Na música “The Cool”, de Lupe Fiasco, esse mestre em contar histórias tece com lirismo um conto sobre um vigarista obcecado por um estilo de vida agitado, regado a dinheiro e fama. Ele desenvolveu todas as sensibilidades necessárias, os trejeitos na fala e o estilo de roupa para se encaixar no papel. Só havia um problema: Ele estava morto — era um cadáver em estado de decomposição, apodrecido, que saiu do túmulo sem nenhum resto de carne para deteriorar. Lupe deixa implícito que o vigarista morreu “buscando ser descolado”, tentando encontrar satisfação nas coisas materiais, na validação alheia e na autoindulgência. Mesmo depois da morte, ele nunca entende a moral de sua própria história trágica.
O cristianismo sempre teve em seu meio pessoas que buscam coisas supérfluas e satisfação própria (1Coríntios 6.12-20). E hoje, nos momentos em que é preciso defender publicamente princípios bíblicos impopulares, alguns cristãos parecem estar optando por aquilo que é “descolado”. A compaixão cristã e a justiça são amplamente admiradas. Mas, quando se trata de assuntos impopulares, como a ética sexual cristã — a qual afirma que o sexo deve acontecer apenas dentro do casamento e entre um homem e uma mulher — muitos de nós ficamos calados, e nos tornamos teologicamente ambígous, ou abraçamos posições que não são bíblicas.
Quando o assunto é ética sexual, a história recente importa: muitos cristãos ainda estão tentando se livrar da mancha do legalismo, do rigorismo e da hipocrisia, comportamentos amplamente associados à ala do evangelicalismo conhecida como Maioria Moral [que foi uma organização política americana, fundada em 1979, por Jerry Falwell, um televangelista, para promover valores sociais conservadores. Foi também um movimento associado à direita cristã e ao Partido Republicano nos Estados Unidos]. Era preciso dar uma resposta cristã voltada para a família, diante da decadência moral trazida pela revolução sexual. Mas a falta de amor desses conservadores em relação a pessoas feridas nunca foi uma atitude necessária nem cristã, e os cristãos têm razão em querer combater as caricaturas desse passado — que nem sempre são tão imprecisas quanto gostaríamos que fossem — que pintam os cristãos como pessoas cheias de ódio no coração, incapazes de carregar os pesados fardos que impõem aos outros.
Décadas de ridicularização vinda da cultura pop e da academia tiveram um efeito duradouro sobre a igreja, pois o ridículo é uma arma poderosa. Como disse Saul Alinsky, pai do ativismo progressista: “A ridicularização é a arma mais poderosa de um homem. Não há defesa contra ela. É praticamente impossível contra-atacar o ridículo.”
Assim, à medida que a cultura de boa parte dos países ocidentais inclinava-se mais para a esquerda, nas últimas décadas, cristãos das gerações X e Y, em particular, pagaram pelos pecados cometidos pela Maioria Moral. As pessoas nos culpavam por associação religiosa e nos cansamos de ser alvo das piadas. E, para além da autodefesa cultural, passamos a entender que a crueldade da direita religiosa realmente precisava de correção.
Infelizmente, nesse processo de correção, muitos pesaram a mão e acabaram descartando completamente os ensinamentos da nossa fé sobre sexo e corpo (1Coríntios 3.16-17). Isso deve ter sido visto por alguns como uma atitude compassiva. Provavelmente, abriu novas vias para o prazer e certamente foi o caminho que encontrou menos resistência, especialmente na academia e nos espaços de ativismo. Mas isso não é desculpa.
É claro que eu entendo o apelo que qualquer um sente para se encaixar na cultura. E entendo porque muitos cristãos desenvolveram um complexo de inferioridade perante a sociedade e começaram a buscar validação no âmbito secular. Muitos adultos, sejam eles cristãos ou não, nunca perderam a mentalidade do ensino médio, na qual tem sempre a turma do pessoal descolado, e ninguém quer ser aquele monitor que fica no corredor dedurando todo mundo. O fato é que criar exceções para as regras parece ser algo que torna a pessoa mais popular do que exortar os outros a obedecê-las.
E aqueles cristãos que querem escapar da ética sexual bíblica encontram bastante apoio em nossa cultura. Há mais de cem anos, o psiquiatra Carl Jung acrescentou a repressão sexual à lista de pecados capitais e, desde então, a liberdade sexual se tornou um artigo de fé para o progressismo secular. Igrejas de viés teológico mais liberal ou progressista estão morrendo lentamente, enquanto tentam se alinhar aos padrões seculares. Na década de 2010, líderes cristãos populares entre os evangélicos, como Rob Bell, distorceram a Bíblia para conseguir seguir os padrões da cultura.
Recentemente, em um sermão publicado na internet, o pastor progressista Delman Coates afirmou que a ética sexual da Bíblia tem sido mal interpretada há mais de 2 mil anos. De acordo com Coates, as Escrituras não proíbem de fato o sexo antes do casamento; na verdade, a Bíblia proíbe o sexo com uma prostituta. Ele argumentou que o termo grego porneia era utilizado exclusivamente para se referir à prostituição e que, portanto, os cristãos não deveriam se sentir envergonhados por fazer sexo antes do casamento, desde que fosse feito com o consentimento de ambas as partes.
Para quem não têm coceira por ouvir só aquilo que quer escutar, essa é uma afirmação, já à primeira vista, pouco séria. Esperaríamos que uma justificativa para a carnalidade viesse da Playboy ou da Teen Vogue, mas não do púlpito de uma igreja.
A afirmação de Coates está em conflito direto com os ensinamentos bíblicos gerais sobre santidade e amor como atos de autossacrifício, e não como atos de autoindulgência (Levítico 20.26; Romanos 12.1; 1Pedro 1.15-16; 1João 3.16). Na verdade, Jesus elevou o padrão da moralidade sexual. Ele certamente não a aboliu (Mateus 5.17, 27). É a fé em Jesus que lava a nossa vergonha, e não as justificativas produzidas por mãos humanas (Lucas 19.10, Hebreus 9.14). Além disso, como os apologistas Damon Richardson e Michael Holloway meticulosamente provaram, enquanto demoliam a afirmação de Coates, o termo porneia na Bíblia se refere à imoralidade sexual em geral.
Os efeitos práticos de rejeitarmos a orientação de Deus para a nossa sexualidade são graves. Os cristãos ansiosos por se distanciar das proibições bíblicas geralmente esquecem de mencionar as DSTs que assolam a sociedade, a crise do pai ausente, as consequências da promiscuidade para a saúde mental e as agressões sexuais que acontecem, quando o consentimento se perde numa névoa de memória induzida pelo álcool.
A última coisa que a nossa sociedade precisa agora é ouvir a igreja promover a repressão sexual. Mas desmontar a ética familiar e sexual de um povo é uma das coisas mais perversas que um inimigo pode fazer — quem dirá um pastor. Coates pode estar rejeitando a ética sexual cristã em um esforço sincero para ser mais compassivo, mas boa intenção não é penitência.
Falo aqui com base em uma experiência pessoal dolorosa, e não com base na minha própria retidão. Eu fui mulherengo durante a faculdade e o início da vida adulta, e participei de toda a devassidão permitida nos campus universitários americanos. As mentiras, os corações partidos e as pílulas do dia seguinte me deixaram afundado no pecado. Finalmente, eu me arrependi e admiti que as verdades milenares da Bíblia eram muito mais proveitosas do que os ensinamentos “iluminados” que recebi em uma universidade de elite.
Meu pensamento sobre ética sexual precisava ser igualmente redimido. Teve um tempo em que eu também, muito convenientemente, descartava a moralidade sexual como uma preocupação dos evangélicos brancos. Mas isso era desonestidade intelectual da minha parte. Santo Agostinho, pai da igreja africano, já lutava contra essa heresia pelagiana britânica — que tentava “libertar” a fé do conceito de pecado — séculos antes da direita religiosa entrar em cena.
Essa mentira também apaga o legado de mulheres cristãs negras, como Frances Ellen Watkins Harper e Nannie Helen Burroughs, que usaram seu testemunho público para promover (entre outras coisas) a dignidade da obediência bíblica e da disciplina moral.
E não há nada de novo nem de evoluído na permissividade. A igreja primitiva se distinguiu por ser uma alternativa ao hedonismo da cultura romana. Os primeiros cristãos se recusaram a seguir o estilo de vida “descolado” da Roma antiga e a ser como aqueles que “transformam a graça do nosso Deus em devassidão” (Judas 1.4). Eles se destacaram fortemente pela oposição.
Eles sabiam algo de que muitos na igreja atual parecem ter esquecido: que dar um verniz cristão a valores seculares não é cristianismo, nem mesmo é atraente. Como explicou recentemente Ross Douthat, colunista do New York Times: “Acho que a fraqueza persistente das formas liberais de [religião] é que elas são atraentes para pessoas que estão abandonando uma crença religiosa intensa, mas geralmente não atraem pessoas para essa crença”.
A verdade é que uma religião que diz a pessoas feridas “faça o que quiser”, simplesmente não é convincente. Pode ser que aqueles que tentam ressuscitar um cristianismo mirrado, superficial encontrem validação na sociedade secular ou limpem temporariamente sua consciência. Mas um cristianismo que enfraquece a Palavra de Deus está morto. Ele não merece carregar o nome de Cristo. Precisamos de transformação, não de de desculpas para o pecado. Podemos amar de verdade sem endossar a libertinagem. Discípulos fiéis lideram com graça sem abrir mão da verdade.
Justin Giboney é pastor ordenado, advogado e presidente da And Campaign, uma organização cívica cristã. Ele é autor do livro Don’t Let Nobody Turn You Around: How the Black Church’s Public Witness Leads Us out of the Culture War [Não deixe ninguém te desviar do caminho: como o testemunho público da Igreja Negra nos tira da guerra cultural], que será lançado em breve.