser difícil separar a verdade das mentiras e compreender exatamente por que é errado este tipo de ativismo — enganosamente retratado por seus adeptos como uma defesa dos oprimidos. Mas teremos uma perspectiva moral mais clara se conhecermos a história sombria que este momento evoca.

Poderíamos nos perguntar como a consciência de alguém pode ser distorcida a ponto de justificar ou mesmo de celebrar uma violência tão horrenda. Sendo generoso, penso que o aparente diferencial de poder entre israelenses e palestinos molda parte dessa reação. Sem dúvida (como escreveu o jornalista judeu Bari Weiss, na semana passada), uma ideologia incoerente no campus de universidades também é responsável por um grau significativo dessa atitude. Mas não podemos ignorar outra razão sutil e mais universal por detrás de pelo menos algumas dessas reações: o antissemitismo.

Em certo sentido, o antissemitismo é tão antigo quanto o Êxodo, quando os israelitas foram destinados à escravidão pelo Faraó (Êxodo 1.9-10) e, mais tarde, erradicados pelos amalequitas (Êxodo 17.8-9). O ódio aos judeus por serem judeus — por se recusarem a serem assimilados — está no centro do livro de Ester e permaneceu predominante sob o domínio assírio e romano.

Esse mesmo fator antissemitismo também esteve presente quando os romanos saquearam Jerusalém, após uma revolta judaica fracassada, em 70 d.C., espalhando os judeus para fora da Judeia e pelo Oriente Médio, África, Rússia e Europa.

Ao longo dos séculos, os judeus continuaram a resistir à assimilação, mantendo e desenvolvendo as suas práticas religiosas, língua e costumes distintos até hoje. Como o autor Walker Percy descreveu certa vez, a resiliência do povo judeu é uma espécie de milagre histórico:

Quando alguém encontra um judeu em Nova York ou em Nova Orleans ou em Paris ou em Melbourne, é incrível que ninguém considere isso um acontecimento fora do comum. O que eles estão fazendo nesses lugares? Mas é ainda mais incrível perguntar-se: se há judeus aqui, por que não há hititas também? Onde estão os hititas? Mostre-me um hitita na cidade de Nova York.

Mas essa mesma resiliência e resistência à assimilação continuam a ser motivo de desconfiança e de ódio — mais do mesmo, ou seja, mais daquele velho e conhecido antissemitismo.

De certa forma, isso não é surpreendente. Como salientaram os biólogos, somos programados para sentir ansiedade em relação a estranhos, pois aquilo que os torna diferentes — a sua língua e seus hábitos sociais — desencadeia um alerta em nossos cérebros, que nos diz que podemos estar competindo com eles por recursos escassos.

Mas, como cristãos, somos desafiados a resistir a esse impulso. Uma exortação bíblica presente em ambos os Testamentos nos chama a amar o nosso próximo e a cuidar dos forasteiros e estrangeiros (por exemplo, Deuteronômio 1.16, Mateus 25.35). O fato de que isso vai contra a nossa natureza humana (caída) fica evidente em todas as razões que os cristãos inventaram para deixar de amar estrangeiros e marginalizados. Infelizmente, o tratamento histórico que dispensamos ao povo judeu é um exemplo disso.

O cristianismo foi estabelecido principalmente por homens e mulheres judeus que reconheceram um homem judeu como o Filho de Deus. Eles liam os livros sagrados judaicos e muitos continuaram a observar as práticas religiosas judaicas.

E, no entanto, no século 4, as origens judaicas do cristianismo foram eclipsadas pelo desprezo de líderes religiosos como Ambrósio de Milão, que chamava os judeus de “os odiosos assassinos de Cristo”. Os cristãos “nunca deveriam parar” de buscar vingança contra o povo judeu, dizia Ambrósio, chegando ao ponto de sugerir que “Deus sempre odiou os judeus. É essencial que todos os cristãos os odeiem.”

Todas essas afirmações são mentiras antissemitas. Elas também são contrárias a Cristo. Todo o Antigo Testamento trata do amor de Deus por Israel, como tribo chamada dentre um mundo caído, e Paulo deixa claro, em Romanos 9, que o amor de Deus por Israel continua intacto — mesmo quando um “novo Israel” nasce em Cristo.

A alegação de que os judeus “assassinaram” Jesus também vai diretamente contra as palavras de Cristo, que disse: “Ninguém pode tirar a minha vida. Eu a sacrifico voluntariamente. Pois tenho autoridade para entregá-la quando quiser e também para tomá-la de volta. Pois isto é o que meu Pai ordenou” (João 10.18, NLT). Dizer que os judeus “assassinaram” Jesus é chamar Jesus de mentiroso.

Mas mentiras são sedutoras, especialmente quando servem para aliviar a ansiedade ou o medo. A versão de que “os judeus assassinaram Jesus” prevaleceu e perdurou por séculos, servindo como justificativa para hostilizar os próximos que eram judeus. Ao longo da história, em períodos de convulsão social, os judeus têm sido regularmente apresentados como bodes expiatórios, responsabilizados por tudo, desde a instabilidade política até a Peste Negra.

No século 19, a lente para compreender eventos históricos mudou da história cristã para novas ideias, como o darwinismo e o progresso da história impulsionado pelo ser humano (algo sobre o qual escrevi recentemente para a CT). Mas isso não diminuiu o antissemitismo; apenas mudou sua forma. Em vez de uma entonação histórica e cristã, o antissemitismo ocidental passou a ter um toque “científico”.

A nova retórica enquadrava os judeus como uma raça estrangeira que competia com outras nações e as roubava. A “questão judaica” (como ficou conhecida) consistia na ansiedade coletiva das nações europeias que não queriam oferecer um lugar aos judeus como cidadãos iguais.

Essa retórica intensificou-se no século 20, quando os nazistas se basearam em séculos de história antissemita para enquadrar os judeus como uma “doença” e como “vermes”. É terrível, mas crítico, notar que, por mais profundo e vil que fosse o antissemitismo nazista, a resposta quase universal dos países que a Alemanha nazista conquistou ou com os quais se aliou — tais como a Polônia, a França e a Itália — foi de colaboração no tratamento que era dispensado aos judeus.

Em muitos desses países, os judeus foram detidos pelas autoridades locais, tiveram seus bens e terras roubados, foram forçados a viver em guetos e confinados, até poderem ser colocados em trens e enviados para campos de extermínio. Para os nazistas, esta era a “solução final para a questão judaica”.

Esta semana, ao vermos imagens inimagináveis do horror ocorrido em Israel — judeus sendo torturados e queimados vivos, pais sendo forçados a assistir à morte dos próprios filhos — essa história mostra-se tão relevante quanto sempre foi. Israel existe em parte para evitar justamente horrores como esses. O fato de tais horrores poderem acontecer de novo e de alguns no Ocidente poderem reagir com inquietação ou celebração é um sinal de profunda decadência moral.

Nossa linguagem neste momento é importante. Antes de os responsáveis pela propaganda nazista chamarem os judeus de “vermes” a serem exterminados, eles eram chamados de estrangeiros e classificados como apátridas — tendo-lhes sido negado um lugar no mundo. Temos de compreender que, quando os manifestantes pró-Hamas cantam que “Do rio ao mar, a Palestina será livre”, não estão simplesmente defendendo a situação de palestinos comuns. Estão apelando para a erradicação do Estado judeu e, implicitamente, para a violência contra os judeus israelenses. E quando os aliados ideológicos do Hamas chamam cidadãos israelenses que vivem em kibutzim centenários de “colonizadores” ou “colonos brancos”, eles insinuam que os judeus são estrangeiros sem quaisquer laços históricos legítimos com a terra. Esse é o mesmo antissemitismo alienante de sempre.

Confesso que a semiótica dos parapentes foi o que mais me perturbou. O uso de parapentes foi o método empregado para atacar (entre outros locais) o festival de música onde mais de 260 jovens israelenses — a maioria deles judeus — foram mortos, enquanto se reuniam para celebrar a causa da paz. Eles foram massacrados em campo aberto. Mulheres foram estupradas junto aos cadáveres dos seus amigos, raptadas e levadas para Gaza, à mercê de horrores desconhecidos. Devíamos associar os parapentes a esses crimes, tal como associamos os nazistas a crematórios fumegantes, a valas comuns e a corpos empilhados como lenha. Empunhar um cartaz de protesto com um parapente é como carregar um cartaz com uma suástica.

Ficar horrorizado com o massacre de israelenses inocentes não exige que ninguém negue o sofrimento do povo palestino. E cuidar de palestinos inocentes não exige que ninguém seja frio ou insensível aos horrores do antissemitismo e do Hamas. Podemos condenar o Hamas e, ao mesmo tempo, exigir a responsabilização dos líderes israelenses que fomentaram a violência, exaltaram extremistas de direita e desculparam violações do direito internacional. Na verdade, nós, cristãos, deveríamos nos destacar pela disposição de nos opormos a toda forma de injustiça e de cuidarmos igualmente de vítimas israelenses e palestinas.

E embora isso inclua a compreensão de que os palestinos sofreram grandes injustiças por parte do governo de Israel — bem como de Estados vizinhos como Egito, Jordânia, Irã, Líbano, Síria e Arábia Saudita, bem como do Hamas e da própria Autoridade Palestina — também deve incluir a rejeição ativa do antissemitismo.

Como um amigo judeu me disse, logo após os ataques: “Todos nós sabemos o que está por vir. As pessoas estão horrorizadas hoje. Amanhã, elas farão o que as pessoas têm feito há séculos. Elas culparão os judeus. É só uma questão de tempo.”

Esse esforço [para culpar os judeus] já começou. Espero e oro para que, como cristãos, possamos fazer a nossa parte e resistir a isso.

Mike Cosper é o diretor sênior de podcasts da Christianity Today.

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No único hospital cristão de Gaza, centenas foram mortos em ataque aéreo

O ataque fatal atingiu um local bastante conhecido, administrado por anglicanos — e anteriormente por batistas do Sul — “no meio de um dos lugares mais problemáticos do mundo”.

Palestinos carregam o que restou do prédio do Hospital al-Ahli, tremendamente danificado após bombardeio na cidade de Gaza, na Faixa de Gaza, em 17 de outubro de 2023.

Palestinos carregam o que restou do prédio do Hospital al-Ahli, tremendamente danificado após bombardeio na cidade de Gaza, na Faixa de Gaza, em 17 de outubro de 2023.

Christianity Today October 19, 2023
Foto de Belal Khaled/Anadolu via Getty Images

Centenas de palestinos foram mortos na última terça-feira (17), em um ataque aéreo que atingiu o pátio do único hospital cristão de Gaza.

O Ministério da Saúde palestino, administrado pelo Hamas, que estimou um número de mortos acima de 500, atribuiu a Israel o ataque ao Hospital Árabe al-Ahli, na cidade de Gaza. As Forças de Defesa de Israel disseram que o ataque foi um lançamento fracassado de foguete pela Jihad Islâmica, um grupo militante aliado ao Hamas. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em visita a Israel na quarta-feira, fez referência a dados do Departamento de Defesa que apoiam a versão de Israel.

O Hospital al-Ahli foi fundado por missionários anglicanos e existe na região desde 1882. Por algumas décadas, em meados do século 20, foi administrado por missões da Convenção Batista do Sul (SBC). Atualmente está sob administração da Diocese Episcopal Anglicana de Jerusalém.

Conhecido coloquialmente como Al-Ma’amadani (ou “o Batista”, em árabe), é um dos 22 hospitais no norte de Gaza. Após as ordens de Israel para evacuação da área, centenas de palestinos se refugiaram ali, e famílias abrigaram-se no pátio onde ocorreu o ataque, segundo informações da imprensa.

“Estamos aqui como instrumento nas mãos de Deus para mostrar o amor de Jesus Cristo por todas as pessoas. Estamos orgulhosos de que, em meio a todos os conflitos, este hospital sempre esteve presente para acabar com o sofrimento dos feridos, dos pobres e para ajudar aqueles que necessitam de um coração compassivo”, disse a diretora do Hospital al-Ahli, Suhaila Tarazi, antes do bombardeio, em um apelo feito a apoiadores cristãos.

“Este hospital continuará a ser um lugar de reconciliação, de amor. A história deste hospital conta que somos todos filhos de um só Deus, quer sejamos cristãos, muçulmanos ou judeus”.

Tarazi, cristã árabe da Carolina do Sul, já enfrentou altas taxas de desemprego, cortes de energia e turbulências durante seus 30 anos de serviço em Gaza. Semanas antes da guerra Israel-Hamas, o hospital cristão já estava sobrecarregado e sofria com déficit de fundos. Tarazi contou a um grupo que seu dia de trabalho começava às 8h e terminava às 4 da manhã.

“Não temos dinheiro para pagar os salários dos funcionários que trabalham em tempo integral”, disse ela. “O simples fato de tentar assegurar o combustível que precisamos apenas para fazer funcionar os geradores acrescenta outra camada de dificuldades e sofrimentos aparentemente intransponíveis. Temos pouco estoque de medicamentos. Temos falta de suprimentos. Temos falta de equipamentos médicos essenciais. Estamos com poucos profissionais na equipe. O que mais podemos fazer, além de trabalhar dia e noite? Eu estou exausta.”

Antes do ataque de terça-feira, o hospital já havia sofrido danos. O Serviço de Notícias da Comunhão Anglicana informou que o hospital foi atingido, no sábado, por um foguete israelense, que danificou dois andares do seu centro oncológico e feriu quatro funcionários. Justin Welby, o arcebispo de Canterbury, emitiu um comunicado dizendo que o hospital estava com poucos suprimentos médicos e não podia evacuar seus pacientes gravemente doentes e feridos.

Na quarta-feira, Welby descreveu o novo ataque ao hospital como “um ato que fere a santidade e a dignidade da vida humana”.

“É uma violação da legislação humanitária, que é clara no sentido de que hospitais, médicos e pacientes devem ser protegidos”, afirmou ele. “Por esse motivo, é essencial que sejamos estritos na atribuição de responsabilidade [pelo ataque], antes que todos os fatos sejam esclarecidos”.

Após o ataque de terça-feira no Hospital al-Ahli, aproximadamente 350 vítimas foram enviadas para um hospital próximo, que já estava com excesso de pacientes. O incidente despertou protestos nas nações árabes, onde manifestantes estão pedindo o fim dos ataques aéreos israelenses. Em decorrência disso, a Jordânia cancelou um encontro de cúpula que estava planejado com o presidente Biden.

“Em união inabalável, denunciamos veementemente este crime com a nossa mais forte condenação. Os relatórios iniciais sobre a tragédia no hospital da Igreja, em Gaza, nos deixaram submersos em tristeza, pois isso representa uma profunda transgressão contra os próprios princípios defendidos pela humanidade. Os hospitais, apontados como refúgios sagrados pelo direito internacional, têm sido profanados por forças militares”, escreveram os Patriarcas e Chefes das Igrejas em Jerusalém, num comunicado.

Com as ordens para que mais de um milhão de palestinos abandonem suas casas, as pessoas estão desesperadas por suprimentos, alimentos e água. Após o ataque ao hospital, Israel permitiu que a primeira ajuda humanitária, em 10 dias, entrasse na Faixa de Gaza, vinda do Egito.

Em outras partes da região, após os ataques terroristas de 7 de outubro, perpetrados pelo Hamas, vários ministérios de judeus messiânicos mobilizaram-se para ajudar os membros das Forças de Defesa de Israel e montar um “centro de resposta e ajuda de emergência” para os israelenses que fugiam dos ataques na fronteira. Como parte do seu trabalho, recolheram donativos, distribuíram mantimentos para os soldados e enviaram alimentos às famílias deslocadas.

Ao longo da sua longa história em Gaza, o Hospital al-Ahli serviu como uma presença cristã e também se viu apanhado no fogo cruzado de conflitos em curso.

Os missionários anglicanos que abriram o hospital em 1882 viam-no como uma oportunidade para alcançar com o evangelho os muçulmanos — na sua maioria mulheres, pobres e de áreas rurais —, de acordo com uma tese de mestrado de um historiador da medicina do Oriente Médio, Carlton Carter Barnett III.

Os primeiros funcionários do hospital liam regularmente versículos bíblicos e oravam com os pacientes. Acomodavam-se parcialmente aos muçulmanos que não queriam morrer “sob um teto cristão”, levando-os para fora do hospital — mas não sem antes lhes oferecerem a mensagem de salvação uma última vez. Os missionários britânicos tiveram mais sucesso evangelístico com os alunos da escola primária que funcionava no complexo do hospital.

Em 1954, o Conselho de Missões Estrangeiras da SBC (hoje Conselho de Missões Internacionais) comprou o hospital, rebatizando-o com o nome de Hospital Batista de Gaza, e administrando os cuidados lá ofertados durante as três décadas seguintes. Embora o proselitismo fosse ilegal em Gaza, os missionários da SBC também viam este trabalho como uma boa oportunidade para evangelismo, e abriram a única escola de enfermagem de Gaza com missões em mente.

O Hospital Batista de Gaza tratou de palestinos feridos na crise de Suez, em 1956, e em outros incidentes ocorridos na região. Durante o controle do Egito sobre Gaza, entre 1957 e 1967, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser visitou o hospital para expressar o seu apreço pelo serviço ali prestado.

Durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, o hospital continuou a funcionar, apesar de cercado por fortes tiroteios. Sofreu com janelas quebradas e várias paredes que desabaram, e um funcionário ficou ferido. Os missionários usaram a Igreja Batista de Gaza (antigo santuário anglicano) para montar leitos hospitalares adicionais, quando abrigaram 500 pessoas lá dentro.

No final da década de 1970, a SBC devolveu o hospital aos anglicanos, que o colocaram sob a administração da Diocese Episcopal Anglicana de Jerusalém. Os novos administradores deram à instituição o seu nome atual, Hospital árabe al-Ahli, e os funcionários que eram batistas continuaram a servir lá até 1987, período em que observou-se um exaltado sentimento anticristão — inclusive com uma tentativa da Irmandade Muçulmana de assassinar o diretor interino do hospital.

Em 1980, um palestino lançou duas granadas de mão, de trás de um muro do hospital, matando três pessoas, entre elas um oficial israelense e um árabe que passava pelo local, e ferindo outras pessoas. Em 1989, a CT apontou “o Hospital al-Ahli, gerido pelos episcopais”, como um exemplo de parceria entre cristãos palestinos e missionários americanos para ajudar as vítimas do aumento da violência na região.

A Igreja Batista de Gaza, que ainda é a única congregação evangélica no local, costumava se reunir no complexo do hospital, até que a segunda Intifada tornou muito difícil ter uma congregação imediatamente próxima ao pronto-socorro, disse Hanna Massad, ex-pastor dessa igreja, que costumava trabalhar como técnico de laboratório no Hospital.

“O que aconteceu ontem é difícil de imaginar”, disse ele. “Essas pessoas preciosas vieram procurar abrigo aqui porque pensaram que, por ser um hospital cristão, seria mais seguro”.

A Diocese de Jerusalém administra instalações médicas em Gaza, Cisjordânia, Jerusalém, Jordânia e Líbano. De acordo com a diocese, o hospital oferecia “alguns dos melhores cuidados médicos disponíveis”, “no meio de um dos lugares mais problemáticos do mundo”, entre eles, exames gratuitos para câncer da mama e o primeiro programa de formação médica em cirurgias minimamente invasivas de Gaza.

O líder batista local, Bader Mansour, observou que inúmeras notícias ainda se referiam ao hospital como “Hospital Batista”, apesar de sua liderança atual.

“Parece que alguns em Gaza ainda se lembram do antigo nome e da contribuição dos batistas no serviço ao povo de Gaza, que continua até hoje através da Igreja Batista em Gaza”, escreveu ele.

Durante o período em que Tarazi tem estado à frente do hospital, ela testemunhou o tratamento de centenas de crianças que ficaram incapacitadas em decorrência da violência do conflito Israel-Gaza, em 2014. Há cinco anos, Tarazi enfrentou um declínio acentuado na ajuda dos EUA à agência das Nações Unidas que serve os palestinos, o que reduziu o número de leitos disponíveis no hospital de 80 para 50.

Enquanto isso, a população cristã de Gaza, que por vezes enfrentou hostilidade e violência por parte dos vizinhos muçulmanos, encolheu para cerca de 1.000 pessoas.

Desde os ataques de 7 de outubro, do Hamas a Israel, mais de 1.400 pessoas foram mortas em Israel e mais de 3.000 em Gaza, segundo autoridades locais.

“O cristão árabe pode ser um mediador entre os judeus e os muçulmanos, entre o Ocidente e o Oriente Médio. Para nós, o cristianismo é paz e amor para todos”, disse Tarazi, segundo citação de suas palavras por Don Liebich, em Memos from the Mountains. “Mas tememos que Jesus não encontre um único seguidor [aqui] quando voltar. A Igreja deve ajudar os cristãos a permanecerem aqui. Esta é a terra do cristianismo e de todos os seus seguidores. Os cristãos devem estar presentes aqui para ajudar e dar um bom exemplo de cristianismo”.

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Perdemos três homens para o suicídio em dois anos

Como pastor, aprendi que a igreja pode desempenhar um papel vital de ajuda a membros com problemas de saúde mental.

Christianity Today October 19, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash / Pexels

Certa manhã, no último mês de janeiro, recebi um telefonema angustiado de uma mulher de nossa congregação.

Ela e o marido eram membros de longa data, aparentemente casados e felizes há mais de 40 anos. Seu marido era um empresário de sucesso e ela era uma líder alegre e capacitada, que supervisionava várias iniciativas diferentes em nossa igreja. Ambos eram pessoas encantadoras e em muitos aspectos suas vidas me pareciam idílicas.

Naquela manhã, porém, ela estava muito angustiada — havia recebido uma mensagem sinistra do marido, que sugeria que ele estava prestes a tirar a própria vida.

Entramos em pânico, fizemos algumas ligações e tudo o que podíamos para encontrá-lo. Mas era tarde demais. Naquela manhã, depois de dar um beijo de despedida na esposa e dizer-lhe que a veria depois que ela voltasse do estudo bíblico, ele dirigiu até um lugar deserto, à beira do rio, e tirou a própria vida.

A família deles ficou destruída. Nossa comunidade ficou completamente abalada. Ele não tinha histórico conhecido de depressão ou de doença mental, e não havia mencionado nada a ninguém sobre alguma luta pessoal. Até hoje não sabemos por que ele fez essa escolha terrível.

Mas ele não é o único. Em quase vinte anos de ministério pastoral, enterrei três homens que morreram por suicídio — e todos os três ocorreram nos últimos 24 meses.

Você poderia dizer que é coincidência, mas os dados sugerem o contrário. Os Centros de Doenças, Controle e Prevenção relatam que as taxas de suicídio aumentaram aproximadamente 36% entre 2000 e 2021 nos Estados Unidos. O suicídio foi responsável por cerca de 49.500 mortes no ano passado — o maior número já registrado.

Na verdade, no ano passado, o suicídio foi a segunda principal causa de morte entre pessoas com idades entre 25 e 44 anos. O número de pessoas que pensam em se suicidar ou tentam é ainda maior. Em 2021, cerca de 12,3 milhões de adultos americanos pensaram seriamente em suicídio, 3,5 milhões planejaram uma tentativa de suicídio e 1,7 milhões de fato tentaram. A taxa de suicídio é mais alta entre homens brancos de meia-idade.

Claramente há algo, no momento cultural atual, que está tornando o suicídio muito mais predominante. Embora eu não compreenda todas as razões para isso, sei que, nos últimos anos, tenho visto pessoalmente mais problemas de saúde mental do que nunca antes entre as pessoas da nossa congregação.

Ansiedade, depressão e vício. Casamentos sob tensão e desmoronando. Distanciamento familiar e conflito nos relacionamentos. E, claro, incidentes de ideação suicida e o próprio ato de suicídio. Ao conversar com outros pastores, percebi que minha congregação não é uma anomalia, mas simplesmente reflete as tendências mais amplas que atingem todo o cenário das igrejas nos EUA.

Tudo isto me levou a refletir sobre o meu papel como pastor e a responsabilidade da igreja local em ajudar a tratar dos problemas de saúde mental em nossas congregações. Mas esta não é para mim apenas uma questão de interesse profissional — é também pessoal.

Desde o início da adolescência, a depressão e a ansiedade têm sido companheiras quase constantes em minha vida. Nos meus piores momentos, os pensamentos suicidas foram opressivos e inevitáveis. Minha avó suicidou-se, de modo que reconheci que parte dessa escuridão interior dela provavelmente estava em mim. No entanto, em minha visão espiritual de mundo, eu achava que se acreditasse profundamente em Deus e em suas promessas, poderia ser feliz e me sentir inteiro — e admitir a qualquer pessoa da minha comunidade cristã que eu estava lutando contra pensamentos tão sombrios me parecia fora de questão.

Essa abordagem me ajudou durante o ensino médio, a faculdade e no início da idade adulta, embora com alguns vales sombrios ao longo do caminho. Mas, em 2010, como um plantador de igrejas inexperiente, com vários filhos pequenos e uma vida familiar agitada, cheguei a um vale tão profundo que não conseguia rastejar para fora dele.

Por desespero, e com o incentivo de minha esposa que é muito resiliente, comecei a me tratar com um terapeuta que me ajudou a desembaraçar os fios emaranhados da minha mente. E aprendi que meu cérebro, assim como meu corpo, precisava de apoio e de intervenção cuidadosa. Fui encaminhado a um psiquiatra, que me diagnosticou com depressão clínica e prescreveu um ISRS [inibidor seletivo da recaptação de serotonina, um medicamento antidepressivo] para ajudar a regular minhas emoções mais opressivas, aumentando os níveis de serotonina no cérebro.

Inicialmente, isso me pareceu uma derrota — senti vergonha de que minha fé e meus hábitos espirituais não fossem fortes o suficiente para me conceder uma atitude esperançosa que fosse digna de um crente. Encontrei um terapeuta em outra cidade, para evitar de encontrar alguém que me conhecesse. Escondi meus remédios em uma gaveta do banheiro, para que ninguém os visse quando me visitasse. Afinal, eu era um pastor — o mais ostensivamente “maduro do ponto de vista espiritual” entre todos —, portanto, eu não podia permitir que outros pensassem que seu líder espiritual precisava de alguma ajuda que fosse além do simples evangelho.

No entanto, pouco a pouco fui me cansando de fingir. Em parte, isso ocorreu porque meu próprio pensamento sobre o evangelho e a saúde mental começou a mudar. Mas também comecei a testemunhar cada vez mais os danos causados por uma cultura nas igrejas que não reconhece as lutas com a saúde mental como uma batalha comum para muitos cristãos. Vi os danos causados pela falta de disposição em enfrentar estes desafios com o arsenal completo do potencial de cura do nosso Deus, através do corpo de Cristo.

Embora tenha havido uma grande mudança, na última década, em relação à estigmatização da doença mental, muitos cristãos evangélicos de hoje ainda pensam que a saúde mental reflete diretamente a força da fé pessoal. A lógica é que se você está ansioso, deprimido ou tem pensamentos suicidas, não deve estar confiando o suficiente em Deus — e se você procura psicoterapia ou tratamento médico, não deve estar confiando totalmente em Deus para a cura.

Quando o ambiente faz os crentes que lutam desta forma sentirem vergonha, isso pode levar a um sofrimento desnecessário e, nos piores casos, à morte. Então, como podemos cultivar congregações nas quais seja não apenas seguro, mas profícuo, falar sobre os nossos desafios de saúde mental — até mesmo os mais terríveis? Existe alguma forma de a congregação local se tornar não só uma comunidade de apoio, no caso de lutas com saúde mental, mas também uma comunidade de prevenção?

Primeiro, precisamos de uma teologia da pessoa humana que seja melhor. No âmbito do evangelicalismo americano, ainda existe um conflito perceptível entre ciência e espiritualidade, entre corpo e espírito. Esta abordagem defeituosa, que se chama “dualismo”, cortou, na mente de muitos cristãos, a ligação vital entre a nossa saúde espiritual e a nossa existência física e corpórea.

Mas a visão cristã do ser humano desafia o dualismo material e espiritual. Na história bíblica, a pessoa humana não é um produto de forças evolucionistas materialistas, nem é uma alma que foi colocada dentro de um invólucro corpóreo. Em vez disso, como seres humanos feitos à imagem de Deus, fomos criados para sermos um todo.

Como uma bela tapeçaria, nosso corpo, mente e espírito estão entrelaçados em uma personalidade totalmente integrada. E, como tal, o nosso cuidado com os seres humanos deve envolver a pessoa como um todo — atentando não apenas para as dimensões espirituais da vida de uma pessoa, mas também para a forma como os nossos corpos e cérebros muitas vezes carregam legados obscuros de pecado e de traumas das nossas histórias pessoais e familiares.

Dificilmente há história melhor para ilustrar isso do que a de Lucas 8, na qual Jesus encontra o homem que vivia nos sepulcros e estava possuído por demônios, e que se autodenominava “Legião”.

O mal arruinou a tapeçaria da vida deste homem. Ele andava nu, vivia isolado, afastado da família e da comunidade, era incapaz de trabalhar ou de contribuir significativamente para a sociedade, estava fisicamente desfigurado e preso a comportamentos autodestrutivos. Ele era um ser humano desintegrado, cuja personalidade havia se desintegrado do ponto de vista físico, espiritual, mental, psicológico e social. A bela tapeçaria dessa integralidade que a vida dele deveria ter parecia ser nada mais do que um amontoado de fios emaranhados.

Mas depois do seu encontro com Jesus, o homem mudou completamente. Jesus produz uma transformação total, entrelaçando novamente os fios da vida daquele homem. Sim, foi uma transformação espiritual — mas foi muito mais do que isso. Jesus o vestiu, fez com que ele recobrasse o juízo e o enviou de volta à sua comunidade. Jesus restaurou esse homem de todas as maneiras: física, psicológica e socialmente. Jesus devolveu toda a vida a este homem que estava completamente quebrado. Jesus fez dele um ser humano íntegro novamente.

Assim, uma visão cristã que apoie as pessoas no que diz respeito à sua saúde mental reflete esta visão do que significa ser humano. Servimos pessoas para que alcancem sua inteireza — ajudando-as a integrar corpo, mente e espírito — e para isso usamos todas as ferramentas que Deus forneceu em sua ordem criada.

No entanto, precisamos de muito mais do que uma boa teologia. Para que a cura aconteça, precisamos de relações em que haja confiança e vulnerabilidade. A obra de florescimento humano deve ser realizada no contexto de uma comunidade — na qual as pessoas sejam capazes de identificar com segurança seus pontos de mais profunda desintegração. Se uma pessoa que sofre puder ser comparada a uma planta que enfrenta dificuldades [para sobreviver], a igreja pode fornecer o “bom solo” para que essa pessoa floresça.

Mas para que isso aconteça, a igreja não pode ser apenas um evento dominical com boa pregação, adoração e programação. Ela deve esforçar-se para se tornar uma comunidade vulnerável — uma comunidade na qual, nas palavras de Dietrich Bonhoeffer, as pessoas não sejam “pecadoras hipotéticas”, mas sim pessoas que lutam verdadeiramente e que podem identificar em voz alta os seus tropeços ao longo de suas jornadas.

Para a pessoa que luta com questões como depressão profunda, ansiedade ou pensamentos suicidas, ter uma comunidade na qual as dificuldades de saúde mental sejam abertamente identificadas e discutidas pode salvar vidas. Nos últimos seis meses, a nossa própria igreja tem procurado facilitar conversas desse tipo, organizando aulas e fóruns nos quais tanto profissionais da área quanto pessoas que lutam com esses problemas diariamente possam compartilhar suas histórias.

À medida que eu e outros em nossa congregação fomos arriscando nos abrir mais sobre as nossas lutas interiores, isso concedeu às pessoas permissão para começarem a falar de lutas semelhantes em suas próprias vidas. A nossa vulnerabilidade convida aqueles que nos rodeiam a saírem do esconderijo — a saírem lentamente da escuridão e a perguntarem aos outros onde podem encontrar luz.

Em seu poema, “Bem-aventurados os que carregam a luz”, Jan Richardson fala em levar luz para aqueles que se encontram nas trevas — em dar testemunho da resistência da luz em meio ao insuportável e de sua persistência em meio às sombras e à dor.

Especialmente nas igrejas de pessoas negras, há uma longa e sólida tradição de testemunho público — em que irmãos e irmãs compartilham publicamente histórias do resgate e da libertação de Deus em face de circunstâncias aparentemente intransponíveis. Tais histórias convidam outros a compartilharem honestamente sobre as suas próprias necessidades e obstáculos, e a buscarem formas pelas quais Deus possa trazer provisão.

Ao nos abrirmos sobre nossas lutas na área de saúde mental e ao testemunharmos sobre como Deus nos resgatou e nos libertou — seja por meio de oração, exercícios, terapia, programas de recuperação, amizades, medicamentos ou de todas essas formas citadas — não apenas criamos espaço para as pessoas compartilharem suas lutas, mas também cultivamos comunidades em que a esperança é oferecida a todos, mesmo àqueles que se encontram nos lugares mais sombrios. Como escreveu Henri Nouwen: “A comunidade cristã é o lugar onde mantemos viva a chama da esperança entre nós e a levamos a sério, para que essa chama possa crescer e se fortalecer em nós”.

Naquele terrível período de crise da minha vida, nunca me esquecerei de como um amigo me alcançou com uma mensagem. Ele citou palavras da música “The Cave”, de Mumford & Sons: “Mas vou me agarrar à esperança / E não vou deixar você sufocar / Com esse laço em volta do seu pescoço”. E com isso, ele disse: “Estou aqui e você precisa estar aqui também. Seu cérebro está lhe dizendo o contrário, mas não é este o caminho. Embora você não seja capaz de ver isso no momento, Deus está com você, Deus é por você e há esperança. Vamos fazer isso juntos.”

Eu gostaria de ter tido a oportunidade de dizer essas palavras a cada um daqueles homens que nossa igreja enterrou nos últimos dois anos. Mas, por enquanto, nós os confiamos às mãos bondosas do Senhor Jesus ressuscitado, que os carrega para o amanhecer que nunca desvanece. E para nós, que lutamos aqui, vamos criar comunidades nas quais a escuridão que enfrentamos possa ser identificada — onde as nossas lutas sejam enfrentadas em conjunto, lado a lado, e os muitos caminhos em direção à integralidade sejam semeados com sementes de esperança.

Corey Widmer é pastor principal da Third Church em Richmond, Virgínia; ele já trabalhou com plantação de igrejas e tem um doutorado em teologia.

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Cortando o Hamas pela raiz

Veja a visão de um cristão palestino sobre a tragédia em Israel — e como tratar as causas do problema.

Apoiadores do Hamas

Apoiadores do Hamas

Christianity Today October 18, 2023
NurPhoto / Contributor / Gett

Este artigo foi publicado sob pseudônimo para segurança do autor.

Israel sofreu um ataque por parte do Movimento de Resistência Islâmica, vulgarmente conhecido como Hamas, comparável ao de 11 de setembro; o ataque devastou tanto judeus quanto palestinos. Não há palavras que possam descrever a tristeza e o horror. Mas não devemos permitir que esse terrível acontecimento turve a nossa visão ou nos leve à vingança contra civis.

O simples ato de perguntar se eu, um cristão palestino e cidadão israelense, condeno esta violência já é um insulto. É claro que a condeno, e também quero partilhar com meus irmãos cristãos a minha visão de como podemos cortar o terrorismo pela raiz — tendo em mente não apenas a resposta militar imediata de Israel, mas também questões de longo prazo sobre justiça, segurança e a dignidade que Deus confere tanto a israelenses quanto a palestinos.

O ataque brutal deste mês contra civis israelenses ocorreu 16 anos depois que um funcionário da Sociedade Bíblica em Gaza, um palestino chamado Rami Ayyad, foi sequestrado e assassinado porque radicais islâmicos acreditavam que ele estava fazendo trabalho missionário. Apesar do clamor público para que a liderança do Hamas em Gaza encontrasse os criminosos, ninguém foi responsabilizado pela sua morte.

O assassinato de Rami permanece oficialmente sem solução até hoje e, como resultado dessa violência, alguns cristãos palestinos se mudaram de Gaza. Parece que o sequestro e o assassinato foram cometidos por uma facção radical, e os líderes do Hamas não estavam dispostos a confrontá-los nem a responsabilizá-los.

Uma década e meia depois, encontramo-nos em meio a outro ciclo de violência — desta vez mais acirrado e complicado. O ataque do Hamas é uma atrocidade em escala sem precedentes, e a resposta de Israel deve levar em conta cerca de 150 reféns israelenses em Gaza e uma segunda frente de guerra, no norte de Israel, onde as forças israelenses lutam contra o Hezbollah — grupo libanês apoiado pelo Irã e ligado ao Hamas.

Quando comecei a escrever este artigo, os combates ocorriam principalmente na parte sul do país, em torno de Gaza. À noite, eu deveria ter feito uma pausa e viajado para um encontro de oração especial, promovido por igrejas evangélicas mais ao Norte. De repente, uma sirene soou, sinalizando a infiltração de drones do Hezbollah. Fiz algumas ligações e imediatamente decidimos fazer a reunião virtualmente. Cerca de 50 cristãos participaram, clamando a Deus para que detenha o derramamento de sangue. Mais tarde, fomos informados de que a sirene fora um alarme falso.

Após ter sido revelada a proporção do desastre inicial, enviei mensagens de encorajamento e de condolências a vários amigos judeus, messiânicos e não messiânicos. Uma das respostas chamou minha atenção. Um amigo messiânico escreveu-me que suspeita que a resposta israelense será extremamente dura, uma vez que o ataque do Hamas despertou memórias que os judeus têm do Holocausto.

Esse trauma histórico e o novo horror da carnificina do Hamas significam que Israel cumprirá a promessa do primeiro ministro Benjamin Netanyahu de “transformar em escombros todos os lugares onde o Hamas se esconde e de onde opera” — o que, se levarmos em conta o pequeno tamanho de Gaza, significa que todo o território ficará em ruínas e um grande número de civis inocentes será morto.

Compreendo a necessidade de retaliação de Israel e as vozes que apelam para que o regime do Hamas seja esmagado. Mas oro para que pessoas inocentes não sejam feridas e receio que esta resposta não abordará as raízes do problema em Gaza — e que possa até se mostrar contraproducente, prolongando o ciclo de violência e de ódio. É quase impossível dizer palavras prudentes em meio a tanto derramamento de sangue. Ainda assim, vou tentar.

Ao olhar para o futuro, para um tempo que virá após o fim da violência atual, pergunto-me como podemos tornar inconcebível que seres humanos se comportem de forma tão brutal como o Hamas se comportou, movido por uma motivação religiosa fanática.

Alguns cristãos acreditam que esta violência está incorporada no Islã. Eu não concordo. Por que é que os religiosos muçulmanos na Malásia ou na Tunísia, por exemplo, não agem desta forma? Não, há algo de diferente aqui. A planta venenosa do Hamas conseguiu criar raízes em nosso solo devido a condições propiciadas por uma falha de abordagem do governo israelense em relação aos palestinos.

Historicamente, alguns líderes israelenses se mostraram até mesmo dispostos a fortalecer o Hamas, como forma de se contrapor ao Fatah, grupo palestino secular e comparativamente moderado. Ex-oficiais israelenses disseram ao The New York Times e ao The Wall Street Journal que foram orientados a ajudar o Hamas a ser um “contrapeso” ao Fatah. O jornal Haaretz publicou que, em 2019, Netanyahu disse a membros do seu partido que “fortalecer o Hamas” ajudaria a impedir o estabelecimento de um Estado palestino, “isolando os palestinos em Gaza dos palestinos na Cisjordânia”.

Muitos palestinos querem a criação de um Estado porque a situação de Gaza já era terrível, mesmo antes do início desta guerra. Gaza é densamente povoada e muito pobre. Metade da população vive na pobreza e muitos estão desempregados.

Gaza está “completamente sitiada” neste momento, mas tem estado sob bloqueio durante os últimos 16 anos. As Nações Unidas relatam que 95% dos habitantes de Gaza nem sequer têm água potável e a maioria também conta com um serviço precário de energia. Esta é a situação dos mais de 2 milhões de residentes de Gaza. Eles não têm um Estado e nenhuma perspectiva de mudança. Os palestinos de Gaza vivem sem a dignidade básica a que todos os seres humanos têm direito como filhos de Deus.

A situação dos palestinos na Cisjordânia, governada pelo Presidente Mahmoud Abbas, do Fatah, não é muito melhor do que a de Gaza. Lá, o governo israelense pouco a pouco restringiu o movimento palestino e expandiu os assentamentos israelenses em territórios que estão sendo objeto de disputa. Alguns israelenses desses assentamentos também são extremistas violentos, tendo sido registados mais de 700 ataques de assentados contra civis palestinos neste ano.

A sensação dos palestinos de que nada mudará só aumentou, à medida que Netanyahu se aproximava de um acordo facilitado pelos EUA para normalizar as relações diplomáticas de Israel com a Arábia Saudita — a tão desejada joia da coroa dos Acordos de Abraão. O acordo pretendia “isolar e reprimir a questão palestina”, tendo Netanyahu escrito anteriormente que o “caminho para a paz” no Oriente Médio iria “contornar” os palestinos, que não seriam autorizados a “vetar” o acordo. Com isto, Netanyahu esperava pôr fim ao conflito Israel-Palestina sem chegar perto sequer do mínimo que era pleiteado pelos palestinos.

Este é o solo em que os hediondos movimentos ideológicos islâmicos têm conseguido crescer. Neste ambiente de ódio, racismo e violência, o Hamas explorou jovens com falsas promessas. Sem qualquer horizonte de esperança, os adeptos do Hamas na Palestina afundaram-se em trevas e ajudaram o grupo a fazer vítimas israelenses.

Mas não precisa ser desse jeito. Como cristãos, acreditamos no poder da redenção. Com esperança real para o futuro desta terra, esses movimentos odiosos irão definhar. Para que haja paz duradoura, devemos respeitar a imagem de Deus tanto em israelenses quanto em palestinos.

Será que é pedir demais não vermos isso como um jogo de soma zero [no qual um lado tem necessariamente que perder para o outro lado ganhar]? Não deveriam tanto israelenses quanto palestinos viver com a dignidade que Deus planejou para nós? O nosso objetivo não deve ser apenas ter segurança, mas também florescer — juntos, e não uns à custa dos outros.

Tamir Khouri é o pseudônimo de um cristão palestino e cidadão israelense da região da Galileia, em Israel.

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Books

Em meio à guerra entre Israel e o Hamas, cristãos locais buscam ira santa e esperança no Evangelho

À medida que o terrorismo faz milhares de vítimas, evangélicos palestinos e judeus messiânicos compartilham de espanto, tristeza e orações por paz e justiça.

À esquerda: Mortos das forças israelenses que lutam contra os militantes islâmicos do Hamas. À direita: Cenário posterior aos ataques aéreos israelenses em Gaza.

À esquerda: Mortos das forças israelenses que lutam contra os militantes islâmicos do Hamas. À direita: Cenário posterior aos ataques aéreos israelenses em Gaza.

Christianity Today October 12, 2023
picture alliance / Ahmad Hasaballah / Stringer / Getty / Editada por CT

Contabilizando ao menos 1.200 israelenses e 1.100 palestinos mortos até agora, não foi apenas o impressionante total de vítimas da guerra entre Israel e o Hamas que indignou o mundo, mas também a brutalidade do grupo.

Mais de 200 jovens foram mortos num festival de música, aldeias e fazendas foram invadidas e aterrorizadas, e cerca de 150 reféns estão sob ameaça de morte, se os ataques aéreos israelitas na faixa costeira não cessassem.

Como é improvável um cessar-fogo, o número de vítimas certamente aumentará.

Israel convocou 360 mil reservistas, pronto a iniciar uma campanha por terra em Gaza. Em consistência com sua estratégia militar de enfrentar o terrorismo com força esmagadora, conflitos passados na Faixa sitiada de 40 quilômetros já produziram totais impressionantes, como os dos confrontos de 2014, que resultaram em 73 mortes de israelenses e 2.100 mortes de palestinos.

Durante todo esse tempo, muitos israelenses viveram com medo. Desde a retirada unilateral das tropas israelenses de Gaza, em setembro de 2005, a Biblioteca Judaica Virtual contabilizou 334 mortes por terrorismo e pelo menos 20.648 foguetes e morteiros lançados em território israelita.

Entre números absolutos, há sinais de equilíbrio entre os crentes locais ao longo de toda a divisão étnica. A Christianity Today entrevistou três judeus messiânicos, três evangélicos palestinos e dois cristãos de Gaza que atualmente estão vivendo fora de sua Faixa natal.

Uma perplexidade em comum

“O nível de ódio e de maldade demonstrado nestes atos é verdadeiramente chocante”, disse Eli Birnbaum, diretor da organização Jews for Jesus [Judeus para Jesus] em Tel Aviv e Jerusalém. “É diferente de tudo que vimos em décadas e abalou profundamente a população.”

Os ataques em seu bairro têm sido tão intensos, segundo ele, que as pessoas não saem de casa. Em constante comunicação com a família, amigos e 50 funcionários de tempo integral da organização, ele disse que sua comunidade está fazendo o melhor que pode para permanecer conectada e oferecer encorajamento.

No sábado do ataque, a congregação de Birnbaum reuniu-se para orar. Sem saber o que fazer, distribuíram folhas para oração pelo retorno seguro dos reféns. Alguns membros simplesmente acenderam velas.

A organização Jews for Jesus arrecadou suprimentos para famílias desalojadas e soldados na fronteira.

Ao menos um judeu messiânico morreu por sua nação. David Ratner foi chamado de herói de guerra por seu comandante, tendo salvado a vida de 5 colegas soldados, quando o seu posto foi tomado por 400 combatentes do Hamas. Com um tiro no pescoço, ele continuou em combate pelas oito horas seguintes.

Birnbaum aconselhou seus filhos a permanecerem firmes contra o desejo de ódio. Ele desafiou os israelenses a buscarem justiça sem vingança. E pediu a todos que permanecessem genuinamente preocupados tanto com judeus quanto com palestinos — enquanto oravam por Gaza e pela sua libertação do Hamas.

“O que podemos fazer para representar o Senhor, enquanto nossa nação atravessa essa crise?” ele perguntou. “Por favor, orem por nós, para escolhermos com sabedoria de que modo podemos fazer brilhar a luz de Cristo neste lugar agora tomado por tantas trevas.”

Grace al-Zoghby, uma palestina que ensina teologia, está procurando [esperança] por toda parte.

“A igreja está tentando se agarrar a qualquer lampejo de esperança que possa encontrar”, disse ela. “A situação é profundamente preocupante e as atrocidades, terríveis.”

Ela também ficou chocada com o lançamento de foguetes, que caíram na direção oposta, perto de sua casa em Belém. As famílias correram para os supermercados para estocar produtos, com medo de uma escalada no conflito. Representante de uma população que já lutava com o lockdown, ela disse que a perda do turismo devastará ainda mais a economia, enquanto a igreja procura ajudar o quanto pode.

A sua reação imediata foi orar com fervor para que o conflito acabe.

“Senhor, pegue todo o mal, esmague-o como vidro e reduza-o a pó”, implorou Zoghby. “Nisto colocamos nossa esperança de que um dia, em breve, seus caminhos prevalecerão.”

Ela pediu aos crentes de ambos os lados que sejam pacificadores. E pediu aos cristãos de outros países que evitem “deturpações malignas”. E para si mesma, ela se concentrou no Salmo 122: “Orem pela paz de Jerusalém. Vivam em segurança aqueles que te amam!” (v. 6).

Uma distância em comum

Hannah Massad, antigo pastor da Igreja Batista de Gaza, voltou-se para o sóbrio salmo seguinte: “Misericórdia, Senhor! Tem misericórdia de nós! Já estamos cansados de tanto desprezo” (123.3).

Após 30 anos de serviço como o primeiro pastor local, Massad deixou o cargo, após a violência de 2007, que incluiu ataques à sua igreja e o sequestro e assassinato de um jovem que trabalhava na livraria cristã filiada à igreja. Ele viveu a militância em primeira mão e compreende o medo israelense.

Hoje com cidadania americana, além de ministrar aconselhamento semanal para traumas, via Zoom, e de interagir quase diariamente com os membros da igreja, ele faz três viagens por ano de volta a Gaza, para distribuir ajuda e incentivar as pessoas em geral.

A sua última visita terminou há duas semanas, com um tratamento por parte dos israelenses ligeiramente melhor do que o normal, segundo ele. Em busca de reciprocidade com os EUA para a entrada sem visto, as autoridades fronteiriças simplificaram os procedimentos para cidadãos com dupla nacionalidade (EUA-Palestina). Ao passar por Jericó, a espera na segurança foi de apenas uma hora desta vez.

“Não somos tratados com a costumeira dignidade”, disse Massad, “mas de acordo com o passaporte que carregamos”.

Segundo ele, para a maioria dos palestinos é uma humilhação. Sob bloqueio desde 2007, 50% da população de Gaza está desempregada, 65% vive abaixo da linha da pobreza e apenas 17 mil dos 2,3 milhões de pessoas estão autorizadas a procurar trabalho em Israel. O número oscila de acordo com a mudança de política e o tratamento nos postos de controle é muito mais intenso. Os que sobram estão presos.

“É uma grande prisão”, disse Massad. “E, geralmente, a cada visita a gente encontra as coisas um pouco piores do que antes.”

E agora, com a guerra, Israel declarou que vai cortar o fornecimento de energia e de água para Gaza. A frustração se acumula; embora seu pai já acalentasse a esperança de um dia ver um Estado palestino, Massad diz que hoje tem 60 anos e se pergunta se isso algum dia acontecerá. Os cristãos locais, porém, não apoiam a violência de nenhum dos lados.

“Esta não é a dignidade que queremos”, disse Massad. “Nosso exemplo é Jesus. E sempre que alguém o encontra verdadeiramente, Deus enche esse coração de amor por toda a humanidade”.

Mesmo quando a pessoa tem sua casa destruída.

O apartamento da família de um amigo, Gazan Khalil Sayegh, foi atingido por um foguete israelense. Eles agora se refugiam em uma das três igrejas da Faixa de Gaza, desalojados junto com outras 250 mil pessoas que estão abrigadas em escolas ou outras instalações. A Organização Mundial da Saúde pediu a criação de um corredor humanitário na Faixa de Gaza.

“Eles mal conseguiram escapar”, disse ele, “presumiram que sua casa era a opção mais segura”.

Atualmente nos EUA, Sayegh faz parte da Agora Iniciative, um trabalho em conjunto com outros palestinos e israelenses para promover uma cultura de democracia constitucional. Ele disse que ficou satisfeito em ver os americanos condenarem os ataques do Hamas. Ao mesmo tempo, ele diz que ficou desapontado pelo fato de o sofrimento do seu povo ter sido tão facilmente ignorado.

O texto bíblico que consola Sayegh é o Salmo 73, no qual o salmista quase cede à inveja dos ímpios prósperos: “tu destróis todos os infiéis. Mas, para mim, bom é estar perto de Deus; fiz do Soberano Senhor o meu refúgio”.

E nesta paz, a sua mensagem é clara.

“Não ceda ao ódio, ao tribalismo ou à vingança”, diz Sayegh. “Trabalhe arduamente para acabar não só com esta sangrenta onda de violência, mas também com a injustiça estrutural da ocupação, para que possamos viver em paz.”

Uma ira em comum

Jaime Cowen, advogado que é um judeu messiânico, está indignado com as mudanças estruturais que ameaçaram Israel e que precederam a guerra. Ele diz que, desde o seu regresso como primeiro-ministro, com uma coligação de extrema-direita que inclui antigos terroristas judeus, Benjamin Netanyahu dividiu o país ao tentar desafiar o sistema judicial de Israel.

E, ao mesmo tempo que tentava apresentar-se como um pacificador para com o grandioso mundo árabe, Netanyahu inflamava ainda mais a comunidade palestina marginalizada no seu país, ao autorizar mais assentamentos ilegais.

“Algo estava fadado a acontecer, e desta vez aconteceu”, disse Cowen em um comunicado por vídeo. “Este é um momento muito perigoso para o país.”

Ele ora pela rápida derrota do Hamas, cuja motivação pode ter sido impedir a aproximação entre Netanyahu e a Arábia Saudita. Mas, segundo ele, a verdadeira ameaça está no Norte, com os milhares de mísseis de precisão do Hezbollah prontos para atingir as cidades israelenses mais distantes. Quando esta guerra terminar, Cowen quer que o governo renuncie e que seja criada uma comissão para apurar o que levou às falhas “colossais” desta administração, no que diz respeito à inteligência e ao preparo militar.

“Até agora, o sentimento é de profunda tristeza e ira”, disse ele, “pela terrível perda de vidas de famílias judias inocentes”.

Os evangélicos palestinos se ofereceram para ajudar. A Convenção das Igrejas Evangélicas em Israel anunciou que qualquer judeu messiânico desalojado é bem-vindo para ficar com as famílias dos membros de suas igrejas.

“O que nós, como cristãos e cidadãos árabes palestinos de Israel, podemos oferecer em um momento como este?” o presidente da convenção, Botrus Mansour, pregou na sua igreja, em Nazaré. “A resposta é Jesus.”

A partir da sua localidade segura no Norte — necessitando apenas verificar se o seu abrigo está pronto — ele estava planejando uma mensagem sobre a governança da igreja, antes de a guerra mudar seu foco. Grande parte do culto foi dedicada à oração, e ele encorajou os fiéis com uma citação de Francisco de Assis: “Fazei-me um instrumento de vossa paz”. Apesar dos sentimentos difíceis que trazem dentro de si, os cristãos devem ser pacificadores.

Mesmo quando estão enfurecidos — em múltiplas direções.

“As pessoas estão indignadas com o ataque brutal do Hamas”, disse Mansour. “Mas também sentem que a violência continuará, enquanto não houver uma solução justa para o conflito.”

Tal como Cowen, ele ora para que Deus substitua os líderes atuais. E ele também tem uma passagem de consolo para compartilhar, Lamentações 3.22-23: “Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a sua fidelidade!”.

Um Evangelho em comum

“Nada nesta situação é certo ou bom”, disse Lisa Loden, judia messiânica, membro do Instituto de Paz e Justiça de Belém. “Mas há um forte anseio por ver o Senhor usar esses eventos para atrair pessoas para si.”

Vivendo na cidade costeira de Netanya, ao norte de Tel Aviv, Loden colidera uma congregação de crentes que já organizou muitos encontros de oração, desde o início da guerra. Eles pediram pela misericórdia de Deus para com os civis tanto de Israel quanto de Gaza. Eles oraram por seus líderes, pelos reféns e por aqueles que perderam entes queridos.

Eles oraram por um fim rápido para o conflito, por justiça e para que os cristãos de ambos os lados não se distanciem. Ela também fez um apelo aos crentes de todo o mundo, que estão assitindo aos acontecimentos.

“Não tomem partido apressadamente”, pediu Loden. “Mas entrem em um diálogo real e busquem uma solução para este conflito inaceitável.”

De Ramallah, o pastor Munir Kakish, presidente do Conselho de Igrejas Evangélicas Locais na Terra Santa, disse palavras semelhantes.

“Orem por ambos os lados”, disse ele. “Não conseguimos enxergar seus propósitos, mas ele é soberano.”

Sua igreja estava lotada, enquanto ele pregava à sua congregação estressada uma mensagem sobre oração, acompanhada de hinos que enfatizavam a paz de Deus. Algumas famílias vieram de Gaza e estavam preocupadas com os familiares que lá permanecem.

Entretanto, temendo que uma incursão israelita em Gaza desencadeasse uma revolta na Cisjordânia e o subsequente bloqueio em toda a cidade, Kakish também fez questão de abastecer-se de mercadorias e trabalhou com o dono de uma mercearia local para preparar pacotes de alimentos.

Pode haver muitas vítimas pela frente.

Mas sua palavra final disse respeito à geografia. A questão central não é a luta por território.

“Se um dos lados tomar as terras do Mediterrâneo até o Pacífico, mas não tiver Jesus, ele nada será”, disse Kakish. “Eles ainda precisam de Jesus.”

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Devemos acolher criminosos sexuais em nossas igrejas?

Um pastor e sua equipe discutiram se sua congregação deveria aceitar pessoas com histórico de abuso.

Christianity Today October 11, 2023
Illustration by Christianity Today / Source Images: Unsplash

Nas manhãs de domingo, na New York Chinese Alliance Church, onde sou pastor, diversos grupos étnicos diferentes vêm ouvir a Palavra de Deus em sua língua materna. Pais levam seus filhos para o culto infantil e para a escola dominical. Jovens se reúnem para comunhão e estudo bíblico.

Nossos recepcionistas experientes sempre tentam dar as boas-vindas a cada rosto familiar e a cada recém-chegado à casa de Deus com um sorriso caloroso. E embora o seu objetivo principal seja ir ao encontro e cumprimentar cada pessoa, a nossa igreja também os treinou para identificar necessidades urgentes e avisar sobre quaisquer potenciais preocupações na congregação.

Temos uma pessoa na congregação com histórico de prisão que frequentemente convida outros homens e mulheres, que também já foram presos no passado, para virem à igreja. E, muito embora estejamos felizes pela oportunidade de ministrar a indivíduos assim, tentamos discernir a melhor forma de servi-los no contexto da comunidade mais ampla.

Numa manhã de domingo deste ano, essa pessoa convidou um novo visitante que despertou em nós uma certa preocupação. Quando os recepcionistas decidiram perguntar sobre o recém-chegado, descobriram que ele era um criminoso que cumprira pena por crime sexual e era acompanhado por um sistema do governo. E, embora o recebessem como convidado que vinha à igreja pela primeira vez, também queriam proteger os nossos outros congregantes — e, por isso, decidiram informar os nossos pastores e membros do conselho.

Em espírito de oração, a liderança da nossa igreja designou um membro espiritualmente maduro para acompanhar esse jovem pelo restante do culto, e ele pôde desfrutar da comunhão com outros membros durante a tarde.

Como uma igreja cristã e missionária de porte médio, percebemos que estávamos lamentavelmente despreparados — não tínhamos nenhum procedimento explícito e escrito para lidar com esse tipo de situação. Nosso conselho nunca teve de considerar de que modo poderia possibilitar que alguém que estivesse buscando a Deus o encontrasse em nossa comunidade, mas, ao mesmo tempo, garantir a segurança de crianças e adolescentes em nossa congregação.

Mais de 780.000 agressores sexuais residem nos Estados Unidos — um país onde 81% das mulheres já sofreram abuso sexual, juntamente com 43% dos homens. Em 93% dos casos, as crianças vítimas de abuso sexual conhecem seus perpetradores. E, no entanto, pouco mais de 30% dos crimes sexuais são denunciados às autoridades.

Como pastor e pediatra, sinto o dever pessoal de salvaguardar os jovens da nossa igreja. Em minha experiência professional anterior [como pediatra], eram implementados procedimentos rigorosos para proteger crianças doentes e vulneráveis. Ao mesmo tempo, eu sentia a necessidade de nossa igreja ministrar a esse jovem. Em vez de negar-lhe um espaço para adorar, senti que deveríamos oferecer-lhe a mesma oportunidade de redenção que oferecemos a qualquer outra pessoa.

Nosso conselho discutiu detalhes, coisas como se deveríamos proibir esse homem de interagir com crianças em nossa congregação. Perguntamo-nos se deveríamos informar os pais das nossas crianças e jovens, ou se isso geraria mais medo do que cautela. Também queríamos estar informados sobre quaisquer deveres legais que fossem esperados de nós, para que pudéssemos cumprir a lei local.

Nossa prioridade era proteger a congregação. Mas, ao mesmo tempo, lutamos para saber como Jesus responderia a esta situação — especialmente por saber como ele interagia com cobradores de impostos, prostitutas e outras pessoas caídas e marginalizadas pela sociedade do primeiro século. Conseguiríamos cumprir ambos os objetivos? Em caso afirmativo, como?

Primeiro, é importante lembrar que as leis federais exigem que todos os agressores sexuais tenham seu status registrado [em um sistema de acompanhamento]. Negligenciar essas leis pode resultar em ser processado por novos crimes.

Por exemplo, no nosso estado de Nova Iorque, os agressores sexuais são classificados com base no risco de cometerem outro crime e ferirem a comunidade. Os infratores de nível 1, ou de baixo risco, devem ficar registrados por 20 anos, a menos que tenham recebido alguma qualificação especial. Os infratores de nível 2 (médio risco) ou de nível 3 (alto risco) são obrigados a permanecer registrados durante toda a sua vida. Entre as qualificações especiais que podem receber estão predadores sexuais, agressores sexualmente violentos e agressores sexuais reincidentes [que voltaram a praticar crimes sexuais].

Os legisladores vêm lutando há muito tempo para desenvolver políticas adequadas para os agressores sexuais. O pêndulo oscila entre reabilitação, punição e isolamento. Os especialistas debatem os méritos da reabilitação versus apenas a punição. Cada situação tem seus prós e contras, com visões polarizadas de ambos os lados da questão.

Os modelos de reabilitação atribuem valor prudencial à dignidade e ao bem-estar de cada indivíduo, abrangendo seus relacionamentos, saúde, trabalho e outras atividades. Os programas de reabilitação são concebidos para restaurar a capacidade funcional de uma pessoa, recuperar a sua qualidade de vida e ajudá-la a se tornar um membro que contribui para a sociedade.

Mas os modelos de punição também estão enraizados em valores éticos — na crença de que existe uma nítida linha que separa o certo do errado, o bem do mal, e que esta distinção define o nosso comportamento e deve sustentar os limites para todas as nossas relações.

Da mesma forma, as igrejas locais enfrentam o dilema de onde traçar os limites apropriados para garantir a segurança da sua comunidade, e, ao mesmo tempo, estar dispostas a colaborar na reabilitação espiritual de indivíduos caídos.

A Bíblia ordena que os cristãos protejam os vulneráveis do perigo, mas também que mostrem misericórdia para com os pecadores. Em Lucas 5.32, Jesus diz: “Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento”. Ao mesmo tempo, ele nos adverte que “Se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim, seria melhor que fosse lançado no mar com uma pedra de asno amarrada ao pescoço” (Marcos 9.42, versão King James atualizada).

Portanto, infelizmente, não há uma resposta fácil, quando se trata de como as igrejas devem proceder em relação a agressores sexuais que desejam frequentar os cultos, participar de estudos bíblicos ou participar em outras programações da igreja.

A maioria dos especialistas concorda que os agressores sexuais não devem ter permissão para frequentar uma igreja se os líderes da comunidade não forem devidamente treinados para garantir a segurança de jovens e crianças. Isso exige que as pessoas que trabalham na igreja recebam instrução sobre os hábitos dos agressores sexuais — tais como o seu potencial para ludibriar igrejas e tirar vantagem de sua confiança — bem como sejam informadas a respeito de todas as leis estaduais e federais que se aplicam.

Alguns estados, como o Tennessee, propuseram banir os criminosos sexuais de locais de culto, a menos que obtenham permissão. Outros estados não permitem que frequentem creches ou escolas, o que muitas vezes inclui igrejas, dependendo da sua estrutura e do nível de envolvimento em atividades paraeclesiásticas. Em muitos casos, não é seguro que o ex-agressor sexual possa ter qualquer contato ou proximidade com crianças — e pode até ser ilegal para eles, dependendo do seu histórico e nível de risco.

De acordo com um estudo da CT, feito em 2010, dos pastores, líderes religiosos e pessoas que trabalham na igreja que foram inquiridos naquela época, quase 80% acreditavam que os agressores sexuais deveriam ser autorizados a participar de cultos na igreja, desde que estivessem sujeitos à supervisão e a certas limitações. Apesar disso, a maioria não está preparada para recebê-los em suas próprias igrejas.

Em seu livro lançado em 2009, o pastor Dick Witherow define os criminosos sexuais como “os leprosos dos tempos atuais”. Quando as leis da Flórida restringiram o local onde os criminosos sexuais podiam viver no estado, Witherow expandiu o seu ministério prisional na época, para ajudar criminosos sexuais a reingressarem na sociedade e a se reintegrarem nas congregações. Após uma série de contratempos, ele comprou uma propriedade no condado de Palm Beach para construir Miracle Village (também conhecida como Cidade de Refúgio), hoje a maior comunidade de reabilitação para criminosos sexuais do país.

Embora os esforços de Witherow tenham sido um modelo transformador — ainda que controverso —, a maioria das igrejas não tem recursos nem mão de obra para apoiar os agressores sexuais e, ao mesmo tempo, garantir a segurança dos vulneráveis. Em casos assim, as igrejas maiores, com mão de obra abundante, podem estar mais bem preparadas para ajudar, uma vez que é mais provável que tenham recursos para supervisionar os agressores sexuais que frequentam as instalações.

O que nossa igreja fez nesta situação? Depois de um tempo de oração, a liderança da igreja percebeu a necessidade de desenvolver um procedimento para casos futuros. Foi formado um comitê para estudar as complexidades das leis federais e estaduais, avaliar os nossos procedimentos permanentes e fazer recomendações ao conselho relativas à nossa postura em relação a agressores sexuais.

Dadas as leis estaduais específicas relativas a denúncias e à liberdade condicional, nosso procedimento primeiramente define o termo agressor sexual. Em seguida, descreve exigências específicas para os criminosos sexuais frequentarem os ministérios da igreja, entre elas, um processo de aprovação inicial que envolve a participação dos pastores, do conselho e um pacto por escrito. O procedimento prevê acompanhamento e prestação de contas por parte do agressor sexual, facilita a comunicação com os líderes da igreja e permite a supervisão pelo conselho.

Algumas das questões que consideramos giravam em torno dos seguintes pontos:

  • A nossa igreja é chamada para ministrar a criminosos sexuais?
  • Quais protocolos de segurança para crianças estão em vigor e quais precisam ser revistos?
  • Como obtemos informações precisas e atualizadas sobre a situação de um agressor sexual, enquanto estabelecemos contato com autoridades relevantes (por exemplo, o agente de liberdade condicional)?
  • De que forma podemos avaliar o coração e a sinceridade de um agressor sexual?
  • Como podemos estabelecer um sistema de prestação de contas para todas as partes envolvidas?
  • Que serviços podemos oferecer e quais são mais bem recebidos fora da igreja (como terapia/aconselhamento, terapia cognitivo-comportamental e programas para dependentes, como AA/NA)?
  • Qual é o papel do parceiro que acompanha um agressor sexual, e como pode ele ministrar a esse indivíduo?
  • De quais ministérios um agressor sexual pode participar?
  • Que expectativas a igreja deve ter em relação ao código de conduta para um agressor sexual?
  • Quais são as possíveis consequências das violações do procedimento adotado e como serão aplicadas?
  • Estamos seguindo as legislações estadual e federal?
  • Como e quando devemos comunicar a nossa congregação, caso um criminoso sexual esteja frequentando a igreja?
  • Como podemos envolver a congregação nesse processo, de forma que reflita tanto o coração protetor quanto acolhedor de Cristo?

Outra questão fundamental que consideramos foi se a pessoa estava verdadeiramente arrependida do seu pecado ou se procurava minimizar seus erros. Um coração genuinamente arrependido é um dos critérios mais importantes para avaliar se um agressor sexual está pronto para participar de uma igreja local. Davi modela esse coração arrependido no Salmo 51, ao confessar seus pecados com um espírito quebrantado e contrito.

Enquanto estávamos trabalhando nessas considerações e desenvolvendo um procedimento oficial, nosso comitê convidou aquele jovem, durante aquele período, a adorar conosco por meio do nosso culto online, em vez de se juntar a nós presencialmente. Ele reagiu de forma gentil e honrou nossos desejos. Também designamos um membro da equipe pastoral para estender a mão e ministrar a esse indivíduo com regularidade.

Um dos objetivos mais importantes do nosso procedimento era desenvolver um ambiente de acompanhamento e prestação de contas, além da possibilidade de discipulado. As taxas de reincidência em crimes sexuais são de 30% em 10 anos, mas chegam a 52% em 25 anos. Sabendo que as estatísticas são provavelmente subnotificadas, essas taxas de repetição do comportamento criminoso demonstram o quanto é difícil superar este espinho na carne especificamente.

Ao promover essa relação de acompanhamento e prestação de contas com um membro de confiança da igreja, um agressor sexual tem mais incentivo comunitário para evitar tentações sexuais e viver uma vida santificada. Os parceiros de acompanhamento estão presentes para ouvir e apoiar, ao mesmo tempo em que dizem a verdade com graça, misericórdia e amor. Em termos ideais, esse tipo de relacionamento de discipulado encoraja uma vida de oração, adoração e devoção pessoal.

Ainda estamos no processo de finalizar um procedimento específico para agressores sexuais, que seja de âmbito abrangente e detalhado em termos de prescrições — que seja um documento interno que possa orientar a nossa igreja em situações semelhantes no futuro. Acima de tudo, queremos com esse procedimento garantir a segurança dos fiéis vulneráveis, e, ao mesmo tempo, acolher, em nossa comunidade e no centro da adoração, indivíduos destroçados, com um passado marcado pelo pecado, como era o daquele jovem.

Como uma igreja de porte médio, estamos conscientes das nossas limitações e sabemos que talvez não possamos acolher todos os agressores sexuais que aparecerem em nossa comunidade. Mas, ao mesmo tempo, queremos ser as mãos, os pés e a voz de Jesus. As Escrituras nos dizem que, em geral, é através da comunhão com a família de Deus que podemos experimentar o amor de Cristo. E tal como as pessoas marginalizadas nos dias de Jesus, os criminosos sexuais não devem ser privados da oportunidade de participar dessa comunhão como membros do corpo de Cristo.

Em última análise, como cristãos, acreditamos que Jesus oferece a cada um de nós a mesma oportunidade de redenção através do seu sangue — e, se alguém está em Cristo, “é nova criatura. As coisas velhas já passaram; eis que o novo chegou” (2Coríntios 5.17, ESV).

Stephen Ko é pastor sênior da New York Chinese Alliance Church e professor adjunto do Alliance Theological Seminary. Ele é o autor da obra Faith Empowered [Fé fortalecida], que está prestes a ser lançada pela editora Zondervan.

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Books

Conheça a incrível história de Loren Cunningham, fundador da JOCUM

Ele mobilizou milhares de missões de curto prazo e viu “ondas” de jovens levando o evangelho a todas as nações.

Christianity Today October 11, 2023
Courtesy of Youth With a Mission / edits by Rick Szuecs

Loren Cunningham, o visionário carismático que fundou a organização Jovens Com uma Missão (JOCUM) e mobilizou milhões de jovens para viagens missionárias de curto prazo, morreu na manhã de sexta-feira, no dia 6 de outubro. Ele tinha 88 anos.

Aos 20 anos, Cunningham estava orando e viu a imagem de um mapa, mas o mapa estava se movendo. Ondas quebravam nas costas de todos os continentes, recuavam e depois quebravam novamente. A imagem lhe pareceu “um filme mental”, diria ele mais tarde, e, quando olhou mais de perto, viu que as ondas eram jovens, “da minha idade e até mais novos”, cumprindo a Grande Comissão: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas” (Marcos 16.15).

A visão se tornou a ideia central da JOCUM. A organização chamou isso de “uma aliança fundamental iniciada por Deus e definidora do destino, para dar origem a um novo movimento missionário”.

De acordo com Cunningham, ele demorou alguns anos para entender o que tinha visto. Mas isso, no fim das contas, deu-lhe poder para “desburocratizar” as missões, enviando mais pessoas, mais rapidamente, para mais lugares onde pudessem “proclamar a verdade de Deus e demonstrar o seu amor”.

A JOCUM atualmente opera em mais de 2.000 locais, em quase 200 nações. A organização parou de contabilizar quantos jovens envia em missões de curta duração no ano de 2010, quando esse número totalizava perto de 4,5 milhões.

“O que eu gosto no espírito da JOCUM é essa disposição de enfrentar o inferno com uma pistola d’água”, disse Steve Douglass à CT, alguns anos antes de morrer, quando era presidente da Cruzada Internacional Estudantil para Cristo (a atual Cru).

Kris Vallotton, líder sênior da proeminente e carismática Bethel Church, em Redding, Califórnia, disse na sexta-feira que a JOCUM é “provavelmente a maior organização missionária da história”. Ele chamou Cunningham de “um dos maiores heróis da fé da história moderna”.

O evangelista Franklin Graham fez uma avaliação semelhante.

“Que vida incrível este homem viveu”, escreveu nas redes sociais o presidente da organização Bolsa do Samaritano. “Loren permitiu que Deus o usasse e, por décadas, ele foi uma grande força para o Evangelho.”

Cunningham nasceu em 30 de junho de 1935, em Taft, Califórnia, mas, em suas primeiras lembranças, ele estava em uma barraca, em algum lugar do Arizona. Ele, seus pais e a irmã mais velha estavam fazendo tijolos de adobe [tijolo feito com terra crua, água, palha e fibras naturais] à mão, para construir uma pequena igreja pentecostal.

Ouvindo o que Deus tem a dizer

Tom e Jewell Cunningham foram ambos ministros ordenados da Assembleia de Deus e evangelistas pentecostais de segunda geração. Jewell aprendeu a pregar quando criança, viajando de tenda em tenda por Oklahoma, Texas e Arkansas. Quando se casaram, eles moravam no carro, enquanto pregavam pelas ruas de Tyler, no Texas.

O casal ensinou os três filhos a sacrificarem o conforto pessoal em prol do evangelho e a ouvirem a Deus de maneira pessoal. Em seus últimos anos, Loren Cunningham lembrou se de ter aprendido que a direção do Espírito poderia ser uma questão de vida ou morte. Certa vez, seu pai estava pregando nas ruas de uma cidade do sul da Califórnia, quando sua mãe disse de repente: “Temos que ir agora. Deus disse que temos que ir agora!”

Enquanto a família se afastava do local em seu carro, um terremoto sacudiu a cidade e uma pilha de tijolos caiu bem na calçada onde eles tinham estado.

“Se Deus tiver algo importante a lhe dizer”, dizia Jewell Cunningham, “ele falará diretamente com você”.

O jovem Cunningham ouviu Deus pela primeira vez quando tinha seis anos, e mais tarde lembrou que isso era uma experiência regular; aos nove anos, ouvir Deus era uma experiência muitas vezes diária. Quando estava com 13 anos, ele recebeu um chamado para o ministério enquanto orava em uma tenda no Arkansas, com vários primos. Eles oraram por várias horas, numa segunda-feira à noite, e Cunningham sentiu como se tivesse sido tocado por Deus.

“Deus simplesmente irrompeu e deixou o chamado muito claro para mim”, disse ele, mais tarde. “Eu não tinha dúvidas de que fora chamado para pregar.”

Para comemorar, sua mãe o levou à cidade e comprou-lhe sapatos novos, citando Romanos 10.15: “Quão formosos são os pés dos que pregam o evangelho” (KJV). Cunningham pregou seu primeiro sermão na igreja de seu tio, na quinta-feira daquela semana.

Ele teve sua primeira experiência com a obra missionária aos 18 anos, viajando para o México, durante a Páscoa, com um grupo de jovens, para testemunhar de porta em porta e pregar nas ruas daquele país predominantemente católico. A viagem de Cunningham terminou num hospital, com disenteria, mas ele a considerou um sucesso, porque 20 pessoas tinham ficado de joelhos, na rua, para professar que Jesus Cristo é o Senhor.

No ano seguinte, Cunningham frequentou a Central Bible College (Faculdade Bíblica Central), uma escola da Assembleia de Deus em Springfield, no Missouri. Ele e três outros estudantes formaram um quarteto gospel chamado The Liberators [Os libertadores] e viajavam pelo país cantando e pregando. Durante uma viagem para o Caribe, em 1956, ele teve a visão de ondas de jovens, poucos dias antes de completar 21 anos.

“Deus fala na língua da gente”, ele diria, brincando, ao televangelista Pat Robertson, em 2022, “e eu vi essas ondas quando era um adolescente surfista na Califórnia”.

A princípio, Cunningham pensou que talvez a visão significasse que ele deveria dedicar-se ao ensino ou à formação de professores. Ele se formou na Central, em 1957, graduando-se em educação bíblica e cristã, e foi para a Universidade do Sul da Califórnia para fazer mestrado em educação.

O fracasso das escolas bíblicas

Entretanto, enquanto Cunningham trabalhava em sua dissertação sobre escolas bíblicas, ele ficou desiludido. Ele analisou 72 instituições ao redor do mundo e descobriu que poucas estavam tendo impacto significativo na evangelização mundial, se é que alguma delas estava tendo. A maioria dos formandos sequer se dedicava ao ministério — e muito menos se tornava o tipo de missionário capaz levar o evangelho até os confins da terra.

Ao mesmo tempo, Cunningham começou a atuar no ministério para jovens com as Assembleias de Deus, no sul da Califórnia, onde seu pai trabalhava agora como superintendente assistente com foco em plantação de igrejas e missões. Mas Cunningham também se desiludiu com isso.

“Os jovens eram todos muito brilhantes e entusiasmados”, disse ele à revista Charisma, em 1985. “Mas tive que admitir que a maioria das atividades que planejava para eles eram vazias. Eles não atingiam o coração dos jovens porque não os desafiavam. É isso que todos desejamos, especialmente na adolescência, com 20 e poucos anos. Um grande desafio.”

Cunningham descobriu que era bom em entusiasmar os jovens e convencê-los a fazerem coisas ousadas pelo evangelho, mas não havia nada para eles fazerem. As Assembleias de Deus disseram que, se eles quisessem ser missionários, precisavam frequentar uma escola e receber cerca de sete anos de educação e formação.

“A essa altura”, queixava-se Cunningham, “a maioria já teria se esquecido de seu zelo ardente”.

Ele começou a fazer experiências com missões de curto prazo, levando cerca de 100 jovens pentecostais para o Havaí, durante o recesso de primavera, em 1960. Houve desafios — muitos dos jovens encararam a viagem como um simples recesso escolar —, mas Cunningham convenceu-se de que este era o novo modelo para o evangelismo global. Os jovens ficavam entusiasmados e faziam viagens curtas, pagavam as próprias despesas ou angariavam os próprios recursos, e falavam de Jesus para todas as pessoas do mundo.

Naquele verão, Cunningham fez uma viagem para explorar locais onde jovens missionários pudessem ir. Ele foi ao Japão, Hong Kong, Tailândia, Camboja, Índia, Paquistão, Egito, Líbano, Jordânia, Israel, Turquia, Grécia, Escandinávia e Grã-Bretanha. E começou a fazer grandes planos para 1961.

A liderança das Assembleias de Deus, porém, achou que os seus planos eram grandiosos demais. A denominação ofereceu-lhe um salário para lançar um programa de missões para jovens, mas queriam começar de forma mais modesta.

Na lembrança que Cunningham tinha mais tarde dessa conversa, eles lhe disseram: “Você pode continuar com a sua visão, Loren, mas levará um número de pessoas mais administrável — digamos, 10 ou 20 jovens por ano”.

Ele protestou que a sua visão era “muito, muito maior do que 20 pessoas por ano e muito maior do que de qualquer denominação”. Lembrando-se do que seus pais lhe ensinaram sobre ouvir Deus pessoalmente, Cunningham decidiu deixar as Assembleias de Deus e agir por conta própria. A JOCUM foi oficialmente fundada no estado da Califórnia, em fevereiro de 1961.

Nos primeiros anos, porém, a organização não conseguiu 20 jovens por ano para irem em missões de curto prazo — nem mesmo 10.

Darlene Cunningham implementa a visão

Quando Cunningham conheceu uma jovem chamada Darlene Scratch, em 1962, a organização missionária lutava com dificuldades e enviava cerca de cinco jovens por ano. Mas Darlene — que sonhava com o ministério transcultural, depois que seu tio foi preso por trabalho missionário na China comunista — enxergou algumas maneiras de implementar a visão da JOCUM na prática. Cunningham casou-se com ela no ano seguinte e declarou-a como cofundadora.

“Sem Darlene, nunca teria havido nada duradouro”, disse ele.

Em 1964, ela organizou um “Verão de Serviço” nas Bahamas e na República Dominicana. Perto de 150 jovens cristãos americanos se inscreveram. Quando regressaram aos EUA, a tempo de voltarem para a escola no outono, relataram milhares de conversões e algumas curas milagrosas.

A JOCUM, então, organizou viagens para México, Porto Rico e Ilhas Virgens. Mais tarde, em 1966, já tinham 90 pessoas em 17 equipes no Caribe e outras 25 em cinco grandes caminhões postais que atravessavam o México, a Guatemala, a Nicarágua e Honduras. Todos os missionários eram jovens que levantaram recursos próprios e não deixaram que exigência de treinamento diminuísse seu zelo.

É claro que houve numerosos desafios e muitos erros básicos que foram cometidos naqueles primeiros anos. Mais de um veículo ficou encalhado na lama, em estradas intransitáveis. Um dos primeiros panfletos tinha o nome Cristo escrito de forma incorreta, convidando os jovens a passar o verão representando Cisto ”. Os Jocumeiros aprendiam a confiar em Deus, a orar e a “se virar”.

E os relatos sobre desafios, na verdade, atraíam mais jovens.

“Vocês vão dormir no chão, comer alimentos diferentes, sofrer com climas quentes e sufocantes e viver cercados de mosquitos”, dizia Cunningham. “Vocês vão acabar emocionalmente esgotados e espiritualmente atacados. Mas isso faz parte do nosso crescimento no Senhor.”

Um laboratório para evangelismo

Em 1968, a JOCUM tinha 30 funcionários de tempo integral e 1.200 missionários de curto prazo. A organização decidiu que um pouco de formação seria útil e abriu uma escola, em um hotel na Suíça. Entre os primeiros professores estavam os pais de Cunningham, o apologista Francis Schaeffer, o engenheiro mecânico e teólogo leigo Harry Conn e o evangelista escocês Duncan Campbell.

“Não é uma escola bíblica”, explicava Cunningham, “mas sim um laboratório para evangelismo”.

A JOCUM lançou mais escolas, vindo finalmente a operar a Universidade das Nações em mais de 600 localidades. Um líder disse que eles eram uma “máquina de ondas” que produzia as ondas de jovens que Cunningham tinha vislumbrado em sua visão. As escolas oferecem treinamento em evangelismo, mas também cursos em esportes e preparação física, ciência e tecnologia, educação, comunicação e arte.

Cunningham disse que teve uma revelação sobre sete salas de aula, e cada uma correspondia às sete esferas da sociedade que os cristãos precisavam impactar para provocar mudanças.

Ele foi contar a seu amigo Bill Bright, fundador da Cru, sobre essa revelação, em 1975. Mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Bright anunciou que tinha tido uma revelação e produziu uma lista basicamente idêntica de sete esferas. Algumas semanas depois, Cunningham ouviu Schaeffer apresentar um argumento muito semelhante sobre assumir para Cristo o domínio sobre estas sete áreas diferentes: família, religião, educação, mídia, arte, economia e governo.

A ideia foi posteriormente popularizada pelo pastor da Bethel, Bill Johnson, e outros como o “Mandato das Sete Montanhas”. Tornou-se a base teológica para que muitos carismáticos americanos abraçassem Donald Trump.

Cunningham, porém, não se envolvia em política. Ele via as sete esferas como uma estrutura para o evangelismo e como “estratégias da Grande Comissão”.

Quando Cunningham completou 50 anos, em 1985, a JOCUM estava enviando mais de 15.000 jovens em viagens missionárias de curto prazo todos os anos. O ministério operava em 1.100 locais e 170 países. E, no entanto, o líder visionário estava convencido, como escreveu em seu primeiro livro, de que aqueles jovens eram “apenas a fração da fração do que era necessário” e que “os trabalhadores ainda eram poucos, muito poucos”.

Ele continuou concentrado em crescer, expandir e inovar.

Acusações de abuso espiritual

A JOCUM tem enfrentado críticas pela forma como tratou as “ondas” de jovens. Na década de 1980, o veterano Gregory Robertson disse que o ministério era abusivo e manipulador. Diziam às pessoas que discordassem da liderança que elas estavam se rebelando contra Deus ou até mesmo possuídas por demônios, alegava ele.

Mais recentemente, ex-Jocumeiros postaram vídeos nas redes sociais alegando que foram abusados espiritualmente.

“Essas coisas acontecem em todas as bases”, disse uma mulher. “A capacidade deles de ‘ouvir a voz de Deus’ sempre supera a conexão da própria pessoa com o Espírito Santo.”

A JOCUM não respondeu formalmente às acusações, mas um líder no Reino Unido disse que alguns jovens líderes provavelmente agiram de forma inadequada.

“Isso acontecerá quando estivermos comprometidos com o apelo à mobilização de jovens em todo o mundo”, disse o líder, na ocasião. “Eles vão cometer alguns dos erros que cometi quando tinha 18, 19 e 20 anos.”

Ele também observou que o abuso acontece em muitos contextos, e argumentou que o histórico da JOCUM [nessa área] era melhor que o da maioria das organizações missionárias.

O modelo descentralizado do ministério deixa a supervisão nas mãos de pessoas locais. As reclamações não chegavam até Cunningham, pois ele não gerenciava o treinamento nem as operações que aconteciam localmente; ele se concentrava no panorama geral. Seu trabalho, a seu ver, era abrir comportas de potenciais missionários.

Em 1999, Cunningham viajou para a Líbia e se tornou o primeiro missionário a ir a todas as nações do mundo, bem como a 150 ilhas e territórios.

Quando a COVID-19 e depois o câncer restringiram as suas viagens, nos últimos anos da sua vida, Cunningham começou a usar o Zoom para falar com pessoas de todos os continentes. Ele falava com frequência sobre a necessidade de mais traduções da Bíblia em mais idiomas e exortava as pessoas a “viverem ‘plenamente’ para Jesus”.

“Tem sido uma ótima vida”, dizia ele. “Eu diria a qualquer um… tenha um propósito. Tenha um chamado. Certifique-se de que você está fazendo isso para Deus e para os propósitos dele. Ele é amor e você deve demonstrar o amor de Deus.”

Cunningham deixa a esposa, Darlene, e dois filhos, Karen e David. Um culto em memória de Cunningham será celebrado no Havaí, no dia 4 de novembro.

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