Há muitos anos, eu disse a um colega que queria morrer em um momento de glória. Talvez, enquanto eu estivesse denunciando violações de direitos humanos na Coreia do Norte, onde seria cravejada por balas, enquanto tentava salvar alguns órfãos.
“Oh, céus”, ele disse.
Eu estava brincando, claro. Quer dizer, mais ou menos brincando. O desejo de ter uma morte gloriosa — ou melhor, de ter vivido uma vida grandiosa — era sério. Eu tinha 20 e poucos anos na época, era uma recém-chegada à idade adulta, depois de ter passado a infância ouvindo sermões que me exortavam a viver apaixonadamente pela missão de Deus. E eu queria viver essa vida. Queria fazer grandes coisas desta minha única chance na face da Terra.
Hoje, aos 37 anos, sou dona de casa e mãe de um menino de 3 anos e de uma menina de 8 meses, e moro em um bairro espaçoso e modesto de Los Angeles. Faz seis meses que tomei a decisão de largar meu emprego de jornalista e me tornar dona de casa em tempo integral. E isto não tem nada a ver com o momento de glória que eu havia imaginado para a minha vida.
Em uma típica manhã, por exemplo, acordei com meu filho gritando “Olá!” e “Aleluia!” em um microfone de karaokê, no volume máximo, enquanto minha bebê gritava para mamar, o que ela vinha fazendo de hora em hora, a partir da meia-noite e meia. Eu me arrastei para fora da cama com as olheiras saltadas e a camiseta suja de leite materno já seco. Escovei os dentes às pressas, evitando ao máximo me olhar no espelho. Enquanto eu preparava o lanche para meu filho levar para a escola, a bebê chorou porque o irmão tinha lhe dado um chute no rosto e, então, pouco antes de eu começar a lutar para enfiá-lo no carro, ele se jogou no chão, arrasado porque seu petisco de carne orgânica tinha “quebrado” e caído no chão. (O petisco tinha marcas de dentes. As marcas dos dentes dele.)
Naquele dia, meus pais estavam em Los Angeles para me visitar, no seu caminho de volta da Virgínia para a Coreia do Sul. Eles estavam voltando para a sua terra natal em definitivo, uma decisão que tomaram dois meses antes, logo depois de terem fechado a igreja de imigrantes chineses que pastorearam por 24 anos.
Há 34 anos, nossa família se mudou para Singapura, com quatro malas, depois de meu pai ter sentido um chamado para ser missionário entre os chineses. Hoje, meus pais estão voltando para casa, mais uma vez com todos os seus pertences guardados em quatro malas. E esta também não é a vida que eles tinham imaginado para si mesmos.
Agora que meus pais estão voltando para a Coreia, e agora que sou uma dona de casa que limpa narizes e troca fraldas o dia todo, ando pensando muito seriamente sobre o que de fato considero “sucesso”.
Quando era um jovem missionário e pastor, meu pai também sonhava em ser grande. Ele sonhava em se tornar o próximo Billy Graham, atraindo dezenas de milhares de pessoas para grandes avivamentos, dos quais surgiria a próxima geração de mestres que ensinariam a Bíblia e de plantadores de igrejas, geração que se espalharia até os confins da diáspora chinesa.
Mas, quando sua igreja fechou, em dezembro de 2024, o número de membros que se reuniam presencialmente para os cultos de domingo era de menos de doze pessoas (embora houvesse mais pessoas de outros países que assistiam aos cultos pela internet). Ao longo dos meus anos como filha de pastor, vi pessoas entrando e saindo da nossa igreja o tempo todo, algumas desaparecendo silenciosamente, outras causando estragos. Nossa igreja nunca foi muito grande, chegando a ter cerca de 80 membros no seu auge, embora também não fosse o tipo de igreja que um dia viria a ser uma megaigreja: os sermões eram em mandarim e tinham duas horas de duração. Não tínhamos um forte ministério voltado para crianças ou jovens. Nossa pianista (eu) cometia muitos erros.
A igreja dos meus pais ficava muito aquém de todos os parâmetros mundanos de sucesso. Certa vez, contei a um pastor de uma megaigreja americana sobre os sermões de duas horas do meu pai, e ele objetou. “Que triste”, disse o pastor. “Seu pai foi colocado na função errada.” De acordo com esse pastor, um sinal da bênção de Deus sobre uma igreja é o crescimento. E, da mesma forma que acontece com uma empresa que tem fins lucrativos, uma igreja precisa encontrar o talento certo para o trabalho certo. E, segundo esse pastor insinuou, a igreja do meu pai era pequena porque meu pai não era a pessoa mais adequada para pregar.
Sua resposta me perturbou, não só porque ele estava falando do meu pai, mas porque percebi como eu também, inconscientemente, tinha adotado uma ideia de sucesso que não era bíblica.
Quando eu era criança, costumava discutir com os filhos de outros pastores para ver o pai de quem era o melhor pastor. Uma criança se gabava de que seu pai havia sido expulso da Tailândia por quebrar ídolos. Outra se gabava do tamanho da igreja deles. Eu me gabava do fato de que meu pai tinha um doutorado em literatura chinesa, mas abriu mão de se tornar professor em Seul para salvar almas.
Mas eu também devo ter acreditado que Deus o recompensaria por esse sacrifício. Em vez disso, porém, vi meus pais enfrentarem dificuldades e sofrimento ao longo de seu ministério. Vi mal-entendidos, acusações e críticas serem lançados contra eles — embora eles me protegessem de muitas dessas coisas, para que isso não me fizesse pensar mal dos membros da igreja. No entanto, o pouco que eu sabia já me fazia sofrer. As duas pessoas que eu mais amava estavam sofrendo. Eu também ficava preocupada: ora, por que Deus não abençoa o ministério dos meus pais, se eles servem com tanto fervor e sacrifício?
Antes de partirem para a Coreia, meus pais passaram cerca de duas semanas comigo e com minha família. Eu me perguntava como poderia consolá-los e encorajá-los. Mas, em vez disso, foram eles que me consolaram e me encorajaram. Talvez, se eu estivesse no lugar deles, estaria me sentindo desanimada, abatida ou diminuída, como às vezes fico, quando faço um balanço das minhas realizações na vida. Em lugar de ver essas coisas, porém, o que vi foi alegria. Gratidão. Reverência.
“Vocês se lembram daquela vez?”, dizia papai, apontando para algum incidente que ocorrera anos atrás, em que Deus havia sido fiel a nós. “Lembram-se desta outra vez? E daquela outra? Lembram-se?”
A essa altura, meu pai já havia abandonado há muito tempo o sonho de se tornar um Billy Graham. “Eu era imaturo”, lembrou ele. Ele achava que sabia o que era um grande ministério, mas, depois de 34 anos como missionário e pastor, encontrou sua vocação suprema: conhecer e experimentar Deus cada vez mais, a cada dia, de forma plena, íntima e prática, e, então, se gabar de seu pai celestial da mesma forma que aquele grupo de filhos de pastores se gabava de seus pais.
“Simplesmente sou tão grato”, disse-me appa [maneira carinhosa e informal de se referir ao pai em coreano], e quando ele começou a ficar com os olhos marejados de lágrimas, ouvi minha bebê acordar da soneca chorando, querendo colo e sustento.
E foi então que percebi uma coisa: como meus pais, na velhice, se tornaram parecidos com crianças. Apesar de estarem mais grisalhos, com o corpo mais flácido e as articulações rangendo, o coração deles é exatamente como o dos meus filhos: puro, singelo, honesto, humilde. Isso me fez lembrar da resposta de Jesus, quando seus discípulos, sempre tão obcecados por glória, lhe perguntaram quem era o maior entre eles. Jesus chamou uma criança e disse: “Em verdade lhes digo que, a não ser que vocês mudem e se tornem como crianças, jamais entrarão no reino dos céus. […] quem se faz humilde como esta criança é o maior no reino dos céus” (Mateus 18.3).
Para a minha bebê, o meu rosto é a coisa mais linda do mundo, por mais abatido que ele esteja. No momento em que ela encontra meus olhos, a expressão do seu rosto se desabrocha no mais puro deleite. Quando a seguro nos braços, com seu pequeno coração batendo contra o meu, ela se acalma, pois sabe intuitivamente que está segura e protegida, e eu tenho um vislumbre do relacionamento original que Deus planejou entre Ele e nós, seres humanos.
Meu filho pequeno tem mais o que fazer do que ficar me olhando com admiração, mas também há algo de íntimo na maneira como ele me pede leite com chocolate e balas de goma assim que acorda, e depois se acaba em soluços trágicos quando eu me recuso a atendê-lo. Dá um pouco mais de trabalho, mas vejo, mesmo nesses momentos, como Deus quer que nós também nos aproximemos dele: abertamente, com confiança, ousadia e segurança. Meu filho sabe que pode me pedir qualquer coisa. Quando ele está magoado ou chateado, ele corre direto para a sua umma [maneira mais comum e informal de se referir à mãe em coreano].
O que é ser grande? O que é ter sucesso? Assim como os discípulos, eu também tenho feito as perguntas erradas, porque não entendi o coração de Deus.
O ministério dos meus pais não acabou. Eles não estão se aposentando para catar conchas na praia. Meu pai planeja continuar escrevendo e pregando na Coreia, a pedido das pessoas de lá. E antes de se mudarem dos Estados Unidos, meus pais concluíram um último trabalho aqui: ministraram a uma dona de casa esgotada, desanimada e desorientada, que precisava ser lembrada de que trocar fraldas e limpar narizes talvez não seja o tipo de glória com que ela tanto sonhava; porém, se ela se tornar mais como criança, como seus próprios filhos, estará um pouco mais perto da verdadeira grandeza.
Sophia Lee, ex-redatora global da Christianity Today, hoje é dona de casa. Ela mora em Los Angeles.