Em um artigo recente do The Guardian sobre “os principais adeptos da pró-natalidade da América”, a jornalista menciona sua própria suposição de que “a principal coisa que torna [ter filhos] uma tarefa difícil [é] que hoje é incrivelmente caro criar uma criança”.
“Não”, responde o pai de uma família entrevistada. “De forma alguma”— e, em sentido substancial, acho que ele está certo. E assim também pensam Anastasia Berg e Rachel Wiseman, autoras do recém-lançado What Are Children For?: On Ambivalence and Choice [Para que servem as crianças?: sobre ambivalência e escolhas].
Isso não significa que Berg e Wiseman (ou que eu mesma) desconsiderem as reais dificuldades financeiras que muitos futuros pais enfrentarão. Pelo contrário, elas dedicam o primeiro dos quatro longos capítulos do livro a uma análise sóbria desses “fatores externos.”
Mas o que encanta no livro é que elas não param por aí. Berg e Wiseman também rejeitam a suposição — presente em muitas discussões superficiais sobre a criação de filhos — de que os fatores externos representam a totalidade do problema, de que toda essa hesitação desapareceria apenas com o pacote certo de políticas que estendessem a licença-maternidade e a licença-paternidade e tornassem as creches mais acessíveis.
Isso não aconteceria, e a obra What Are Children For? é uma reflexão bem-vinda que complica essa visão simplista. Como o próprio título sinaliza, Berg e Wiseman pretendem mostrar uma análise cultural e filosófica perspicaz, examinando de maneira rigorosa, porém cordial, um “mundo que é tanto pró-natalista quanto antinatalista”. Embora, no último minuto, elas abracem uma grande alegação a que parecem resistir ao longo do texto todo, o projeto delas é bem-sucedido.
Um mar de opções
Os leitores já familiarizados com o conceito de secularismo que o filósofo cristão Charles Taylor apresenta na obra Uma Era Secular estarão bem preparados para entender um dos argumentos centrais da obra What Are Children For?: o fato de ter filhos antes não era uma escolha, mas agora é, e essa mudança colossal é parte integrante da experiência moderna dessa hesitação em relação a ter filhos.
Taylor definiu o secularismo como o que acontece quando uma sociedade passa de uma visão “em que a crença em Deus é incontestada e, de fato, não problemática, para uma sociedade em que essa crença é entendida como uma opção entre tantas outras, e, frequentemente, não a mais fácil de se abraçar”. Berg e Wiseman escrevem que, da mesma forma que, antes, ter filhos era “apenas algo que as pessoas faziam”, agora, é algo que sentimos que devemos “pesar e contrastar com um mar de outras opções”, muitas delas no mínimo superficialmente mais fáceis, mais prazerosas, menos arriscadas e com maior chance de sucesso.
Uma citação que Berg e Wiseman compartilham da psicóloga Nancy Felipe Russo, escrita em 1976, expõe o caráter recente e a totalidade dessa mudança. Naquela época, ter filhos era algo tão pressuposto que “mesmo que o contraceptivo perfeito fosse desenvolvido e usado”, pensava Russo, as “forças sociais e culturais que reforçam o mandato da maternidade continuariam”. Hoje, a meu ver, o oposto é verdadeiro: mesmo que todos os contraceptivos desaparecessem amanhã, nossa agonia não desapareceria com eles.
Tampouco estaríamos mais próximos de saber como tomar essa decisão. Segundo Berg e Wiseman argumentam, para muitos de nossos contemporâneos “ter filhos está se tornando uma prática cada vez mais ininteligível e de valor questionável”. Com a ajuda da internet, noticiamos relatos sobre a maldade e o sofrimento humano, e depois duvidamos da sabedoria de prolongar a existência humana. “Carecemos de recursos para responder a tais questionamentos”, refletem as autoras. “Os antigos paradigmas, quaisquer que fossem, parecem não se aplicar mais. E os novos nos deixaram muito menos certos sobre a própria questão de ser desejável ter filhos”.
Vida, história, literatura
A obra What Are Children For? começa e termina com seções escritas por uma das autoras; Wiseman escreve no início sobre a sua escolha de buscar a maternidade; Berg, a outra autora, faz uma reflexão no final sobre a vida após a escolha de ter filhos. Nos capítulos intermediários, o capítulo que trata dos fatores externos é um mapa bem elaborado de um território já bastante familiar para quem acompanha os debates sobre natalidade: preocupações financeiras, medo de perder liberdades e de ter carreiras decepcionantes, incapacidade de encontrar um parceiro amoroso adequado, e assim por diante.
Passagens-chave sobre essa novidade de ver os filhos como escolha encontram-se aqui, assim como uma seção notavelmente sombria sobre o namoro moderno, cujos trechos aparecem em um ensaio de 2022 na The Atlantic, “The Paradox of Slow Love” [O paradoxo do amor lento. N. da T:“Slow love” vem da expressão “fast sex, slow love” (rápido para transar, devagar para amar), que tem sido usada para caracterizar a dinâmica dos relacionamentos no mundo atual]. Não tenho espaço para fazer justiça a esse tema, mas é alarmante o esboço que Berg e Wiseman fazem de uma barreira crescente entre romance e família.
O segundo capítulo, que fala sobre a história do debate feminista em torno da reprodução, fornece um contexto intelectual valioso — embora para leitores de contextos evangélicos mais conservadores o capítulo possa explicar melhor as motivações e impulsos de outras pessoas do que os nossos próprios. Alguns dos pensadores que Berg e Wiseman exploram nesse capítulo estão bem fora do mainstream, mas sua influência sobre a cultura mais ampla é clara.
Talvez a parte mais forte desse capítulo seja sua crítica à notória abdicação da responsabilidade por parte dos homens, feita em nome do progresso. “Em círculos de centro-esquerda,” escrevem Berg e Wiseman, “a convicção de que as mulheres devem ser capazes de determinar seus próprios destinos reprodutivos e exercer tanta autonomia sobre seus corpos quanto os homens se transformou, ao longo dos anos, na presunção de que a questão de se iniciar ou não uma família é prerrogativa exclusiva das mulheres”.
Às vezes, elas reconhecem que essa passividade masculina pode ser bem-intencionada: se a maternidade é algo tão custoso quanto nossa cultura passou a acreditar, “como poderia um homem pedir à mulher que ele ama que se submeta a tal destino?”. Mas, às vezes, o que “pode parecer a princípio um ato altruísta de deferência (se você quer um filho, podemos ter um) funciona mais como uma manobra evasiva”:
Ofertas mornas de cooperação podem atrapalhar uma tomada de decisão confiante e sem reservas. Quem gostaria de trazer uma criança ao mundo com alguém que, quando perguntado se quer ser pai, só responde com um fraco “se você insiste…”? A frase “faça o que você quiser — a decisão é sua” já é suficientemente irritante quando estamos tentando escolher um filme para assistir ou um restaurante para pedir comida; mas é insuportável como resposta à pergunta “você quer ter um filho comigo?”
O terceiro capítulo, que fala sobre literatura, amplia essa exploração do contexto cultural até os dias de hoje: “A ambivalência dos romancistas sobre a maternidade é profética”, conforme mostram Berg e Wiseman, “na medida em que o sentimento geral sobre maternidade/ paternidade hoje é de dúvida”.
Devo admitir que neste ponto eu já estava ficando inquieta, ansiosa para chegar ao quarto capítulo, que aborda diretamente a questão do título. Mas esta parte final da cena também foi perspicaz, oferecendo um tour por um gênero que eu sabia ser influente, mas que não li pessoalmente. Para aqueles que já leem esse tipo de literatura — talvez não de forma muito crítica — espero que seja esclarecedor.
Uma defesa da vida em si
No último capítulo antes da conclusão de Wiseman, as autoras lidam com dois argumentos primários contra a ideia de ter filhos: “que a vida é um mal imposto à humanidade” e “que a humanidade em si é uma imposição maligna ao mundo”.
Berg e Wiseman dão uma resposta simples para ambos: uma afirmação da vida. Não se trata de uma resposta simplista — elas debatem com filósofos sérios, que encontramos ao longo de séculos do pensamento clássico, judaico, cristão e pós-cristão. Mas é uma afirmação feita com ousadia e que se fundamenta, sem se desculpar por isso, na intuição e na experiência comuns ao ser humano.
Em síntese, Berg e Wiseman argumentam que a humanidade tem valor; que, ao lado da nossa capacidade para o mal, existe uma capacidade real de reconhecer e escolher o bem; que podemos perseguir objetivos bons, como “amizade e justiça”, de maneira incondicional e universal, os quais “tornam verdadeiramente valiosa a experiência de viver uma vida humana”; e que afirmar esse bom caráter não significa “fechar os olhos para as nossas lutas e falhas humanas”.
Quanto a ter filhos, Berg e Wiseman defendem que trazer uma nova vida ao mundo é afirmar sobre os outros aquilo que já afirmamos sobre nós mesmos. Na verdade, elas escrevem, perguntar “Para que servem as crianças?” é essencialmente o mesmo que perguntar: “Por que afirmar a vida?”
Afinal, o que se está querendo [com essa pergunta]? Uma lista de benefícios? Afirmar a vida não é dar-lhe uma justificativa teórica, reconhecer seus méritos e contrapor os argumentos de seus detratores. Ao decidir ter filhos, uma pessoa assume uma posição prática em um dos questionamentos mais fundamentais que alguém pode fazer: a vida humana, apesar de todo o sofrimento e da incerteza que ela implica, vale a pena ser vivida?
Essa é uma conclusão admirável e provocativa, especialmente por sua abordagem visivelmente não sectária. Eu seria convencida, se já não tivesse uma visão da humanidade que leva em conta essas tensões entre bem e mal, dignidade e sofrimento, acaso e virtude? Não tenho certeza. Como cristã, concordei com Berg e Wiseman em pontos grandes e pequenos — mas, muitas vezes, a concordância foi somente acidental. Chegamos ao mesmo lugar por caminhos aparentemente diferentes.
Às vezes, essa diferença de perspectiva foi construtiva. Eu adoraria ver as autoras em uma conversa com o escritor católico Timothy Carney, cuja análise da “tristeza civilizacional” na obra Family Unfriendly [Hostil à família] ecoa profundamente as notas finais de What Are Children For?. E ainda estou refletindo sobre a observação de Berg e Wiseman de que “de todos os milagres realizados por Cristo, ele nunca ajudou uma mulher estéril a conceber”.
Em contrapartida, posso imaginar como Berg e Wiseman provavelmente conciliariam seu chamado para “afirmar a vida” com a aprovação a vários direitos ao aborto presentes no livro — mas essa é uma conexão que eu mesma não consigo entender.
Uma pergunta que só você pode responder?
É comum dizer que uma escolha de vida tão importante quanto ter filhos é algo que cada um de nós deve fazer exclusivamente por conta própria. Berg e Wiseman apoiam essa visão, mas, ao longo da obra toda, parecem insatisfeitas com o lugar para onde essa visão leva.
Elas rejeitam a visão da decisão de ter filhos como uma busca solitária de “‘encontrar a si mesmo’ e descobrir ‘o que você realmente quer’”, em detrimento de “tudo o mais que você valoriza”. Elas repreendem os homens que fogem de seu papel no processo de tomada de decisão e lamentam um isolamento semelhante por parte de amigos e familiares. Elas se irritam com a profunda interioridade da literatura que trata dessa ambivalência sobre a maternidade, pelo modo que priva tanto personagens quanto leitores de insights sobre “as infinitas maneiras pelas quais cada um de nós pode ser opaco para si mesmo, cego para suas próprias fraquezas, iludido sobre suas motivações”. E elas elogiam o lembrete de uma escritora “de que o que está em jogo na decisão de ter filhos não é apenas uma série de experiências pessoais a serem desfrutadas e sofridas, mas sim a possibilidade da vida humana”.
No conjunto, isso me parece muito mais do que um convite ao discurso público. Soa como um apelo por comunidade, por pessoas com bons conselhos e influência real em sua vida, por pessoas que se importam com o que você se importa, que lhe dirão quando você estiver equivocado ou se iludindo, que ajudarão você a enfrentar essa questão difícil tanto quanto os desafios que virão, se a sua resposta for sim.
No entanto, apesar de tudo isso, a frase final do último capítulo escrito pelas duas autoras declara que, porque ter filhos é um compromisso de vida tão importante e afirmativo, “só você pode determinar se é a escolha certa para você”.
Em um sentido estrito, sim, isso é verdade. Certamente não tenho saudades dos velhos e maus tempos dos casamentos forçados nem de uma versão brutal e totalitária do pronatalismo. Mas estamos falando aqui de afirmar a vida. Vocês têm certeza de que a vida que estamos afirmando é uma vida que vivemos juntos?
Bonnie Kristian é diretora editorial de ideias e livros da Christianity Today.
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