Theology

Cuidado com quem você finge ser

Editor in Chief

Por meio do fingimento, pode-se chegar ao inferno, mas nunca ao céu.

A statue of a man holding a mask
Christianity Today July 2, 2025
Illustration by Christianity Today / Source Images: WikiMedia Commons

Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore. Inscreva-se.

No início deste ano, a história de uma influenciadora cristã estadunidense chamou a atenção dos cristãos de lá. Uma conta, que era supostamente administrada por uma “tradwife” [esposa tradicional] apoiadora do patriarcado e mãe de 14 filhos, revelou-se ser de uma mulher solteira e sem filhos, com uma identidade falsa e uma vida baseada em uma narrativa totalmente falsa.

Este caso foi um exemplo literal de uma verdade mais ampla, que deveria nos servir de alerta em uma era de extremismos ideológicos: você se torna quem finge ser — mas apenas em um sentido. Por meio de falsos artifícios, pode-se chegar ao vício, mas nunca à virtude.

Receba nossas atualizações diretamente no seu celular! Faça parte do nosso canal no WhatsApp.

O biólogo evolucionista Hanno Sauer é o autor da obra The Invention of Good and Evil [A invenção do bem e do mal], livro que parece ter sido escrito só para me fazer revirar os olhos, da primeira à última palavra. Sauer usa um argumento bastante comum, extraído de uma perspectiva materialista reducionista: ele afirma que a moralidade e a imoralidade, que o bem e o mal não refletem nada de transcendental sobre a realidade, mas que, em vez disso, mostram como os seres humanos evoluíram, de modo a cooperar para o florescimento do pool genético [ou fundo genético, que é a soma de todos os genes presentes em uma dada população ou em um conjunto de populações de uma espécie].

A análise de Sauer se torna mais interessante quando ele chega a um exame sociológico dos últimos 50 anos, aproximadamente. Ele se pergunta como, neste momento cultural, as pessoas transitam entre o certo e o errado. Entre outras coisas, ele aponta para o papel do fingimento.

Após uma longa discussão sobre a ampliação das visões dos direitos humanos — entre as quais estão as ditas guerras travadas nos últimos anos pela “ideologia woke” [termo geralmente utilizado para denominar a ideologia defendida por grupos mais progressistas em temas como justiça racial e social]”—, Sauer analisa a reação global da direita, especialmente mediada pelas mídias sociais. Lá, ele descreve um padrão de ironia que normalmente leva a realidades que já vi se manifestarem em milhares de histórias trágicas.

Primeiramente, ele questiona por que tantos abraçaram o que, em quase qualquer outra época da história, seria visto como crueldade caricata. Segundo argumenta ele, parte disso é uma busca desesperada por algo contra o qual se rebelar.

“No caso de muitos adolescentes, por exemplo, o que lhes resta para se rebelar, quando seus pais, que já foram hippies, não veem problemas em drogas e em sexo antes do casamento?”, escreve ele. “Não raro, o próximo passo para a rebeldia inclui suásticas, misoginia grosseira e confissões de fantasias de assassinato.”

A princípio, grande parte dessa rebelião se expressa para fins cômicos. “Quais aspectos da reação da direita realmente tinham intenção séria e quais eram meras provocações, se os fins eventualmente acabaram justificando quase todos os meios?”, pergunta Sauer. No início, boa parte do que se utilizou era provocação, “sempre com intenção irônica, ou mais precisamente metairônica: a ironia estava em não deixar claro o que realmente tinha intenção irônica e o que não tinha”, escreve ele.

A psicologia humana, no entanto, não permite que nosso coração mantenha essa “sinalização de malícia” no nível da trolagem [isto é, da provocação]. “Infelizmente, algumas pessoas que participaram desse tipo de provocação se esqueceram que é preciso ter cuidado com quem você finge ser, pois, em algum momento, você se torna aquela pessoa que finge ser”, observa Sauer. “Muitos, depois que abandonaram a postura irônica, tornaram-se nazistas de verdade ou misóginos de fato (e frequentemente tornaram-se ambas as coisas).”

Segundo ele argumenta, isso é válido especialmente para uma época de “inflação do extremismo” movida pela economia da atenção. Se você já se perguntou por que muito do que vê do cristianismo online parece ser uma inversão direta daquela imagem do cristão respeitável — isto é, alguém “irrepreensível, marido de uma só mulher, moderado, sensato, respeitável, hospitaleiro e apto para ensinar. Não deve ser dado ao vinho nem violento, mas sim gentil, pacífico e livre do amor ao dinheiro” (1Timóteo 3.2-3) — você não está louco.

“Quase todos os grupos sociais, tanto de direita quanto de esquerda, têm que enfrentar o problema da inflação do extremismo, especialmente quando esses poucos extremistas acabam dominando o discurso”, escreve Sauer. “A ideologia de um grupo inevitavelmente acaba sendo dominada por pessoas que representam a versão mais extremada dessa ideologia e, a partir de certo ponto, essa versão extremada acaba se tornando o novo normal.” E ele continua:

Qualquer pessoa que queira se juntar ao grupo ou ascender dentro dele deve ser capaz de demonstrar uma particular lealdade à causa, e isso geralmente significa intensificar ainda mais esse ciclo de radicalização. A partir deste ponto, basta um pequeno passo para proclamar que Kim Jong-un pode se teletransportar ou que o “Führer” é infalível. Pouquíssimos realmente acreditam nesses absurdos, se é que realmente existe alguém que acredite nisso. Mas o extremismo ideológico se torna um sinal que tem um preço, pois é concebido para construir confiança dentro dos grupos ao queimar as pontes que ligam ao bom senso — e aos outros —, assim consolidando ainda mais os laços dentro do grupo.

Dessa forma, o conselho fútil “finja até ser verdade” é, de fato, verdadeiro. Fingir ser um extremista acabará transformando uma pessoa comum em um extremista. Fingir que vê a compaixão como algo tóxico, ou a fidelidade como fraqueza acabará levando a pessoa que finge a uma vida interior de crueldade e grosseria que condiz com o que demonstra externamente.

Isso porque essa fome de fingir já é, em si, uma perda de integridade. A Bíblia diz que aqueles que imitam o jeito de ser de um ídolo se tornam como esse ídolo, de verdade, com o passar do tempo (Salmos 115.8).

Por essa razão, o apóstolo Paulo alerta sobre a imoralidade que não é confrontada e fica encoberta sob o manto da filiação a uma igreja: “Vocês não sabem que um pouco de fermento faz fermentar toda a massa?” (1Coríntios 5.6). O que é normalizado é imitado, e a imitação da imoralidade acaba se tornando imoralidade real.

Mas a coisa não funciona ao contrário. Fingindo você pode chegar ao vício, mas não à virtude. Você pode piscar com ironia a caminho do inferno, mas não existe passagem de volta de lá.

É assim porque integridade, moralidade e piedade não se tornam verdade através de demonstrações externas. Caiar um sepulcro não dá vida ao cadáver que está dentro dele (Mateus 23.27-29). Ter aparência de piedade, mas negar o seu poder (2Timóteo 3.5) não é o primeiro passo para a verdadeira piedade, mas sim a contradição e a profanação dela.

O caminho para a imoralidade começa quando começamos a traçar nosso próprio caminho para o topo, e podemos criar um caminho falso para nos firmar nessa escalada. O caminho de Cristo, porém, começa quando reconhecemos a falta, quando

admitimos que estamos de mãos vazias e deixamos de lado a falsidade (Efésios 4.25).

Finja ser nazista por um tempo e, quando menos esperar, estará marchando ao lado deles. Ria do abuso sexual e do tráfico de pessoas e, com o tempo, você se tornará um predador.

Aqueles que brincam com os limites, e acham que podem fazer isso sem nunca se tornarem aquilo que “fingem” ser, dão vida a uma triste ironia. Muitos parecem pensar que só podem criar uma nação cristã se o Estado for suficientemente coercitivo para fazer as pessoas fingirem ser cristãs — até que isso seja verdade. Mas a verdade é exatamente o oposto disso.

Você não pode fingir que tem um coração transformado nem uma mente renovada, e muito menos pode fingir ter maturidade cristã. O Espírito não age dessa maneira.

Jesus lhe perguntará o que pergunta a todos: “O que vocês querem?” (João 1.38). Mas você não entrará no reino de Deus sem que haja uma congruência entre seu coração e sua boca. A admissão no reino se dá somente por meio da misericórdia e da graça, que vêm somente para aqueles que desistiram de conquistar algo pelas próprias forças (Romanos 10.9-11).

Milênios atrás, a Bíblia nos alertou sobre tudo isso. Paulo escreveu para Timóteo: “O objetivo dessa ordem é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera. Alguns se desviaram dessas coisas e se voltaram para discussões inúteis, querendo ser mestres da lei, quando não compreendem nem o que dizem nem as coisas acerca das quais fazem afirmações tão categóricas” (1Timóteo 1.5-7).

Tome cuidado com o que você finge ser. Fingir ser alguma coisa que leva para o inferno de fato te levará para o inferno — e fingir ser alguma coisa que leva para o céu te levará para o inferno também.

Uma fé sincera e uma boa consciência: essas coisas não são boas para lhe dar influência em tempos de inflação do extremismo. Mas é preciso se perguntar: é influência o que você realmente quer?

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública.

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no Facebook, X, Instagram ou Whatsapp.

Our Latest

Confissões de uma cristã ambiciosa

Minha ambição e meu desejo por reconhecimento eram evidentes, desde a infância. Isso é pecado?

O “coitadismo” não nos leva a nada

Injustiças e desvantagens sociais de fato existem. Mas devemos confrontar com honestidade as maneiras pelas quais nós mesmos muitas vezes nos prejudicamos.

News

Morre James Dobson, psicólogo cristão que ensinou os evangélicos a concentrarem o foco na família

Dobson respondeu centenas de milhares de perguntas sobre criação de filhos e pediu aos cristãos que lutassem na “guerra civil de valores” em seu país.

Se Jesus entrasse em nossas igrejas hoje, ele viraria nossas mesas?

Jesus tirou do caminho o que estava impedindo as pessoas de orar e adorar a Deus. E hoje, o que nos impede e precisa ser eliminado de nossas igrejas?

Pastor, devo ficar ou devo ir (para outra denominação)?

É preciso sabedoria pastoral para caminhar com membros que se sentem bem na sua igreja, mas sobrecarregados pelo peso da bagagem denominacional.

Incentivos financeiros não constroem famílias

O apoio do governo ajuda. Mas a igreja negra é um exemplo de que a boa criação de filhos precisa ser nutrida por algo que flui de congregações intencionais.

News

Pode vir alguma coisa boa da atual Nazaré?

Corrupção local, gangues de criminosos e a guerra entre Israel e o Hamas deixaram a cidade natal de Jesus em dificuldades.

Apple PodcastsDown ArrowDown ArrowDown Arrowarrow_left_altLeft ArrowLeft ArrowRight ArrowRight ArrowRight Arrowarrow_up_altUp ArrowUp ArrowAvailable at Amazoncaret-downCloseCloseEmailEmailExpandExpandExternalExternalFacebookfacebook-squareGiftGiftGooglegoogleGoogle KeephamburgerInstagraminstagram-squareLinkLinklinkedin-squareListenListenListenChristianity TodayCT Creative Studio Logologo_orgMegaphoneMenuMenupausePinterestPlayPlayPocketPodcastRSSRSSSaveSaveSaveSearchSearchsearchSpotifyStitcherTelegramTable of ContentsTable of Contentstwitter-squareWhatsAppXYouTubeYouTube