Pastores precisam mais de caráter do que de carisma

A renúncia do fundador da megaigreja Hillsong, Brian Houston, nos lembra que precisamos de pastores piedosos, e não apenas talentosos.

Christianity Today March 28, 2022
Marcus Ingram / Contributor / Getty

Em Sydney, na última terça-feira (22), Brian Houston, fundador e pastor sênior da megaigreja Hillsong renunciou ao cargo à luz de um processo judicial pendente e após revelações de má conduta pastoral.

O processo judicial se refere à suposta ocultação, por parte de Houston, de abuso sexual cometido por seu pai contra um menino, na Nova Zelândia, na década de 1970. Embora Houston tenha removido o pai do ministério, denunciado-o às autoridades da denominação e tenha reconhecido publicamente que o abuso ocorreu, a polícia estadual de New South Wales alega que Houston “tinha conhecimento de informações relacionadas ao abuso sexual de um jovem, na década de 1970, e deixou de levar essas informações à atenção da polícia”.

O julgamento está marcado para outubro deste ano.

Mais recentemente, o conselho global da Hillsong escreveu um e-mail aos membros sobre duas queixas contra Houston. A primeira, que ocorreu há dez anos, “envolve mensagens de texto inadequadas do pastor Brian [Houston] para um integrante da equipe, o que posteriormente resultou no pedido de demissão feito por essa pessoa”. Essa indiscrição foi explicada como consequência acidental de Houston estar “sob efeito de pílulas para dormir”.

A segunda denúncia ocorreu em 2019, quando Houston bateu na porta do quarto de hotel de uma ocupante do sexo feminino e passou uma quantidade significativa de tempo nesse quarto. Do mesmo modo que no outro caso, seu comportamento foi explicado como o resultado infeliz de uma mistura de medicamentos ansiolíticos com álcool em seu organismo.

A Hillsong teve um impacto internacional significativo, plantando igrejas em todo o mundo e levando o pentecostalismo para a era digital. Com o sucesso, porém, vem a tentação de fazer qualquer coisa para manter a máquina funcionando, proteger o ministro e o ministério e manter as fontes de dinheiro fluindo — mesmo que isso signifique fechar os olhos para indiscrições ou arrumar desculpas para o que é imperdoável.

O que acho decepcionante são as explicações dadas para as ações de Houston. Embora uma medicação possa afetar negativamente o estado mental de uma pessoa, nunca é justificativa para comportamentos inadequados. Essas desculpas soam vazias, especialmente para vítimas de assédio sexual.

Uma questão óbvia, corretamente observada pelo conselho da Hillsong, é que “o modelo de governança da Hillsong historicamente colocou um controle significativo nas mãos do pastor sênior”. Sobrecarregar uma única pessoa com autoridade não é um sinal indicativo de uma cultura de liderança saudável. Faríamos bem, portanto, em refletir sobre qual modelo de governança de uma igreja e qual estilo de liderança são mais conducentes à transparência e à prestação de contas.

Como sugere Andy Judd, estudioso da Bíblia, devemos sempre perguntar: “Por onde o poder está distribuído? Como as decisões são tomadas e revistas? E o que acontece depois que um líder é forçado a deixar seu cargo e seguir em frente?”

Mais importante do que as estruturas de liderança, porém, é o caráter de uma pessoa. As qualificações bíblicas para um pastor não dependem de likes, de downloads, das vendas de livros, da receita da igreja, de circuitos de conferências, do número de pessoas sentadas nos bancos ou de quantas celebridades frequentam sua igreja.

Em vez disso, elas exigem que um pastor seja “irrepreensível” e “sóbrio, prudente, respeitável, hospitaleiro e apto para ensinar; não deve ser apegado ao vinho, nem violento, mas sim amável, pacífico, não apegado ao dinheiro” (1Tm 3.2-3). Jesus ensinou que “o maior entre vocês deverá ser servo. Pois todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23.11-12).

Durante meu tempo no seminário, entrei para uma igreja maravilhosa e fiel à Bíblia; na época em que estava sendo considerado para uma vaga de estagiário no ministério pastoral, encontrei-me com um dos pastores. Tendo me conhecido há pouco tempo, ele estava otimista sobre meu potencial, mas sabiamente cauteloso quanto ao meu caráter.

Ele disse: “Sei que você é talentoso, mas não sei se é piedoso”. Trago comigo essas palavras desde então.

Há uma diferença — e bem grande, por sinal — entre ter dons e ser piedoso. É a diferença entre o show que você consegue fazer e os desejos que traz em seu coração; entre o que faz quando está em cima do palco e o que faz quando acha que ninguém está observando você.

Os acontecimentos em torno de Houston são um lembrete de que o mundo evangélico precisa de líderes que demonstrem ter um caráter cristão, e não apenas que sejam autoconfiantes em público; precisamos de líderes que cultivem discípulos, não que treinem bajuladores; precisamos de líderes que se vejam nus diante de Cristo, não que estejam envoltos no prestígio de suas plataformas. Precisamos de líderes que saibam que, quando o sucesso se torna um ídolo, encobrir as coisas se torna um sacramento.

Michael Bird (PhD University of Queensland) é reitor acadêmico e professor de Novo Testamento no Ridley College em Melbourne.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Por que a data da Páscoa muda?

A Páscoa pode cair em um intervalo de 35 dias. Por quê? É uma longa história, mas vamos contá-la.

Christianity Today March 28, 2022
toeytoey / Shutterstock

Esta semana, minha turma de Escola Dominical, formada por alunos brilhantes de 12 e 13 anos de idade, como de costume me fez uma pergunta difícil: por que a Páscoa caiu no aniversário do Evan no ano passado, mas está caindo no aniversário da Abby este ano? Embora eu não pude responder na hora, sabia que tinha uma arma secreta no meu escritório — especialmente guardada para essa ocasião: um pequeno artigo de Farrell Brown, um professor de química aposentado com interesse nas interações históricas entre ciência e religião. Como um serviço de utilidade pública para aqueles que ainda estão coçando a cabeça com essa variação do calendário da Páscoa, apresento a seguir a resposta do Dr. Brown à pergunta dos meus alunos de Escola Dominical — e, como brinde, apresento ainda a história de por que as datas da Páscoa também diferem entre diferentes partes do mundo:

A data do domingo de Páscoa, chamada “festa móvel” no calendário da igreja cristã, pode parecer misteriosa para muitos que a celebram. Existem 35 datas possíveis na temporada de primavera (no hemisfério norte) para celebrar esse evento único. Por que essa variação de datas? A resposta vem de decisões tomadas vários séculos após o início do cristianismo.

E por que a maioria das Igrejas Cristãs Ortodoxas Orientais observam a Páscoa ocasionalmente no mesmo domingo que o resto da cristandade, e outras vezes até cinco semanas depois? Essa resposta é relacionada principalmente à reação de diferentes pessoas a um decreto papal de séculos atrás.

Nossa primeira parada, nesta aventura em busca da Páscoa errante, é um rápido estudo de como os calendários eram usados nas terras bíblicas, por volta de 30 d.C. Embora o calendário juliano ou solar do Império Romano estivesse em vigor desde 45 a.C., ele não suplantou o calendário lunar que era o mapa e a bússola de 2 mil anos de história judaica. (Um ano lunar tem 12 ciclos lunares de 29,53 dias cada ou 354,36 dias, enquanto um ano juliano tem 365,25 dias, com um dia bissexto a cada quatro anos). O calendário juliano funciona com três anos de 365 dias e um ano de 366 dias a cada quatro anos.

A incongruência dos dois calendários prejudicou registros históricos no Mediterrâneo Oriental e arredores, desde o início dos sistemas duais. E para aumentar a confusão, os seguidores de Jesus falharam em registrar a data exata da ressurreição de seu Senhor. Muitos daqueles primeiros crentes esperavam que Jesus voltasse logo, uma esperança que (segundo alguns estudiosos acreditam) tornou tais aniversários sem importância para eles. Por essas e outras razões, uma data única e universalmente aceita para a celebração do evento teve pouca ou nenhuma chance.

O acordo de Niceia

Trezentos anos depois, no reinado do imperador romano Constantino, o cristianismo estava começando a se espalhar pelo Império. Como se esperava que qualquer religião que se prezasse tivesse suas festas religiosas e seus dias de guarda, uma data para celebrar a Páscoa tornou-se naquele momento uma prioridade. De fato, este foi um dos oito principais temas analisados por padres e bispos no primeiro Concílio Ecumênico da Igreja, no ano 325, em Niceia (atual Turquia). Um cânone unanimemente aceito garantiu que a Páscoa nunca cairia no início da Páscoa judaica, talvez um reflexo da animosidade cristã em relação ao povo judeu, por seu papel percebido na morte de Jesus.

No entanto, cada grupo da igreja presente em Niceia parecia ter uma opinião diferente sobre a data da Páscoa. A maior divisão dava-se entre as igrejas orientais de Antioquia e Síria, que ainda dependiam do calendário judaico ou lunar para determinar a data da Páscoa, e as igrejas ocidentais de Alexandria e Roma, que empregavam o eficiente calendário solar. O acordo resultante, conforme a declaração comum, foi que a Páscoa cairá no primeiro domingo após a primeira lua cheia depois do equinócio de primavera. (O equinócio de primavera é uma das duas épocas do ano em que o sol cruza o Equador celeste e a duração do dia e da noite são aproximadamente iguais.)

Isso explica o intervalo de 35 dias em que a Páscoa pode ocorrer (de 22 de março a 25 de abril, inclusive): o primeiro domingo após a primeira lua cheia depois do equinócio de primavera pode ocorrer de 2 a 37 dias após o equinócio.

Devemos essa fórmula complicada, com sua atenção ao sol (o equinócio) e à lua (fase cheia), a um acordo político entre as facções reunidas de Niceia. Os cristãos orientais introduziram as fases irregulares da lua nos cálculos — causando assim esse efeito “variável” da data — porque queriam que seu calendário lunar mantivesse um papel histórico (embora problemático) na determinação de datas importantes.

Uma mudança estupenda

Por mais complicado que fosse, o acordo de Niceia governou a comemoração da ressurreição de Jesus pela igreja pelos próximos 900 a 1.000 anos. Mas este não foi o fim da história. Infelizmente, o calendário solar juliano continha uma falha não trivial que despontou à medida que os séculos se arrastavam. Essa falha afetou a celebração da Páscoa, e sua correção causou grande conflito e consternação entre os cristãos.

Em meados de 1.200, um frade inglês chamado Roger Bacon observou que a data da Páscoa, além de sua variação prescrita, estava se distanciando cada vez mais na estação da primavera. Os astrônomos agora sabiam que a duração do ano solar estava mais próxima de 365.242 dias do que dos 365.250 dias supostos pelo ano do calendário juliano. Em 1.000 anos, o calendário juliano contara 365.250 dias, enquanto, na realidade, 365.242 dias solares haviam decorrido. Bacon percebeu que cada ano juliano “entrou” ligeiramente no próximo ano solar, e que qualquer data estava mais adiantada em tempo real do que o calendário suporia. O calendário feito pelo homem pode dizer uma coisa, mas as estações da natureza não se deixam enganar! Embora a pequena incompatibilidade tenha causado uma mudança de apenas 11 minutos por ano, isso se acumulou — dos dias de Júlio César aos dias de Roger Bacon — em 9 preocupantes dias. As petições de Bacon para corrigir o desvio foram ignoradas.

Em meados dos anos 1500, o Papa Gregório XIII reconheceu as consequências da variação e confiou a solução a um matemático e astrônomo jesuíta, Cristóvão Clavius. O papa esclarecido endossou as descobertas de Clavius em 1563, no Concílio de Trento, e 19 anos depois, em 4 de outubro de 1582, Gregório assinou uma bula papal promulgando o novo calendário que leva seu nome — o calendário gregoriano.

O calendário de Gregório inseriu uma correção no calendário juliano daquela época em diante. Engenhosamente, ele cortou 8 dos 250 dias bissextos (29 de fevereiro) que ocorrem em cada 1.000 anos do calendário juliano, aproximando assim com mais precisão da média do número de dias em um ano — ou seja, 365.242. A regra exata é que, na troca de século, um dia bissexto deve ser observado apenas quando o número do século for totalmente divisível por 400. Em outras palavras, a observância de um dia bissexto em 2.000 foi um evento especial. Isso não acontecerá novamente em uma troca de século até 2.400.

Mais problemas para a Páscoa

Embora o calendário gregoriano tenha resolvido o problema para os anos futuros, restava a questão crítica de corrigir o “deslize” do calendário anterior. Em 1582, o descompasso cumulativo do ano do calendário juliano em relação ao ano solar totalizou 10 dias. A bula papal abordou esse problema de maneira prática, mas provocativa: avançou o calendário juliano em 10 dias. Os dias do calendário de 5 a 14 de outubro de 1582 simplesmente desapareceram!

Esta parte do decreto de Gregório trouxe confusão e conflito em toda a cristandade. A Páscoa não apenas continuaria sua variação, mas também iria variar de maneira diferente em diferentes regiões. A Alemanha, com sua mistura de enclaves católicos e protestantes, foi particularmente atingida. Por 193 anos, a Páscoa foi celebrada de forma variada em momentos diferentes por diferentes estados germânicos. A Igreja Anglicana entrou na briga, resistindo à mudança por quase 170 anos.

Algumas jurisdições dentro da Igreja Ortodoxa Oriental mantêm até hoje o calendário juliano para determinar as datas da festa. Esse calendário está agora 13 dias atrás do calendário gregoriano e a diferença, no ano 2.100, será de 14 dias. Para datas festivas fixas, o atraso determina exatamente a data ortodoxa; por exemplo, o Natal ocorre em 7 de janeiro (até 2.100). Para datas festivas móveis, a situação é mais complicada. Ambas as fases da lua e do equinócio estão em jogo, e o equinócio definido eclesiasticamente em Niceia, 21 de março, torna-se 3 de abril no calendário gregoriano. Uma explicação detalhada está além do escopo deste resgate da história. Mas é interessante notar um acordo em toda a cristandade sobre as datas da Páscoa em 2.001 e 2.004.

Para saber mais sobre a Páscoa e os calendários, veja as seguintes fontes:

Duncan, David Ewing. “Calendar” (NY: Avon Books, Inc., 1998).

Gould, Stephen Jay. “Questioning the Millennium” (NY: Harmony Books, 1996).

Thurston, Hebert. “Catholic Encyclopedia: Easter Controversy”. Extraído de http://www.newadvent.org/cathen/05228a.htm.

Lewis Patsavos. “The Calendar of the Orthodox Church”. Extraído de www.goarch.org/en/ourfaith/article7070.asp

Farrell Brown é Professor Emérito da Clemson University e reside na região de Clemson. Ele pode ser contatado em farrelb46@bellsouth.net.

Copyright©Christianity Today. Clique para obter informações sobre reimpressão.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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O que C. S. Lewis e John Henry Newman nos ensinam sobre a alegria melancólica da Páscoa

A celebração da ressurreição de Cristo contrasta com a alegria do Natal.

Christianity Today March 28, 2022
Maxim Dužij / Unsplash

Foi mais difícil encontrar a alegria da Páscoa este ano. Entre a crescente repugnância da política e a amargura dentro do corpo da igreja, achei mais difícil antecipar esse olhar do corpo ferido de meu Senhor para me alegrar, neste domingo, no Cristo ressurreto que ascendeu aos ceús.

Quando compartilhei minha dificuldade com um amigo querido, ele sugeriu que eu revisitasse uma coletânea de sermões que John Henry Newman, um padre do século 19, pregou em Oxford, em resposta aos desafios de sua própria época. Depois de me voltar para Newman, encontrei um insight surpreendente: em sua opinião, minha alegria mais contida não é apenas aceitável ou tolerável, mas sim exigida como uma resposta profundamente cristã à Páscoa.

Em um sermão intitulado “Cultivando o jejum e a celebração”, Newman começa fazendo uma comparação entre o Natal e a Páscoa. No Natal, diz ele, nos regozijamos com a “alegria natural e inconfundível das crianças”. A alegria da Páscoa, porém, não é igual. É uma alegria experimentada como “um último sentimento, não como o primeiro”. Ela nasce da tribulação, como Paulo escreve em Romanos 5; ela emerge da colheita (Is 9.3), e vem depois (e por meio) da Quaresma e da Sexta-feira Santa.

Em outras palavras, se viver a Quaresma nos ensina um pouco que seja sobre como Cristo suporta o sofrimento do mundo, então, nosso entusiasmo com a Páscoa deve ser diferente de nossa resposta à chegada de Deus como um bebê, no Natal. Deve ser um sentimento mais comedido, mais maduro e mais desgastado. A alegria da Páscoa não é a alegria das crianças, diz Newman, mas sim a dos convalescentes, que receberam a promessa de cura e estão começando a ficar bem, mas ainda recuperando as forças, depois de viver um período, na quaresma, de confronto com nossa fraqueza e de tristeza por nosso pecado.

A imagem que Newman apresenta dos cristãos como convalescentes traz à mente a história de uma cura no final da obra de C. S. Lewis, O sobrinho do mago. No ponto culminante do livro, Diggory, o jovem herói, observa Aslan plantar uma maçã mágica no solo recém-criado de Nárnia. Uma árvore imediatamente cresce, brotando do solo. Em Nárnia, as maçãs têm imenso poder de cura e fortalecimento. Aslan, então, dá a Diggory uma fruta da árvore e o envia de volta ao nosso mundo, para ajudar a curar sua mãe que estava doente.

Quando dá a maçã mágica para a mãe, Diggory não vê uma recuperação imediata. Em nosso mundo, cheio do vigor da redenção, não da criação, a cura dela é lenta e gradual. Diggory primeiro percebe que o rosto da mãe está um pouco diferente. Então, uma semana depois, ela consegue se sentar. Finalmente, um mês depois, ela está bem o suficiente para se sentar no jardim com o filho. Em meio a esse processo, Diggory luta para acreditar que a cura está realmente acontecendo. Mas “quando ele se lembra do rosto de Aslan, ele [realmente] tem esperança”.

Nós também devemos muitas vezes (embora nem sempre) esperar que nossa cura se pareça mais com a da mãe de Diggory — uma cura marcada por uma alegria contida que não exclui a luta. Como George Herbert escreveu, mesmo quando crescemos na fé e descansamos em Deus, muitas e muitas vezes ainda nos sentimos “franzinos e esguios sem uma proteção nem um amigo […] levados ao sabor de toda tempestade e de todo vento”.

Como muitos dos que estão expostos a várias espécies de evangelicalismo, para mim é fácil atribuir um alto valor a questões como experiência subjetiva, emotividade e expressões exteriores. E, estando eu nessa condição, para mim é fácil temer que a percepção que tenho de falta de alegria na Páscoa — ou em qualquer outra época do ano — seja algo devido à minha fraqueza e à minha pecaminosidade. Embora isso possa ser verdade às vezes, Newman desafia a crença de que seja sempre verdade, rejeitando a mentira de que “uma vez que é dever do cristão se regozijar a cada dia mais, sua alegria seria melhor se este nunca se entristecesse e nunca sofresse com a justiça”.

No entanto, preocupar-me com minha própria falta de uma emoção “apropriada” [em relação à Páscoa] não é a solução e, de fato, pode ser parte do problema. Quando me recuso a deixar de lado essa decepção com meu próprio estado caído e com o do mundo, deixo de reconhecer não apenas “o abatimento e a opressão de nossos velhos eus” que persistem deste lado de cá do céu, mas também a realidade da nova vida que me foi dada. A solução não é eu me emocionar mais nem é apagar as tristezas deste mundo, mas sim me voltar em oração, não para dentro de mim mesmo, mas para o alto.

“Devemos implorar àquele que é o Príncipe da Vida, a própria Vida”, diz Newman, “que ele nos leve para Seu novo mundo, pois não podemos caminhar até lá, e [devemos pedir que ele] nos assente em um lugar de onde, assim como Moisés, possamos ver a terra, e meditar sobre sua beleza!”

A alegria pascal não exige, portanto, que deixemos este momento presente para trás ou que não sejamos feridos pelos acontecimentos deste mundo. Pelo contrário, ela vem quando, assim como fez Diggory, nós nos voltamos para este mundo caído que nos rodeia (e inclusive para a nossa própria condição caída) com o consolo da presença de Cristo e os meios de graça que ele mesmo nos fornece durante todo o período pascal.

Nesse ato de nos voltarmos, a alegria vem com um aspecto diferente e mais sombrio, mas, ao mesmo tempo, com uma aparência mais profunda, melhor e mais miraculosa do que qualquer coisa que poderíamos esperar.

Elisabeth Rain Kincaid é professora assistente de teologia moral no Aquinas Institute of Theology. Sua pesquisa se concentra em questões de formação moral, o desenvolvimento da virtude e a interseção entre direito, negócios e teologia.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Books

Acolher refugiados da Ucrânia, mas não da Síria é uma atitude “cristã” da Europa?

Evangélicos do Oriente Médio e da Europa avaliam diferentes respostas do continente e os ensinamentos da Bíblia em relação ao estrangeiro.

Esquerda: Em campo de refugiados, sírios ascendem fogueira do lado de fora de suas tendas. Direita: Ucranianos na Polônia procuram refúgio fugindo da invasão russa.

Esquerda: Em campo de refugiados, sírios ascendem fogueira do lado de fora de suas tendas. Direita: Ucranianos na Polônia procuram refúgio fugindo da invasão russa.

Christianity Today March 25, 2022
Edits by Christianity Today / Source Images: Chris McGrath / Sean Gallup / Getty

Enquanto a Ucrânia continua sob ataque da Rússia, refugiados sírios oram.

“Foi isso que aconteceu conosco”, disseram estudantes refugiados do centro Together for the Family, em Zahle, no Líbano. “Não queremos que aconteça com os outros.”

Nascida em Homs, na Síria, filha de um pastor batista, Izdihar Kassis casou-se com um libanês e fundou o centro em 2006. Ela mudou seu ministério para cuidar de “seu povo”, quando a guerra civil síria começou, em 2011. Todo ano, cerca de 50 adolescentes traumatizados encontram aconselhamento lá, e 300 já se formaram nos programas vocacionais do centro.

Enquanto os refugiados discutiam a situação “terrível” na Europa, durante o culto semanal na capela, Kassis sugeriu que intercedessem. Abaixando a cabeça, as 40 crianças e os 30 funcionários e voluntários sírios sabiam melhor do que ninguém o que pedir.

Mas um menino queria ter certeza de que os ucranianos ficariam sabendo de sua solidariedade. Ele saiu para o frio e a neve do Vale do Bekaa, onde a maioria dos 1,5 milhão de refugiados sírios do Líbano se abriga.

O cartaz que ele segurava dizia: “Orando pela paz”.

Refugiado sírio em Zahle, Lebanon.Together for the Family
Refugiado sírio em Zahle, Lebanon.

Desde a invasão, cerca de 3,5 milhões dos 43 milhões que constituem a população da Ucrânia se tornaram refugiados. Outros 6,5 milhões foram deslocados internamente, dentro do próprio país.

No entanto, ao longo desses 11 anos de na guerra na Síria, a maioria de seus 6,8 milhões de refugiados — de uma população de 20 milhões de pessoas — ainda vive no limbo. A Europa em grande parte certamente lhes fechou as portas, em comparação com a recepção calorosa com que vem recepcionando aqueles que fogem da agressão russa.

Muitos se ressentem [dessa atitude].

“Existe um constante padrão duplo e uma indignação seletiva por parte da mídia global, dos governos ocidentais (e, infelizmente, até das igrejas ocidentais) quando se trata da narrativa sobre guerras, conflitos e a situação dos refugiados”, afirmou Vinoth Ramachandra, do Sri Lanka, um líder sênior da International Fellowship of Evangelical Students (IFES), afiliada à InterVarsity.

“Se os ucranianos não fossem loiros e de olhos azuis, sua situação teria ocasionado [toda essa] demonstração de compaixão?”

É uma pergunta justa. A hipocrisia europeia — até mesmo o racismo europeu — está em plena exibição?

Os cristãos árabes não fazem julgamentos apressados.

Nascido na Síria, Joseph Kassab hoje lidera o Supremo Conselho das Igrejas Evangélicas na Síria e no Líbano, com sede em Beirute. Ele observa os mais de um milhão de compatriotas acolhidos pela Europa — principalmente pela Europa Ocidental. As nações do Leste europeu, disse ele, estão se recuperando da era comunista e ainda não desenvolveram a mesma noção de direitos humanos.

Não deve haver discriminação, mas mesmo isso ele entende. A igreja primitiva lutou para estender sua missão aos que não eram judeus.

“O racismo está presente em todas as sociedades”, disse Kassab. “Mas os europeus têm sido mais receptivos aos sírios do que muitos libaneses.”

Ser muçulmano é um fator [que pesa], disse Elie Haddad, presidente do Seminário Teológico Batista Árabe em Beirute. Mas também pesa o fato de essa maioria ser composta por agricultores sem instrução formal. Seja isto legítimo ou não, fato é que as pessoas se sentem desconfortáveis com o diferente.

A Europa é um pouco hipócrita, mas ele também é.

“Se um membro do corpo docente precisar de abrigo, abrirei minha casa [para recebê-lo]”, disse Haddad. “Já para um estranho, nem tanto.”

Um mural pintado por artistas sírios para protestar contra a operação militar da Rússia na Ucrânia, em meio à destruição na cidade de Binnish, controlada pelos rebeldes, na província de Idlib, noroeste da Síria, em 24 de fevereiro de 2022.Omar Haj Kadour / AFP / Getty Images
Um mural pintado por artistas sírios para protestar contra a operação militar da Rússia na Ucrânia, em meio à destruição na cidade de Binnish, controlada pelos rebeldes, na província de Idlib, noroeste da Síria, em 24 de fevereiro de 2022.

Quem abriu sua casa em Nice foi um francês de ascendência libanesa.

Enfermeiro de um hospital local, em 2018, François Nader era o único falante de árabe disponível para ajudar uma família de refugiados, cujo filho, já em idade economicamente ativa, precisava fazer diálise renal de emergência. Ele os ajudou com a documentação necessária e, por três meses, deu hospedagem ao sírio em recuperação. Nader chegou a lhe oferecer um salário acima da média para fazer serviços domésticos, fornecendo-lhe trabalho informal, já que a lei francesa proibia o emprego formal no caso dele.

No entanto, a França hoje está permitindo aos ucranianos até três anos de residência e emprego (por uma diretiva da União Europeia).

E Nader, que hoje vive em Bordeaux e é casado com uma russa que têm parentes ucranianos, aplaude a diretiva. Um simples telefonema das autoridades validou a legalidade de quatro refugiados que ele agora abriga em sua casa. Cristão não-denominacional, ele acredita que o evangelho chama as pessoas a tratarem todos da mesma forma.

Mas esse chamado não se estende às nações.

“Os valores muçulmanos são totalmente opostos aos nossos”, disse Nader. “Serão necessárias várias gerações para que sua mente se adapte ao modo de vida europeu.”

O medo do terrorismo é um problema. Mas a adaptação também é. Os muçulmanos se concentram nos banlieues, guetos que reforçam um separatismo prejudicial à sociedade francesa, disse ele. Enquanto isso, turistas ucranianos visitam o Louvre, onde seus filhos se comportam, disse ele. No trem, eles permanecem sentados, em silêncio, lendo livros.

“É um estereótipo e é um pouco cruel”, disse Nader. “Lamento dizer isso, mas também é humano.”

Mas será que é bíblico?

Deus criou semelhanças e diferenças, disse Leonardo De Chirico, presidente da comissão teológica da Aliança Evangélica Italiana. De acordo com Gálatas 6.10, segundo ele, é apropriado dar preferência.

“O princípio da proximidade nos chama a dar atenção especial àqueles que estão perto de nós”, disse ele, “na fé, na família, na nação e no contexto que nos cerca”.

Embora isso se aplique à etnia, não se aplica à cultura ou à educação, disse De Chirico. Todos devem ser acolhidos e receber ajuda para se integrar. Mas, onde os recursos são limitados e os governos estão sobrecarregados, não é errado discriminar.

Até a Bíblia faz isso, diz ele, pois o hebraico original faz distinção entre “estrangeiros”. Os gerim (Levítico 19.33-34) devem ser tratados de forma idêntica aos judeus, mas os zarim (Êxodo 12.43) são impedidos de celebrar a Páscoa.

Uma distinção moderna é a que se faz entre refugiado e imigrante.

“A liberdade de movimento não é um direito absoluto”, disse Marc Jost, secretário-geral da Aliança Evangélica Suíça. “Aprecio a diversidade, mas ela envolve riscos que devem ser regulamentados.”

A proximidade cultural levou a Suíça a dispensar para os ucranianos o exame caso a caso que é exigido para os sírios. Jost rejeita o privilégio que muitos queriam dar à fé e à etnia, mas as autoridades suíças acharam que a distinção era necessária para eliminar potenciais terroristas.

Ainda assim, as dificuldades de integração são reais, e o governo queria reduzir o “fator de atração”, especialmente para os que imigram por razões econômicas, em busca de uma vida melhor. Aqueles “que têm a vida e a integridade física sob ameaça” devem ser acolhidos sem discriminação.

Mas muitos dizem que esses casos são a minoria.

A Grécia acolheu cerca de 5 mil ucranianos desde o início da guerra. Até 30 mil podem ser acomodados, disseram as autoridades. A nação mediterrânea tem estado especialmente atenta a Mariupol, repatriando cerca de 200 cidadãos de uma área originalmente colonizada pelos gregos, no século 6º a.C.

Mas a Grécia já acolhe cerca de 42 mil refugiados de vários países. Muitos mais são mandados embora do país de barco. O governo grego afirmou que, ao processar os pedidos, 7 em cada 10 candidatos não são refugiados.

“Não devemos igualar imigrantes a refugiados”, disse Slavko Hadžić, oriundo da Bósnia e coordenador de pregação da Langham para os Balcãs Ocidentais. “Imigrantes podem usar meios legais para se candidatar a empregos.”

Sua nação tem sido criticada por manter campos de imigrantes “desumanos”. Entretanto, de acordo com um relatório de 2020 da Human Rights Watch, entre os 18 mil requerentes de asilo, a Síria foi apenas a quinta mais comum entre as nações de origem, atrás do Paquistão, Afeganistão, Bangladesh e Iraque.

As igrejas ajudaram a todos, disse Hadžić, como deveriam. Mas ele criticou uma ideia ouvida com frequência na Europa Oriental sobre a preservação da “civilização cristã”. Embora os crentes tenham uma responsabilidade especial de ajudar todos os seguidores de Jesus, isso não inclui os cristãos nominais.

“Seja qual for o rótulo que um governo secular atribua a si mesmo”, disse ele, “não há nações cristãs no mundo”.

Mas é bom que haja uma herança cristã — disse Samuil Petrovski, presidente da Aliança Evangélica Sérvia —, e ela deve ser protegida contra novas ondas de políticas de identidade importadas do Ocidente. Mas, como é dever do governo “trazer luz a lugares sombrios”, isso não deve ser feito à custa de refugiados ou imigrantes, independentemente de sua religião, disse ele. A Bíblia ensina que a assistência deve ser dada a todos os que realmente precisam.

A Hungria simplesmente os define de maneira diferente.

O primeiro-ministro Viktor Orbán chama sua nação de “democracia cristã”; o país, de maioria católica, mantém um ministério em nível de gabinete para apoiar cristãos perseguidos no Oriente Médio. Mas, embora agora diga que os refugiados ucranianos estão chegando a um “lugar amigável”, dois meses antes da guerra, Orbán declarou: “Não vamos deixar ninguém entrar”.

Os europeus orientais apegaram-se à herança da cristandade por mais tempo do que seus vizinhos ocidentais. Mas é uma velha ideia ortodoxa — rejeitada como heresia em 1872, pelo Concílio de Constantinopla — que funde o nacionalismo político com uma igreja étnica. E, dado o argumento da Rússia de que a Ucrânia pertence devidamente ao patriarcado de Moscou, mais de 1.100 clérigos e estudiosos ortodoxos condenaram novamente o filetismo.

“A batalha é vencida nos corações e nas mentes alheias, não em leis restritivas, mesmo quando criadas com boas intenções”, disse Bradley Nassif, autor de The Evangelical Theology of the Orthodox Church e ex-professor de teologia da North Park University. “A melhor abordagem seria o Estado apoiar a Igreja sem promulgar leis e políticas contrárias às minorias religiosas.”

Jost acredita que, para defender a herança cristã de uma nação, deve-se continuamente demonstrar que ela beneficia a sociedade como um todo. Os direitos humanos, disse ele, são derivados da ética cristã.

Mas outros líderes evangélicos protestaram. De Chirico, oriundo de uma maioria católica romana na Itália, disse que uma identidade cristã vinculada a um Estado é algo “coalhado de problemas”. Kassab disse que, se o Oriente Médio promovesse sua identidade islâmica, isso “multiplicaria a miséria” dos cristãos.

O Estado deve proteger o patrimônio e a identidade de todos, disse Tom Albinson, presidente da Associação Internacional para Refugiados, uma afiliada da Aliança Evangélica Mundial (WEA). Há boas razões para as comunidades servirem através de redes e relações de confiança. E está dentro dos direitos de uma nação proteger suas fronteiras e deportar imigrantes.

Mas não é certo colocar imigrantes contra refugiados.

“Muitas nações hoje estão gastando muito mais dinheiro e energia para encontrar maneiras de impedir que refugiados e requerentes de asilo cruzem suas fronteiras do que para proteger pessoas que foram roubadas de seu lugar [no mundo] e estão entre as mais vulneráveis do planeta”, disse Albinson. “Isso precisa ser exposto e confrontado pelo que é.”

A migração mista confunde a questão, e faz de todos presas do tráfico humano. Enquanto isso, os refugiados que estão entre eles são frequentemente tratados como culpados, até que se prove sua inocência.

Tendo servido por oito anos como embaixador da WEA para refugiados, até o ano passado, Albinson aconselha as nações a investirem na infraestrutura necessária para processar os pedidos de asilo de forma justa. Atualmente, 86% dos refugiados do mundo estão hospedados em nações em desenvolvimento, disse ele. E, de um total de 26 milhões, apenas 1% são reassentados em um determinado ano.

A igreja, segundo ele aconselha, deve preencher as lacunas.

“Serviços governamentais e agências humanitárias não governamentais podem oferecer ajuda, mas não são capazes de fortalecer a esperança”, disse Albinson. “Somos o nosso melhor quando cuidamos daqueles que são diferentes de nós, daqueles que nos são estranhos.”

E quem é mais estranho para um ucraniano do que um sírio?

O Dia das Mães no mundo árabe cai em março. Além de oferecer oração, o Together for the Family coletou conselhos de esposas e viúvas sírias sobre como lidar com a vida, quando separadas de maridos e filhos.

Elas enviaram cartões — e o pouco dinheiro que puderam poupar. As pessoas que se formam no programa de carpintaria do centro ganham 2,25 dólares por semana. Mas devido à escassez de grãos ucranianos importados, seu pão diário agora custa 75 centavos.

“O Senhor as ajudou até aqui e as levantou”, disse Kassis. “Elas querem encorajar as mulheres ucranianas da mesma maneira.”

“Quanto tempo mais, Senhor?” e “Ó Deus, quebre os ossos do meu inimigo” soam agora como aleluias, enquanto líderes pedem defesa e assistência, lamentando o silêncio dos cristãos russos.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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Já não nos restam mais lágrimas

A história da Ucrânia foi marcada por tragédia e bravura. O que podemos aprender com esse povo e como podemos orar por eles?

Christianity Today March 19, 2022
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Lisa Fotios / Pexels / WikiMedia Commons

Por mais de um mês, o mundo assistiu à Rússia começar a cercar a nação ucraniana, insistindo o tempo todo que não tinha planos de invasão. Agora, vemos um horror que se desenrola diariamente diante dos nossos olhos.

Ouvimos falar de projéteis de artilharia terem caído em uma usina nuclear. De jardins de infância e teatros que foram bombardeados. De blocos de apartamentos e bairros inteiros reduzidos a escombros. De um tanque ter matado três pessoas que estavam em um carro. De centenas de órfãos que entraram na Polônia, alguns desacompanhados, atordoados e chorando enrolados em seus cachecóis.

Vimos civis desarmarem uma bomba russa com as próprias mãos. E moradores beberem água de aquecedores de água, depois de semanas sobrevivendo a temperaturas congelantes sem eletricidade nem aquecimento. Vimos ataques aéreos a pelo menos 20 unidades de saúde, incluindo uma maternidade e um hospital infantil.

A resposta ucraniana a tal ataque devastador cativou o mundo. O serviço de pesquisa “Rating” informa que 88% dos ucranianos acreditam que vão repelir o ataque russo e 98% apoiam as ações das forças armadas ucranianas.

Mais de dois milhões de ucranianos fugiram por segurança, mas os que ficaram têm resistido com bravura. Eles estão revidando com coquetéis molotov e rifles de caça, em apoio às suas forças armadas, às quais tiveram um desempenho melhor do que qualquer um imaginava — especialmente Vladimir Putin.

Peter Wehner escreveu no The Atlantic que “o que atraiu apoio à Ucrânia foram as virtudes humanas que estão sendo exibidas em meio a um terrível drama humano”.

“Foi ver pessoas comuns — entre elas jovens e idosos — agindo de maneira extraordinária para defender o país que amam, contra todas as probabilidades. Foi ver as pessoas fazendo a coisa certa, correndo risco de morte, quando quase todos os instintos dentro delas deveriam estar gritando: Faça o que for preciso para sobreviver, mesmo que a sobrevivência, embora não seja desonrosa, seja menos honrosa.”

E ele continua: “Seja qual for o destino que os aguarda — e agora os russos estão sitiando cidades que abrigam milhões de pessoas — o povo e o presidente da Ucrânia [Volodymyr Zelensky] mostraram que o amor à honra jamais se torna algo ultrapassado, mesmo para um mundo às vezes indiferente, exaurido e cínico”.

Como Martin Luther King Jr. disse certa vez sobre a luta contra a injustiça: “Se um homem não descobriu algo pelo qual morrer, não está pronto para viver”.

Com sua trágica história, a Ucrânia é uma nação que se familiarizou com o sofrimento.

Visitei o país em 2018, e descobri que os principais pontos turísticos eram monumentos que traziam à memória atrocidades humanas do passado da nação. Visitei o Museu da Fome, um memorial aos milhões de ucranianos que morreram de fome na década de 1930, quando os soviéticos tomaram suas fazendas e confiscaram suas colheitas.

Outros museus relatam a ocupação pelo exército de Hitler, na Segunda Guerra Mundial, quando somente Kiev sofreu um milhão de baixas — mais do que o número total de baixas de americanos em toda a guerra. No campo, os combates destruíram 28 mil aldeias.

No dia seguinte, visitei uma ravina gramada nos limites da cidade. Hoje Babi Yar é um parque, um pacífico ambiente silvestre, aninhado em um bairro de lojas e casas; mas o próprio nome evoca cenas de genocídio. Babi Yar foi o primeiro ato de assassinato em massa de Hitler em sua campanha contra os judeus. Soldados da SS cercaram os judeus da cidade, desnudaram-os e os metralharam à beira de um penhasco.

Morreram cerca de 22 mil judeus no primeiro dia e 12 mil no segundo. Mais de um milhão de judeus ucranianos morreram no Holocausto, incluindo muitos parentes de Zelensky — um judeu que, compreensivelmente, acha revoltante que Vladimir Putin tenha tentado apresentar tanto o presidente quanto o governo ucraniano como parte de um movimento “neonazista”.

A derrota de Hitler levou a mais quatro décadas de ocupação soviética. Quando a URSS entrou em colapso, a Ucrânia finalmente viu uma oportunidade de se tornar independente. Em 1990, 300 mil ucranianos formaram uma corrente humana, em uma demonstração de unidade, dando-se as mãos ao longo de uma rota de cerca de 550 quilômetros de Kiev a Lviv.

No ano seguinte, 92% da população votou pela independência do país. Em um acordo à parte, a nova nação abriu mão de suas armas nucleares (o terceiro maior estoque do mundo) em troca de garantias de segurança. Como um dos signatários do acordo, a Rússia concordou em respeitar a integridade territorial da Ucrânia.

A democracia teve um começo difícil na Ucrânia. Se você acha que as eleições nos EUA são sujas, lembre-se de que, em 2004, quando o reformador ucraniano Viktor Yushchenko ousou desafiar Viktor Yanukovych — do partido apoiado pela Rússia —, ele quase morreu de um suspeito envenenamento por dioxina.

Ignorando o aviso, Yushchenko permaneceu na corrida presidencial, com o corpo enfraquecido e o rosto permanentemente desfigurado pelo veneno. No dia da eleição, uma pesquisa de boca de urna mostrava Yushchenko com 11% de vantagem, mas o governo em exercício conseguiu reverter esses resultados por meio de indisfarçada fraude.

Em uma das reviravoltas pouco conhecidas da história, os surdos desencadearam uma revolução pacífica. Na noite da eleição, a estação de televisão estatal informou: “Senhoras e senhores, anunciamos que o desafiante Viktor Yushchenko foi completamente derrotado”. No entanto, as autoridades governamentais não levaram em conta uma característica da televisão ucraniana: a tradução que ela oferece para deficientes auditivos.

Na imagem que aparece no canto inferior direito da tela da televisão, uma mulher corajosa, criada por pais surdos-mudos, transmitiu uma mensagem muito diferente na língua de sinais. “Estou me dirigindo a todos os cidadãos surdos da Ucrânia”, disse ela por meio de sinais. “Não acreditem no que eles [as autoridades] dizem. Eles estão mentindo e tenho vergonha de traduzir essas mentiras. Yushchenko é o nosso presidente!”.

Inspirados por essa tradutora, Natalya Dmitruk, os surdos enviaram mensagens de texto e e-mail a seus amigos sobre as eleições fraudulentas. Com o ato de desafio de Natalya, logo outros jornalistas tomaram coragem e também se recusaram a transmitir a versão do partido. Protestos espontâneos eclodiram nas principais cidades e nasceu a Revolução Laranja.

Em Kiev, 500 mil pessoas inundaram a Praça da Independência, muitas delas acampadas sob um clima frio e vestindo laranja, em apoio às cores da campanha de Yushchenko. Nas semanas seguintes, a multidão chegou algumas vezes a atingir um milhão de pessoas. Quando observadores externos provaram que a fraude eleitoral havia ocorrido, os tribunais ordenaram uma nova eleição — e desta vez, Yushchenko emergiu como o vencedor indiscutível.

Dez anos depois, o candidato apoiado pela Rússia, que Yushchenko derrotou, estava na presidência. Ele acumulou uma fortuna de 12 bilhões de dólares e morava em uma verdadeira mansão, com um zoológico particular, uma frota de 35 carros, um campo de golfe e um campo de tiro subterrâneo — enquanto a maioria dos ucranianos vivia na pobreza. Quando ele deteve a inclinação da nova nação em direção à Europa e, em vez disso, buscou laços mais estreitos com a Rússia, os ucranianos foram às ruas mais uma vez. O Parlamento finalmente ordenou novas eleições, e um presidente pró-Europa venceu.

Um guia barbudo chamado Oleg me conduziu por memoriais em homenagem aos “Cem Celestiais”, uma lista de nomes das 130 pessoas mortas por atiradores de elite do governo, durante a revolta de 2014. Outros 15 mil manifestantes ficaram feridos no mesmo protesto.

“Esta foi uma revolução da internet”, disse Oleg. “À medida que a notícia se espalhava online, os táxis começaram a oferecer caronas gratuitas para manifestantes de toda a cidade. Montei uma tenda de oração no meio de meio milhão de manifestantes, e passei 67 dias lá. Fornecíamos um local para oração e distribuíamos pão e chá quente para ativistas e policiais. E agora faço viagens para as linhas de frente em uma van blindada, transportando suprimentos de comida e água para os soldados e civis envolvidos no conflito no leste da Ucrânia”.

Logo após a “Revolução da Dignidade”, em 2014, a Rússia aproveitou a oportunidade para tomar a península da Crimeia e duas outras regiões, iniciando uma guerra de menores proporções que preparou o terreno para a invasão em grande escala que estamos assistindo agora.

Penso no pungente poema de Ann Weems, “Já não oro pela paz”. Como muitos, sinto uma sensação de desespero impotente ao ver as mortes e a devastação na Ucrânia. Como podemos orar por eles?

Eu oro primeiro pelos 40 milhões de ucranianos que ficaram para trás, lutando para sobreviver, enquanto jatos rasgam o céu do país e tanques atacam casas e hospitais.

Oro pelos refugiados que chegam à Hungria, Polônia, Moldávia e Romênia, bem como pelos milhares que tiveram a sorte de escapar para lugares distantes, como Reino Unido, França, Canadá e Estados Unidos. Oro pelos maridos e pais que ficaram em sua terra natal, arriscando suas vidas para repelir os invasores. Oro pelas famílias anfitriãs que vão ao encontro dos refugiados, nas fronteiras e nas estações de trem, oferecendo-lhes hospedagem gratuita.

Oro pelos ministérios cristãos como Mission Eurasia e New Hope Ukraine, muitos dos quais estão baseados na cidade-dormitório de Irpin, cenário de alguns dos combates mais ferozes.

Um dos líderes declarou em uma newsletter: “Aprendemos a amar e a odiar em um nível totalmente novo. Descobrimos o que significa odiar o mal no âmago do nosso ser. E aprendemos a amar a verdade. A verdade que nos liberta. […] A muitos de nós simplesmente já não nos restam mais lágrimas. Agora estamos tão irados com todas as injustiças praticadas contra nós, que pedimos ao Senhor dos Exércitos que mostre seu justo juízo.”

Oro pelos soldados russos. A inteligência britânica interceptou alguns de seus telefonemas em pânico para casa. Eles foram informados de que seriam recebidos com flores, como libertadores, e em vez disso se encontram no meio de uma guerra sangrenta contra ucranianos que estão determinados a resistir. O New York Times publicou uma reportagem, dizendo que algumas unidades russas desmoralizadas depuseram suas armas e se renderam, ou sabotaram seus próprios veículos, para evitar lutas.

Oro pelo povo russo, que está ouvindo uma versão totalmente diferente dos acontecimentos. Estão dizendo para eles que é uma operação militar restrita, sem vítimas civis. Enquanto isso, o Ocidente hostil está tentando sufocar economicamente seu país. Os russos que protestam contra a guerra são presos, enquanto outros correm o risco de serem presos por apenas usarem a palavra guerra nas mídias sociais.

Oro pelo meu próprio país, para que não nos deixemos abater pelos preços mais altos da gasolina e pela queda do mercado de ações, nem deixemos de apoiar aqueles que defendem a liberdade e a justiça.

Sim, também oro por Vladimir Putin. Jesus não nos disse para amar nossos inimigos e orar por aqueles que nos perseguem? Seria necessário um milagre colossal para um ditador com uma determinação tão egocêntrica passar por uma mudança de coração — o tipo de milagre que os hebreus exilados testemunharam nos dias de Nabucodonosor (Daniel 4).

Tish Harrison Warren escreveu recentemente sobre a ira materna que sentiu, ao olhar para a imagem de um pai ucraniano, angustiado, segurando o corpo sem vida e coberto de sangue do seu filho: “Uma criança inocente foi morta violentamente porque o líder da Rússia decidiu que queria tomar para si um país vizinho e soberano”.

Ela encontrou um tipo estranho de consolo nos salmos imprecatórios, que invocam o juízo de Deus sobre o mal. “Este é o mundo em que vivemos”, escreveu ela. “Não podemos simplesmente dar as mãos, cantar “Kumbaya” e esperar o melhor. Nossos corações clamam por julgamento contra a maldade que deixa pais chorando sós por seus filhos assassinados. Precisamos de palavras para expressar nossa indignação diante desse mal”.

Para os cristãos, Putin é uma lição de advertência. Após a dissolução da União Soviética, a antiga Rússia ateia acolheu calorosamente um influxo de missionários estrangeiros, que ensinaram a Bíblia em escolas públicas, abriram uma universidade cristã e organizaram uma série de ministérios evangélicos. Muitos deles elogiaram Putin, que reconstruiu igrejas e ficou do lado deles na versão russa das “guerras culturais”.

Mais tarde, porém, a maioria dos ministérios estrangeiros foi forçada a sair, por uma aliança estratégica entre Putin e sua fiel apoiadora, a Igreja Ortodoxa Russa. A igreja oficial ganhou acesso ao poder e patrocínio do governo, enquanto Putin ganhou seguidores leais.

À luz disso, Russell Moore extrai uma lição que não ousamos ignorar: “Nós, cristãos evangélicos, devemos observar os passos de Vladimir Putin — e devemos reconhecê-los, sempre que nos disserem que precisamos de um faraó, de um Barrabás ou de um César para nos proteger de nossos inimigos reais ou presumidos. Sempre que isso acontecer, devemos nos lembrar como se diz, em qualquer língua, esta palavra: “Não”.

Philip Yancey é autor de muitos livros, incluindo, mais recentemente, um livro de memórias: Where the Light Fell.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Devemos escolher uma igreja como quem faz compras? Aprenda com os primeiros cristãos

Mesmo nessa era de cultos virtuais, algumas coisas nunca devem mudar.

Christianity Today March 12, 2022
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash / Thibault Renard / Getty

Bastante coisa mudou em relação à frequência aos cultos na igreja, desde o início da pandemia da COVID-19, e algumas dessas tendências provavelmente continuarão durante este ano.

Muitos crentes ainda estão oscilando em busca de um precário equilíbrio entre a reunião presencial e a transmissão online, enquanto alguns estão procurando mudar de igreja ou de denominação este ano. Outros pararam de ir à igreja por completo.

Há ainda aqueles que frequentam várias igrejas, muitas vezes por meio de plataformas virtuais — uma prática que se intensificou no ano passado.

No verão de 2020, apenas alguns meses após o início da pandemia, mais de um em cada três cristãos praticantes — aqueles para quem o envolvimento em uma igreja é prioridade — estavam assistindo via streaming a cultos de igrejas diferentes daquela com a qual estavam formalmente comprometidos.

E embora essa tendência seja relativamente recente do ponto de vista histórico, o fenômeno de andar de igreja em igreja começou bem antes da pandemia — sendo que aproximadamente dois em cada cinco fiéis relataram frequentarem regularmente várias igrejas já em 2019.

Uma amiga me disse recentemente que, quando a pandemia forçou as igrejas [a se reunirem] online pela primeira vez, ela começou a assistir a cultos de uma igreja localizada do outro lado do país, porque sempre gostou do estilo do pregador e de seus livros. Mas, uma vez que a região em que mora permitiu que as igrejas se reunissem de novo, ela voltou a frequentar sua igreja local presencialmente. Quando perguntei por que, ela disse que chegou à conclusão de que “assistir a cultos é ótimo, mas isso não é igreja”.

Embora nem todos concordemos com essa afirmação, vale a pena discutirmos o que constitui uma “igreja” e o que a diferencia — e também como e por que somos chamados a nos comprometer fielmente com uma. Quer admitam isso ou não, alguns cristãos consideram principalmente os três elementos mencionados a seguir, quando se trata de reavaliar seus compromissos com uma igreja:

1. Qual [igreja] é mais confortável?

2. Qual está mais de acordo [comigo]?

3. Qual é mais divertida?

Infelizmente, as forças subjacentes que impulsionam algumas buscas por igreja são os princípios básicos do consumismo individualista, nascidos da suposição de que “igreja” é principalmente um pacote de produtos e serviços projetado e vendido para alcançar a satisfação do cliente.

O problema hoje em dia, como observa Carl Trueman, é que “todos vivemos em um mundo em que é cada vez mais fácil imaginar que a realidade é algo que podemos manipular de acordo com nossas próprias vontades e desejos”. Infelizmente, essa mentalidade moderna se infiltrou em nossa eclesiologia — na maneira como entendemos e encarnamos o que significa ser igreja. Mas esse instinto não é novo.

Décadas atrás, o teólogo Dietrich Bonhoeffer escreveu que “aqueles que amam seu sonho de uma comunidade cristã mais do que amam a própria comunidade cristã tornam-se destruidores dessa comunidade, mesmo que suas intenções pessoais possam ser as mais honestas, sinceras e sacrificiais” (ênfase acrescentada).

Buscar uma comunidade de fé com ponderação e fervor, uma comunidade à qual possamos pertencer de maneira significativa, é algo que tem valor. Contudo, quando isso se transforma em uma busca por uma igreja de acordo com algum ideal de perfeição ou hipotético, podemos ter saído dos trilhos.

Uma igreja local saudável, argumenta Mark Sayers, deve se ver como “um grupo díspar e desalinhado de pessoas bastante comuns, que clamam a Deus […], caem aos pés de Cristo, são cheias de sua presença, e se tornam agentes contagiantes do reino no mundo.”

Vemos essa dinâmica em ação na história da igreja primitiva — um exemplo que pode nos servir de guia para fazermos perguntas melhores em nossa busca por uma comunidade eclesiástica.

Primeiro, a igreja primitiva “se dedicava ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e à oração” (Atos 2.42). Segundo a Concordância de Strong, no grego, o verbo dedicar é definido como “persistência devota; uma disposição de ficar e permanecer leal.”

À medida que procuramos uma comunidade de fé à qual possamos pertencer, devemos perguntar “Esta é uma igreja com a qual posso me comprometer?”, antes de perguntar “Esta igreja é confortável ?” Colocar nosso conforto antes do compromisso é tratar a igreja como mera forma de lazer, o que pode levar à nossa estagnação espiritual disfarçada sob uma fina camada de confortos.

Em contrapartida, dedicar nosso compromisso devotado a uma igreja local — apesar de suas inevitáveis falhas e deficiências — pode nos ajudar a enfrentar as tempestades significativas da vida e da fé a longo prazo. E este é o verdadeiro tipo de conforto pelo qual todos nós realmente ansiamos e do qual, em última análise, precisamos.

Segundo, os primeiros cristãos “tinham tudo em comum” (Atos 2.44, ênfase acrescentada). Para esses crentes do passado, a comunhão era um valor vivido e encarnado, e não um mero conceito hipotético. Hoje, porém, quando fazemos a pergunta “O que tenho em comum com essas pessoas?” estamos essencialmente perguntando: “Essas pessoas concordam comigo?” E a diferença é gritante.

No livro de Atos, a comunhão consistia em compartilhar os fardos da vida cotidiana. Eles “vendiam propriedades e bens para dar a quem tivesse necessidade” (2.45). Em outras palavras, as necessidades tangíveis dos outros levavam a igreja à verdadeira comunhão.

Especialmente em nossos dias, dada a politização de nossa cultura atual, algumas pessoas buscam semelhanças por meio do alinhamento em várias questões sociais e políticas, em vez de oferecer suas habilidades, seus talentos e recursos para o bem comum da comunidade.

Esperamos descobrir uma semelhança perfeita que já exista, em vez de trabalharmos para alcançar uma semelhança real por meio do serviço. Nas palavras de Edwin Freidman, estamos nos tornando “uma [sociedade] de ‘leitores superficiais’ que constantemente extraem o que está no topo, na superfície, sem nada acrescentar de significativo à essência daquilo”.

Mas uma coisa estranha e maravilhosa acontece quando de fato nos dedicamos ao bem literal dos necessitados. Divisões podem ser superadas e uma unidade inesperada pode ser construída, quando surpreendemos os que estão do lado oposto com atos de cuidado altruísta e uma vontade de ir além para servir aos outros em momentos de necessidade.

É por isso que a igreja, no que tem de melhor, é o que o teólogo Scot McKnight chama de “comunhão de diferentes”. Quando concentramos nossas energias em atender às necessidades da congregação, em vez de tentar influenciar opiniões, é muito mais provável que encontremos um verdadeiro pertencimento.

Por último, os primeiros crentes “continuavam a se reunir nos pátios do templo. Partiam o pão em suas casas e comiam juntos com o coração contente e sincero” (Atos 2.46). A palavra contente, no grego, é muito mais exuberante do que seu termo equivalente em português. Um jeito melhor de entendê-la seria o termo “alegre”. A igreja primitiva se reunia com alegria genuína.

O que sempre me fascinou foi a simplicidade do cenário dos cultos da igreja do primeiro século. Os crentes se reuniam em torno das Escrituras, ensinando, orando e comendo juntos. Não havia nada chamativo, nada inovador. De fato, a Concordância de Strong indica que a palavra sincero na verdade significa “simples”. Em essência, a igreja primitiva se reunia diariamente com “alegria e simplicidade”.

Então, em vez de perguntarmos “Esta igreja é divertida?”, que tal começarmos com uma pergunta diferente: “Esta igreja é uma comunidade cheia de alegria e sinceridade?”

Em outras palavras, essa comunidade encarna uma simplicidade alegre — nascida do desejo de se reunir em torno das Escrituras, do ensino, da oração e da conexão genuína de uns com os outros — independentemente de quão espetaculares seus adereços exteriores pareçam e soem?

Nenhuma quantidade de entretenimento ou de autopromoção chamativa pode fornecer relacionamentos significativos, os quais surgem quando as pessoas trabalham duro para desenvolver relacionamentos reais umas com as outras. Se os primeiros cristãos se reuniam todos os dias e partiam o pão nas casas uns dos outros, o que nos faz pensar que podemos gerar relacionamentos dinâmicos apenas por meio de programas na igreja?

Apesar da tendência atual de andar de igreja em igreja e de escolher igrejas como quem faz compras (e das críticas válidas a tudo isso), a busca por uma comunidade eclesiástica saudável, via de regra, pode ser uma busca nobre. Muitos de nós têm boas razões para deixar uma igreja e procurar outra. Nas situações mais críticas, alguns crentes sofreram dores, traumas e abuso nas mãos de líderes desajustados.

Já ouvi e encontrei muitas dessas histórias ao longo da vida na igreja local. Mas sempre me comovo além da medida, quando vejo pessoas que foram feridas continuarem a acreditar que ainda é possível pertencer à igreja, esse lugar em que podemos buscar a santidade e a integridade juntos.

A despeito de toda dor causada por tantas igrejas e líderes nos tempos de hoje, nós podemos reescrever a história da nossa própria família de fé se nos lembrarmos e encarnarmos o que a igreja local sempre foi concebida para ser, no que tem de melhor.

Por mais quebrados, pecadores, inseguros, frágeis e falhos que sejamos, você e eu podemos fazer esse trabalho juntos, se confiarmos na graça de Deus e em seu imenso poder e força para simplesmente sermos igreja — de forma plena, graciosa e sacrificial.

Jay Y. Kim serve como pastor principal na Igreja WestGate. É autor de Analog Church e Analog Christian e vive no Vale do Silício com a esposa e seus dois filhos pequenos. Você pode encontrá-lo no Twitter em @jaykimthinks.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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As orações dos evangélicos ucranianos em tempo de guerra

Líderes cristãos ucranianos compartilham com os leitores da CT sobre seus ministérios, meditações bíblicas e dificuldades pessoais em meio à invasão da Rússia.

Um soldado ucraniano fotografa uma igreja danificada, após bombardeio em um bairro residencial em Mariupol, Ucrânia, em 10 de março.

Um soldado ucraniano fotografa uma igreja danificada, após bombardeio em um bairro residencial em Mariupol, Ucrânia, em 10 de março.

Christianity Today March 11, 2022
Evgeniy Maloletka

A igreja ucraniana precisa de apoio. Mas o mesmo acontece com os indivíduos que pastoreiam o corpo de Cristo. Muitas vezes eles se perdem atrás de manchetes e estatísticas da guerra. Mesmo as citações de suas palavras não conseguem transmitir toda a profundidade de sua luta.

A Christianity Today pediu a líderes evangélicos ucranianos que ajudassem os leitores a entrarem em seu mundo devastado pela guerra, compartilhando um pouco sobre o que está acontecendo no país. Cada um forneceu um versículo da Bíblia que achou ser significativo para perseverar, pedidos de oração sobre necessidades pessoais e anseios espirituais profundos, e uma sugestão sobre como os leitores podem se envolver.

Taras Dyatlik, diretor de engajamento da ScholarLeaders International para o Leste Europeu e Ásia Central:

Atualmente apoiando uma rede de seminários ucranianos, Dyatlik identificou três estágios de necessidade. A necessidade imediata é evacuar, realocar e encontrar locais seguros para salvar a vida de alunos, funcionários e professores. Em mais ou menos uma semana, a situação de todos eles deve se estabilizar em termos de acomodações de longo prazo. E, então, aguardando os desdobramentos da guerra, eles descobrirão como continuar a educação teológica.

O versículo da Bíblia que o tem ajudado a perseverar:

Marcos 14.27-28: “‘Ferirei o pastor, e as ovelhas serão dispersas.’ Mas, depois de ressuscitar, irei adiante de vocês para a Galileia”.

Às vezes nos encontramos com Jesus, não porque o seguimos, mas porque ele vem até nós — como agora, em nossa guerra brutal com a Rússia. E ele nos pergunta, assim como perguntou a Pedro no mar da Galileia: “Você me ama?” (João 21.16-17). Ainda assim, isso acontece depois do café da manhã, depois que ele cuidou de nós primeiro. Mesmo quando falhamos nos desafios desta guerra, a amizade dele está disponível para nos dar força.

Pelo que ele está orando:

Estou orando por minha esposa e muitas outras esposas que se recusaram a sair do país e deixarem seus maridos para trás. Mas também estou orando para que esta guerra abale a consciência da humanidade e a teologia da igreja. Não podemos mais exaltar um nacionalismo que tantas vezes exige que outros sejam rebaixados, como vemos tantos cristãos fazendo agora na Rússia.

Oleksandr Geychenko, presidente do Seminário Teológico de Odessa:

A United World Mission tem sido um parceiro de décadas do nosso seminário, localizado na costa ocidental do Mar Negro da Ucrânia. Enquanto seus colegas, presidentes de seminários em outras cidades da Ucrânia, transformaram seus campi em locais de refúgio, Geychenko vem tentando fazer a retirada de funcionários e alunos da escola e sustentá-los da melhor maneira possível.

O versículo da Bíblia que o tem ajudado a perseverar:

1Coríntios 12.26-27: Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele. Ora, vocês são o corpo de Cristo, e cada um de vocês, individualmente, é membro desse corpo.

No domingo passado, celebramos nossa Ceia do Senhor mensal pela primeira vez, desde o início da guerra. O ponto alto foi a identificação com o sofrimento de irmãos e irmãs que têm entes queridos em nações vizinhas, ou que estão ainda na estrada em busca de acomodação, ou que pereceram nos ataques a muitas de nossas cidades. Ao tomar o pão, porém, eu sabia que era parte do corpo de Cristo.

Pelo que ele está orando:

Estou orando através da ira de uma dor quase tangível. Em vez da minha rotina no seminário, sou um voluntário de emergência. Nossas vidas foram destruídas, nossas almas foram queimadas e não há um fim à vista. Para que a integridade de nosso país seja restaurada, precisamos que Deus dê discernimento espiritual e clareza moral ao mundo. Então, essa tempestade pode se voltar contra os agressores e dispersá-los.

Yuriy Kulakevych, diretor de relações exteriores da Igreja Pentecostal Ucraniana:

Como a Igreja Pentecostal Ucraniana é a maior rede de igrejas carismáticas do país, Kulakevych faz parte de uma administração que está facilitando a ajuda aos evacuados por todas as suas redes regionais. Gerentes de armazém, operadores de call center, contadores, cozinheiros e motoristas integram o trabalho de bastidores que possibilita o cuidado físico e espiritual diretos.

O versículo da Bíblia que o tem ajudado a perseverar:

2Coríntios 6.9-10: como desconhecidos, apesar de bem conhecidos; como morrendo, mas eis que vivemos; espancados, mas não mortos; entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo.

Apesar de nossos muitos problemas, devemos lembrar que hoje é o dia da salvação. Não a sentimos, mas em Cristo temos o suficiente para abrir bem nossos corações para atender às necessidades dos que nos rodeiam.

Pelo que ele está orando:

Estou orando por uma restauração sobrenatural durante as curtas noites de sono! Todo mundo está fazendo o seu melhor — física, mental e espiritualmente — mas alguns, especialmente os jovens, precisam ser libertados do estresse pós-traumático. No entanto, em meio às trevas da guerra, estou orando pela evangelização das nações da Federação Russa, pois o evangelho está encoberto pelas vestes negras dos padres ortodoxos.

Vadym Kulynchenko, missionário da organização Our Legacy Ukraine:

Parte de um movimento de discipulado em Kamyanka, a cerca de 234 quilômetros ao sul de Kiev, Kulynchenko tem supervisionado o fornecimento de alimentos, remédios, produtos de higiene e combustível para os ucranianos que estão deixando o país fugindo da violência. Ele também está reservando verbas, pela fé, para a futura reconstrução da Ucrânia.

O versículo da Bíblia que o tem ajudado a perseverar:

Marcos 14.35-36: Indo um pouco mais adiante, prostrou-se e orava para que, se possível, fosse afastada dele aquela hora. E dizia: “Aba, Pai, tudo te é possível. Afasta de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, mas sim o que tu queres”.

Podemos levar a Deus com sinceridade nossos questionamentos e lutas, e devemos fazê-lo — para não cairmos na tentação de perder a paz ou odiar os russos. Mas, uma vez que entregamos nossas vidas a Deus, devemos aceitar e obedecer às respostas que ele nos dá.

Pelo que ele está orando:

Estou orando por uma orientação clara de Deus sobre se devo mandar minha família para fora da Ucrânia. Nossa região central está segura agora, mas as coisas podem mudar rapidamente. A Eurásia e o Oriente Médio estão no epicentro das profecias de Deus sobre o fim dos tempos; então, precisamos entender como nos comportar agora e nos eventos terríveis que estão por vir.

Ruslan Maliuta, contato de redes estratégicas da organização One Hope :

Dedicado à cooperação de igrejas e distribuição de Bíblias para crianças, Maliuta também está ligado a ministérios que ajudam órfãos e crianças desacompanhadas dos pais a deixarem áreas de ataque russo. Originalmente de Kiev, ele se mudou com sua família para continuar servindo na Europa Ocidental.

O versículo da Bíblia que o tem ajudado a perseverar:

João 8.31-32: Disse Jesus […]: “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”.

Seguir genuinamente a Jesus nos ajuda a discernir a realidade. A mídia oferece narrativas concorrentes, mas isto é uma guerra, seu autor é Putin e seu objetivo é destruir a Ucrânia como um país livre e quebrar nosso espírito. E, a menos que ele seja detido, continuará a avançar pela Europa.

Pelo que ele está orando:

Estou orando pelos pais de minha esposa, que permanecem em Kiev, e por sabedoria para sabermos como pastorear nossos cinco filhos nesta época tão desafiadora. Mas além da Rússia, devemos orar para que as mentiras e os enganos que caracterizam tantos problemas, identidades e histórias levem os cristãos a um melhor discipulado em como ser luz.

Maxym Oliferovski, líder de projeto da organização Multiply Ukraine:

Esta missão dos Irmãos Menonitas opera o New Hope Center, em Zaporizhzhia, a cerca de 65 quilômetros do reator nuclear agora controlado pela Rússia. Enquanto evacua e reassenta refugiados no Leste Europeu, Oliferovski auxilia a rede anabatista de igrejas locais no sudeste da Ucrânia que continuam a servir suas comunidades.

O versículo da Bíblia que o tem ajudado a perseverar:

Salmos 11.5: O Senhor prova o justo, mas o ímpio e a quem ama a injustiça, a sua alma odeia.

Vemos mortes violentas ao nosso redor na Ucrânia, e nossa única oração só pode ser para que Deus impeça isso. Mas podemos ser encorajados ao saber que Deus também odeia tal violência, e com o tempo trará seu justo juízo sobre aqueles que a praticam.

Pelo que ele está orando:

Estou orando para que minha família enfrente essa dificuldade que estamos passando, mas com sabedoria para saber como continuar servindo melhor as pessoas ao nosso redor. Mas também estamos orando por milagres, para que, à medida que Deus atenda às necessidades físicas das pessoas, ele também dê paz à sua alma e, em tudo isso, que seu nome seja glorificado.

Sergey Rakhuba, presidente da Missão Eurásia:

Com a visão de capacitar a próxima geração de líderes de igrejas evangélicas em 12 países da antiga União Soviética, bem como em países com populações russas expressivas, Rakhuba está atualmente na Moldávia supervisionando a mudança impulsionada pela crise para fornecer comida, abrigo, remédios e cuidados pastorais em três centros de refugiados no Leste Europeu. E ele diz que 1 mil voluntários foram mobilizados dentro da Ucrânia para ajudar aqueles que estão deixando o país — e os que estão permanecendo nele — nas várias zonas de guerra.

O versículo da Bíblia que o tem ajudado a perseverar:

Isaías 43.2: Quando você atravessar as águas, eu estarei com você; e, quando você atravessar os rios, eles não o encobrirão. Quando você andar através do fogo, você não se queimará; as chamas não o deixarão em brasas.

É fácil confiar em Deus quando nada está acontecendo; mas quando estamos no meio de um mal que varre tudo ao nosso redor é que devemos confiar em Deus. O coração está sangrando; mas como o amor de Jesus brilha através da tragédia, ainda podemos encontrar esperança e alegria.

Pelo que ele está orando:

Estou orando por força e coragem para liderar. Posso não estar presente na Ucrânia, mas minha equipe e meus amigos estão, alguns deles estão levando comida para as áreas mais perigosas, e nosso centro em Lutsk foi bombardeado ontem à noite. Mas, mais do que apenas política, este é um ataque espiritual à igreja. Em meio aos recursos bastante limitados da igreja, estou orando para que Deus mostre seu poder e faça o evangelho brilhar.

Mykola Romaniuk, pastor sênior da Irpin Bible Church:

Liderando a maior igreja batista na região suburbana conhecida como “Wheaton” de Kiev, Romaniuk e sua congregação foram deslocados pelo recente ataque russo. Mas eles continuam a apoiar tanto os membros da igreja quanto os descrentes, à medida que se espalham, bem como suas igrejas parceiras nas cidades de Vinnytsa e Rivne, no oeste da Ucrânia, que estão hospedando muitos desabrigados.

O versículo da Bíblia qur o tem ajudado a perseverar:

Eclesiastes 3.8: tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz.

Agora é tempo de odiar e de lutar. Amar um inimigo que vem com uma arma exige fazê-lo retroceder, e aqueles que não se mobilizam militarmente devem fazê-lo espiritualmente — em oração incessante. Quando o tempo de amar e de viver em paz voltar, buscaremos então reparar as relações com os crentes russos que admitirem o pecado de seu silêncio diante desse fratricídio.

Pelo que ele está orando:

Estou orando pelo meu coração, que é como o coração de Davi, quando ele estava cercado por um exército idêntico de homens enganadores e maus (Sl 43.1). Um jovem irmão, membro da nossa igreja, foi assassinado na rua, enquanto ajudava outras pessoas, pois nossas cidades pacíficas sofrem bombardeios diários. Estou orando por aqueles que estão presos no frio e na neve, e pelos refugiados cristãos, para que possam encontrar uma comunidade espiritual em sua realocação.

Valentin Siniy, presidente do Instituto Cristão Tavriski:

Localizado perto da península da Crimeia, o instituto fica na cidade portuária de Kherson, que caiu sob ocupação russa. O campus está agora sob ameaça de ser transformado em um quartel militar. Incapaz de dar continuidade às aulas no seminário, Siniy passou a ajudar nas evacuações e no fornecimento de necessidades básicas às igrejas ucranianas que estão nas regiões controladas pela Rússia.

O versículo da Bíblia que o tem ajudado a perseverar:

1Coríntios 15.51-52: Eis que eu lhes digo um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados.

É difícil encontrar uma passagem certa que possa consolar nossos corações. Mas eu me lembrei desse versículo, enquanto me afastava de minha cidade natal, ouvindo atrás de mim os lançadores de foguetes bombardeando-a. Esta guerra nos transformará — para sempre — e nunca mais seremos os mesmos.

Pelo que ele está orando:

Estou orando pela minha família e pelo inferno emocional que estamos passando. Mal dormimos ontem à noite, tivemos intoxicação alimentar, minha cunhada tem um problema de saúde grave e estamos longe dos médicos e hospitais que conhecemos. Mas ao olhar para este mundo pecaminoso e para o reino da destruição, peço a Deus que mais pessoas condenem o pecado da guerra. Precisamos que seu reino celestial venha e restaure seu propósito original para a criação.

Nota do editor: A cobertura da guerra Rússia-Ucrânia pela CT inclui artigos como o abrigo antibombas que se transformou em ministério, uma carta de protesto de centenas de pastores russos e informações sobre a igreja no conflito, que podem ser encontrados aqui. Alguns artigos são oferecidos em russo e ucraniano.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Books
Excerpt

As orações de Cristo podem transformar as nossas

Quando olhamos de perto como Lucas descreve a vida de oração de Jesus, descobrimos o quanto a oração é essencial para nós.

Christianity Today March 11, 2022
Illustration by Cassandra Roberts / Source image: Harry Cunningham / Unsplash

Lado a lado com os incríveis milagres e ensinamentos de Jesus, os Evangelhos descrevem algo igualmente fascinante: Jesus — ele próprio totalmente Deus — orava. Na verdade, ele orava muito. O Evangelho de Lucas , que é referência para uma teologia da oração, inclui mais descrições dos hábitos de oração do próprio Jesus do que qualquer outro Evangelho. Quando olhamos de perto como a vida de oração de Jesus é retratada em Lucas, descobrimos o quanto a oração é essencial para a vida de fé e para nossa participação no reino de Deus.

Spiritual Practices of Jesus: Learning Simplicity, Humility, and Prayer with Luke's Earliest Readers

A oração do batismo de Jesus (Lucas 3.21,22)

Para Lucas, esta não é apenas uma história sobre o batismo de Jesus; é uma história sobre o poder da oração. A oração do batismo de Jesus dá início a seu ministério, pois introduz sua unção, seu comissionamento e sua capacitação para o ministério. Lucas substitui as frases sobre Jesus sair das águas, dos Evangelhos de Mateus e de Marcos, por “e estava orando” (3.21, NRSV na íntegra), fazendo da oração, e não do batismo em si, o ponto de foco.

De imediato, vemos as orações de Jesus convidando Deus a agir. Deus fala do céu, ungindo Jesus para o ministério. A oração de Jesus inicia a vinda do Espírito, que desce sobre Jesus “em forma corpórea” (3.22), algo que foi concedido para o cumprimento da missão de Jesus. Lucas prossegue, descrevendo Jesus como “cheio do Espírito Santo” (4.1) e “cheio do poder do Espírito” (4.14). Em 4.18, Jesus anuncia: “O Espírito do Senhor está sobre mim” e interpreta seu ministério como um cumprimento das Escrituras.

Lucas traça uma conexão vital entre a fidelidade de Jesus na oração e a inauguração de seu ministério terreno e sua capacitação para este. Se queremos ser usados por Deus para a obra do seu reino, o passo preliminar para nós também é sermos fiéis na oração.

Jesus retirava-se para orar em particular (Lucas 5.16)

A fidelidade na oração é importante. Em 5.16, Lucas enfatiza que Jesus habitualmente se retirava, sozinho, para ter comunhão com Deus em oração. Lucas também registra muitos outros exemplos do padrão de oração solitária de Jesus.

Em Lucas 22.39, Jesus vai ao Monte das Oliveiras, “como era seu costume”, para orar. Ele vai para um lugar deserto ao amanhecer (4.42), ora sozinho regularmente (9.18) e até passa noites inteiras em oração (6.12). Jesus pratica o que prega, ilustrando a necessidade de orar por meio de sua própria dependência da oração. Lucas nos impele a seguir o exemplo de Jesus.

Somos pessoas que, em geral, precisam de um plano de ação concreto, se quisermos ser fiéis às nossas boas intenções (e àquilo que Deus nos chama a fazer). Dallas Willard disse, em um artigo para a Christianity Today, que devemos fazer “planos” para vivermos como justos — preparando-nos para ter sucesso com as disciplinas espirituais, e não fracassos, apesar da inércia de nossa natureza humana. Jesus parecia ter alguns pontos específicos (o Monte das Oliveiras) e possivelmente horários específicos (a aurora) para orar regularmente. Se ainda precisamos desenvolver o hábito da oração fiel, coisas simples como ter um local e um horário designados podem ajudar nossas boas intenções.

Jesus orou antes de escolher seus discípulos (Lucas 6.12-16)

A oração nos alinha com a vontade de Deus. Em Lucas 6, vemos que a escolha dos discípulos por Jesus também teve a participação de Deus, quando observamos a atividade de Jesus na noite anterior.

Antes de escolher os discípulos, Jesus “passou a noite orando a Deus” (v. 12) conformando sua vontade à vontade de seu Pai. A escolha de nomear discípulos, o número de discípulos escolhidos e a escolha de um povo em particular estão dentro do desígnio de Deus, porque Jesus primeiro buscou a vontade de Deus em oração.

A expressão singular “orando a Deus” exprime não apenas a súplica de Jesus, mas também “seu silêncio, sua escuta e a resposta de Deus”, observou o teólogo François Bovan. O fato de Jesus orar durante toda a noite não é uma afirmação de seu ascetismo, mas enfatiza seu foco total na vontade de Deus e no significado deste evento. Muitos cristãos hoje tratam a oração como uma atividade unilateral, por meio da qual expressamos nossos desejos a Deus. Mas não é só essa abordagem orientada para si mesmo que é mal direcionada; a maneira de orar também o é. O modelo de oração que vemos aqui envolve uma orientação em torno dos propósitos de Deus e longos períodos de espera comunitária na presença de Deus.

Jesus tem sua identidade revelada (Lucas 9.18; 9.28-36)

Dos evangelhos sinóticos, somente o de Lucas coloca a narrativa da transfiguração em um contexto de oração. Até este ponto na história de Lucas, a oração tem sido regularmente ligada a importantes revelações divinas. Nesse episódio, mais uma vez logo antes da revelação, Jesus sobe a um monte para orar (9.28).

É importante notar que o relato da transfiguração está relacionado à revelação que Jesus fez de si mesmo aos discípulos, em Lucas 9.18-27. A cada história, a oração revela um pouco mais da identidade de Jesus. Em Lucas 9.18, depois de ter estado em oração, Jesus pergunta aos discípulos quem ele é. A correlação da oração de Jesus com a resposta de Pedro, “O Cristo de Deus”, mostra que a compreensão da identidade de Jesus vem através de Deus e é concedida por meio da oração.

Vemos isso ilustrado ainda mais na transfiguração, quando a identidade de Jesus também é revelada por meio de sua aparência transformada, pela presença de Moisés e de Elias, pela ênfase na presença de Deus e pela afirmação pública de Deus. Como resultado direto da oração de Jesus, os discípulos podem ver seu eu interior, o qual se torna transparente para eles.

Para nós, nos dias de hoje, a oração é um meio crucial para aprofundar nossa compreensão de Jesus — para crescermos mais e mais, a cada dia, no conhecimento mais pleno dele.

A oração de Jesus no Getsêmani (Lucas 22.39-46)

A própria luta de Jesus em oração, no Getsêmani, modela a fidelidade à vontade divina. Sua obediência tem raízes nas passagens de Isaías sobre o Servo Sofredor, o qual é obediente a Deus mesmo em meio a sofrimentos e humilhações tremendos. A submissão de Jesus se reflete até mesmo em sua postura. Ele se ajoelha, ao passo que, no mundo antigo, a postura costumeira para orar era em pé, olhando para o céu.

Lucas destaca a luta de Jesus em oração como o ponto de virada de toda a narrativa da paixão, pois é na oração que Jesus encontra forças para abraçar sua missão e a vontade de Deus. Depois que um anjo aparece para fortalecê-lo, Jesus é descrito como tendo orado ainda com mais fervor “em sua angústia” (22.44). A inclusio que emoldura a oração de Jesus (22.40,46) indica que o conteúdo de sua oração era que ele não caísse na tentação de seguir sua própria vontade, em vez da vontade de Deus. Ao destacar a luta vitoriosa em oração, Lucas apresenta Jesus como exemplo do tipo de oração que dá coragem e forças para insistirmos com determinação na vontade de Deus, mesmo diante da perseguição e da morte.

Ensina-nos a orar

A oração é a força motriz por trás da missão de Jesus. Se a oração alimenta toda a obra de Deus no Evangelho de Lucas, como podemos deixar de imitar o exemplo de Jesus? Para Lucas, o foco da oração está no reino de Deus. A oração consiste menos em apresentar uma lista de desejos pessoais a Deus e mais em entender o que Deus está fazendo. A oração tem a capacidade de nos transformar em pessoas que desejam e participam da obra do reino de Deus. A oração capacita Jesus para o ministério e o fortalece para cumprir os propósitos de Deus. Que ela faça o mesmo conosco.

Catherine J. Wright é professora associada de estudos bíblicos e teológicos na Bethel University. Este artigo é adaptado a parti da obra Spiritual Practices of Jesus: Learning Simplicity, Humility, and Prayer with Luke’s Earliest Readers, da autoria de Catherine J. Wright. Copyright©2020 de Catherine J. Wright. Usado com permissão da InterVarsity Press, Downers Grove, IL.www.ivpress.com.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Vá em frente. Ore pela morte de Putin.

Os salmos imprecatórios nos dão permissão para lutar com ousadia contra o mal.

Christianity Today March 9, 2022
Image: Jamie Lorriman / Getty Images

Eu vi uma imagem na semana passada que não me sai da cabeça: um pai ucraniano segurando o rosto de seu filho sem vida, cujo corpo estava quase inteiramente coberto por um lençol manchado de sangue, exceto por uma auréola de cabelo loiro. Este pai, aflito, pressionava o rosto contra o cabelo do filho, agarrando-se a ele, desesperado e arrasado. Sempre que fecho os olhos para orar eu vejo esta imagem.

Quando penso nisso, fico com o coração partido. Mas também sinto raiva, indignação. Eu revisito algo que se parece com um sentimento maternal de ira. Uma criança inocente foi morta violentamente porque o líder da Rússia decidiu que queria tomar para si um país vizinho e soberano.

A violência na Ucrânia faz com que eu, bem como muitos de nós, nos sintamos impotentes. E é assim, impotente, que observo tanques entrarem nas cidades, alvos civis serem bombardeados, vidas de famílias inteiras serem cruelmente exterminadas. O que faço com a ira e a indignação que sinto?

Como disse recentemente em um debate com David French e Curtis Chang, eu me vejo voltando repetidamente aos salmos imprecatórios. Todas as manhãs estou orando Salmos 7.14-16 com Vladimir Putin em mente: “Eis que o ímpio concebe o mal e está grávido de maldade e dá luz a mentiras. Cavando, ele faz um buraco, e cai no buraco que ele mesmo fez. Sua maldade retorna sobre sua própria cabeça, e sobre seu próprio crânio sua violência recai” (ESV).

Uma imprecação é uma maldição. Os salmos imprecatórios são aqueles que invocam a destruição, a calamidade e o juízo de Deus sobre os inimigos. Honestamente, em geral não sei o que fazer com eles. Eu oro esses salmos simplesmente como uma prática rotineira. Mas gravito em direção às promessas mais equilibradas da presença e da misericórdia de Deus. Muitas vezes eu me sinto desconfortável com a violência e a retidão autoconfiante encontradas nesse tipo de salmos.

Mas eles foram feitos para momentos como estes [que estamos vivendo].

No seminário, tive um professor da Irlanda do Norte que vivenciou o conflito conhecido como The Troubles, um período de violência etnonacionalista de 30 anos na Irlanda do Norte. Ele viu em primeira mão a violência cometida contra inocentes.

Quando era um jovem seminarista, ele reescreveu um salmo como tarefa para uma matéria do seminário. Neste salmo, ele orava para que uma bomba explodisse no rosto de qualquer terrorista que fizesse bombas. Seu professor americano o chamou de lado, o repreendeu por usar uma imagem tão violenta e disse que ele precisava se arrepender. Meu professor, no entanto, refletindo sobre essa lembrança, disse que percebeu, naquele momento, que seu professor americano nunca havia testemunhado violência não motivada ser cometida contra inocentes e crianças.

Esses salmos expressam nossa indignação com a injustiça desencadeada sobre os outros e pedem a Deus que faça algo a respeito.

Tenho uma forte tendência à não violência e ao pacifismo cristãos. Mas reconheço que, no passado, houve momentos em que os apelos à paz foram baseados em uma compreensão ingênua do mal humano.

Em Quem Jesus mataria?, Mark Allman recapitula a visão de Reinhold Niebuhr, teólogo do século 20, de que “os pacifistas cristãos têm uma confiança superdesenvolvida na bondade humana; eles acreditam que a lei do amor do evangelho é suficiente para livrar o mundo da violência e do mal”.

“Para Niebuhr”, continua ele, “tal abordagem não só é ingênua, mas também herética”. Baseia-se em uma visão da natureza humana que é fundamentalmente errada: uma insistência teimosa de que nós, seres humanos, não somos assim tão maus e não somos capazes [de cometer] o mal verdadeiro e a injustiça.

O movimento pela paz dos anos 60 muitas vezes incorporou essa ingenuidade. Com sua rejeição da ideia de pecado e do mal e, ao mesmo tempo, com seu chamado “faça amor, não faça guerra”, este movimento muitas vezes fechava os olhos para a profundidade da depravação humana no mundo. Supunha que a humanidade estava em um arco ascendente de progresso que terminava em utopia. Contudo, se formos ingênuos sobre quão sombria a escuridão humana realmente é, nossas orações e esperanças de paz acabam sendo frágeis disfarces para a corrupção e a destruição.

Os salmos imprecatórios dão nome ao mal. Eles nos lembram que aqueles que têm grande poder são capazes de destruir a vida de vulneráveis com aparente impunidade. Este é o mundo em que vivemos. Não podemos simplesmente dar as mãos, cantar “Kumbaya” e esperar o melhor. Nossos corações clamam por julgamento contra a maldade que deixa pais chorando sós por seus filhos assassinados. Precisamos de palavras para expressar nossa indignação diante desse mal.

Os que entre nós anseiam por uma paz duradoura não podem basear essa esperança na ideia de que as pessoas são inerentemente boas e, portanto, não são merecedoras de um julgamento verdadeiro. Em vez disso, encontramos esperança na crença de que Deus está trabalhando no mundo, e de que ele é tão real quanto o mal — mais real, na verdade.

Esperamos que Deus promova o julgamento verdadeiro e definitivo. Olhamos para aquele que conhece cada ucraniano e cada russo pelo nome, que os ama mais do que eu posso compreender, e que vingará o que é errado e corrigirá as coisas.

Não renunciamos à vingança por pensarmos que o mal humano não é digno de vingança, mas sim por acreditarmos que Deus é o vingador. Não esperamos a paz porque não estamos indignados com a violência injusta, mas sim porque acreditamos que Deus está indignado e podemos confiar em seu julgamento (não no nosso).

Salmos 35.6-8 pede ao próprio Deus que aja: “Tornem-se-lhes os caminhos tenebrosos e escorregadios, quando o Anjo do Senhor os perseguir. Pois sem motivo prepararam uma armadilha oculta para me apanhar; e sem causa abriram uma cova para me tragar. Que de súbito venha sobre os inimigos a destruição: sejam enredados pela própria cilada que me armaram, caiam na cova que escavaram para me matar e lá se arruínem de vez.” (KJVA).

Muitas vezes, nos salmos imprecatórios, pedimos que as más ações das pessoas voltem para elas mesmas. Não estamos orando para que a violência gere mais violência ou para que o mal inicie um ciclo de vingança ou de retaliação. Mas estamos orando para que as pessoas sejam destruídas por seus próprios estratagemas e, como meu professor orou, para que as bombas explodam no rosto dos próprios homens que as fazem ou detonam.

Se você é como eu e gravita em torno das passagens aparentemente mais compassivas e menos violentas das Escrituras, orações desse tipo podem ser chocantes. Mas nós, que somos privilegiados, que vivemos longe da guerra e da violência, corremos o risco de não levar o mal e a brutalidade suficientemente a sério.

Ainda oro, todo dia e fervorosamente, para que Putin se arrependa. Oro para que os soldados russos deponham as armas e desafiem seus líderes. Mas este é o momento de fazer orações imprecatórias também. Este é um momento em que estou confiando na misericórdia de Deus, mas também em sua ira santa, amorosa e protetora.

Tish Harrison Warren é pastora da Igreja Anglicana na América do Norte e autora de Liturgia do Ordinário e Oração da Noite (IVP, 2021). Siga-a no Twitter @Tish_H_Warren.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Abrigo antibombas se transforma em ministério na Ucrânia

Graças às sirenes de ataques aéreos, vizinhos do abrigo e refugiados estão ouvindo mais do que nunca o evangelho.

Pessoas usam o metrô de Kiev como abrigo antibombas.

Pessoas usam o metrô de Kiev como abrigo antibombas.

Christianity Today March 5, 2022
Efrem Lukatsky / AP Images

Estamos agora já há uma semana em guerra aberta contra a Rússia (invasão aconteceu no dia 24 de fevereiro de 2022). Claro, a Rússia está em guerra contra a Ucrânia desde 2014, mas esta é uma fase da guerra sem precedentes. Ainda assim, é incrível a rapidez com que as pessoas se acostumam com as realidades corriqueiras da guerra.

No primeiro dia, a notícia de outras cidades sendo bombardeadas causou grande ansiedade na cidade de Svitlovodsk, onde moro com minha família. Claro, o fato de que a notícia nos acordou antes do amanhecer e foi muito inesperada tornou tudo bem pior. A intenção de causar pânico parecia premeditada.

Agora, já no sétimo dia de conflito, a adrenalina passou. Estamos acostumados ao toque de recolher às 20h e a sentar em um apartamento às escuras de noite. Por conta da exaustão, nós nos pegamos até ignorando algumas das sirenes de ataque aéreo — especialmente aquelas que soam no meio da noite. Também aprendemos que nem toda sirene significa que uma bomba pode cair sobre nossas cabeças.

Mas sempre que vamos para o abrigo antiaéreo, minha família e eu aproveitamos a oportunidade para compartilhar a esperança de Cristo com nossos vizinhos.

Devo admitir que “ministério em um abrigo antibombas” não é um perfil de ministério que algum dia pensei que teria. E, no entanto, já estamos vendo como tem sido frutífero. Nossos vizinhos ouviram mais sobre Cristo, ouviram mais as Escrituras e foram guiados em mais oração na última semana do que provavelmente em toda sua vida, para a maioria deles.

Além da oração do “Pai Nosso”, passei a ler vários Salmos com eles — um livro particularmente adequado para nós, na Ucrânia, pois Davi muitas vezes clama, enquanto é perseguido por seus inimigos.

Uma de nossas vizinhas é o equivalente a uma síndica de condomínio. Na outra noite, no abrigo antiaéreo, ela disse, com lágrimas nos olhos, como estava grata por ter vizinhos como nós. Ela disse que não consegue entender “de onde viemos”. Tivemos de lembrá-la que, se temos algo de diferente, é apenas por causa da esperança que Cristo nos dá.

Também me perguntaram lá sobre como ler a Bíblia corretamente. O senhor idoso que me me fez essa pergunta já frequentou um curso intensivo sobre o cristocentrismo das Escrituras! Muitas vezes ficamos no abrigo discutindo assuntos de fé muito tempo depois de as sirenes terem silenciado.

Apesar do tempo significativo que passamos no abrigo durante os ataques aéreos, nossa cidade até agora ainda não sofreu qualquer bombardeio real. Entre as razões práticas estão seu tamanho menor (população de 45 mil habitantes) e a falta de alvos estratégicos nas proximidades. Isso, somado ao fato de estarmos em uma encruzilhada no país, fez de Svitlovodsk um destino de refugiados — ou melhor, isso e a providência de Deus.

O bombardeio brutal de alvos civis em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, levou a outra onda de refugiados nas últimas 24 horas. Anteriormente, os alvos eram principalmente militares. Isso significou que nossa igreja recebeu mais 16 refugiados esta noite, 10 estão em nosso prédio e 6 que ficaram hospedados com uma família de nossa igreja.

Um dos jovens pais das famílias que ficaram em nossa igreja é adepto da espiritualidade hindu e tinha muitas perguntas sobre o cristianismo. Acabei conversando com ele por quase uma hora sobre o que torna o evangelho diferente de outras religiões (ou seja, a graça). Acho que ele passou a ver o cristianismo sob uma nova luz. Trocamos números de celular para manter contato, enquanto ele e sua família se deslocam mais para o oeste nos próximos dias.

Este é o caso da maioria dos refugiados que chegam até aqui. Somos apenas uma pousada, no meio do caminho, para viajantes cansados. Mas esperamos servi-los e ajudá-los a experimentar o amor e a paz de Cristo, mesmo que apenas por algumas horas. Não é nosso trabalho forçá-los à fé — uma abordagem evangelística que raramente produz bons resultados. Em vez disso, desempenharemos qualquer papel que Deus nos conceda: plantar uma semente, regar — ou colher, se a planta estiver pronta. Ele é quem traz o fruto em seu tempo, e podemos descansar nisso.

Todas essas histórias devem nos lembrar de uma verdade vital: que a vitória de Deus é sempre subversiva. Deus sempre toma e usa para o bem o que quer que o Inimigo pretenda fazer para o mal. Isso significa que, quanto mais o Inimigo se enfurece, mais ele se aproxima de sua própria destruição apenas. Deus volta as armas do Inimigo contra o próprio Inimigo, assim como Davi fez com a espada de Golias — e como Cristo supremamente fez com sua morte na cruz.

Quando o Inimigo pensou que finalmente tinha Jesus bem onde desejava, descobriu-se que ele estava desferindo um golpe mortal em si mesmo. Nosso Senhor venceu usando as armas do Inimigo contra o próprio Inimigo. Nós nos confortamos com isso — especialmente porque a Ucrânia enfrenta um inimigo que se enfurece, tanto no Diabo que adora “roubar, matar e destruir” quanto naqueles pseudorreis que são peões do Diabo.

Acredito que ambos em breve serão derrubados pela vitória maravilhosamente irônica de Deus. Mas, enquanto isso não acontece, contamos com suas orações.

Orem pelos muitos refugiados que esperamos acolher nos próximos dias, principalmente vindos de Kharkiv. Orem para que possamos servi-los bem e lhes mostremos o amor de Cristo, e para que Deus abra as portas. Orem para que Deus cuide de todos eles.

Orem por força e sabedoria em meio a tantas necessidades. Todos nós estamos lutando o tempo todo e não dormimos o suficiente. Por favor, orem pela equipe de ministério da nossa igreja. Orem para que eu possa usar cada convite para entrevistas, artigos, podcasts e muito mais para glorificar aquele que é nossa rocha e refúgio.

Orem para que meus amigos mencionados acima venham a conhecer a beleza do evangelho em suas vidas.

Orem para que a vitória subversiva de Deus venha rapidamente contra o tirano que aterroriza nosso país. Orem para que Deus seja glorificado ao transformar a arrogância humana em humildade.

Benjamin Morrison é pastor da Calvary Chapel Svitlovodsk, na Ucrânia, e está levantando ajuda para refugiados. Ele é um missionário americano veterano de 20 anos, e ele e sua esposa ucraniana têm dois filhos.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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