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Conheça a incrível história de Loren Cunningham, fundador da JOCUM

Ele mobilizou milhares de missões de curto prazo e viu “ondas” de jovens levando o evangelho a todas as nações.

Christianity Today October 11, 2023
Courtesy of Youth With a Mission / edits by Rick Szuecs

Loren Cunningham, o visionário carismático que fundou a organização Jovens Com uma Missão (JOCUM) e mobilizou milhões de jovens para viagens missionárias de curto prazo, morreu na manhã de sexta-feira, no dia 6 de outubro. Ele tinha 88 anos.

Aos 20 anos, Cunningham estava orando e viu a imagem de um mapa, mas o mapa estava se movendo. Ondas quebravam nas costas de todos os continentes, recuavam e depois quebravam novamente. A imagem lhe pareceu “um filme mental”, diria ele mais tarde, e, quando olhou mais de perto, viu que as ondas eram jovens, “da minha idade e até mais novos”, cumprindo a Grande Comissão: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas” (Marcos 16.15).

A visão se tornou a ideia central da JOCUM. A organização chamou isso de “uma aliança fundamental iniciada por Deus e definidora do destino, para dar origem a um novo movimento missionário”.

De acordo com Cunningham, ele demorou alguns anos para entender o que tinha visto. Mas isso, no fim das contas, deu-lhe poder para “desburocratizar” as missões, enviando mais pessoas, mais rapidamente, para mais lugares onde pudessem “proclamar a verdade de Deus e demonstrar o seu amor”.

A JOCUM atualmente opera em mais de 2.000 locais, em quase 200 nações. A organização parou de contabilizar quantos jovens envia em missões de curta duração no ano de 2010, quando esse número totalizava perto de 4,5 milhões.

“O que eu gosto no espírito da JOCUM é essa disposição de enfrentar o inferno com uma pistola d’água”, disse Steve Douglass à CT, alguns anos antes de morrer, quando era presidente da Cruzada Internacional Estudantil para Cristo (a atual Cru).

Kris Vallotton, líder sênior da proeminente e carismática Bethel Church, em Redding, Califórnia, disse na sexta-feira que a JOCUM é “provavelmente a maior organização missionária da história”. Ele chamou Cunningham de “um dos maiores heróis da fé da história moderna”.

O evangelista Franklin Graham fez uma avaliação semelhante.

“Que vida incrível este homem viveu”, escreveu nas redes sociais o presidente da organização Bolsa do Samaritano. “Loren permitiu que Deus o usasse e, por décadas, ele foi uma grande força para o Evangelho.”

Cunningham nasceu em 30 de junho de 1935, em Taft, Califórnia, mas, em suas primeiras lembranças, ele estava em uma barraca, em algum lugar do Arizona. Ele, seus pais e a irmã mais velha estavam fazendo tijolos de adobe [tijolo feito com terra crua, água, palha e fibras naturais] à mão, para construir uma pequena igreja pentecostal.

Ouvindo o que Deus tem a dizer

Tom e Jewell Cunningham foram ambos ministros ordenados da Assembleia de Deus e evangelistas pentecostais de segunda geração. Jewell aprendeu a pregar quando criança, viajando de tenda em tenda por Oklahoma, Texas e Arkansas. Quando se casaram, eles moravam no carro, enquanto pregavam pelas ruas de Tyler, no Texas.

O casal ensinou os três filhos a sacrificarem o conforto pessoal em prol do evangelho e a ouvirem a Deus de maneira pessoal. Em seus últimos anos, Loren Cunningham lembrou se de ter aprendido que a direção do Espírito poderia ser uma questão de vida ou morte. Certa vez, seu pai estava pregando nas ruas de uma cidade do sul da Califórnia, quando sua mãe disse de repente: “Temos que ir agora. Deus disse que temos que ir agora!”

Enquanto a família se afastava do local em seu carro, um terremoto sacudiu a cidade e uma pilha de tijolos caiu bem na calçada onde eles tinham estado.

“Se Deus tiver algo importante a lhe dizer”, dizia Jewell Cunningham, “ele falará diretamente com você”.

O jovem Cunningham ouviu Deus pela primeira vez quando tinha seis anos, e mais tarde lembrou que isso era uma experiência regular; aos nove anos, ouvir Deus era uma experiência muitas vezes diária. Quando estava com 13 anos, ele recebeu um chamado para o ministério enquanto orava em uma tenda no Arkansas, com vários primos. Eles oraram por várias horas, numa segunda-feira à noite, e Cunningham sentiu como se tivesse sido tocado por Deus.

“Deus simplesmente irrompeu e deixou o chamado muito claro para mim”, disse ele, mais tarde. “Eu não tinha dúvidas de que fora chamado para pregar.”

Para comemorar, sua mãe o levou à cidade e comprou-lhe sapatos novos, citando Romanos 10.15: “Quão formosos são os pés dos que pregam o evangelho” (KJV). Cunningham pregou seu primeiro sermão na igreja de seu tio, na quinta-feira daquela semana.

Ele teve sua primeira experiência com a obra missionária aos 18 anos, viajando para o México, durante a Páscoa, com um grupo de jovens, para testemunhar de porta em porta e pregar nas ruas daquele país predominantemente católico. A viagem de Cunningham terminou num hospital, com disenteria, mas ele a considerou um sucesso, porque 20 pessoas tinham ficado de joelhos, na rua, para professar que Jesus Cristo é o Senhor.

No ano seguinte, Cunningham frequentou a Central Bible College (Faculdade Bíblica Central), uma escola da Assembleia de Deus em Springfield, no Missouri. Ele e três outros estudantes formaram um quarteto gospel chamado The Liberators [Os libertadores] e viajavam pelo país cantando e pregando. Durante uma viagem para o Caribe, em 1956, ele teve a visão de ondas de jovens, poucos dias antes de completar 21 anos.

“Deus fala na língua da gente”, ele diria, brincando, ao televangelista Pat Robertson, em 2022, “e eu vi essas ondas quando era um adolescente surfista na Califórnia”.

A princípio, Cunningham pensou que talvez a visão significasse que ele deveria dedicar-se ao ensino ou à formação de professores. Ele se formou na Central, em 1957, graduando-se em educação bíblica e cristã, e foi para a Universidade do Sul da Califórnia para fazer mestrado em educação.

O fracasso das escolas bíblicas

Entretanto, enquanto Cunningham trabalhava em sua dissertação sobre escolas bíblicas, ele ficou desiludido. Ele analisou 72 instituições ao redor do mundo e descobriu que poucas estavam tendo impacto significativo na evangelização mundial, se é que alguma delas estava tendo. A maioria dos formandos sequer se dedicava ao ministério — e muito menos se tornava o tipo de missionário capaz levar o evangelho até os confins da terra.

Ao mesmo tempo, Cunningham começou a atuar no ministério para jovens com as Assembleias de Deus, no sul da Califórnia, onde seu pai trabalhava agora como superintendente assistente com foco em plantação de igrejas e missões. Mas Cunningham também se desiludiu com isso.

“Os jovens eram todos muito brilhantes e entusiasmados”, disse ele à revista Charisma, em 1985. “Mas tive que admitir que a maioria das atividades que planejava para eles eram vazias. Eles não atingiam o coração dos jovens porque não os desafiavam. É isso que todos desejamos, especialmente na adolescência, com 20 e poucos anos. Um grande desafio.”

Cunningham descobriu que era bom em entusiasmar os jovens e convencê-los a fazerem coisas ousadas pelo evangelho, mas não havia nada para eles fazerem. As Assembleias de Deus disseram que, se eles quisessem ser missionários, precisavam frequentar uma escola e receber cerca de sete anos de educação e formação.

“A essa altura”, queixava-se Cunningham, “a maioria já teria se esquecido de seu zelo ardente”.

Ele começou a fazer experiências com missões de curto prazo, levando cerca de 100 jovens pentecostais para o Havaí, durante o recesso de primavera, em 1960. Houve desafios — muitos dos jovens encararam a viagem como um simples recesso escolar —, mas Cunningham convenceu-se de que este era o novo modelo para o evangelismo global. Os jovens ficavam entusiasmados e faziam viagens curtas, pagavam as próprias despesas ou angariavam os próprios recursos, e falavam de Jesus para todas as pessoas do mundo.

Naquele verão, Cunningham fez uma viagem para explorar locais onde jovens missionários pudessem ir. Ele foi ao Japão, Hong Kong, Tailândia, Camboja, Índia, Paquistão, Egito, Líbano, Jordânia, Israel, Turquia, Grécia, Escandinávia e Grã-Bretanha. E começou a fazer grandes planos para 1961.

A liderança das Assembleias de Deus, porém, achou que os seus planos eram grandiosos demais. A denominação ofereceu-lhe um salário para lançar um programa de missões para jovens, mas queriam começar de forma mais modesta.

Na lembrança que Cunningham tinha mais tarde dessa conversa, eles lhe disseram: “Você pode continuar com a sua visão, Loren, mas levará um número de pessoas mais administrável — digamos, 10 ou 20 jovens por ano”.

Ele protestou que a sua visão era “muito, muito maior do que 20 pessoas por ano e muito maior do que de qualquer denominação”. Lembrando-se do que seus pais lhe ensinaram sobre ouvir Deus pessoalmente, Cunningham decidiu deixar as Assembleias de Deus e agir por conta própria. A JOCUM foi oficialmente fundada no estado da Califórnia, em fevereiro de 1961.

Nos primeiros anos, porém, a organização não conseguiu 20 jovens por ano para irem em missões de curto prazo — nem mesmo 10.

Darlene Cunningham implementa a visão

Quando Cunningham conheceu uma jovem chamada Darlene Scratch, em 1962, a organização missionária lutava com dificuldades e enviava cerca de cinco jovens por ano. Mas Darlene — que sonhava com o ministério transcultural, depois que seu tio foi preso por trabalho missionário na China comunista — enxergou algumas maneiras de implementar a visão da JOCUM na prática. Cunningham casou-se com ela no ano seguinte e declarou-a como cofundadora.

“Sem Darlene, nunca teria havido nada duradouro”, disse ele.

Em 1964, ela organizou um “Verão de Serviço” nas Bahamas e na República Dominicana. Perto de 150 jovens cristãos americanos se inscreveram. Quando regressaram aos EUA, a tempo de voltarem para a escola no outono, relataram milhares de conversões e algumas curas milagrosas.

A JOCUM, então, organizou viagens para México, Porto Rico e Ilhas Virgens. Mais tarde, em 1966, já tinham 90 pessoas em 17 equipes no Caribe e outras 25 em cinco grandes caminhões postais que atravessavam o México, a Guatemala, a Nicarágua e Honduras. Todos os missionários eram jovens que levantaram recursos próprios e não deixaram que exigência de treinamento diminuísse seu zelo.

É claro que houve numerosos desafios e muitos erros básicos que foram cometidos naqueles primeiros anos. Mais de um veículo ficou encalhado na lama, em estradas intransitáveis. Um dos primeiros panfletos tinha o nome Cristo escrito de forma incorreta, convidando os jovens a passar o verão representando Cisto ”. Os Jocumeiros aprendiam a confiar em Deus, a orar e a “se virar”.

E os relatos sobre desafios, na verdade, atraíam mais jovens.

“Vocês vão dormir no chão, comer alimentos diferentes, sofrer com climas quentes e sufocantes e viver cercados de mosquitos”, dizia Cunningham. “Vocês vão acabar emocionalmente esgotados e espiritualmente atacados. Mas isso faz parte do nosso crescimento no Senhor.”

Um laboratório para evangelismo

Em 1968, a JOCUM tinha 30 funcionários de tempo integral e 1.200 missionários de curto prazo. A organização decidiu que um pouco de formação seria útil e abriu uma escola, em um hotel na Suíça. Entre os primeiros professores estavam os pais de Cunningham, o apologista Francis Schaeffer, o engenheiro mecânico e teólogo leigo Harry Conn e o evangelista escocês Duncan Campbell.

“Não é uma escola bíblica”, explicava Cunningham, “mas sim um laboratório para evangelismo”.

A JOCUM lançou mais escolas, vindo finalmente a operar a Universidade das Nações em mais de 600 localidades. Um líder disse que eles eram uma “máquina de ondas” que produzia as ondas de jovens que Cunningham tinha vislumbrado em sua visão. As escolas oferecem treinamento em evangelismo, mas também cursos em esportes e preparação física, ciência e tecnologia, educação, comunicação e arte.

Cunningham disse que teve uma revelação sobre sete salas de aula, e cada uma correspondia às sete esferas da sociedade que os cristãos precisavam impactar para provocar mudanças.

Ele foi contar a seu amigo Bill Bright, fundador da Cru, sobre essa revelação, em 1975. Mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Bright anunciou que tinha tido uma revelação e produziu uma lista basicamente idêntica de sete esferas. Algumas semanas depois, Cunningham ouviu Schaeffer apresentar um argumento muito semelhante sobre assumir para Cristo o domínio sobre estas sete áreas diferentes: família, religião, educação, mídia, arte, economia e governo.

A ideia foi posteriormente popularizada pelo pastor da Bethel, Bill Johnson, e outros como o “Mandato das Sete Montanhas”. Tornou-se a base teológica para que muitos carismáticos americanos abraçassem Donald Trump.

Cunningham, porém, não se envolvia em política. Ele via as sete esferas como uma estrutura para o evangelismo e como “estratégias da Grande Comissão”.

Quando Cunningham completou 50 anos, em 1985, a JOCUM estava enviando mais de 15.000 jovens em viagens missionárias de curto prazo todos os anos. O ministério operava em 1.100 locais e 170 países. E, no entanto, o líder visionário estava convencido, como escreveu em seu primeiro livro, de que aqueles jovens eram “apenas a fração da fração do que era necessário” e que “os trabalhadores ainda eram poucos, muito poucos”.

Ele continuou concentrado em crescer, expandir e inovar.

Acusações de abuso espiritual

A JOCUM tem enfrentado críticas pela forma como tratou as “ondas” de jovens. Na década de 1980, o veterano Gregory Robertson disse que o ministério era abusivo e manipulador. Diziam às pessoas que discordassem da liderança que elas estavam se rebelando contra Deus ou até mesmo possuídas por demônios, alegava ele.

Mais recentemente, ex-Jocumeiros postaram vídeos nas redes sociais alegando que foram abusados espiritualmente.

“Essas coisas acontecem em todas as bases”, disse uma mulher. “A capacidade deles de ‘ouvir a voz de Deus’ sempre supera a conexão da própria pessoa com o Espírito Santo.”

A JOCUM não respondeu formalmente às acusações, mas um líder no Reino Unido disse que alguns jovens líderes provavelmente agiram de forma inadequada.

“Isso acontecerá quando estivermos comprometidos com o apelo à mobilização de jovens em todo o mundo”, disse o líder, na ocasião. “Eles vão cometer alguns dos erros que cometi quando tinha 18, 19 e 20 anos.”

Ele também observou que o abuso acontece em muitos contextos, e argumentou que o histórico da JOCUM [nessa área] era melhor que o da maioria das organizações missionárias.

O modelo descentralizado do ministério deixa a supervisão nas mãos de pessoas locais. As reclamações não chegavam até Cunningham, pois ele não gerenciava o treinamento nem as operações que aconteciam localmente; ele se concentrava no panorama geral. Seu trabalho, a seu ver, era abrir comportas de potenciais missionários.

Em 1999, Cunningham viajou para a Líbia e se tornou o primeiro missionário a ir a todas as nações do mundo, bem como a 150 ilhas e territórios.

Quando a COVID-19 e depois o câncer restringiram as suas viagens, nos últimos anos da sua vida, Cunningham começou a usar o Zoom para falar com pessoas de todos os continentes. Ele falava com frequência sobre a necessidade de mais traduções da Bíblia em mais idiomas e exortava as pessoas a “viverem ‘plenamente’ para Jesus”.

“Tem sido uma ótima vida”, dizia ele. “Eu diria a qualquer um… tenha um propósito. Tenha um chamado. Certifique-se de que você está fazendo isso para Deus e para os propósitos dele. Ele é amor e você deve demonstrar o amor de Deus.”

Cunningham deixa a esposa, Darlene, e dois filhos, Karen e David. Um culto em memória de Cunningham será celebrado no Havaí, no dia 4 de novembro.

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Jesus me encontrou na manhã do meu funeral

Eu estava vestido para ser enterrado, quando ele me deu a missão de proclamar seu nome.

Cedric Kanana

Cedric Kanana

Christianity Today October 4, 2023
Photography by Tracy Keza for Christianity Today

“Seu sangue me purifica. Eu te louvo, meu Salvador.” Eu os ouvi cantando essas palavras quando me aproximava da igreja. Ao me ver, uma jovem que tocava um tambor largou as baquetas e saiu correndo e gritando, como se tivesse visto um fantasma.

I Once Was Dead

I Once Was Dead

160 pages

$9.99

Vestido apenas com um traje funerário, entrei no culto, um sacerdote muçulmano proclamando Jesus. Doze horas antes, meu coração havia parado de bater.

Meu pai, um hutu [povo nativo da região dos grandes lagos africanos], foi um dos primeiros xeiques muçulmanos no oeste de Ruanda, mas a minha mãe, uma tutsi [grupo étnico de Ruanda ou Burundi], era bruxa e sacerdotisa de um deus africano nativo. A minha família praticava o Islã popular, que funde o Islã com o animismo tradicional. Os muçulmanos que seguem essa vertente do Islã defendem com vigor o Alcorão e Maomé, e depois recorrem à bruxaria, quando se sentem ameaçados ou quando querem ser beneficiados em alguma situação.

Depois de ter duas filhas, e de fazer todos os sacrifícios conhecidos e de apelar a Alá e aos espíritos africanos por um filho, meu pai estava pronto para se divorciar da minha mãe, quando eu nasci. Recebi o nome de Swidiq Kanana e desde o nascimento fui dedicado a Alá, com a bênção de ser um líder da comunidade muçulmana de Ruanda.

Esses planos foram interrompidos quando o país entrou em guerra civil, seguida de genocídio. O ódio étnico que destruiu o país também destruiu a nossa família. Meu pai se divorciou de minha mãe e se casou com outra bruxa, enquanto minha mãe e seus filhos foram abandonados à caridade alheia. Em busca de comida, comecei a viver nas ruas aos nove anos de idade.

Quando adolescente, aprendi a enterrar minha dor com o uso de drogas, mas também aprendi como lucrar com isso. Depois de entrar na escola, eu podia identificar pessoas que procuravam escapar dos problemas e da dor. E tirava proveito disso. Fazia viagens mensais ao Congo e voltava com drogas para vender, primeiro maconha e depois cocaína. Ao viciar outros estudantes, eu podia exigir que eles se convertessem ao Islã, se quisessem continuar a conseguir drogas. Eu ansiava pela aprovação do meu pai e procurava lembrá-lo de suas esperanças de que eu me tornasse um líder muçulmano.

Meu sucesso em recrutar pessoas para o Islã foi logo notado pela comunidade muçulmana. Por ter memorizado o Alcorão, fui nomeado sacerdote da escola muçulmana. Mesmo sendo ainda adolescente, ganhei renome como apologista muçulmano por causa do muhadhara [uma espécie de sermão ou palestra], ou pregação e debate ao ar livre. Poucos cristãos de Ruanda entendiam como o Antigo e o Novo Testamentos se encaixavam, e era fácil apresentar Maomé como o cumprimento das profecias do Antigo Testamento que falavam sobre um profeta como Moisés ou sobre um rei que conquistaria as nações. Eu estava finalmente cumprindo a bênção do meu nascimento.

Tudo isso mudou um dia, durante o meu último ano escolar. Enquanto eu estava me aquecendo para um jogo de basquete, algo em meu cérebro pareceu explodir e ele foi tomado por sons e imagens que rodopiavam. Eu tropecei, tentando escapar daquele rugido. Tudo e todos eram assustadores. Eu tinha “pirado” completamente. Os diagnósticos iam de psicose provocada pelo uso de drogas até opressão espiritual.

Imagem 1: Bíblia pessoal de Cedric Kanana | Imagem 2: Igreja de Cedric Kanana em Kigali, Ruanda.Fotografia de Tracy Keza para Christianity Today
Imagem 1: Bíblia pessoal de Cedric Kanana | Imagem 2: Igreja de Cedric Kanana em Kigali, Ruanda.

O sacerdote de um deus local disse à minha mãe: “Quando seu filho nasceu, ele foi dado a você por causa dos seus sacrifícios — não por este Alá muçulmano. Ele pertence aos deuses, mas rompeu os laços. Essa loucura é castigo deles.” Cerimônias e sacrifícios foram realizados, mas nada mudou. Minha mãe então me levou para um hospital psiquiátrico ocidental, na capital, onde recebi sedativos fortes e fiquei por vários meses.

Os líderes muçulmanos culpavam os espíritos malignos. Tentando fazer um exorcismo, colocaram um Alcorão sobre a minha cabeça e começaram a recitar a Surah Al-Baqarah, a seção mais longa do Alcorão. De repente, dei um pulo e comecei a espancá-los, até que a polícia chegou e me deteve.

Depois de passar quase um ano tomando medicamentos antipsicóticos, uma amiga da minha mãe que era cristã perguntou: “Por que você não experimenta Jesus? Leve Swidiq para ver nosso pastor.” Eles foram à igreja anglicana que ficava em uma colina próxima. O pastor abriu a Bíblia e mostrou à minha mãe a história do homem que implorou a Jesus para curar seu filho, dizendo: “Creio; ajuda-me a vencer a minha incredulidade!” (Marcos 9.24).

O pastor e quatro membros da igreja jejuaram e oraram durante sete dias, entoando cânticos de paz e impondo as mãos sobre mim todas as noites. Na sétima noite, senti como se estivesse saindo das águas. Ouvi o nome de Jesus ser dito repetidas vezes até que comecei a me reconhecer novamente. Voltando para casa naquela noite, acreditei que Jesus havia me restaurado, que ele era mais forte do que os espíritos malignos, mais forte do que a medicina ocidental e mais forte do que o Alcorão. Mas eu não conhecia Jesus.

O que se seguiu foi uma situação enfrentada por muitos muçulmanos hoje. Eu não podia negar o poder do nome de Jesus. Mas dizer a verdade era correr o risco de envergonhar a minha família e de ser morto. Durante a salá, ou orações diárias, eu me via orando não para Alá, mas para Jesus.

Esse dilema durou sete meses, enquanto eu tentava novamente terminar meu último ano da escola. Um dia, enquanto eu fazia um dever de casa, aconteceu algo de errado com meu estômago. Achei que meus órgãos estavam sendo destroçados, e cada vez que eu respirava parecia ser atravessado por uma faca. A professora correu para buscar ajuda, quando eu caí no chão, espumando pela boca.

O meu pai levou-me a um famoso médico ocidental, que clinicava em Ruanda há décadas. Ele ficou intrigado. “As coisas não vão bem”, disse ele, “mas não há nada que eu possa apontar como causa. Não há nenhuma causa médica evidente.” No espaço de uma semana, os médicos do melhor hospital de Ruanda iniciaram os cuidados paliativos. Com minha primeira dose de analgésico, uma sensação de formigamento percorreu minha coluna até as extremidades. Fiquei completamente paralisado, sem ter como me comunicar.

Por volta das 21h, fiquei terrivelmente alerta. Percebendo uma mudança em mim, as pessoas correram para meu quarto. Senti como se meu coração estivesse sendo arrancado pela boca. Foi uma sensação estranha, mais espiritual do que física. Ao mesmo tempo, algo como um vento forte me varreu, e meu coração parou.

Na manhã seguinte, 12 horas depois, com a minha sepultura já cavada e meu corpo lavado e vestido para o enterro, segundo os ritos da tradição muçulmana, tossi, joguei o lençol de lado e me levantei. As pessoas fugiram gritando!

Confuso, olhei em volta, percebendo que alguém devia ter morrido. Virando-me para um grupo de pessoas que olhava para mim, vi um rosto familiar. Era Jesus. Ele levantou a mão e sorriu para mim como alguém que me conhecia.

Num instante, o que havia se passado nas últimas 12 horas voltou à minha mente. Lembrei-me de ter visto em minha imaginação quatro figuras em forma de homem, envoltas em túnicas pretas encharcadas de sangue. Em suas mãos retorcidas e com garras, cada um segurava uma arma. Eles me amarraram e começaram a me torturar, zombando da minha impotência para resistir. Eu acredito que eles eram demônios. Um deles colocou um machado em meu peito e levantou-o bem alto, quando outra pessoa chegou. Eu soube imediatamente que era Jesus. Na sua presença, os outros recuaram, consternados, e pareceram evaporar.

Não tenho ideia de quanto tempo ele ficou olhando para mim, mas senti um contentamento perfeito. Quando ele finalmente falou, ergueu as mãos, revelando perfurações em cada uma delas, e disse: “Você está entre aqueles por quem morri, então, não negue mais isso. Você deve contar aos outros. Revele isso.”

Eu obedeci ao Senhor Jesus. Naquele dia, fui diretamente para uma igreja, ainda usando meu traje funerário. E pelos últimos 18 anos tenho contado a outras pessoas sobre Jesus. Embora o meu pai e a comunidade muçulmana tenham a princípio tentado me matar, tanto ele como a minha mãe, juntamente com os meus irmãos e muitos daquela comunidade muçulmana, encontraram Jesus. Hoje, sou um pastor anglicano que prega em toda a África, chamando muçulmanos e animistas nativos a Cristo e chamando os cristãos a andarem na luz.

O Senhor me livrou de vários atentados contra minha vida, e alguns deles deixaram meu corpo com cicatrizes. Mas conheço o significado do meu sofrimento e sei que carrego a bênção do nome de Jesus.

Cedric Kanana é o autor de I Once Was Dead: How God Rescued Me from Islam, Drugs, Witchcraft, and Even Death. O coautor, Benjamin Fischer, é reitor da Igreja Anglicana Cristo Redentor, em Idaho.

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Mulheres cristãs solteiras são muito mais do que meros ventres

A igreja primitiva exaltava mulheres pelo seu testemunho de fé, não por sua fertilidade. Deveríamos fazer o mesmo hoje.

Christianity Today October 4, 2023
Maksim Goncharenok / Pexels

As mulheres solteiras estão passando por uma situação difícil ultimamente. O número crescente desse grupo é atribuído à ascensão da política “woke”[nome dado aos grupos mais progressistas em temas como justiça racial e social], ao egoísmo dos millenials e até à cultura incel [grupos virtuais de celibatários involuntários que desprezam mulheres]. Em alguns círculos cristãos, as mulheres solteiras são lembradas (no caso de terem se esquecido) da necessidade de se casarem e terem filhos, mesmo havendo um desequilíbrio de gênero entre os cristãos solteiros, e mesmo sendo desencorajadas a namorar pessoas que não professam a mesma fé.

É um jugo numérico que gera ansiedade para todos os lados.

Enquanto isso, as mulheres cristãs solteiras que conheço estão tentando tirar o melhor proveito de uma realidade complexa. Elas procuram servir a Deus com seu trabalho cotidiano, investem em amizades, na igreja, e também em oportunidades criativas e educacionais, à medida que surgem. Muitas delas também tentam conhecer homens cristãos, testar aplicativos de namoro e orar a respeito do assunto.

Suas vidas são, ao mesmo tempo, ricas e imperfeitas. Elas passam por ciclos de esperança e de frustração. Para a maioria dos solteiros que conheço, seu status não se deve à falta de tentativas ou à falta de honrar o casamento em si. Como observa o sociólogo Lyman Stone, em um artigo recente da CT, quando você questiona os cristãos solteiros hoje sobre o assunto, a maioria deles diz que quer se casar. Até a garota do shakshuka no Tik Tok disse isso.

Você não precisa ser calvinista para afirmar que Deus está presente para todas as pessoas que lutam com desejos não satisfeitos e dores silenciosas, e que Deus está realizando seus planos em todos os tempos, sejam eles de estabilidade ou de convulsão social, de declínio ou de mudanças sem precedentes. Para além disso, essas pessoas que se preocupam com o futuro da cristandade — ou talvez com a civilização ocidental e suas taxas de natalidade em declínio — são chamadas a se lembrar da principal forma como a igreja será preservada ao longo dos séculos.

Em síntese: a questão é o batismo, e não apenas ter bebês. Afinal, Jesus ensinou que nascer não basta. Todos somos chamados a nascer de novo.

A história continua sendo instrutiva nesse sentido. No início, a igreja cresceu em número porque pessoas continuavam a dar testemunho verbal do Cristo ressuscitado, e outras acreditaram e confiaram nele. A igreja cresceu através da proclamação do evangelho acesa pelas chamas do Pentecostes (Atos 1.8), e não por alguma explosão de nascimentos entre os primeiros seguidores de Jesus.

As mulheres na igreja primitiva eram exaltadas pelo seu testemunho de fé, não por seu ventre. Quando comparado com as culturas romana e judaica, o cristianismo convidava mulheres solteiras — jovens e idosas — a desempenharem um papel crucial. Elas lideravam igrejas domésticas, financiavam viagens missionárias e estudavam grego e hebraico. A presença delas não era um problema a ser resolvido, mas um tesouro a ser explorado para a expansão evangelística.

As mulheres solteiras continuaram a desempenhar papéis fundamentais, mesmo depois de os reformadores protestantes terem devidamente colocado o casamento e a família em pé de igualdade com o celibato monástico.

Se a igreja medieval, com suas virgens mártires e suas visões místicas, for algo muito excêntrico para você, então, olhe para as mulheres solteiras que lideraram as missões globais — entre elas, Harriet Baker, Lottie Moon e Amy Carmichael — ou para aquelas como Nannie Helen Burroughs e Mahalia Jackson, que lideraram a igreja negra e o movimento pelos direitos civis. Florence Nightingale, Sojourner Truth, Corrie ten Boom e Sophie Scholl também sacrificaram muito pelo evangelho e, sem dúvida, mudaram o mundo.

Estas mulheres não servem apenas como modelos para os cristãos solteiros de hoje, como um constraste com uma história de realização materialista, na qual o eu sempre vem primeiro. Elas também lembram a todos nós, casados e solteiros, sobre onde devemos colocar a nossa esperança.

A aceitação de Paulo quanto a um cristão optar por ficar solteiro não deve ser descartada como se fosse uma estranha fixação de um homem intenso que pensava que o fim estava próximo. Em vez disso, ela lembra cada geração de cristãos que vivemos sempre no fim dos tempos — e que o casamento é um estado abençoado, mas penúltimo. Como escreveu o teólogo Stanley Hauerwas há mais de 30 anos:

O estado de solteiro é aquela prática intrínseca à igreja, para que, como povo, sejamos lembrados de que vivemos pela esperança, não pela biologia. Simplificando, o estado de solteiro lembra à igreja que crescemos não através da atribuição biológica, mas através do testemunho e da hospitalidade ao estranho – que muitas vezes acaba sendo o nosso filho biológico. Como cristãos, acreditamos que todo cristão de uma geração possa ser chamado ao estado de solteiro, mas Deus recriará a igreja. (ênfase da autora)

Em tempos de declínio da igreja, os cristãos podem ser tentados a esquecer esta verdade e a recorrer aos meios naturais de difusão da religião. Se o discurso sobre o estado dos solteiros na igreja servir de indicação, poderíamos perguntar: Será que o evangelismo ainda funciona?

A renovada indignação em relação às mulheres solteiras fala da ansiedade de uma era secular, na qual sociólogos e pastores se perguntam quanto tempo a igreja irá sobreviver, se as taxas de frequência à igreja e de formação de famílias cristãs forem indicadores razoáveis do futuro.

Nestes tempos de ansiedade, as mulheres cristãs solteiras se sentirão pressionadas a escolher um par, casando-se e tendo filhos para perpetuar a fé. Afinal, os bebês parecem ser uma aposta melhor do que o evangelismo (mesmo que os pais lhes digam que criar os filhos na fé não é uma aposta infalível, já que crianças são, de forma um tanto quanto inconveniente, pessoas com vontade própria).

Mas a mensagem implícita é que as mulheres solteiras de hoje deveriam minimizar ou ignorar as preocupações atuais, que não vão desaparecer. Essas preocupações incluem fatores como compatibilidade, níveis proporcionais de educação e de maturidade espiritual, e o desejo de encontrar segurança física e emocional no casamento.

As mulheres são pressionadas a formar um casal com homens inadequados e/ou não-cristãos, o que só aumenta o risco de divórcio. (Curiosamente, ouço muitas histórias de cristãos que, devido a essa cultura da pureza e à fixação da igreja na questão da família, casaram-se jovens apenas para descobrir que não estavam preparados para as tempestades que viriam pela frente.)

Pior ainda, estas pressões reduzem o valor das mulheres a seus corpos e reduzem seus corpos a uma utilidade religiosa. Nem é preciso dizer que essa abordagem parece ser uma péssima maneira de manter as mulheres solteiras engajadas na igreja.

Os líderes da igreja têm razão em continuar a honrar o casamento e a família. Ambos são abençoados por Deus. Ambos são caminhos de vida que estimulam a santificação e cuidam dos vulneráveis entre nós. Mas isso não significa que devamos valorizar o casamento e a família estritamente como formas de gerar bebês cristãos.

Somos audaciosos o suficiente para acreditar que as pessoas vêm para a fé por ouvirem e crerem nas boas-novas. Sabemos que o cristianismo cresce por meios sobrenaturais. E estamos confiantes de que o evangelho que pregamos é “o poder de Deus que traz salvação a todo aquele que crê: primeiro ao judeu, depois ao gentio” (Romanos 1.16).

O que está em jogo nesta conversa é mais do que a mera inclusão de pessoas solteiras nas igrejas locais, por mais importante que isso seja. Dados preocupantes sobre a frequência à igreja e a formação de famílias dão a todos os cristãos, tanto solteiros quanto casados, a oportunidade de se lembrarem qual é a fonte da nossa esperança: a Palavra de Deus, que renova corações e mentes pelo poder do Espírito.

Filhos são mais do que meros dados estatísticos e mulheres solteiras são muito mais do que apenas o seu potencial de dar à luz. Devido à nossa esperança no senhorio de Deus sobre todas as épocas da história, inclusive sobre esta estranha época em que nos encontramos, podemos enxergar as mulheres solteiras não como problemas a serem resolvidos, mas como personagens cruciais na obra contínua de Deus no mundo — tal como a igreja as enxergava, desde o começo.

Katelyn Beaty é diretora editorial da Brazos Press, uma divisão do Baker Publishing Group, e autora de Celebrities for Jesus: How Personas, Platforms, and Profits Are Hurting the Church.

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Books

Por que muitas pessoas nunca mais voltaram para suas igrejas após a pandemia?

Uma nova pesquisa mostra algumas questões que afetaram a frequência aos cultos, mas “muito desse sumiço ainda é um mistério”.

Christianity Today September 29, 2023
laterna magica / Lightstock

Depois de alguns anos difíceis de pandemia, Paul Seay está feliz em ver mais pessoas vindo às duas igrejas metodistas que ele pastoreia em Abingdon, na Virgínia.

Ainda assim, ele não consegue deixar de se perguntar: o que aconteceu com as pessoas que nunca mais voltaram para as igrejas?

“Algumas eram muito envolvidas — e simplesmente desapareceram”, disse Seay, que lidera a Charles Wesley United Methodist Church, uma congregação historicamente negra, e a Abingdon United Methodist Church, uma grande igreja com a fachada de tijolos vermelhos, no final da rua.

Em um momento crítico, a Charles Wesley UMC teve cerca de seis pessoas frequentando os cultos. As coisas não ficaram tão terríveis assim na Abingdon UMC, que tinha uma frequência em torno de 180 pessoas antes da pandemia. Mas essa congregação também enfrentou muitas dificuldades com o impacto da COVID-19.

Essas igrejas não foram as únicas. De acordo com um novo estudo sobre o impacto da COVID -19 na igreja americana, conduzido pela ChurchSalary, publicação parceira da Christianity Today, mais de uma em cada três igrejas viu a frequência diminuir entre 2020 e 2022. E embora muitas congregações, como as de Seay, por exemplo, tenham registrado um crescimento desde os dias mais sombrios [da pandemia], ainda parece que há pessoas faltando.

Os pesquisadores perceberam que “não era incomum ouvir, nas conversas com pastores, histórias de que ‘um terço’, ‘metade’ ou ’20%′ de uma congregação não tinha voltado depois que as portas foram reabertas".

A Charles Wesley UMC tem agora uma frequência de cerca de 20 pessoas num domingo bom, e a Abingdon UMC cresceu para cerca de 200 pessoas. Mas Seay ainda sente a ausência de pessoas que não vê mais nos bancos da igreja.

“A pandemia realmente atingiu a congregação” , disse ele à CT.

Não parece haver uma única explicação clara para isso. A pesquisa — realizada com 1.164 pastores protestantes, e seguida por 17 grupos focais e nove estudos de caso presenciais — encontrou explicações variadas e complexas. Por todo o país, pastores de 42 denominações diferentes disseram que as pessoas saíram por causa de divergências sobre as políticas de saúde, por causa de outras discordâncias, porque se mudaram, e por vezes sem explicação alguma.

“Em última análise, muito desse sumiço das pessoas ainda é um mistério”, disse Seay. “É apenas uma nova fronteira a desvendar.”

De acordo com o estudo, as igrejas nas grandes cidades e nos subúrbios foram as mais propensas a ver um declínio na frequência, enquanto as igrejas rurais foram as menos propensas a sentir qualquer mudança. As congregações de maioria negra foram as mais atingidas, com 64% delas relatando uma diminuição da frequência desde 2020.

O relatório descobriu que a frequência às igrejas foi mais afetada por reações às restrições impostas em razão da pandemia. As igrejas que responderam à COVID-19 fechando as portas por longos períodos, limitando a frequência e exigindo máscaras por longos intervalos por vezes perderam membros que queriam voltar ao “normal” mais rapidamente. E as igrejas que responderam com restrições menos rigorosas por vezes perderam membros que eram mais cautelosos ou que tinham problemas de saúde.

Perry Hunter, que deixou sua congregação da Igreja de Cristo em Borden, Indiana, ainda se sente em conflito. A igreja, rural e mais antiga, permaneceu fechada por muito tempo durante a pandemia; então, Hunter, que era diácono, decidiu visitar uma igreja maior, a cerca de 24 quilômetros ao sul.

“Senti que precisávamos ir a uma igreja maior para as crianças e para ter mais coisas para fazer que não fosse eu que providenciasse”, disse ele. “Não foi nada pessoal em relação à nossa antiga igreja, mas, durante o tempo que passamos na igreja maior, nossos filhos adoraram e minha esposa foi bem recebida.”

Ele ainda contribui financeiramente para a Igreja de Cristo, mas, no final, Hunter acabou optando por frequentar a Igreja Cristã Independente chamada Northside.

Outros que deixaram suas igrejas durante a pandemia sentem-se traídos. Uma mulher, que falou à CT sob condição de anonimato, disse que continua trabalhando como administradora na sua igreja não denominacional de médio porte. Mas ela deixou de frequentar os cultos porque não sentiu que a liderança estava levando a sério as suas preocupações com a saúde.

“Ainda estou chocada com o fato de o Corpo de Cristo não ter sido mais compassivo em relação a garantir que a COVID não se espalhasse”, disse ela.

Ela não sabe quando ou mesmo se voltará para a igreja.

Para muitos dos que exercem liderança nas igrejas, decidir quando e como retomar os cultos presenciais foi muitas vezes um dilema. Parecia que, independentemente do que fizessem ou dissessem, independentemente de como respondessem às recomendações de saúde para a COVID-19, alguém da igreja sempre ficaria zangado ou chateado e iria embora.

“O fato é que toda a pandemia foi altamente politizada”, disse Drew McCallie, pastor principal da First Farragut United Methodist Church, em East Tennessee.

Nessa igreja, a frequência caiu de cerca de 220 pessoas, em um domingo comum, para cerca de 80. Além da pandemia, a igreja também passou por transições de pessoal e cortou um de seus cultos regulares.

Mas agora a igreja voltou a ter cerca de 100 participantes regulares nos cultos — e a frequência está aumentando. McCallie diz que a congregação, que ele começou a liderar há alguns meses, tem uma base bastante sólida de membros engajados, pela qual ele é grato. Mas ele e outros pastores com quem conversou notaram que alguns membros que retornaram não se mostram mais tão prontos a se voluntariar quanto se mostravam antes.

“Algumas pessoas deram um passo para trás e disseram: ‘Percebi que estava me doando tanto que estava esgotado e, na verdade, gostei de ter um pouco mais de tempo disponível para mim’”, disse um deles.

Outros líderes dizem que tiveram de lidar com a ideia de que não há nada que pudessem ter feito para segurar as pessoas. Membros da igreja antes comprometidos estão deixando as igrejas porque estão deixando a área em que ela fica. A pandemia provocou uma onda de mudanças de moradia e de emprego, o que impactou a igreja que essas pessoas frequentavam.

“Perdemos quase todas as famílias jovens da igreja, exceto a minha”, disse Jeff Schoch, pastor sênior da Crossroads Bible Church, em San José, na Califórnia.

As restrições da pandemia e o alto custo de vida tornaram a Califórnia pouco atraente para algumas famílias jovens. E, embora essas famílias não estivessem descontentes com a sua igreja, o pastor sente que pagou um preço considerável.

“Foi um soco no estômago — o tempo todo conectando-se com eles, integrando-os à igreja, e todos eles se mudaram para Boise”, disse ele à CT. “Tivemos muita gente que se mudou.”

Outras igrejas, no entanto, dizem que as mudanças provocadas pela pandemia levaram a um novo crescimento. Na Crossover Church, em Tampa, Flórida, o pastor executivo Christopher Harris disse que todas as métricas da igreja aumentaram durante a pandemia — frequência, dízimo, batismos e conversões. A igreja, em cujo site se descreve como multiétnica, multigeracional e centrada em Cristo, recebe uma média de 35 a 40 novas famílias a cada semana.

“Estamos em uma daquelas cidades dos Estados Unidos que apresenta um crescimento populacional explosivo”, disse Harris. “Altas taxas de crescimento e de desenvolvimento trazem consigo uma série de problemas, mas também significam que temos muitas pessoas novas vindo para a nossa igreja.”

No entanto, mesmo igrejas como a Crossover, que registraram crescimento durante a pandemia, podem ter dificuldade em envolver pessoas de forma consistente — uma conclusão que encontra apoio no relatório feito pela ChurchSalary. De acordo com muitos dos pastores entrevistados, cada vez mais pessoas consideram a frequência à igreja como algo opcional.

“Se há alguma questão que eu gostaria de levantar, provavelmente seria apenas a questão de nós, como líderes, estarmos frustrados com a mudança nos níveis de comprometimento das pessoas. Sabe, de modo geral, as pessoas não vão mais à igreja toda semana”, disse Harris. “Agora, a competição que uma igreja enfrenta não tem nada a ver com outra igreja. Tem a ver com os horários que os filhos das famílias da igreja praticam esporte, com o horário de trabalho das pessoas, com o interesse pessoal delas em relação a viagens e com todos esses outros tipos de coisas. E, com isso, as pessoas muitas vezes agora veem a fé como algo opcional.”

Mas as igrejas já tiveram que mudar antes, disse Harris. Ao seguir em frente, ele acredita que os cristãos precisam ser fiéis aos exemplos históricos da igreja, “mantendo a nossa mensagem enquanto mudamos os nossos métodos”.

Seay concorda. Embora as taxas de frequência e de regularidade possam não ser tão consistentes quanto muitos pastores gostariam, ele vê alguns pontos positivos no cenário.

Muitas congregações locais estão mais unidas, segundo ele. Elas aprenderam com as experiências difíceis que tiveram durante a pandemia e estão mais focadas no cenário mais amplo.

Portanto, Seay está cautelosamente esperançoso. Ele está satisfeito com o crescimento que as suas igrejas têm tido, mas está ainda mais satisfeito com o crescimento espiritual da comunidade.

“Isso não pode ter a ver apenas com meu ego ou com o fato de sermos uma história de sucesso pós-COVID”, disse ele. “Trata-se realmente de tentar formar uma cultura na igreja que seja de fato fiel a uma cultura de discípulos — um lugar onde… as pessoas se apaixonem por Jesus e se apaixonem pela igreja.”

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Quatro em cada dez evangélicos dizem já terem sido visitados por mortos

Apesar da advertência das Escrituras contra a comunicação com o “além”, a maioria considera que poder ouvir entes queridos é um consolo para a sua dor.

Christianity Today September 21, 2023
Illustration by Christianity Today / Source Images: Pexels

No verão passado, Heather Beville sentiu algo que não sentia há muito tempo: um abraço de sua irmã Jessica, que morreu de câncer aos 30 anos.

Em um sonho, “eu a abracei e pude senti-la, embora soubesse, pela lógica, que ela estava morta”, disse Heather. Ela imediatamente enviou uma mensagem de texto para um grupo de bate-papo com seus amigos mais próximos, entre os quais estão seu marido e seu pastor, para lhes contar sobre o sonho.

Assim como outros cristãos, Heather tem certeza de que a morte não é o fim. Mas ela também está entre um número significativo de pessoas que dizem continuar recebendo visitas de entes queridos falecidos aqui na Terra.

Numa pesquisa recente do Pew Research Center, 42% dos que se autodenominam evangélicos disseram já terem sido visitados por um ente querido que havia falecido. As taxas foram ainda mais elevadas entre católicos e protestantes negros, dois terços dos quais relataram tais experiências.

As interações com os mortos se encaixam em um espaço sobrenatural precário. Os secularistas convictos dirão que tais interações são impossíveis e, provavelmente, inventadas. Os cristãos que acreditam na Bíblia podem ser cautelosos quanto às implicações espirituais de invocar fantasmas do além. No entanto, mais da metade dos americanos acredita que um membro da família falecido já lhes apareceu em sonho ou de alguma outra forma.

A pesquisa não esclareceu como as pessoas processaram essas interações — se pensaram que eram místicas ou se acreditaram que poderiam ter tido causas naturais. Entre os que responderam que entes queridos os visitaram em sonho, por exemplo, estão aqueles que podem acreditar que seus entes queridos estavam tentando enviar-lhes mensagens, bem como aqueles que podem simplesmente ter sonhado com alguma lembrança favorita compartilhada com seu familiar.

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Experimentar essas interações está correlacionado com um senso de fé religiosa. Das pessoas que o Pew classifica como as que têm um “compromisso médio com uma religião”— ou seja, aquelas que podem não ir à igreja toda semana nem orar todos os dias, mas ainda assim afirmam ter fé — 63% dizem que já sentiram a presença de membros da família que morreram.

“Pessoas moderadamente religiosas parecem ter maior probabilidade do que outros americanos de ter essas experiências”, disseram os pesquisadores do Pew. “Isso se deve em parte ao fato de que alguns dos grupos mais tradicionalmente religiosos — como os protestantes evangélicos — bem como alguns dos grupos menos religiosos da população — como os ateus e os agnósticos — são menos propensos a relatar que tiveram interações com familiares falecidos.”

Heather, que agora é voluntária em uma clínica de cuidados paliativos e cuidadora leiga do Ministério Stephen em sua igreja, identificou-se com essas descobertas. “Há pessoas que têm espaço para dizer: ‘Pode ser que exista algo mais’[…], diferentemente de pessoas que têm uma postura mais fundamentalista ou cética”, disse ela.

Heather foi criada em uma igreja batista, e a experiência profunda de testemunhar a morte de sua irmã, há 17 anos, consolidou sua crença em Deus. Foi sua fé que a ajudou a superar a dor avassaladora que se seguiu à perda. Ver Jessica em sonhos e sentir sua presença lhe trouxe consolo.

Pouco depois da morte de Jessica, Heather sonhou com a irmã sentada em uma lanchonete, com o corpo saudável, antes do câncer. Quando Heather estava em trabalho de parto, orando pela segunda filha, ela viu a irmã sentada em uma cadeira de balanço na sala de parto, pouco antes de dar à luz outra menina. Ela chorou ao contar a história, que repete para a filha — Elizabeth Jessica — todos os anos, em seu aniversário.

“Ela está no céu […] mas sinto muito sua presença, e essa sensação me conforta grandemente”, disse Heather.

Os pesquisadores dizem que a maioria das pessoas que relatam ter tido “comunicações pós-morte” consideram essas interações reconfortantes, e não fantasmagóricas ou assustadoras.

“Essas interações geralmente são muito valiosas para as pessoas. Elas lhes dão esperança de que seu ente querido ainda está lá e ainda está conectado a elas”, disse Julie Exline, professora da Case Western Reserve University que estuda psicologia da religião e espiritualidade. “Essas experiências ajudam as pessoas, mesmo que não saibam o que fazer com elas.”

Existem vários fatores que entram em jogo para levar uma pessoa a recorrer a explicações sobrenaturais para aquilo que experimentou.

Um artigo recente do jornal Religions, escrito pela estudante de doutorado Kathleen Pait e por Julie Exline, cita como condição “a crença anterior em Deus, anjos, espíritos ou fantasmas, combinada com a crença de que esses seres realmente se comunicam com as pessoas neste mundo”. A relação entre uma pessoa e o seu ente querido — “a necessidade de encerrar, de dar um fim ao relacionamento”, em meio a um luto prolongado — também pode ser um fator. E as mulheres são mais propensas a relatar tais fenômenos.

Os psicólogos podem parecer céticos em relação a essas experiências, e os clientes podem ter medo de revelá-las, presumindo que possa parecer que estão “loucos”. Os ambientes religiosos podem não ser muito melhores nesse sentido: evangélicos e pessoas com elevado compromisso com uma religião foram os menos propensos a relatar interações com familiares falecidos na pesquisa do Pew.

“Acho que muitos cristãos talvez tenham medo de falar sobre isso ou não saibam o que fazer a respeito. [Eles] poderiam pelo menos se sentir um pouco reconfortados por saber que muitas pessoas têm experiências como essas”, disse Julie Exline. Oriunda de um contexto evangélico fundamentalista, ela sabe que algumas tradições religiosas veem essas experiências como “demoníacas” ou “meio estranhas”.

A fé cristã opera em torno da realidade do reino espiritual, ainda que alguns dos crentes de hoje possam ser tentados a minimizá-lo. Chris Pappalardo escreveu para CT em um Halloween:

Nosso livro sagrado contém histórias de espíritos que são chamados de volta dos mortos (1Samuel 28.8-19), de homens que pensaram que estavam vendo fantasmas (Mateus 14.26, Lucas 24.37) e de demônios que causaram danos tremendos, tanto espirituais quanto físicos (Mateus 8.32-34, Marcos 9.20-22, Atos 19.13-16).

Na verdade, o ministério de Jesus pode ser caracterizado como uma extensa batalha entre o seu Espírito Santo e os espíritos menores das trevas, uma batalha que encontra a sua conclusão dramática na derrota paradoxal desses espíritos no Calvário (cf. Colossenses 2.15).

Quando se trata da questão de um “portal para o outro lado”, uma noite por ano pode ser demasiado modesta. Se o Novo Testamento servir de indicação, esse portal nunca está completamente fechado (Efésios 6.10-18). Há muito mais espíritos envolvidos nos assuntos deste mundo do que imaginamos.

Dentro e fora da igreja, há cristãos que falam de seus familiares falecidos olhando por eles aqui na Terra ou acompanhando-os como anjos da guarda. Se esse imaginário comum da vida após a morte é de fato teologicamente correto pode depender de para quem você pergunta; muitos teólogos dizem que, enquanto estivermos aqui na Terra, não podemos saber com certeza o que os que já partiram antes de nós estão fazendo.

John Piper escreveu que Hebreus 12.1, versículo que faz referência a correr a carreira diante de uma “tão grande nuvem de testemunhas”, poderia indicar que os santos estão nos assistindo aqui na Terra e torcendo por nós. No entanto, ele adverte: “Devemos ficar alertas para não gastar muito tempo pensando nos santos lá em cima, a ponto de sermos tentados a interagir com eles […], em vez de nos concentrarmos em Cristo e no trono da graça, cujo acesso ele nos abriu”.

A descrição do reino espiritual nas Escrituras vem acompanhada de fortes advertências. O texto repetidamente desaconselha invocar espírito que não seja o do próprio Deus, com vários versículos do Antigo Testamento abordando especificamente as interações com os mortos (ou a “necromancia”, como aparece em algumas traduções). Deuteronômio 18, por exemplo, condena qualquer um “que seja médium, consulte os espíritos ou consulte os mortos”, dizendo que “o Senhor tem repugnância por quem pratica essas coisas” (v. 11, 12).

Os evangélicos que acreditam ter visto familiares falecidos em seus sonhos ou ter sentido sua presença podem hesitar em contar essa experiência a seus pastores, pois provavelmente já ouviram algum líder criticar a comunicação com os mortos. (Billy Graham chamava a isso “prática oculta”).

Ainda assim, no ano passado, 26% dos protestantes evangélicos relataram ter sentido a presença de um membro da família que morreu, e 21% falaram com um membro da família já falecido sobre coisas que aconteceram em sua vida, descobriu a pesquisa do Pew. Apenas 10% dos evangélicos disseram que familiares falecidos se comunicaram com eles.

Julie Exline e outros estudiosos também agrupam experiências de quase morte, “comunicações pós-morte” e fenômenos espirituais semelhantes entre as “experiências anômalas”, para fins de seu estudo.

Visões de experiências de quase morte, inclusive relatos de quem viu parentes já falecidos enquanto “visitava o céu”, atraíram o ceticismo dos evangélicos, especialmente porque tais relatos se tornaram livros best sellers populares, há cerca de uma década.

Quando Heather descreve os sonhos que tem com a irmã, ela também traz à lembrança os momentos pouco antes da morte de Jessica, quando esta passou de um estado de inconsciência para o de alguém que aparentemente estava falando com Deus. Sobre os dois casos, ela diz: “existe uma espécie de barreira tênue entre o céu e a terra”.

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Os homens são de Marte e de direita. As mulheres são de Vênus e de esquerda.

Os sexos estão pendendo para posições políticas diferentes. O que a igreja pode fazer a respeito?

Christianity Today September 21, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Getty / NASA / WikiMedia Commons

“Você tem a impressão de que todos na sua igreja estão ficando mais liberais?”

Alguém fez essa pergunta em um recente encontro de pastores evangélicos de que participei, na região de Nashville. A pessoa que levantou a questão descobriu recentemente que a maioria das jovens da sua congregação não concordava com as convicções complementaristas da igreja.

Apenas minutos antes, eu havia conversado com alguns pastores sobre um jovem rapaz que tinha o péssimo hábito de frequentar os cultos de uma igreja por várias semanas, e decidir que algo do que fora dito ou feito expunha a igreja como “liberal”; em seguida, passava a frequentar os cultos da próxima congregação. (A minha congregação foi uma das que ele visitou e julgou).

“Acho que muitas das mulheres em nossas igrejas estão se tornando mais liberais”, eu disse. “Mas também acho que os homens estão ficando mais conservadores.”

Uma série de dados empíricos fornece evidências desta tendência crescente. Generations [Gerações], o novo livro de Jean Twenge, professora de psicologia da Universidade Estadual de San Diego, demonstra que entre os alunos do último ano do ensino médio, 30% das mulheres jovens se identificam como conservadoras — uma queda de mais de 10% na última década.

Entretanto, o número de homens jovens que se identificam como conservadores mais do que dobrou: bateu um recorde histórico de 65%.

Lyman Stone e Brad Wilcox observam, no The Atlantic, que a porcentagem de jovens mulheres solteiras que se identificam como liberais é quase o dobro da porcentagem de homens jovens e solteiros, e que a porcentagem de homens jovens e solteiros que se identificam como conservadores é o dobro da porcentagem de jovens mulheres solteiras.

Podemos esperar encontrar as mesmas tendências na igreja. Já em 2014, o “Estudo do cenário religioso”, conduzido pelo Pew Research Group, revelou que, embora os cristãos fossem esmagadoramente conservadores do ponto de vista da política, havia uma diferença percentual de 18 pontos entre as mulheres cristãs liberais e os homens cristãos liberais. Poderíamos presumir com toda razoabilidade que essa disparidade aumentou na última década, tal como aconteceu entre a população em geral.

Ao observar os cristãos debaterem essa fissura crescente, muitas vezes ouço duas reações instintivas. Alguns veem um problema de discipulado entre as mulheres.

“O problema”, segundo eles, “é que as nossas mulheres estão sendo cooptadas por podcasters e influenciadores progressistas nas redes sociais. Elas estão se tornando presas dessa tendência liberal. Precisam ser discipuladas para adotarem uma posição mais conservadora.”

Outros enxergam um problema de discipulado entre os homens: “Todos esses jovens estão sendo discipulados mais por Jordan Peterson do que por Jesus. Eles precisam ouvir os marginalizados e adotar uma posição política mais progressista.”

Ambas as respostas são míopes. Nenhuma delas vai além da superfície. E cada uma delas alienará um sexo ou o outro. Em vez de nos precipitarmos com reações rápidas, precisamos abrir espaço para reflexão. O que é que os homens e as mulheres procuram (e aparentemente encontram) em seus partidos políticos? O que os leva a se identificarem tão profundamente com um movimento que é de fora da igreja, a ponto de ameaçar sua identificação com outros que são de dentro dela?

A resposta, penso eu, pode ser mais simples do que esperamos.

Nos últimos anos, a mensagem da esquerda para as mulheres na América tem sido alta e clara: “Nós queremos vocês. Vocês pertencem a este lugar. Vocês têm um lar aqui. Vocês são bem-vindas. Vocês não são parte do problema”. Mas o mesmo movimento tem dito frequentemente aos homens — especialmente aos homens brancos, heterossexuais e cristãos: “Vocês são o problema. Os homens são opressores. São abusadores. Não são confiáveis”.

Em contrapartida, os conservadores na América têm jogado com o sentimento de vitimização dos homens, dizendo-lhes: “Ainda precisamos de vocês. Vocês ainda têm um papel a desempenhar. Nós queremos vocês. Vocês são bem-vindos aqui. Os homens não são parte do problema”. Esse mesmo movimento, porém, elegeu como seu porta-estandarte um presidente do sexo masculino que se vangloriava descaradamente de ter agredido sexualmente mulheres. “Vocês são o problema” , o conservadorismo sempre disse às mulheres. “Vocês não são confiáveis”.

Como pastor, minha principal preocupação é a igreja local. Como eu e outros poderemos liderar com sabedoria, na medida em que nossas congregações vivem esta divisão entre homens e mulheres, que é induzida pela política?

Teologicamente falando, precisamos de uma dose salutar da “doutrina sobre a qual a igreja se mantém de pé ou cai”. Em Gálatas 2, Paulo conta como se opôs a Pedro, por este praticar a justificação pelas obras. Se nos dividirmos por questões de preferência política, estaremos fazendo exatamente a mesma coisa. E, assim como Pedro, estaremos condenados.

Nenhuma pessoa é justificada pelas obras da lei — entre as quais está a nossa preferência política. Somos justificados pela graça, mediante a fé em Cristo, e não temos o direito de construir barreiras entre as pessoas e Deus, ou entre as pessoas e a igreja, com base em quem cada um optou por votar.

Em termos práticos, os líderes da igreja precisam dar o exemplo de uma amizade saudável entre os gêneros. Sim, os limites são importantes e cada pessoa precisa seguir as suas convicções guiadas pelo Espírito. Mas a amizade entre homens e mulheres é algo essencial para comunidades saudáveis.

Os relacionamentos entre os gêneros têm uma presença inegável na Bíblia, na história da igreja e em qualquer cultura próspera. Ser exemplo de uma amizade caridosa, graciosa e, sim, sábia, que atravesse a fronteira entre os gêneros, é uma forma proveitosa de promover a unidade na igreja local.

Mas talvez não haja nada que precisemos aprender mais urgentemente com este momento do que a verdade de que as pessoas querem ser prezadas, estimadas. O fato de tantas pessoas sentirem que um dos dois principais partidos lhes disse Vocês não são bem-vindas ou bem-vindos aqui é um julgamento que pende sobre a nossa era política . Que vergonha para as nossas igrejas se metade da população ouvir o mesmo de nós!

Se tratarmos a tendência esquerdista das mulheres como o problema, apenas estaremos inflando o orgulho de algumas e expulsando outras. Se tratarmos a tendência dos homens para a direita como o problema, apenas estaremos inflando o orgulho de alguns e expulsando outros.

Mas se seguirmos o exemplo do amor de Jesus Cristo, que se entregou pelos pecados de “todo o mundo” (1João 2.2) — o que inclui homens e mulheres, a esquerda e a direita —, as nossas palavras e ações dirão em alto e bom som: “Vocês não são um problema aqui. Vocês são bem-vindos e bem-vindas. Nós estimamos vocês. Vocês são amados e amadas. Vamos seguir Jesus juntos”.

Taylor Combs atua como pastor principal da Igreja King’s Cross em East Nashville, Tennessee.

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Books

Os evangélicos precisam de uma teologia renovada para a igreja

O grande movimento de desigrejados é uma oportunidade para a nossa tradição redescobrir uma eclesiologia mais resiliente.

Christianity Today September 13, 2023
Ilustração de Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash

A maioria das pessoas que deixou de frequentar igrejas evangélicas nos últimos anos não está no grupo dos “sem religião” nem dos ex-evangélicos.

Na verdade, muitas delas ainda se identificam como cristãos nascidos de novo, cujas crenças cristãs são perfeitamente ortodoxas, de acordo com a recém-lançada obra The Great Dechurching [O grande movimento dos desigrejados], de Jim Davis e Michael Graham. Esses cristãos acreditam na Trindade, na expiação e na realidade de Jesus como seu Salvador pessoal.

Eles simplesmente não vão mais à igreja.

Pode parecer fácil imaginar que os milhões de indivíduos desigrejados são uma aberração com identidades evangélicas um tanto quanto suspeitas. Poderíamos até pensar que eles, com toda certeza, não entendem de fato o que é a fé cristã.

Mas e se o culpado for o evangelicalismo em si, ao menos em parte? E se o problema com os evangélicos desigrejados não for a sua compreensão equivocada da fé, mas sim a própria falta de uma ênfase da teologia evangélica na igreja?

Em relação a outras formas de cristianismo, os evangélicos têm historicamente mantido uma visão bastante “desprestigiada” da igreja, se comparada com a sua visão elevada do relacionamento individual do crente com Deus.

Enquanto os católicos insistiram durante séculos em que não salvação fora da igreja ”, os evangélicos têm tradicionalmente insistido que a salvação de uma pessoa não tem nada a ver com a filiação à igreja ou com o sacramento da igreja. Embora alguns protestantes, como os luteranos e os anglicanos, tenham reservado um papel para o sacramento do batismo na salvação, muitos evangélicos se distanciaram dessa teologia sacramental.

O evangelicalismo americano nasceu nos avivamentos ao ar livre do século 18, que denunciavam ministros não convertidos e chamavam as pessoas a experimentar o Espírito Santo e o dom da salvação fora dos muros das igrejas. O evangelista anglicano George Whitefield ministrou a milhares de pessoas ao ar livre e tinha pouca ligação com qualquer denominação estabelecida que fosse.

E Whitefield não foi o único. Embora os evangelistas do Primeiro Grande Despertamento fossem via de regra ministros ordenados (como o próprio Whitefield), sua mensagem individualista de salvação pessoal transcendeu e desafiou fronteiras denominacionais — enfatizando uma relação pessoal com Deus que não era mediada nem pela igreja nem por credos.

Da mesma forma, no século 19, a pregação revivalista continuou a ser conduzida por evangelistas itinerantes, alguns dos quais desprezavam abertamente os ditames das suas denominações ou tinham uma relação tênue com a igreja estabelecida.

Barton W. Stone, pastor da Igreja Presbiteriana de Cane Ridge — onde o Segundo Grande Despertamento começou — deixou sua denominação presbiteriana após o avivamento. Ele seguiu por conta própria, determinado a recuperar o cristianismo do Novo Testamento sem o fardo de ser supervisionado por uma denominação ou de ter de aceitar um credo.

Charles Finney, o mais famoso avivalista do Segundo Grande Despertamento, mudava de uma igreja para outra, numa sucessão interminável de pastorados que cruzaram linhas denominacionais, a fim de encontrar uma igreja que fosse adequada para suas “novas medidas” e para a teologia arminiana.

Mas os avivalistas do século 19 pelo menos frequentavam regularmente uma igreja local, apesar do seu desconforto com as restrições impostas pelas denominações. Esse, porém, não foi o caso de muitos líderes evangélicos americanos do século 20.

Alguns deles perceberam que muitas vezes poderiam alcançar os perdidos de forma mais eficaz através de ministérios paraeclesiásticos do que através da igreja local.

O mais famoso desses ministros paraeclesiásticos foi Billy Graham, cujo ministério internacional de pregação transcendeu os limites denominacionais. Graham incentivava sua audiência a se filiar a uma igreja local, mas ele próprio era membro de uma igreja em Dallas — que ficava a mais de 1.600 quilômetros de sua casa em Montreat, na Carolina do Norte.

Ele ia frequentemente a outras igrejas, especialmente à congregação presbiteriana da qual sua esposa, Ruth Bell, era membro, mas raramente visitava aquela igreja em Dallas, onde foi membro por 54 anos.

“Se eu pertencesse a alguma igreja batista da minha vizinhança [na Carolina do Norte], eles ficariam constantemente me pedindo para trabalhar em questões da igreja”, explicou Billy Graham. “Quando estou na minha cidade, frequento a igreja presbiteriana da minha esposa, na qual, naturalmente, não me pedem para fazer nada.”

Outros líderes paraeclesiásticos evangélicos daquela época expressavam ainda menos interesse em frequentar e servir ativamente numa igreja local.

Pat Robertson, o apresentador de televisão que fundou a Regent University e a Christian Coalition, foi um ministro ordenado pela denominação Batista do Sul. No entanto, ele quase nunca frequentou a igreja durante o auge de sua carreira, na década de 1980 e início da década de 1990. “É chato”, disse ele certa vez a um repórter, quando questionado por que não frequentava a congregação batista da qual era membro. “Eu não gostava de ir para lá.”

Robertson acreditava intensamente na importância da devoção cristã — ele lia a Bíblia por uma hora, todos os dias, e passava muito tempo em oração. Mas frequentar uma igreja, na opinião dele, era algo opcional.

Hoje, alguns evangélicos estão colocando uma nova ênfase na questão do significado da igreja. Pastores como David Platt e Mark Dever, por exemplo, insistem que cada crente é responsável por se tornar membro ativo em uma igreja local.

Os evangélicos estão outra vez lendo textos clássicos sobre o valor da comunidade cristã, como Life Together [Vida em comunhão], de Dietrich Bonhoeffer , e escrevendo novos livros sobre o assunto, como Rediscover Church: Why the Body of Christ Is Essential [Redescobrindo a igreja: por que o corpo de Cristo é essencial], de Collin Hansen e Jonathan Leeman.

À medida que ir à igreja se torna cada vez mais contracultural e menos conveniente neste nosso mundo de ritmo frenético, textos com mensagens como essas são mais necessários do que nunca. Como explica Bonnie Kristian, muitos crentes carecem de um compromisso fundamental com a igreja — de uma convicção de que “a participação rotineira na vida cristã comunitária é o principal locus da nossa adoração e do discipulado”.

Mas para fazer com que as pessoas voltem aos bancos, os evangélicos precisam redescobrir uma teologia convincente da igreja — a fim de consolidar uma resposta exclusivamente evangélica à pergunta: “Por que [ir à] igreja?”

A razão de existir da igreja não pode ser só o evangelismo, uma vez que ministérios paraeclesiásticos e equipes de missionários são muitas vezes mais eficazes nisso. Não pode ser somente pregar a palavra de Deus, uma vez que algumas das melhores pregações evangélicas têm ocorrido com frequência em cultos de avivamento sem vínculos denominacionais e em conferências ministeriais paraeclesiásticas.

Se a igreja é a noiva de Cristo — a quem Jesus redimiu com seu próprio sangue — sabemos que ela é vital. Mas vital por quê?

Uma resposta evangélica é que a igreja existe como expressão local da família de Deus; ela também é o plano de Jesus para treinar seus discípulos a amarem uns aos outros e a se tornarem mais semelhantes a ele.

O amor não pode ser praticado de forma eficaz na solidão. Podemos orar e ler a Bíblia sozinhos. Mas não podemos praticar o amor pelas outras pessoas se não estivermos nos relacionando com elas.

Paulo escreveu 1Coríntios 13 para uma congregação inteira — não para um único cristão que vivia isolado. Houve momentos na vida de Paulo em que ele ficou isolado da comunidade de crentes e impossibilitado de adorar com outras pessoas, como quando esteve na prisão. Contudo, mesmo isolado, ele orava fervorosamente pelos outros discípulos e ansiava por voltar a se reunir com eles.

Não dá para ler os primeiros capítulos de 1Tessalonicenses e não perceber que Paulo era um homem que desejava intensamente estar com outros crentes — para orar com eles e partilhar de suas alegrias e tristezas em suas caminhadas com o Senhor.

Como os evangélicos observaram corretamente, o Espírito de Deus e o dom da salvação não são definidos pelas quatro paredes da igreja. Entretanto, sem uma comunidade encarnada de crentes, ficamos limitados em nossa capacidade de aprender como amar outros seguidores de Jesus. Ficamos prejudicados em nossa capacidade de experimentar a unidade com outros cristãos, pela qual Jesus orou pouco antes da sua crucificação. E é menos provável que experimentemos as bênçãos decorrentes de fazer parte de uma expressão local da Noiva de Cristo.

O início do evangelicalismo americano pode ter sido uma reação contra ministros não convertidos e igrejas espiritualmente mortas, mas nunca deveria ter se tornado um movimento contra a própria igreja. Quem sabe agora, em meio a esse “grande movimento de desigrejados”, possamos redescobrir uma robusta teologia evangélica para a igreja.

Daniel K. Williams é historiador e trabalha na Ashland University; é autor de The Politics of the Cross: A Christian Alternative to Partisanship [A política da cruz: Uma alternativa cristã ao partidarismo]

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Culture

Afinal, como os homens devem viver?

Nossa cultura não pode dizer o que um homem deve ser. Mas a igreja pode.

Christianity Today September 8, 2023
Rhett Noonan / Unsplash

Johnny Manziel não menciona a arma até o terceiro ato de Untold: Johnny Football, o documentário da Netflix, lançado este mês, sobre sua breve carreira como quarterback da NFL. Quando a menciona, porém, ele está mirando em si mesmo. A essa altura, sua carreira havia implodido e todas as pontes com a família, amigos, companheiros de equipe e treinadores haviam sido queimadas.

“Eu tinha planejado fazer tudo o que queria naquele momento da minha vida”, diz Manziel, enquanto passam imagens do jogador manuseando pilhas de dinheiro e festejando em Las Vegas. “E, de repente, meu plano era tirar minha vida”, continua ele. “Até hoje não sei o que aconteceu, mas a arma simplesmente disparou.”

Untold [O que não foi contado] é uma antologia focada no esporte do passado e do presente. Mas o título da série é quase que exageradamente preciso no que diz respeito ao episódio de Manziel: é mais revelador naquilo que não revela do que naquilo que revela, chegando bem perto do limite da realidade inquietante no centro da história, mas recuando a cada vez.

O documentário dedica muito espaço para o declínio de Manziel e as muitas expressões de preocupação lamentando seu colapso. Mas não reconhece o modo que aquelas pessoas que deveriam ter cuidado dele possibilitaram que ele torasse US$ 5 milhões com bebidas em um mês de desvarios. Nem apresenta uma visão alternativa, sequer no final, de quem “Johnny Football” poderia ter sido. Johnny sobreviveu, e graças a Deus — mas e agora? Que tipo de homem ele se tornará?

Untold não está sozinho nessa relutância em enfrentar a questão. O que é um homem, o que ele deve ser, que papéis os homens podem desempenhar — tudo isso parece estar fora do âmbito das discussões atuais sobre masculinidade em nossa cultura. Sabemos cada vez mais como reconhecer e condenar a “masculinidade tóxica”, e com razão. Mas e quanto às maneiras não tóxicas de ser homem? Ou melhor ainda, que tal irmos além de simplesmente evitar a toxicidade para trazermos uma visão construtiva da virtude masculina a homens em crise?

Porque nós estamos em crise, mesmo que não de forma tão visível como Manziel. A lacuna na história dele reflete a lacuna maior em nosso imaginário cultural. Richard Reeves, autor de Of Boys and Men: Why the Modern Male Is Struggling , Why It Matters , and What to Do about It [Homens e meninos: por que o homem moderno tem enfrentado desafios, por que isso importa e o que podemos fazer], descreve a questão em termos de “roteiros sociais”. Nas décadas passadas, segundo ele, o roteiro social para os homens era bastante simples: ser um provedor, protetor e guardião e incutir na sua família os valores que lhe foram transmitidos pelo próprio pai. É um roteiro carregado de responsabilidade e de propósito, e esse era um fardo que a maioria dos homens almejava carregar.

Mas o correlato roteiro social para as mulheres apresentava falhas graves. O ideal de meados do século não dava às mulheres qualquer senso de liberdade para escolherem uma vocação fora do lar, e elas também não tinham liberdade econômica para abandonar casamentos abusivos e maridos infiéis.

À medida que as mulheres conquistaram independência econômica, não só enfrentaram o desafio da igualdade como também o superaram. Em quase todas as métricas concebíveis, as mulheres estão superando os homens na educação. E embora a disparidade salarial tenha demorado a diminuir, as evidências sugerem que isso está realmente acontecendo. (De acordo com Reeves, quando você ajusta os números, levando em conta as mulheres que tiram licença não remunerada para cuidar dos filhos, homens e mulheres recebem salários quase iguais.)

O novo roteiro social para as mulheres é, ao mesmo tempo, cheio de propósito e libertário. As garotas podem fazer qualquer coisa, como diz o slogan, inclusive — se quiserem — seguir um modelo tradicional de casamento e de família. Entretanto, de acordo com Reeves, os homens ainda não encontraram seu novo roteiro social. O antigo papel de provedor, protetor e líder espiritual da família não só é visto como algo bizarro; muitas vezes também é visto como paternalista ou coisa pior.

Para alguns progressistas, o melhor roteiro social para os homens parece ser o papel de aliado — alguém que usa de seu privilégio para ajudar outros a se erguerem. A diretora Greta Gerwig imagina esse papel, no filme Barbie, por meio do personagem Allan. Interpretado por Michael Cera, Allan é o amigo de Ken notoriamente passível de ser esquecido, deliberadamente uma nulidade amena — como acontece com muitos dos melhores papéis de Cera.

Allan não é realmente um herói. Ele não desperta o interesse amoroso da Barbie e não sabemos o que acontece com ele no final. A própria Barbie abraça a humanidade de um corpo e de um gênero como a dádiva que deve ser. Ken reconhece o fracasso do seu próprio “Kendom” [ou Reino do Ken] e o absurdo da sua utopia, mas ficamos imaginando o que ele fará a seguir. Com Allan, realmente não nos importamos — mas esse é o ponto. Ele é apenas Allan, o aliado, e sua única função é apoiar a Barbie.

Peço desculpas se pareço duro, mas nenhum homem quer ser um Allan. Nenhum homem quer ir à guerra para ajudar a Barbie a recuperar seu reino e acabar esquecido na zona de amigos. A condição de aliado, por si só, simplesmente não é uma visão de masculinidade que tenha apelo.

Mas lhe desejo boa sorte na tarefa de encontrar uma alternativa aceitável em ambientes progressistas. Descreva outros atributos que os homens há muito abraçaram como marcas de masculinidade — como instinto de competição, agressão ou força — e logo descobrirá que eles são frequentemente tratados como patologias , indistinguíveis de um desejo tóxico de conquista sexual. Parece que a única masculinidade aceitável é aquela que historicamente sequer seria reconhecida como algo masculino.

O problema é diferente na direita, especialmente na própria direita online, onde a transgressão contra devoções progressistas às vezes representa metade da diversão (e o que mais atrai cliques). Mas, mesmo nesse grupo, o roteiro social também não se parece em nada com o antigo.

Em vez dele, encontraremos argumentos sobre como se preparar para o apocalipse econômico, como evitar óleos de sementes e sobre determinar se um pai de primeira viagem deveria trocar as fraldas do filho (aliás, ele deveria trocar muitas fraldas, e se for cristão, é quase certo que o fará).

Ao contrário da masculinidade dos nossos avôs e bisavôs, esta masculinidade é performativa e reacionária, interessada mais na estética e na exibição nas redes sociais do que no trabalho sério e vitalício de ser um homem bom e fiel. Na medida em que deve ser levada a sério (e na maioria das vezes não é), tal visão não parece interessada na formação de virtudes que tornariam a masculinidade distintamente semelhante a Cristo — virtudes como gentileza, domínio próprio, sobriedade, compaixão e generosidade.

Os evangélicos tentaram algumas vezes fornecer um roteiro alternativo, com graus variáveis de sucesso. Embora abundem exemplos tolos de hipermasculinidade, movimentos como o Promise Keepers ou obras de escritores como John Eldredge tocaram um vasto grupo de homens — especialmente quando citavam biblicamente atributos da masculinidade que se relacionam com a paternidade humana e a paternidade de Deus.

Estes movimentos vêm e vão, e suspeito que isso tenha tanto a ver com ciclos de consumo quanto qualquer mudança cultural mais profunda. Mas a ideia central de uma visão bíblica da virtude masculina baseada na paternidade poderia repercutir independentemente do meio cultural. Embora nem todos nós seremos pais, e muitos de nós tenhamos crescido sem pais, todos partilhamos de um anseio universal por um pai — e mesmo os contornos que essa ausência assume podem informar uma visão de masculinidade. Ansiamos por uma presença que cuide de nós, alguém que seja para nós um provedor e um protetor, quando nos sentimos fracos ou vulneráveis, alguém que nos abençoe e nos encha de coragem, quando enfrentamos conflitos ou obstáculos. Também informa essa visão a doutrina da adoção, pela qual somos reivindicados como filhos e filhas por Deus, nosso Pai (Romanos 8.14-17).

Os evangélicos poderiam articular um roteiro social para este momento que dê conta das realidades econômicas de um mundo pós-feminista, sem fazer concessões em relação aos nossos compromissos teológicos sobre o significado do casamento, a natureza dos homens e das mulheres e a virtude de sermos feitos à imagem de Deus. Poderíamos celebrar as misteriosas formas como homens e mulheres são semelhantes e diferentes, sem cedermos a estereótipos ou sem entronizarmos um único arranjo econômico doméstico, proveniente da metade do século, como ideal supostamente divino.

Poderíamos contar uma história sobre a responsabilidade única dos homens em moldar a compreensão que os cristãos têm de Deus como Pai. Poderíamos reconhecer que a força dos homens é um dom destinado a ser usado no serviço e na proteção dos outros, e que as diferenças de gênero — vistas por contraste com os atributos femininos das nossas esposas e filhas — são também um meio de graça para que sejamos dignos, e não menosprezados nem diminuídos em uma ou outra direção.

Este tipo de masculinidade poderia dar poder aos homens, mas sem nos autorizar a nos tornarmos tiranos. Poderia honrar a nossa força e, ao mesmo tempo, reconhecer que ela existe para servir aos outros. Poderia inspirar trabalho árduo e ambição, sem fomentar o engano de que um homem deve sempre se enquadrar em ideais superficiais de produtividade e de sucesso.

Johnny Manziel alcançou um sucesso como muito poucos homens conseguem, mas, ainda assim, viu-se diante da mira de uma arma. E sua história, infelizmente, não é a única. Na ausência de um roteiro significativo para as nossas vidas, os homens estão em crise. Nos últimos 30 anos, os homens ultrapassaram dramaticamente as mulheres em mortes por desespero. No ano passado, quase 40 mil homens cometeram suicídio nos EUA, quatro vezes o número de mulheres. Uma parcela crescente deles estava na meia-idade, um período da vida em que muitos homens estão especialmente famintos por um propósito.

É claro que essas mortes não podem ser atribuídas apenas à falta de um roteiro social. Mas não deveria nos surpreender o fato de que homens famintos por uma visão construtiva da masculinidade venham a se desesperar. Tal como pregar a mensagem do evangelho, comunicar a visão de uma semelhança encarnada à imagem de Cristo, como homens, é algo necessário e requer constante renovação. Precisamos de uma linguagem nova e de novas metáforas que repercutam com os anseios do momento que vivemos e que comuniquem aos homens não apenas quem podemos ser, mas também quem somos como portadores da imagem de Deus.

Nossa cultura está evitando tocar nessa questão. A igreja não pode fazer o mesmo.

Mike Cosper é o diretor da CT Media.

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Parei de frequentar a igreja por três anos

Minha solidão espiritual me trouxe de volta.

Christianity Today September 6, 2023
Illustration by Christianity Today / Source Images: Getty

A fé e a igreja têm sido assuntos difíceis para muitas pessoas depois do período pandêmico. Eu sou uma dessas pessoas. Nos últimos três anos, eu e minha esposa fomos levados a fazer duas mudanças de emprego, uma mudança para o outro lado do país e a passar meses trancados dentro de casa, tentando manter nossos filhos pequenos saudáveis e a nossa própria sanidade. Quando o mundo começou a reabrir, muitas coisas pareciam diferentes.

Até recentemente, eu podia contar nos dedos de uma mão o número de vezes que compareci presencialmente a um culto, desde março de 2020. E eu poderia dar muitas razões para a nossa ausência: uma criança pequena e um recém-nascido, desilusão com a tradição de uma igreja que considerávamos nosso lar, aproveitar a segunda manhã do fim de semana, pura exaustão e muito mais.

Mas, para ser bem honesto, uma razão se destaca: quanto mais me afasto da igreja, menos sentido a fé cristã faz para mim. Ficar à deriva fisicamente nos leva a ficar à deriva intelectualmente.

Embora eu possa soar como um cristão novato, sou uma espécie de puro-sangue. Nasci e cresci no que hoje é uma megaigreja evangélica. Eu me formei em religião e filosofia, em uma importante faculdade cristã, e cursei o seminário em outra. Tenho raízes.

Mas, quando se trata de acreditar na minha fé, sempre enfrentei o mesmo problema. Durante qualquer período da vida em que eu ficar separado de outros cristãos que pensam como eu, minha fé começa a parecer algo tão estranho para mim quanto é para meus amigos que não são cristãos. Espere aí, você acredita que um homem era Deus? Que ele realmente ressuscitou dos mortos? Tipo, seu sangue e suas entranhas esfriaram, e, então, seu coração começou a bater de novo? É ridículo, não é?

Parte da minha experiência de fé — e daquilo que faz parte da minha constituição — é que sempre procurei os melhores argumentos contra as minhas próprias posições. E, no caso do cristianismo, há muitas críticas boas. Feuerbach, Nietzsche e Freud oferecem críticas substanciais, descrevendo a fé cristã como variações do autoengano, da utopia. A hipocrisia é outro bom motivo para duvidar. A igreja do passado e do presente está repleta de cristãos que fracassaram em ser fiéis à sua mensagem.

Provavelmente a melhor razão para não crer é o problema do sofrimento ou a teodiceia, como dizem nos círculos intelectuais. Se Deus é tão grande assim, por que há tanto mal e sofrimento no mundo?

Uma história de terror em particular me atingiu com força no ano passado, em meio a minha ausência da igreja: a notícia do falecimento de Jonathan Tjarks, redator do The Ringer que cobria principalmente o basquete da NBA. Ele escreveu de maneira impactante sobre o que era enfrentar um diagnóstico de câncer um ano após a chegada de seu primogênito. Nunca conheci Jon em pessoa, mas nos correspondemos brevemente sobre assuntos como escrita, fé e esportes. Jon era cristão como eu, e eu, um louco por esportes como ele.

No site que narra sua jornada contra o câncer, na última postagem antes de seu falecimento, a esposa de Jon pôs uma foto dele em uma cama de hospital, claramente exausto, com seu grande corpo alquebrado, sendo ajudado a beijar seu filho Jackson. Depois de a pandemia ter enfraquecido meu formidável distanciamento da morte, a legenda daquela foto — “Os últimos beijos de Jon em Jackson” — me destruiu.

Naquela noite, chorei ao lado da cama dos meus filhos adormecidos, de cinco e dois anos, beijando suas testinhas quentes. Eu chorei por Jon. Eu chorei por Jackson. Chorei por meus filhos, ao pensar na minha própria fragilidade e na deles. Realmente, chorei por todos nós.

No artigo que escreveu antes de falecer, Jon falou sobre a importância de viver a vida intencionalmente ao lado dos outros, não apenas com sua família, mas também com sua igreja. Amigos perguntaram se ele tomou muito cuidado em se isolar durante a pandemia. Sabe o que ele respondeu? Que não teve tempo para isso.

A história de Jon mexeu comigo. Alguns meses depois de seu falecimento, minha esposa e eu concordamos que era hora de procurar uma igreja. Queríamos que nossos meninos crescessem na igreja. E às vezes, nas manhãs de domingo, sentíamos uma dor surda que donuts e café não conseguiam aliviar.

O processo foi difícil. Levando em conta uma pós-graduação em teologia e a minha inclinação natural para questionar tudo, eu era um pouco problemático, digamos assim. Tenho tantos senões sobre a cultura da igreja que sabia que precisaríamos visitar muitas delas.

Um benefício da revolução do streaming durante a pandemia foi a possibilidade de dar uma espiada em um culto, sem ter que dedicar um domingo inteiro para cada visita. Algumas manhãs, minha esposa e eu “visitávamos” três igrejas diferentes sem sair do sofá ou sem nem mesmo largar os donuts. Quando víamos algum completo absurdo — algo como uma oração à Mãe Terra, ou um pastor liderando a congregação para cantar “Na bela América” — podíamos abandonar a transmissão e tentar a próxima igreja.

Quando encontramos uma pequena igreja perto de nossa casa, pegamos os meninos e fizemos uma tentativa [de conhecê-la]. As primeiras pessoas que conhecemos lá foram gentis e acolhedoras, e nenhum de nossos meninos odiou o departamento infantil. Então, voltamos. E continuamos voltando, o suficiente para nos pegarmos chamando-a de “nossa igreja”, em conversas com familiares e amigos.

A igreja estava localizada no centro da cidade e era transparente quanto à sua dedicação aos moradores locais, em especial os que mais sofrem naquela comunidade. Os cultos eram bastante curtos, os sermões às vezes eram comoventes, a música não era ofensiva. O microfone estalava todos os domingos, e todos os domingos as pessoas se esforçavam para descobrir o porquê. Depois de anos passados em igrejas onde o número de vaporizadores superava o de visitantes sem-teto, a simplicidade daquela igreja era um bálsamo.

Nossa primeira visita foi em dezembro passado e, desde então, nossa família vem se adaptando a uma nova/velha rotina de domingo de manhã. Nem sempre foi divertido ter compromisso em nossas manhãs de domingo. Mas tem sido bom estar lá. Profundamente bom. E, quando chegou a Páscoa, nesta primavera, sabíamos onde estaríamos e estávamos realmente ansiosos por isso.

Ir para a igreja com crianças pequenas é algo bem complicado, e quando conseguimos encontrar estacionamento e entrar na igreja, até as cadeiras empoeiradas [que ninguém nunca usa] do santuário estavam ocupadas. Membros prestativos trouxeram cadeiras de uma pilha ainda mais empoeirada para nós. O culto parecia normal, exceto pela multidão e pelo inconfundível entusiasmo eletrizante das manhãs de Páscoa. Celebrávamos o triunfo de Cristo sobre a morte e a estaca do cristianismo no solo da história humana. “Tolice para os gregos”, disse o apóstolo Paulo.

E, enquanto estava lá, cantando, não pude deixar de refletir sobre o tempo que passei fora da igreja. Eu senti falta de ficar naquele brilho tênue, inundado pelo coro de vozes. Senti falta da solenidade de uma manhã de Páscoa, da força íntima da comunhão, do Leão e do Cordeiro.

Utopia, eu ainda digo nos meus dias menos fiéis.

Certa vez, Paulo orou para que os efésios compreendessem o enorme alcance do amor de Cristo. Ele acrescentou uma linha extra: “e oro para que […] vocês possam, juntamente com todos os santos, compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo” (Efésios 3.18-19).

A força da união é uma das coisas que mais notei ao voltar para a igreja. Hoje em dia, minha fé se parece menos com um registro contínuo de fatos e mais com um interruptor de luz. Estarmos juntos novamente me lembrou que o interruptor de luz nem sempre foi um fardo tão pesado.

Mas também não consigo deixar de pensar em Jon e Jackson. Enquanto Jon lutava contra seu diagnóstico, pelo menos por escrito, ele nunca chegou a uma paz gloriosa em relação à sua partida. E oferecer a ele (ou a qualquer pessoa) respostas simplistas diante desse tipo de sofrimento seria, para usar algo dito pelo autor David Foster Wallace, “grotesco”. Jon teve ainda que dar um beijo de despedida em seu filho, e essa dor tem uma gravidade própria.

Depois do meu primeiro culto de Páscoa, eu ainda estava pensando em Jon e nas passagens das Escrituras às quais ele sempre voltava, à medida que sua luta recrudescia e seu tempo encurtava. A religião que Deus, nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: Aprenda a fazer o que é certo; busque a justiça. Defenda os oprimidos. Assuma a causa dos órfãos; pleiteie o caso da viúva (Tiago 1.27; Isaías 1.17).

Jon estava pensando na esposa e no filho, é claro. Mas se há uma coisa que os últimos três anos de pandemia nos ensinaram é que estamos todos na mesma situação de Jon. Todos os nossos dias são contados. Não podemos decidir quanto tempo viveremos. No entanto, podemos de fato escolher se passaremos esses dias uns com os outros e uns para os outros, mesmo nas épocas mais sombrias.

Percebi que é isso o que eu procurava em uma igreja: uma comunidade que levasse Tiago e Isaías tão a sério quanto leva os escritos de Paulo sobre a Ressurreição — uma igreja cujo cuidado para com os feridos possa me ajudar a manter o interruptor ligado, a luz acesa, quando a vida parecer insuportavelmente passageira e mortal.

Luke Helm é escritor e treinador que trabalha em Grand Rapids, Michigan.

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Books

Morre Sarah Young, autora do devocional O chamado de Jesus

Suas orações consolaram e inspiraram milhões de pessoas.

Sarah Young, autora de O chamado de Jesus.

Sarah Young, autora de O chamado de Jesus.

Christianity Today September 1, 2023
Cortesia de Jesus Calling /edição por Rick Szuecs

Sarah Young, autora de devocionais escritos com se fossem palavras do próprio Jesus, e que se tornou uma das evangélicas mais lidas do século 21, morreu aos 77 anos.

Esposa de um missionário da Igreja Presbiteriana na América (PCA) junto ao povo japonês, Sarah sofria da doença de Lyme e de outras doenças crônicas que às vezes a obrigavam a ficar no quarto 20 horas por dia. Em seu isolamento, ela começou a praticar a “oração de escuta” e a registrar em um diário o que sentia o Espírito lhe dizer.

“As mensagens começaram a fluir […] e comprei um caderno especial para registrar aquelas palavras”, escreveu Sarah Young, mais tarde. “Continuei a receber mensagens pessoais de Deus enquanto medito nele.”

Algumas páginas de seu diário chegaram a um grupo de oração de mulheres, em Nashville, no início dos anos 2000. Uma das mulheres as compartilhou com o marido, que era vice-presidente de marketing da Integrity Publishers, e a Integrity perguntou a Sarah se ela poderia escrever 365 mensagens de Deus para os leitores, uma para cada dia do ano. Ela concordou e eles publicaram O chamado de Jesus, em 2004.

Com o impulso adicional de marketing, depois que a Integrity foi incorporada pela Thomas Nelson, o livro ficou entre os 10 primeiros na lista dos mais vendidos da Associação de Editores Cristãos Evangélicos, em 2009. Permaneceu no topo da lista, mês após mês, pelos próximos 15 anos, por fim vendendo mais de 45 milhões de exemplares. Em agosto de 2023, o devocional superou as vendas das obras de T. D. Jakes, Lee Strobel, Rick Warren, Joyce Meyer, Louie Giglio e Max Lucado.

Uma versão infantil da obra também vendeu mais de um milhão de cópias, e o mesmo aconteceu com dois devocionais subsequentes que foram escritos por Sarah Young, Jesus Always e Jesus Today. Outros dois devocionais, Jesus Lives e Jesus Listens, venderam meio milhão de exemplares cada um.

O estilo devocional de Young suscitou controvérsia, e alguns líderes evangélicos expressaram preocupação que pudesse minar a ideia de que a Bíblia é suficiente para os cristãos contemporâneos, enquanto outros disseram que escrever a partir da perspectiva de Jesus beirava a blasfémia. Mas, muitos crentes, muitos mesmo, encontraram consolo, paz, encorajamento e inspiração nas palavras de Jesus, escritas pela pena de Young.

O chamado de Jesus atraiu fãs tão diversos como Metro Boomin, produtor de hip-hop que postou fotos de páginas grifadas de cima a baixo em suas redes sociais, e como a apresentadora de talk show Kathie Lee Gifford, que fez elogios à orientação espiritual de Sarah Young em sua vida.

“Fico maravilhada com sua perseverança e sua fé”, disse Gifford. “Estou profundamente emocionada com o coração dela por Jesus.”

No Goodreads, um site de mídia social onde as pessoas compartilham resenhas e avaliações de livros, 85% dos leitores do devocional O chamado de Jesus o avaliaram com quatro ou cinco estrelas.

“Eu simplesmente adoro este devocional”, escreveu uma mulher do Tennessee. “Eu o li quase todos os dias durante o ano passado, mas ainda encontro paz quando o leio, mesmo agora. É lindo e reconfortante.”

As lutas espirituais levaram ao L'Abri

Sarah Jane Kelly nasceu em Nashville, em 15 de março de 1946. Pouco se sabe sobre sua infância, exceto que seu pai era professor universitário e a família morava no Sul. Ela se formou na E. C. Glass High School, em Lynchburg, Virgínia, no ano de 1964, e frequentou o Wellesley College, onde se formou em filosofia. Fez mestrado em educação, com foco em estudos da infância, na Tufts University, em 1974.

Apesar de seu sucesso acadêmico, a futura autora do famoso devocional O chamado de Jesus estava enfrentando lutas espirituais. Ela ainda não era cristã e suas aulas de filosofia a convenceram de que a vida, em última análise, era sem sentido e absurda. Então, ela conheceu a obra Escape from Reason [Fuga da razão], de Francis Schaeffer. O livro a fez pensar que poderia haver respostas para perguntas que ela considerava irrespondíveis. Era possível saber a verdade e até ter confiança de que era absoluta.

A esperança motivou uma viagem ao L’Abri, o centro de estudos evangélicos de Schaeffer, nos Alpes Suíços. Lá, Sarah Young teve um encontro com Jesus. Um conselheiro perguntou-lhe se ela era cristã e do que ela achava que precisava ser perdoada.

“Imediatamente compreendi minha necessidade de Jesus — eu precisava dele para me salvar dos meus muitos pecados”, escreveu ela.

Depois de caminhar sozinha pelos bosques nevados da Suíça, Sarah sentiu uma Presença — ela sempre escrevia essa palavra com P maiúsculo — e sentiu que era a avassaladora resposta pessoal para uma pergunta que ela achava ser apenas intelectual. Então, ela disse em voz alta: “Doce Jesus”.

Um ano depois, ela sentiu a mesma Presença quando lia Beyond Ourselves, um livro sobre oração, da autora cristã Catherine Marshall.

“Eu não me sentia mais sozinha”, lembrou Sarah, tempos depois. “Eu sabia que Jesus estava comigo.”

Sarah Young decidiu se tornar conselheira cristã e fez um segundo mestrado no Covenant Theological Seminary, uma escola da PCA no Missouri. Lá, ela conheceu e se casou com Stephen Young, filho e neto de missionários que tratabalharam no Japão, que também planejava ser missionário lá. Eles se casaram em 1977 e mudaram-se para um local ao sul de Yokkaichi, a fim de plantar uma igreja com a organização missionária Mission to the World.

Os Youngs mudaram-se para Melbourne, Austrália, em 1991, onde Steve ajudou a plantar a primeira igreja de língua japonesa na cidade. Sarah começou a atuar na área de aconselhamento, ajudando mulheres que haviam sido abusadas sexual e espiritualmente a encontrar cura em Cristo. Ela começou a meditar sobre a proteção de Deus, visualizando cada membro de sua família cercado pelo Espírito. Ao fazer isso, como ela sempre lembrava depois, Sarah teve uma experiência mística. Ela foi envolvida pela luz e tomada pela paz.

“Eu não havia buscado aquela poderosa experiência da Presença de Deus”, escreveu ela, “mas a recebi com gratidão”.

Experiências com um diário de oração

No ano seguinte, Young começou a fazer experiências com orações de escuta. Em seu diário, em vez de escrever o que ela queria dizer a Deus, ela escrevia o que sentia que Deus estava lhe dizendo. Ela foi inspirada, pelo menos em parte, pelo teólogo evangélico J. I. Packer, que escreveu que Deus “guia as nossas mentes, à medida que pensamos em coisas na sua presença”.

De forma mais controversa, Sarah Young também foi influenciada por God Calling, um devocional britânico nascido de uma revelação supostamente divina, dada a duas mulheres anônimas, conhecidas apenas como “The Listeners” [“As ouvintes”]. Foi editado e publicado por um editor de jornal interessado em espiritismo, experiências místicas e autoridades religiosas alternativas.

“Cristo Cristo Cristo. Tudo deve depender de Mim”, as duas mulheres registraram, em 1933, como se fosse Deus dizendo. “Sejam canais, vocês duas. Meu Espírito fluirá e, ao fluir, varrerá todo o passado amargo.”

Sarah Young adorou o livro. “Ele se encaixava muito bem em meu desejo de viver na presença de Jesus”, disse ela. A obra a levou a começar a escrever em seu diário de orações como se fosse Deus lhe falando.

Sarah Young não achava que o que escrevia fosse inspirado por Deus — e certamente não era inerrante —; no entanto, ela também não achava que fosse um mero projeto de escrita criativa. Escrever como se fosse Deus lhe falando não era algo concebido como um recurso retórico. Ela considerava seus diários como um testemunho da presença de Deus.

À medida que ela enfrentava várias enfermidades — entre elas, duas cirurgias por causa de um melanoma; um erro de diagnóstico de síndrome de fadiga crônica; doença de Lyme e vertigem persistente —, a prática da oração tornou-se cada vez mais importante para ela. Sarah se perguntava se poderia ser chamada a compartilhá-la com outras pessoas.

“Quando as pessoas se abrem para mim”, escreveu ela, “percebo que a maioria delas também deseja o bálsamo da paz de Jesus”.

Ela passou cerca de três anos preparando um manuscrito, mas não conseguiu fechar nenhum contrato de publicação. Desistiu da ideia em 2001, quando a família se mudou para Perth, uma cidade isolada na Austrália Ocidental, para que Steve pudesse iniciar ali um ministério para o povo japonês. Nos anos seguintes, as enfermidades de Sarah pioraram tanto que ela mal conseguia sair do quarto. Então, concentrou-se o máximo que pôde em escrever, orar e meditar em Deus.

Byron Williamson, fundador da Integrity, recebeu uma amostra da obra de Sarah em 2003. Sua escrita o conquistou.

“Passei os dias seguintes refletindo sobre aquela voz que ouvia nos devocionais de Sarah […] eram palavras extremamente íntimas, expressas de maneira calorosa”, lembrou Williamson mais tarde. “A obra me fez lembrar de um livro que eu tinha visto na mesa de cabeceira da minha mãe, anos antes, intitulado God Calling.”

Ele sugeriu o título em inglês Jesus Calling [Jesus chama] e propôs um contrato de publicação para Sarah Young. Ela aceitou, e disse ao marido que esperava que a editora não perdesse dinheiro com seu devocional.

Um milagre editorial

Ela não precisava ter se preocupado com isso. Nos primeiros três anos, O chamado de Jesus vendeu em média 20 mil exemplares por ano, e muitas pessoas compravam para dar de presente. Livrarias cristãs relatavam que clientes perguntavam se poderiam comprar caixas do devocional.

A Thomas Nelson incorporou a Integrity em 2006 e, em vez de tratar o devocional como uma obra qualquer da backlist, viu em O chamado de Jesus potencial para ser um best-seller. A editora cristã promoveu o livro. Em 2008, venderam 220 mil exemplares. Em 2009, chegou às listas dos mais vendidos. Em 2013, vendeu mais do que Cinquenta Tons de Cinza, e a Thomas Nelson a traduziu para mais de 24 idiomas.

A própria Young mal participou da promoção de seus livros, e ganhou fama de reclusa, mesmo depois de voltar para Nashville com o marido. Quando a Christianity Today tentou fazer uma reportagem com ela, só se comunicou por e-mail, através de um intermediário da Thomas Nelson. O New York Times e o Publishers Weekly também tiveram negados seus pedidos de entrevista por telefone.

Mas seu livro continuava vendendo. Muitos leitores conheciam a obra por recomendações pessoais. O músico David Crowder disse que perdeu a conta de quantas pessoas lhe perguntaram: “Cara, você já leu O chamado de Jesus?”

A atriz e cantora Kristin Chenoweth, estrela do programa de TV Pushing Daisies e de Wicked, produção da Broadway, disse que ganhou um exemplar da atriz Rita Wilson, que é casada com Tom Hanks e atuou nos filmes Sleepless in Seattle e Noiva em fuga. A própria Rita ganhou seu exemplar da cantora country Faith Hill.

“É meio louco, às vezes você lê o devocional de um certo dia e é exatamente o que você precisava ouvir”, disse Rita.

O livro também foi promovido pelo candidato republicano às primárias presidenciais, Scott Walker, e rodou por muitas mãos na Casa Branca. Sarah Huckabee Sanders disse que encontrou um exemplar em seu escritório, logo depois que o então presidente Donald Trump a promoveu a Secretária de imprensa da Casa Branca.

“Eu peguei o devocional na mesma hora”, disse ela à CBN. “Fui para a outra sala e li. E simplesmente pensei: ‘Estou em paz’”.

À medida que se tornava mais popular, o livro também atraía sérias críticas.

“Ela coloca seus pensamentos na primeira pessoa e, depois, apresenta essa ‘pessoa’ como se fosse o Senhor ressuscitado. Francamente, acho isso ultrajante”, disse à CT, em 2013, David Crump, professor de teologia da Calvin University. “Tenho certeza de que ela é uma mulher muito devota e piedosa, mas estou tentado a chamar isso de blasfêmia”.

O blogueiro evangélico Tim Challies escreveu que o livro era “profundamente perturbador” e, ao mesmo tempo, perigoso e “indigno de nossa atenção”.

Kathy Keller, diretora-assistente de comunicações de uma igreja da PCA na cidade de Nova York, onde seu marido, Tim Keller, era o pastor principal, escreveu uma resenha explicando por que a Redeemer não venderia o devocional de Sarah Young em sua mesa de livros, embora muitas pessoas estivessem pedindo.

“Sarah Young tinha a Bíblia, mas achou que não era suficiente”, disse ela. “Se você quer ter experiências com Jesus, aprenda como encontrá-lo em sua Palavra. Sua verdadeira Palavra.”

Editores da Thomas Nelson objetaram, dizendo que os críticos estavam sendo obtusos.

“De forma alguma a autora acredita que o que ela escreve seja sagrado ou que ela tenha tido novas revelações”, disse um deles ao The New York Times. “Tenho a impressão de que ela tentou deixar isso bem claro nas introduções de seus livros.”

Eles também apontaram que a longa história da escrita devocional, que inclui obras clássicas de Andrew Murray, Oswald Chambers e A. W. Tozer, é amplamente aceita no evangelicalismo. O estilo de escrita de Sarah Young pode ser diferente, mas os leitores estavam muito familiarizados com o gênero devocional que os críticos pareciam entender tão mal.

Ajudando os leitores a se conectarem com Jesus

As acusações de possível heresia não prejudicaram as vendas. Embora alguns novos leitores se aproximassem da obra O chamado de Jesus e dos devocionais posteriores com cautela, a maioria se converteu ardorosamente, quando lia as palavras de Jesus escritas por Sarah Young.

A autora Dawn Paoletta, por exemplo, escreveu que estava cética porque o relato de Sarah sobre ter recebido mensagens divinas a fazia se lembrar de escritos da Nova Era. Mas, quando ela leu O chamado de Jesus, logo se convenceu de que era algo que vinha de Deus.

“Recomendo este livro de todo o coração, e já comprei meia dúzia de exemplares para dar de presente”, escreveu Paoletta no Goodreads. “Também comprei um exemplar de capa dura que trago na bolsa! […] Provavelmente irei entregá-lo à pessoa que Deus me mostrar em algum momento!”

Milhões de leitores reagiram da mesma maneira, voltando a ler o devocional várias vezes em busca de alimento espiritual e dando exemplares a qualquer pessoa que parecesse precisar dele.

Sarah Young disse que ficou surpresa com o sucesso comercial de suas obras, mas estava feliz por poder ajudar as pessoas a se conectarem com Jesus. À medida que o número de exemplares vendidos crescia de forma astronômica, ela se comprometia a continuar orando por todos os seus leitores.

“Lembrem-se de que estou sempre orando por vocês”, escreveu ela, após a publicação de Jesus Listens [Jesus escuta]. “Mas, ainda mais importante, lembrem-se de que Jesus está sempre com vocês, ouvindo cada uma de suas orações.”

Sarah Young morreu em Nashville, em 31 de agosto. Ela deixa seu marido, Steve, a filha Stephanie e o filho Eric.

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