N. T. Wright: A pandemia deve nos tornar humildes – e implacavelmente práticos

Não sabemos ao certo por que isso está acontecendo nem como parar. Mas as Escrituras nos chamam a sofrer com o Espírito de Deus e começar a trabalhar servindo aos outros.

Christianity Today August 10, 2020
Illustration by Rick Szuecs / Source images: RealPeopleGroup / Getty / Andre Ouellet / Unsplash / Cynoclub / Envato

Entre reportagens 24 horas por dia, entrevistas com especialistas em saúde pública e experts discutindo os prós e os contras de diferentes estratégias de combate a esse mal, dificilmente temos escassez de informações e abordagens sobre o COVID-19. No entanto, ainda há muitas perguntas que lutamos para responder com total confiança: por que isso aconteceu? O que devemos fazer em resposta? E onde está Deus nisso tudo? Em God and the Pandemic: A Christian Reflection on the Coronavirus and Its Aftermath, o teólogo e autor N. T. Wright mostra como as Escrituras falam de nossa confusão e incerteza. Andy Bannister, diretor do Solas Centre for Public Christianity, sediado na Escócia, conversou com Wright sobre seu livro.

Muitos cristãos já escreveram livros sobre a pandemia — de John Lennox a John Piper, e até pessoas com outros nomes que não John. O que o inspirou a contribuir com seu próprio livro?

Em março, a revista Time me perguntou se eu escreveria um artigo sobre a pandemia. Ele recebeu um título bastante provocador: “O cristianismo não oferece respostas sobre o coronavírus. Não é seu papel oferecer”. Eu queria dizer que isso nos remete a Romanos 8, onde lemos que o Espírito geme em nós com gemidos inexprimíveis (v. 26) — é extraordinário Paulo dizer isso. E o que isso me diz é que devemos ser humildes, sem acreditar que precisamos saber todas as respostas.

Depois que o artigo foi publicado, comecei a receber feedbacks. As pessoas me enviavam e-mails para perguntar: “Como você pode dizer isso?” E fui informado sobre o que estavam dizendo no Twitter (eu nunca olho o Twitter). Durante todo o tempo, eu continuava ouvindo as pessoas usarem as Escrituras de uma maneira que parecia menos do que totalmente adequada. O livro é uma tentativa de explorar como realmente as Escrituras, em todo seu fluxo e sua narrativa, falam das circunstâncias que estamos enfrentando.

Quando o COVID-19 chegou, parece que muitos foram pegos de surpresa. Você acha que a igreja ocidental vive com conforto e segurança há tanto tempo que esquecemos como lidar com as trevas, o sofrimento e a crise?

Absolutamente! Eu estava conversando com um pastor veterano há algumas semanas sobre isso e ele comentou: “Você sabe, Tom, não lamentamos muito bem. Não estamos acostumados a isso. Mas também não comemoramos terrivelmente bem. O que mais parecemos fazer é ter complacência.” E acho que ele está certo. Continuo ouvindo os cristãos perguntando: “Isso pode ser o fim do mundo?” E quero lembrá—los de que coisas assim aconteceram repetidas vezes. Por exemplo, em 1917-18, houve a grande pandemia de gripe espanhola, durante a qual as igrejas em algumas partes do mundo foram fechadas por um ano. Esquecemos que já passamos por coisas assim antes.

Além disso, a minha geração, a de baby boomers, que cresceu após a Segunda Guerra Mundial, nunca viveu uma guerra em seu território. Não tivemos uma pandemia. Claro, tivemos algumas crises econômicas, mas conseguimos resistir a elas, mais ou menos. Então, apenas nos confundimos e continuamos como se nada de ruim fosse acontecer. Esquecemos a história.

Fiquei fascinado quando reli recentemente as cartas de Martinho Lutero, uma das quais cito no livro. Ele teve de lidar com esse tipo de poucos em poucos anos, seja em sua vida ou na de pessoas de cidades vizinhas que gritavam: “Socorro! Temos uma grande epidemia. Pessoas estão morrendo. O que fazemos?”. Lutero fala sobre obedecer às regras relativas ao uso de medicamentos, ajudar onde for possível, e não atrapalhar transmitindo a doença a outras pessoas, se você estiver infectado. Ele era muito pragmático, e dizia efetivamente: é desse jeito que lidamos. Não façamos uma grande confusão teológica sobre isso.

Seu livro é baseado em muitos temas do Antigo Testamento, especialmente de Salmos e Jó. Em relação a esse último, você argumenta que “parte do ponto de Jó é precisamente seu caráter não resolvido”. Você acha que os cristãos de hoje parecem ter dificuldades com a ambiguidade porque não têm uma base mais firme no Antigo Testamento?

Creio que o Novo Testamento também tem espaço para ambiguidade. Há muitas passagens no Novo Testamento que terminam com uma espécie de reticências seguidas de ponto de interrogação, porque isso é chamado de viver pela fé.

Em geral, creio que parte do nosso problema é o racionalismo dos últimos duzentos ou trezentos anos no mundo ocidental, que foi absorvido pela igreja porque os críticos racionalistas do cristianismo disseram coisas como: “Ah, olha, a ciência moderna nos mostra que o cristianismo é falso!” Em resposta, os cristãos racionalistas disseram: “Não, vamos mostrar como tudo é completamente racional!” Isso pode nos levar a querer ter a resposta para tudo e, por isso, queremos dizer coisas como: “Porque Deus é soberano, ele deve ter feito isso deliberadamente ou, pelo menos, permitido deliberadamente”. Pensamos que deveríamos ver o que ele está fazendo. Mas realmente não acho que recebemos dele esse tipo de acesso.

Um de meus trechos favoritos no Novo Testamento está na carta de Paulo a Filemom sobre o escravo Onésimo. Ele escreve: “Ao que parece, você perdeu Onésimo por algum tempo para ganhá-lo de volta para sempre” (1.15). Em outras palavras, Paulo estima que ele possa ver o que Deus estava fazendo nessa situação. Mas ele não diz isso definitivamente.

Há uma humildade aqui da qual necessitamos. Agora, essa postura pode se transformar em uma atitude de “Não sabemos nada, então quem se importa?” Isso também não seria sensato, porque recebemos orientações. Mas conhecer todos os detalhes está acima da nossa capacidade. É trabalho de Deus. Nosso trabalho, quando Deus nos permite saber o que temos de fazer nessa situação específica, é seguir em frente.

Ao falar sobre os evangelhos, você enfatiza o exemplo de Jesus parado no túmulo de Lázaro, chorando. O que você poderia dizer a alguém que não é cristão, que está lutando com o problema do sofrimento e que pergunta: “Que benefício traz um Deus chorar? Eu posso chorar. Qualquer um pode chorar. O que precisamos é de ação; precisamos de algo feito! Como Jesus chorando ajuda?”

Há muita ação na história e a ação cresce das lágrimas. Como costuma acontecer, as lágrimas nos evangelhos às vezes são o elemento crucial. O que eles mostram é que o Deus que criou o mundo, que se tornou humano na pessoa de Jesus de Nazaré, não está sentado em algum lugar do andar de cima, olhando para baixo e dizendo: “Ok, eu vou resolver sua bagunça”. Pelo contrário, ele é o Deus que vem, suja as mãos e perfura as mãos para estar onde estamos e nos resgatar de lá. É profundamente reconfortante saber que, quando estou sofrendo, como Paulo diz em Romanos 8, Jesus está sofrendo comigo, e o Espírito Santo está sofrendo dentro de mim. E esse é um dos elementos que definem a fé cristã como distinta de qualquer outra cosmovisão que eu conheça.

O que o restante do Novo Testamento — e em particular o papel do Espírito Santo — tem a nos ensinar sobre nossa resposta à pandemia?

Romanos 8, que acabei de mencionar, é uma das mais grandiosas passagens de toda a Bíblia. Quando eu estava trabalhando como bispo, se estava entrevistando pessoas para trabalhos paroquiais, às vezes perguntava: “Qual é o seu texto bíblico da ilha deserta?” E para dificultar, eu acrescentaria: “Você já tem João 20 e Romanos 8, então não as mencione. Essas são óbvias demais”.

Romanos 8 é cheia de glória. Está cheia de salvação. Está cheia da obra do Espírito. É fácil se deixar levar, no entanto, e imaginar que, depois de atravessarmos as partes difíceis de Romanos 7, estaremos navegando bem até a afirmação de Paulo de que nada pode nos separar do amor de Deus (8.38-39). Mas você ainda precisa atravessar o túnel escuro de Romanos 8.18–30, especialmente os versículos 26 e 27, que falam do Espírito intercedendo por nós em nossa fraqueza.

Quando o mundo está o caos, como está em geral, mas particularmente em momentos como agora, seria muito fácil imaginar a igreja se afastando e dizendo: “Que pena o mundo estar tão bagunçado. Mas pelo menos sabemos as respostas”. Mas não, Paulo diz que, quando o mundo está gemendo com dores de parto, então nós mesmos — que temos as primícias do Espírito, a agitação da nova criação de Deus dentro de nós — gememos enquanto aguardamos nossa adoção como filhos e filhas, a redenção de nossos corpos (Rm 8.23).

Você pode dizer, ok, então a igreja compartilha o caos em que o mundo está, mas certamente Deus sabe o que está fazendo. Bem, de certa forma, sim, Deus sabe o que está fazendo. Mas aqui encontramos o mistério do Deus trino, porque Paulo diz que, naquele exato momento, o Espírito geme dentro de nós com gemidos inexprimíveis. Além disso, em referência ao Salmo 44, um dos grandes salmos de lamento, Paulo diz que o Deus que perscruta o coração conhece a mente do Espírito, porque o Espírito intercede pelo povo de Deus de acordo com a vontade de Deus (Rm 8.27). Em outras palavras, Deus Pai conhece a mente do Espírito. Mas a mente do Espírito é a mente que não tem palavras para se manifestar sobre como as coisas estão terríveis agora.

Tudo isso é muito estranho. Mas o que penso é o seguinte: para resgatar o mundo, Deus vem na pessoa de seu Filho a fim de assumir sobre si o peso do pecado. E Deus vem na pessoa do Espírito para ser aquele que geme na igreja, no lugar onde o mundo está sofrendo. É assim que Deus passa, então, por essas dores de parto, do atual estado de horror e vergonha do mundo para a salvação — a nova criação total, que é o que nos é prometido.

A ideia do luto e do gemido do Espírito me leva de volta a algo que você mencionou anteriormente: lamento. Ao longo do livro, você diz que precisamos “abraçar o lamento”. Isso é algo de que esquecemos um pouco na igreja moderna? Se sim, como o redescobrimos?

Sim, penso que alguns de nós nos esquecemos. Para aqueles de uma tradição em que usamos os salmos o tempo todo, ajuda que lamentemos com bastante frequência. Quando estou orando os Salmos, dia após dia, frequentemente encontro um dos salmos de lamento — e muitas vezes é disso que preciso, porque essas coisas ruins estão acontecendo na minha vida.

Em outras ocasiões, posso encontrar salmos de lamento quando pessoalmente estou me sentindo bastante alegre. Então, como exercício espiritual, tento pensar na situação das pessoas que conheço em todo o mundo: amigos meus ou pessoas que vi na televisão ou nos noticiários que estão em uma situação terrível — pessoas em um campo de refugiados horrível e pobre, ou qualquer que seja o caso. E eu oro os salmos de lamento tentando abraçá-los no amor de Deus.

Precisamos lembrar de que o lamento não é apenas para a Quaresma. Também está incorporado no Advento, enquanto nos preparamos para o Natal. Essas são estações que podemos usar para desenvolver liturgias de lamento que trazem a dor do mundo à presença de Deus, usando salmos de lamento — como os salmos 22, 42 e 88 — que prefiguram o que Jesus orou na cruz: “Meu Deus meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27.46). Às vezes, essas orações nos mostram a luz no fim do túnel. E, às vezes, como Salmos 88, não mostram. Ficamos no escuro. E há uma sensação de que Deus está conosco nessa escuridão.

No final do livro, você fala sobre a igreja e sua resposta a várias ordens de lockdown. Você argumenta que nossa disposição em suspender reuniões presenciais e realizar cultos on-line pode ter acidentalmente reforçado a ideia secular de que a fé é uma atividade privada. Como navegar pela tensão entre o chamado à adoração corporativa e a importância da saúde pública?

Começo com o argumento de Lutero de que não devemos espalhar a infecção. Isso é irresponsável. É brincar com a vida de outras pessoas. E, se amamos mais os edifícios de nossa igreja do que nossos vizinhos, ai de nós. O fato é que a maioria das igrejas no Reino Unido são prédios antigos, o que torna muito difícil limpá-las profundamente. E levo isso muito a sério.

Mas, por outro lado, temo que a igreja on-line possa facilmente nos fazer dizer: “Oh, não precisamos nos encontrar pessoalmente, porque esses são assuntos espirituais”.

Então você pode adorar a Deus em seu quarto, em seu pijama, tanto quanto em qualquer outro lugar? Bem, em certo sentido, você pode. Mas o cristianismo é um esporte em equipe. É algo que fazemos juntos. Pense no fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio (Gálatas 5.22–23). Todas são coisas que fazemos juntos. Você não pode praticar essas virtudes separadamente uma da outra. E, assim, quanto antes voltarmos juntos, com sabedoria, melhor.

Quanto a receber a Eucaristia, sim, podemos fazê-lo por vídeo, mas também existe um sentimento de jejum, privação e exílio, porque o corpo de Cristo — a família maior do povo de Deus — não está fisicamente presente conosco.

Há muito tempo penso que a resposta mais importante ao mal e ao sofrimento não são palavras, mas ação, mesmo ações que podem custar caro. Jesus modelou isso para nós. Assim, à luz do sofrimento causado pela pandemia: o que os cristãos deveriam estar fazendo agora? Como, então, devemos viver?

Há uma passagem fascinante em Atos 11, na qual os discípulos de Antioquia ouvem de um profeta que haverá fome (v. 28). Eles não respondem: Oh, poxa, o que isso pode significar? Deus está zangado conosco? Isso significa que o Senhor está voltando? Não, eles são muito práticos. Eles perguntam: quem estará em pior situação? o que nós podemos fazer para ajudar? E quem devemos enviar? O resultado é que Paulo e Barnabé são enviados para Jerusalém com dinheiro para a igreja pobre (v. 29–30).

É semelhante ao início de João 9, a história do homem que nasceu cego. Jesus é implacavelmente prático e desencoraja seus discípulos de perguntar de quem foi a culpa ou se algum pecado era o responsável (v. 3). Na verdade, não foi culpa de ninguém. A questão importante é o que Deus quer que façamos em resposta.

Portanto, creio que devemos começar com nossos vizinhos, amigos e familiares, perguntando quem podemos ajudar, fornecendo comida, ferramentas ou suprimentos médicos. Talvez nossa igreja possa se envolver com algo como administrar um banco de alimentos. Em resumo, devemos perguntar: o que podemos fazer?

Em seu maravilhoso livro Dominion: How the Christian Revolution Remade the World, o historiador Tom Holland aponta que muitas coisas que a igreja e somente a igreja costumava fazer agora foram assumidas pela sociedade secular em geral. Assim, muitos médicos e enfermeiros que não se autodenominavam cristãos adotaram esse forte imperativo de cuidar das pessoas, mesmo ao custo potencial de sua própria vida. Isso é nobre.

Mas, no mundo antigo, foram apenas os cristãos que fizeram isso. Então, de certa forma, parte desse ideal cristão se espalhou pelo mundo. E devemos agradecer a Deus por isso. Mas, na igreja, desde o início temos feito coisas como fornecer remédios, cuidar dos pobres e investir na educação. Eles estão arraigados no DNA da igreja. Portanto, os cristãos devem reivindicar essa tradição e se apegar a ela — e não apenas quando há uma pandemia.

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