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O melhor argumento em favor do protestantismo é a sua catolicidade

Os reformadores já foram acusados de ignorarem as tradições e de frustrarem a unidade da igreja. Nem uma coisa nem outra é verdade.

A Catholic church with it's steeple pointing to the steeple of a Protestant church
Christianity Today June 5, 2025
Illustration by Christianity Today / Source Images: WikiMedia Commons

Fui criado na Indonésia, em uma família católica romana. Quando me converti, eu frequentava uma igreja em Jacarta com pouca ou nenhuma liturgia formal, que tinha um mestre de cerimônias como liturgista, uma banda que cantava algumas músicas do álbum mais recente da Hillsong e um sermão de 20 minutos que se baseava em algumas lições e alguns textos bíblicos.

What It Means to Be Protestant: The Case for an Always-Reforming Church

Quando eu disse para a minha família católica que eu havia me tornado protestante, eles perguntaram quando eu voltaria para a igreja católica. Então, eu respondi com certa apreensão: “Ah, eu acho que agora sou…protestante, sabe?”. E eles retrucaram, demonstrando perplexidade: “Mas você não sabe que os católicos foram, historicamente, os primeiros cristãos?”

O livro What It Means to Be Protestant: The Case for an Always-Reforming Church [O que significa ser protestante: estudo de caso de uma igreja que está sempre se reformando], de Gavin Ortlund, lembra seus leitores de que o que normalmente se passa por “protestantismo”, na retórica de apologistas orientais ou católicos, normalmente compara “o que há de pior no protestantismo com o que há de melhor nas tradições não protestantes”. Acima de tudo, Ortlund mostra “como o protestantismo é facilmente e comumente mal interpretado, até mesmo pelos protestantes”.

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De acordo com Ortlund, autor popular e teólogo, “lamentavelmente, é comum que o protestantismo seja caracterizado com base em práticas populares adotadas em igrejas e ministérios evangélicos contemporâneos, em vez de ser caracterizado em termos de doutrina histórica, oficial e confessional.” Ele ainda acrescenta: “em muitos casos, o protestantismo evangélico (predominantemente batista e não denominacional) do tipo low church [termo que denomina igrejas que dão pouca ênfase a rituais e sacramentos] é considerado sinônimo do protestantismo como um todo”. Consequentemente, “muitas visões protestantes específicas são distorcidas por caricaturização”.

É por causa de equívocos como estes, lembrando aqui um artigo recente da CT, que alguns evangélicos estão trocando o protestantismo por outras tradições, como o catolicismo romano e a ortodoxia oriental. Na visão daqueles que estão fazendo essa troca, o protestantismo apresenta deficiências em áreas como seriedade litúrgica, profundidade histórica e unidade institucional. Ao passo que essas outras tradições lhes parecem oferecer uma base mais estável e duradoura para a fé cristã.

Acho preciso e correto o diagnóstico de Ortlund, ou seja, que protestantes e não protestantes igualmente falham em apreciar a tradição protestante em sua plenitude. Seu livro é um remédio muito bem-vindo para [combater] a diluição do protestantismo na era contemporânea. 

Fundamentalmente, Ortlund mostra que o protestantismo é uma obra de renovação dentro da igreja como um todo. Ele oferece uma visão mais satisfatória e bíblica de unidade da igreja, de autoridade e de salvação; e, como tradição, traça a conexão mais clara entre os ensinamentos apostólicos e a era atual da igreja. Os protestantes, portanto, reivindicam uma continuidade com a igreja antiga e a medieval no que diz respeito a uma base doutrinária e espiritual, mesmo rejeitando um entendimento institucional de unidade da igreja. 

Essa obra de Ortlund é especialmente útil para dissipar equívocos comuns sobre o protestantismo. Ao fazer isso, o autor ajuda a esclarecer onde estão as reais diferenças entre o protestantismo e as tradições não protestantes. Tomando o exemplo de dois breves capítulos, Ortlund analisa ensinamentos protestantes como a justificação pela fé somente e a sola Scriptura com grande resultado, mostrando os fundamentos históricos, teológicos e bíblicos sobre os quais tais ensinamentos repousam.

No capítulo sobre justificação pela fé somente, Ortlund mostra que os protestantes foram cuidadosos em enfatizar o arrependimento e a fé em Cristo como o único caminho seguro para a salvação. Nesse ponto, os protestantes se colocam em oposição a práticas católicas, como a concessão de indulgências, por exemplo, que eram tidas como algo que amenizaria as punições temporais pelo pecado.

Ortlund, então, passa a falar sobre as declarações confessionais e representativas de protestantes e católicos sobre como definir a doutrina da justificação. Ambos os grupos concordam que a justificação é por mérito de Cristo, efetivada pelo Espírito, e oferecida a nós para a glória de Deus. No entanto, eles discordam sobre a natureza exata do que Cristo realizou por meio da justificação.

Se os católicos argumentam que a justificação é um processo que inclui a renovação moral constante do indivíduo, os protestantes discordam, afirmando que a justificação é uma declaração única e definitiva de que somos justos por meio da fé em Cristo, cuja perfeição moral é livremente creditada a pecadores indignos. Portanto, os protestantes distinguem a justificação da santificação, sendo esta última o processo pelo qual os crentes gradualmente progridem em retidão.

Outro capítulo trata da sola Scriptura, um grito de guerra da Reforma que, traduzido do latim, significa “somente a Escritura”. Nele, Ortlund dissipa equívocos comuns defendidos por protestantes e católicos. A doutrina da sola Scriptura não diz, por exemplo, que a Escritura é a única autoridade em termos de doutrina e prática cristãs. Tampouco diz que a Escritura aborda explicitamente todas as doutrinas que os crentes devem professar.

Em vez disso, a doutrina da sola Scriptura ensina que a Escritura é a única autoridade infalível. Não nega que existam outras autoridades válidas que os cristãos devem acatar, como credos e confissões históricas. Deixa claro, no entanto, que essas autoridades são subordinadas à autoridade máxima da Palavra de Deus. Esse ensinamento protestante meramente reconhece a infalibilidade da Escritura, o que implica que nenhuma igreja — seja ela católica romana ou não — é em si infalível.

Além de esclarecer ideias protestantes específicas, Ortlund destaca como os reformadores defenderam sua teologia abrangente de uma forma surpreendente. Eles argumentaram que as posições protestantes não só eram mais bíblicas do que suas contrapartes não protestantes; elas também eram mais católicas — no sentido de promoverem o objetivo de uma igreja unificada. Na visão dos reformadores, foram os teólogos católicos que se afastaram do ensinamento apostólico e patrístico, ou do ensinamento da igreja primitiva.

Como Ortlund observa, “os primeiros protestantes argumentaram com base em fundamentos católicos e históricos”, e não apenas teológicos, contra uma série de doutrinas católicas romanas. Dessa forma, ele mostra que o movimento protestante não queria propor uma nova fé nem começar uma revolução que rejeitasse o passado. Pelo contrário, os líderes protestantes visavam garantir a reforma e a renovação dentro da igreja católica como um todo. Eles mostraram a presença de diferentes trajetórias dentro da teologia patrística e medieval, e buscaram permanecer fiéis àquelas que estavam mais próximas da Escritura. Fizeram uma diferenciação, portanto, entre a verdadeira igreja católica e a igreja romana, argumentando que o protestantismo estava promovendo as doutrinas da primeira.

Ortlund exemplifica esse tipo de argumento em seus capítulos sobre o papado e a ideia de sucessão apostólica, doutrina através da qual os católicos postulam uma linha ininterrupta de autoridade que se estende dos apóstolos originais a cada geração de padres e bispos. Ele mostra, por exemplo, que as visões de supremacia ou de infalibilidade papal, ensinadas pelo Concílio Vaticano I (1869–1870), são inconsistentes com o registro histórico. Assim, o livro aborda habilmente uma observação bastante citada de John Henry Newman, famoso anglicano que se converteu ao catolicismo e certa vez escreveu: “Aprofundar-se na história é deixar de ser protestante.”

De fato, Ortlund faz uma diferenciação entre os conceitos de “profundidade da maioria” (que significa o enraizamento em crenças e tradições populares ou estabelecidas) e “profundidade antiga” (que significa o enraizamento em crenças e tradições que podem ser autenticamente rastreadas até Cristo e seus apóstolos). Para os protestantes, segundo Ortlund argumenta, a profundidade antiga é mais importante do que a profundidade da maioria, porque erros podem se tornar a corrente predominante. Para que a igreja permaneça enraizada em sua herança do evangelho, ela deve ter algum meio de identificar e de corrigir erros e desvios.

E é neste ponto, segundo Ortlund afirma, que a vantagem protestante se torna especialmente clara. É evidente que tanto protestantes quanto católicos caíram em vários erros ao longo da história. No entanto, os protestantes têm uma capacidade de reforma intrínseca à sua tradição, pois, como Ortlund coloca, seus erros “não estão consagrados dentro de ensinamentos supostamente infalíveis”.

Ao lado do livro de Carl Trueman, The Creedal Imperative [O Imperativo Confessional], lançado em 2012, a obra What It Means to Be Protestant, de Ortlund, talvez seja a melhor defesa acessível das características distintivas dos protestantes na história recente. Tenho algumas ressalvas. Eu me perguntei, por exemplo, porque Ortlund escolheu uma obra do século 19 — The Principle of Protestantism [O princípio do protestantismo], de Philip Schaff — como porta de entrada para a tarefa de definir os elementos essenciais da Reforma. Talvez uma declaração da era da Reforma ou da pós-Reforma tivesse servido melhor a esse propósito.

Sendo bem justo, porém, fazer justiça aos pontos unificadores do protestantismo não é tarefa fácil. E Ortlund, para crédito seu, baseia-se em uma ampla gama de fontes das tradições anglicana, luterana e reformada. Na verdade, este livro preenche uma lacuna entre a academia e os leigos, introduzindo a conscientização cada vez mais predominante entre os estudiosos de que o protestantismo aspirava resgatar e preservar o melhor das tradições medievais e da igreja primitiva, e não criar algo novo.

O livro também faz um trabalho maravilhoso de antecipar objeções, adotando um tom caridoso ao longo de todo o texto. Ortlund lembra aos leitores, por exemplo, que, assim como não devemos desejar ver o protestantismo histórico ser descartado, por causa de suas defesas populares mais superficiais, não devemos nos apressar em fazer objeções ao catolicismo romano em bases semelhantes.

No geral, What It Means to Be Protestant deve estar entre os primeiros livros a serem recomendados a qualquer pessoa que esteja lidando com debates sobre protestantes e católicos. O trabalho de Ortlund é um excelente ponto de partida para entender melhor o que une os protestantes e o que os distingue.

N. Gray Sutanto é professor associado de teologia sistemática no Reformed Theological Seminary em Washington, DC. Ele é autor de God and Humanity: Herman Bavinck and Theological Anthropology [Deus e humanidade: Herman Bavinck e Antropologia Teológica] e coautor de Neo-Calvinism: A Theological Introduction [Neo-calvinismo: Uma introdução teológica].

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