Certo dia, em plena pandemia, eu estava seguindo a minha rotina pastoral costumeira, consertando uma parede de gesso da nossa igreja em Orlando, na Flórida, quando um membro da igreja apareceu para conversar. Na semana anterior, tínhamos conversado sobre alegria, e eu havia perguntado a ele: “O que está roubando sua alegria hoje?”. Ele precisou de um tempo para pensar na resposta, que, agora, veio me dizer.
“Ei, Mike, foi difícil encontrar uma resposta para a sua pergunta, mas tive uma epifania”, disse ele. “Percebi que ter a Fox News [canal de notícias] ligada 24 horas por dia, 7 dias por semana em casa era a principal coisa que roubava a minha alegria e me deixava com raiva. Então, esta semana, decidi desligar a TV, e isso realmente fez uma grande diferença.”
Eu disse a ele que estava orgulhoso por sua honestidade e por ele ter tomado uma atitude significativa para resguardar sua alegria em Cristo. Mas, então, ele acrescentou: “Não fiz o mesmo com Tucker Carlson [apresentador e comentarista]. Eu continuo assistindo ao programa dele todas as noites.”
Ouvi histórias semelhantes de pessoas que estão do outro lado do espectro político [ou seja, de pessoas de esquerda, pois a Fox News e Tucker Carlson atraem majoritariamente um público de direita]. O fato é que a nossa realidade atual não é diferente desta. O que os pastores devem fazer, quando os membros de suas igrejas passam a semana inteira consumindo as narrativas deste mundo e têm apenas o domingo para ouvir seus sermões? E o que fazemos, quando membros que ajudaram a fundar nossas igrejas agora ameaçam sair delas por causa dessas narrativas? O que fazemos quando os evangélicos se sentem irremediavelmente fragmentados?
Há muito tempo, o movimento evangélico tem sido uma tapeçaria composta de diversas convicções e tradições, unidas não por estruturas formais, mas por fatores doutrinários e culturais que lhes são comuns. O termo evangélico implica uma unidade abrangente, que permite e considera a diversidade, sem impor uniformidade de pensamento. Isso, ao mesmo tempo que dá força ao movimento, também nos dificulta discernir seus contornos exatos.
E hoje, esses contornos ficaram ainda menos nítidos. Quatro anos atrás, eu, Michael, escrevi um artigo, publicado pela Mere Orthodoxy [Mera Ortodoxia], que falava que o evangelicalismo havia se fragmentado. A resposta dada a eventos políticos que atraíram a atenção da mídia e o debate cultural revelava uma ruptura velada na estrutura evangélica.
Como vimos, a fragmentação do evangelicalismo revelava que os laços históricos que mantinham o movimento unido eram menos intelectuais do que parenciam ser, e mais socioeconômicos, políticos e culturais. As linhas divisórias permaneceram ocultas sob a superfície por algum tempo, mas, na esteira de uma série de pontos de conflito, a conveniente ordem de lealdades foi rompida, fragmentada por compromissos tácitos, porém profundamente arraigados. Classificamos a fragmentação em seis grupos que observamos (e acrescentamos mais um, que foi inspirado nas observações de Jake Meador, editor-chefe da Mere Orthodoxy). São eles:
0 – Os ex-evangélicos de direita, que deixaram a igreja, mas se identificam como cristãos ou promovem o valor do cristianismo para a preservação de valores e instituições culturais conservadoras.
1 – Os neofundamentalistas, que focam na fidelidade bíblica e nos valores conservadores. Este grupo está profundamente preocupado com o liberalismo e a crescente hostilidade cultural em relação ao cristianismo.
2 – Os evangélicos tradicionais, que priorizam a Grande Comissão. Embora essas pessoas se preocupem com o fundamentalismo extremo, estão mais preocupadas com a influência da esquerda secular.
3 – Os neoevangélicos, que dão ênfase à natureza global do movimento e à necessidade de engajamento com a cultura. Este grupo critica os conservadores, no que diz respeito a suas lealdades políticas e falhas nas questões sociais, ao mesmo tempo em que aborda os compromissos teológicos do cristianismo liberal.
4 – Os pós-evangélicos, que se concentram em questões como justiça, responsabilização e transparência. Eles desafiam a hipocrisia e os abusos na igreja, enquanto se distanciam da identidade evangélica, embora se apeguem às crenças doutrinárias fundamentais.
5 – Os ex-evangélicos de esquerda, que são aqueles que se afastaram da igreja, devido à privação de direitos decorrente de falhas do evangelicalismo, mas mantêm algumas crenças cristãs ortodoxas.
6 – E, por último, os descrentes. Eles abandonaram completamente a igreja e a fé cristã, desfizeram-se de todos os resquícios de crença.
Há quatro anos, previmos uma série de cenários e futuros possíveis para o evangelicalismo, depois dessa fragmentação. Mais importante ainda, reconhecemos que essa fragmentação era praticamente irrevogável. Isso se provou verdadeiro; não estamos mais na era da divisão. Já passamos para uma nova era em que adentramos em um evangelicalismo esfacelado.
Isso, no entanto, não deve nos levar a um estado de desânimo ou de desespero; pelo contrário, as fragmentações do evangelicalismo deram lugar a uma certa clareza que permite às igrejas cristãs repensar e renovar seu compromisso com o evangelho. Dizer que o meio evangélico está fragmentado não é como diagnosticar um paciente em fase terminal. Esta não é a primeira fragmentação do movimento e, como mostram os precedentes históricos, momentos assim podem dar lugar a uma nova fidelidade para indivíduos, movimentos e instituições que se enquadram sob o rótulo de “evangélicos”. Há um caminho a ser trilhado para o movimento, o qual permanece comprometido com as características evangélicas e com a propagação do evangelho, interna e externamente, local e globalmente.
Nos primeiros anos da fragmentação (por volta de 2014-2019), a igreja evangélica padrão nos EUA era composta por pessoas com diferentes sensibilidades culturais. Uma igreja podia ter uma combinação de pessoas dos grupos de 1 a 4 [apresentados acima] compartilhando o mesmo banco no culto, servindo no ministério infantil e reunindo-se nos pequenos grupos. De fato, a proximidade entre essas pessoas foi o que deu origem à tensão aparentemente sempre presente nesse início da fragmentação.
Mas, à medida que as ondas culturais avançavam e retrocediam sobre essas comunidades, elas expuseram o fato de que, muitas vezes, os indivíduos reunidos nessas igrejas tinham muitas coisas em comum — como crenças teológicas fundamentais, preferências em estilos de pregação e adoração, preferências estéticas e muito mais —, mas se relacionavam com o clima cultural de maneiras radicalmente diferentes.
Além disso, as mídias sociais nos ofereciam, ao vivo e sem edição, reações diversas que as pessoas tinham a eventos específicos. Uma postagem no Facebook de um líder neoevangélico de um pequeno grupo poderia deixar outro participante desse pequeno grupo,que fosse neofundamentalista, atordoado com a opinião daquele líder sobre a política presidencial. Um pós-evangélico poderia sentir que seu pastor, um evangélico tradicional, não estava engajado na cultura nem pleiteando mudanças sociais de forma sensível ou proveitosa.
Essas dinâmicas inicialmente levaram à fragmentação dos grupos, mas, com o tempo, uma nova realidade se formou. As pessoas começaram a reconsiderar sua filiação a uma igreja com base nesses fatores culturais. Um neofundamentalista não poderia mais conviver comodamente com um neoevangélico. Nem um pós-evangélico poderia servir ao lado de um evangélico tradicional. Suspeita, ansiedade e frustração levaram as pessoas a se dispersarem, em busca de solidariedade em novos grupos, e isso provocou o movimento em prol de igrejas com pessoas que pensam da mesma forma. O poder das questões polêmicas criou tensão suficiente a ponto de garantir que alguns evangélicos não pudessem mais frequentar a mesma igreja. Isso foi amplamente solidificado por dois fatores: posicionamentos (doutrina) e postura.
Dois cristãos evangélicos podem concordar sobre a santidade da vida, a ética sexual bíblica e a pecaminosidade do racismo. Da mesma forma, esses dois evangélicos podem ter votado de forma semelhante em eleições presidenciais anteriores. No entanto, com a maturação da era das mídias sociais, esses dois cristãos começaram a divergir em suas respostas. Um deles pode adotar uma postura agressiva de “dizer a verdade, doa a quem doer”, nas conversas e interações digitais. O outro pode tentar adotar uma postura mais sutil, “encantadora”.
Essas duas pessoas defendem posicionamentos idênticos, mas adotam posturas diferentes. Posicionamentos são as ideias fundamentais que sustentamos. Postura é o afeto com o qual sustentamos esses posicionamentos. A maneira como alguém chega a uma crença determinará como essa pessoa personifica essa crença. Assim, embora diferenças teológicas possam prevalecer em uma igreja, a separação entre igrejas ocorreu à medida que diferentes caminhos para as crenças levaram a diferentes posturas. O resultado líquido é um impacto significativo na sensação geral de se sentir à vontade e confortável em uma igreja e em um espaço.
À medida que o processo de fragmentação se instalava, tornou-se óbvio que as novas relações de solidariedade não se baseavam estritamente em fundamentos ideológicos. Em parte, isso se deve ao fato de que a maneira como chegamos a um posicionamento doutrinário frequentemente determina mais a solidariedade do que o posicionamento em si. Os seres humanos não têm cérebros hermeticamente fechados, que chegam a proposições por meio de pura leitura nua e crua da Bíblia. Fatores culturais, emocionais, comportamentais, psicológicos, relacionais e experienciais frequentemente pavimentam o caminho para nossos destinos doutrinários. Mesmo aqueles que pertencem a denominações com declarações doutrinárias assépticas têm lutado para encontrar solidariedade em um evangelicalismo fragmentado, pois chegaram às suas convicções por caminhos diferentes.
A explosão das mídias sociais, de vídeos e podcasts serve como um dos fatores mais poderosos no discipulado doutrinário e cultural, e molda significativamente a forma como os indivíduos chegam ao seu posicionamento.
Mas essa nossa solidariedade recém-descoberta dentro desses tipos de igrejas é motivada por posturas compartilhadas, e não por posicionamentos compartilhados. Se você se mudasse para uma nova cidade e visitasse todas as igrejas de lá, pode ser que achasse que as maneiras como elas se autodescrevem e se autoidentificam estão carregadas de todos os tipos de sutilezas, as quais comunicam que tipo de igreja elas são. O termo batista, presbiteriana ou metodista não seria mais a diferença definidora entre duas igrejas que ficam na mesma rua. Em vez de rótulos denominacionais, pode ser que você esteja reparando nas maneiras como elas discutem política — e [quem são] seus inimigos políticos.
A pergunta “Em quais vozes você mais confia no evangelicalismo de hoje?” pode um dia ter gerado uma ampla gama de respostas em uma dada igreja. Essa diversidade de respostas é menos provável hoje em dia, e revela uma fragmentação mais consolidada. O posicionamento importa, mas a postura é a forma como você encontra a sua tribo.
Hoje, é mais provável que as pessoas se encontremem espaços que tenham posturas compatíveis com as suas, e que as priorizem, em detrimento da compatibilidade doutrinária. Na experiência cotidiana, muitos cristãos escolhem uma igreja com base na “vibe”, isto é, com base na forma como se sentem naquele lugar. Lá se foram os tempos em que as solidariedades eram forjadas nos debates sobre o movimento carismático, as guerras em torno da adoração e da igreja emergente. Basta observar a política presidencial dos batistas do Sul, para ver homens que antes questionavam as credenciais batistas de outros, por causa do calvinismo, hoje nomeando essas mesmas pessoas para cargos de liderança. Também se tornou comum ter não cristãos dando palestras em conferências cristãs, quando esses preletores adotam a mesma postura [que os cristãos] em determinados assuntos. Isso faz parte do novo mundo de fragmentações consolidadas dentro do evangelicalismo.
Então, qual é a personalidade do evangelicalismo atual? Vemos três características principais que definem o evangelicalismo fragmentado de hoje: os centros eclesiásticos, os novos movimentos e a divisão de gênero.
Paul Hiebert, missiologista de meados do século 20, tomou emprestado termos da teoria matemática dos conjuntos — conjunto limitado e conjunto central — para descrever modos de pensar. Segundo Hiebert, conjuntos limitados têm características essenciais, limites claros, são uniformes nas características essenciais e são estáticos. Conjuntos centrais têm um centro definido, e as pessoas julgam as coisas pela distância de sua localização até esse centro.
Alguns criaram uma metáfora para isso, a metáfora dos dois fazendeiros de gado. O fazendeiro do conjunto limitado constrói uma cerca para manter o gado dentro do pasto, para que não se espalhe e se perca. O fazendeiro do conjunto central constrói um poço, sabendo que o gado não se afastará muito de sua fonte de água. As igrejas de hoje frequentemente definem seus centros e seus limites por meio de compromissos teológicos primários, compromissos teológicos secundários e questões culturais.
Vemos três novos tipos de igrejas emergindo dessa fragmentação, e cada uma define seus limites de forma diferente.
O primeiro tipo de igreja é uma combinação de neofundamentalistas e evangélicos tradicionais. Essas igrejas veem a cultura como o problema que a igreja enfrenta e se posicionam em oposição à ela, ao mesmo tempo em que promovem a visão de uma sociedade cristã renovada. Elas tendem a construir cercas em torno da teologia primária, da teologia secundária e das questões culturais. Embora uma visão positiva da fidelidade bíblica geralmente esteja no centro, essas igrejas frequentemente definem sua identidade com base em dois grupos: os de dentro e os de fora. A proclamação do Evangelho é a esperança de trazer pessoas de fora para dentro, ao mesmo tempo em que condena igrejas e indivíduos que estão terminantemente fora dos limites que impôs.
Outro tipo de igreja é uma combinação de evangélicos tradicionais e neoevangélicos. Esse tipo é mais propenso a ver a condição caída do mundo, dentro e fora da igreja, como o problema, e a se ver como sal e luz no mundo. Essas igrejas tendem a ser um conjunto limitado em seus compromissos teológicos primários e um misto de conjunto limitado e conjunto central em questões secundárias e culturais.
Embora certamente exista uma ideia de ortodoxia que define os limites, sua busca pelo centro se eleva mais, frequentemente em discussões sobre a Grande Comissão e o reino de Deus.
Finalmente, temos o tipo de igreja composta por uma combinação de neoevangélicos e pós-evangélicos, que veem a hipocrisia cristã e o pecado dentro da igreja como a questão mais urgente. Elas tendem a ser um conjunto central na teologia primária e secundária, mas estabelecem limites firmes em questões culturais. Somente aqueles que concordam com uma determinada visão ética do mundo moderno são aceitos dentro dos limites para buscar essa visão com elas.
Nenhuma delas é uma igreja sem limites ou puramente voltada para um centro. Além disso, as posturas geralmente são a personificação não declarada dos limites e dos centros de uma igreja. Tais posturas também são extremamente reveladoras. Ironicamente, o primeiro e o terceiro tipos de igreja muitas vezes acabam funcionando como negativos fotográficos um do outro, em questões como gênero, sexualidade, política e raça. À medida que irrompem os pontos de conflito cultural, os limites se intensificam e podem levar a ânimos exaltados e a ansiedade.

O tipo intermediário de igreja não minimiza as questões culturais, mas, devido ao seu foco no centro, a pressão nesses momentos diminui. O ponto focal se eleva mais em termos de importância. No entanto, essas pessoas e essas igrejas não estão separadas do mundo, e muitas vezes sentirão o intenso cabo de guerra em torno de determinada questão puxando-as para as igrejas à sua esquerda ou à sua direita.
Nos últimos dois anos, especialmente nos Estados Unidos, os valores culturais que definem os evangélicos se amenizaram, devido a um acordo compartilhado mais amplo em torno dos trágicos eventos que aconteceram em Israel, no dia 7 de outubro de 2023; e também em torno dos pontos de tensão sobre gênero e das conversas culturais renovadas sobre os benefícios do cristianismo para indivíduos e para a sociedade. Ainda assim, esses limites e centros existem e irão oscilar.
Grande parte da fragmentação que testemunhamos deriva da desconfiança em relação a instituições que historicamente definiram a vida compartilhada do evangelicalismo. Nossas publicações, nossos seminários, nossas denominações, nossos pastores e nossas igrejas, que antes eram vistos como as bandeiras do movimento, agora estão sob suspeita. O resultado disso deixa as instituições ainda de pé, mas não necessariamente prosperando. Em um cenário de tanto caos, surgiram dois movimentos dignos de nota, que não estão abertamente associados, mas derivam desse contexto.
O primeiro movimento poderia ser chamado de Novo Pietismo, a escola de pensamento comumente conhecida como “Regra de Vida” ou “Comerismo”, em homenagem ao popular escritor e pastor John Mark Comer. Esse movimento enfatiza o cultivo da vida espiritual, com forte foco em práticas espirituais que inspiram o indivíduo a um compromisso holístico com Jesus Cristo.
Embora existam muitos fatores que contribuíram para a explosão desse movimento na última década, é notável que sua popularidade tenha crescido significativamente à medida que a fragmentação se estabelecia. Pode-se dizer que o Novo Pietismo surgiu do desejo de deixar para trás o caos e o tumulto que definiram o período de fragmentação. Assim como seu predecessor espiritual no século 17, que reagiu contra o fracasso institucional de sua época, a ênfase do Novo Pietismo repousa amplamente no indivíduo, ainda que não se oponha ao cultivo comunitário da piedade. Com as instituições historicamente confiáveis sob suspeita, esse voltar-se para dentro serve como um grande chamado para que cada um preste contas de si mesmo.
Este movimento provavelmente transcenderá a fragmentação por meio da busca pelo sobrenatural. Seu desenvolvimento doutrinário e comunitário definirá seus contornos.
O segundo movimento é o que chamamos de Novo Transformacionalismo. Se o Novo Pietismo é a resposta interior e individual extrema à fragmentação, na esperança de superá-la, o Novo Transformacionalismo é a resposta exterior e comunitária extrema, com a mesma esperança. Este movimento deseja engajar a cultura e a sociedade, na esperança de alinhá-las aos princípios cristãos. Caberia à comunidade cristã, portanto, assumir a tarefa de transformar a cultura.
O nacionalismo cristão é o formato assumido por esse movimento que tem dominado o debate popular, em ambos os lados do espectro. Mas, em oposição a ele, outros grupos querem ver a sociedade e a igreja reconhecerem as falhas em defender a justiça bíblica. E ambos se voltam para fora, para o mundo, na esperança de uma renovação cristã.
Os novos transformacionalistas diferem daqueles que enfatizam a renovação da cultura, pois acreditam que as instituições que estruturaram a sociedade e o evangelicalismo são cúmplices no erro [a saber, nas falhas em defender a justiça bíblica] — e os detalhes dependem de como cada um o define. Na visão dessas pessoas, essas instituições devem ser desmanteladas de uma vez por todas, para que novas instituições possam surgir, a fim de ressuscitar o movimento sobre uma base melhor. Este é o chamado da comunidade cristã na era atual. Aqueles que se dizem “cristãos” e não se unem a essa visão são cúmplices dessas instituições falidas.
Tanto o Novo Pietismo quanto o Novo Transformacionalismo observam a turbulência da fragmentação e sonham com um futuro para além dela, que será alcançado através da fidelidade. O Novo Pietismo busca fidelidade interna e individualmente. O Novo Transformacionalismo busca fidelidade externamente, por meio da comunidade.
Mas, à medida que a fragmentação se instala e as instituições continuam desgastadas, podemos esperar que esses movimentos cresçam e atraiam muitos que se situam ao longo de todo o espectro da fragmentação. Também podemos esperar que muitos, principalmente os evangélicos tradicionais, sintam-se ameaçados por esses movimentos, os quais eles veem como distrações que nos fazem perder de vista a Grande Comissão.

Talvez a reação culturalmente mais significativa durante o período de fragmentação seja a divisão de gênero. Um grande número de mulheres está deixando a igreja, enquanto os homens estão se juntando a ela (ou, pelo menos, estão saindo dela em um ritmo mais lento). Em 2008, 34% dos homens e 36% das mulheres com diploma universitário nos EUA frequentavam a igreja pelo menos uma vez por semana. Em 2023, contatou-se uma queda de 2% (que foi para 32%) na taxa de homens, e de 9% (que foi para 27%) na taxa de mulheres. Os resultados são semelhantes, nesse mesmo período, para aqueles que tiveram acesso à educação de nível superior, mas não necessariamente possuem diplomas.
Notavelmente, pela primeira vez desde que os dados religiosos foram registrados nos Estados Unidos, agora há mais homens jovens do que mulheres jovens na igreja. Além disso, na sociedade norte-americana, há mais mulheres com idade acima de 32 anos que nunca frequentam uma igreja do que homens. No meu livro (no livro de Michael, um dos autores deste artigo), The Great Dechurching [O Grande Desigrejamento], descobri que 65% dos ex-evangélicos que deixaram a igreja por completo são mulheres. Homens e mulheres estão entrando nesta nova era do evangelicalismo de maneiras muito diferentes.
Talvez seja muito cedo para responder por qual motivo a fragmentação foi recebida de maneiras tão distintas por homens e mulheres de origens raciais, socioeconômicas e geográficas semelhantes. Embora existam muitas razões possíveis, vemos as mídias sociais, a civilização ocidental e as últimas três eleições como grandes influências.
Com a atomização da mídia, homens e mulheres frequentemente não ouvem as mesmas vozes e perspectivas. Isso não significa necessariamente que as mulheres sejam mais propensas a se envolver com personalidades que as afastam da igreja, mas explica em parte a divergência radical em suas atitudes e em seu engajamento cultural.
Alguns também demosntram se preocupar com a saúde e o bem-estar da civilização ocidental. De cristãos recém-convertidos (como Ayaan Hirsi Ali) a ateus declarados (como Richard Dawkins), parece haver, nos debates culturais, um grande e influente setor promovendo o cristianismo como algo fundamental para uma sociedade próspera. Mas esse debate tende a codificar mais o masculino do que o feminino, como a participação do apologista Wesley Huff no podcast de Joe Rogan, um programa com uma audiência predominantemente masculina.
E, claro, homens e mulheres reagiram às presidências de Donald Trump de maneiras divergentes. Sua popularidade desde a primeira campanha cresceu, e sua força entre os homens evangélicos se solidificou, enquanto muitas mulheres ainda se mostram cautelosas. Essas reações variadas podem oferecer algum esclarecimento sobre o avanço mais rápido do nível de desilusão das mulheres com o evangelicalismo, nível este que não cresce na mesma intensidade entre os homens.
Independentemente das causas subjacentes, o aumento da distância entre homens jovens e mulheres jovens na política, na crença religiosa e na frequência a cultos religiosos desempenhará um papel significativo nos contornos da fragmentação do evangelicalismo.
A vida dentro de um evangelicalismo fragmentado ainda está tomando forma. Mas há um caminho a seguir para superar isso. O que devemos fazer? A igreja precisa priorizar a virtude do evangelho, o discipulado holístico e a oração por um avivamento das instituições.
Em primeiro lugar, dado que os pontos críticos de conflito cultural estarão sempre se transformando, mas nunca diminuirão, as igrejas evangélicas devem se comprometer com limites doutrinários firmes e defender o centro. Usando a analogia do fazendeiro, as igrejas devem atrair as pessoas para que bebam da fonte da vida. Os limites devem ser estabelecidos mediante a manutenção do padrão da ortodoxia histórica e bíblica. Esta não é uma ortodoxia fria e morta, mas uma ortodoxia que fala de forma poderosa e convincente para o mundo de hoje e na sua língua. Limites firmes devem sempre apontar para o centro.
Nesse centro deve estar o evangelho do nosso Senhor Jesus Cristo e a vasta esperança que ele oferece de transformar todas as pessoas. Aplicar e proclamar o evangelho ao mundo sempre foi a característica definidora do evangelicalismo. Com este evangelho no centro, todas as questões culturais e teológicas se relacionarão com ele de forma orgânica e serão colocadas em seu devido relacionamento umas com as outras. A igreja evangélica nunca deve se envergonhar de seus limites, mas sim se firmar neles, como os alicerces a partir dos quais convidamos o mundo para as glórias do evangelho que habita em nosso centro.
Em segundo lugar, as igrejas devem buscar o discipulado holístico. O discipulado não pode ser pensado como uma transferência de informações de um cérebro para outro, como se apenas posicionamentos importassem. Ele deve ser pensado como algo que dá forma a doutrinas e a posturas ao longo dos caminhos estabelecidos pelo evangelho. [Do contrário,] Fidelidades conflitantes e alternativas atraentes continuarão a despojar a igreja de milhões de indivíduos desiludidos.
Para que a igreja recupere sua eficácia na transmissão da fé, ela deve abraçar o evangelho todo dentro de toda a igreja para o homem todo, por meio do discipulado de crianças, da integração entre fé e trabalho, da apologética cultural e muito mais.
Em terceiro lugar, também acreditamos que pode e deve haver um avivamento das instituições. O evangelicalismo tem sido abençoado por uma abundância de recursos dedicados e desenvolvidos por instituições que compartilham a Grande Comissão. Abraçando o espírito de Neemias, devemos nos dedicar a edificar e a reconstruir as instituições que definiram o movimento.
Este chamado não é feito no espírito de uma nostalgia batizada que diz: “Vamos fazer o evangelicalismo grande novamente” [uma referência ao MAGA (Vamos fazer a América grande novamente), slogan proclamado por Trump e seus apoiadores]. O chamado é para que se reconheça a mordomia única de dons e recursos que as instituições oferecem, quando servem à igreja local. O movimento precisa de mídia cristã, organizações missionárias, seminários e outras instituições para coordenar, treinar, fornecer recursos e comissionar homens e mulheres a levar o evangelho a seus vizinhos, colegas de trabalho, potências estrangeiras, tribos remotas e aos confins da Terra. Além disso, o movimento precisa de líderes multidirecionais — que personifiquem o fruto do Espírito, em vez de buscar glória pessoal — para guiar essas instituições. Isso fortalecerá a igreja — que é o plano principal de Deus para cuidar de seu rebanho e alcançar os perdidos.
Em quarto lugar, as igrejas podem solidificar um compromisso geográfico. No mundo pré-fragmentação, igrejas com ideias semelhantes podiam recorrer a uma ampla gama de fontes para apoiar a plantação de igrejas, o treinamento ministerial, os ministérios de misericórdia e muito mais. Mas a última década de fragmentação condenou muitas dessas redes nacionais e globais.
Agora, muitos evangélicos começaram a reconhecer o poder de se comprometer geograficamente com uma rede diversificada de igrejas em um âmbito local. Um amigo nosso, que mora na zona rural do Texas, recentemente contou sobre uma biblioteca teológica, plantação de igrejas e comunidades pastorais que se desenvolveram entre diferentes denominações e linhas culturais, por meio desse tipo de compromisso local. Embora sejam diversificadas em termos de teologia e de postura, essas igrejas compartilham a paixão de ver o evangelho florescer em sua região. Como outros já observaram, grandes igrejas estão especialmente capacitadas para servir a esse tipo de visão, se administrarem seus recursos em benefício de ministérios, organizações e outras igrejas locais, em vez de dedicá-los à multiplicação da própria marca.
Os conflitos culturais entre cristãos continuarão a existir na era pós-fragmentação — assim como também continuará a existir a nossa preocupação com o lugar em que vivemos. Parcerias feita com base nessa preocupação servirão como uma força estabilizadora para o movimento.
De muitas maneiras, tudo o que descrevemos aqui é a aplicação da “catolicidade evangélica”. Essa é uma ideia, levantada pela primeira vez por Kevin Vanhoozer, de que o movimento evangélico e suas igrejas individuais estão unidos a toda a igreja de Jesus Cristo, através do espaço e do tempo, e abrangem toda a vida e a experiência humana. A ética decorrente disso implica em servir de forma construtiva por meio de uma igreja unida e diversa.
Um evangelicalismo fragmentado não é uma proposição totalmente negativa. Como vimos, algumas das igrejas que experimentaram rupturas das mais dolorosas também experimentaram, em consequência dessas rupturas, reformas que trouxeram mais esperança. A fragmentação e a divisão foram um período de dor, mas, dessa dor brotou uma nova vida.
A igreja onde nós [os autores deste artigo] trabalhamos em Orlando parecia uma zona de guerra constante, durante grande parte de uma década. Hoje, ela é uma igreja vibrante, cheia de zelo e amor de uns pelos outros e pela missão. Nossa vida renovada não surgiu de algum programa novo ou de algum método concebido para trazer de volta o vigor do passado. Pelo contrário, essa visão foi construída lentamente, à medida que nossa igreja se comprometeu a permitir que a Palavra de Deus nos moldasse de forma holística, em nossas vidas e em nosso relacionamento com a cidade, as instituições e outras igrejas.
Esta não é apenas a nossa história, mas também a história de muitas igrejas que, após terem sofrido uma fragmentação visceral, resgataram o poder vivificante da Palavra de Deus. Pastores que antes se sentiam isolados e sitiados agora se conectam com grande paixão a outros pastores e instituições em sua região, para buscar o bem de suas cidades. Esta é a catolicidade evangélica florescendo, a partir da fragmentação, na vida das igrejas.
Para que o movimento evangélico continue sendo um movimento motivado pela propagação do evangelho e pela glória de Deus, ele deve abraçar uma catolicidade evangélica. Devemos colocar o evangelho no centro e nos apegar à ortodoxia, preparar os santos para uma vida piedosa e para o engajamento na sociedade, construir instituições e investir localmente com parceiros novos e inesperados. Se abraçarmos esta vida, a igreja estará preparada para encarar com fidelidade um futuro imprevisível, um mundo que está em rápida transformação e toda essa fragmentação que define o nosso presente.
Skyler R. Flowers é pastor associado da Grace Bible Church [Igreja Bíblica da Graça] em Oxford, Mississippi, e é diretor associado de programas no The Keller Center [Centro Tim Keller].
Michael Graham é coautor do livro The Great Dechurching [O Grande Desigrejamento] e diretor de programas do The Keller Center [Centro Tim Keller].