Acenando adeus, observo as portas de vidro se fecharem. Do outro lado, vejo minha mãe, com lágrimas escorrendo pelo rosto avermelhado, parada no saguão da comunidade em que ela vive, voltada para pessoas que precisam de ajuda para a vida cotidiana. Nossa família tem o hábito de reprimir a dor, mas essa é uma dor que nenhum de nós consegue conter. Eu também estou chorando.
Deixo minha mãe assim, no dia em que me coube a tarefa de lhe dar notícias difíceis. Seguindo o conselho do seu médico e da equipe que lhe dispensa cuidados, minha mãe — oficialmente diagnosticada com Alzheimer há dois anos e meio — será transferida para o andar de cuidados da memória. Essa mudança significa admitir que ela não pode mais viver em segurança sem assistência. Significa que o seu Alzheimer a está levando para o fundo do poço.
Todos concordam que esta é a escolha certa, mas isso em nada alivia a minha consciência. Será que estou agindo prematuramente, ao concordar com esse arranjo que mudará toda a vida dela? Mesmo depois de algumas buscas desesperadas na internet, resta claro para mim que não há um parâmetro objetivo para avaliar se minha mãe de fato está pronta para passar para o próximo nível de cuidado. A névoa que cerca a minha indecisão é como um reflexo da própria escuridão que desce sobre ela, e oro por um sinal. Mas ele não me é concedido.
Pensando bem, a verdade emocional da doença da minha mãe já era evidente muito antes do seu diagnóstico formal. Como muitos médicos acreditam, a demência pode se instalar sorrateiramente ao longo de décadas, prejudicando a funcionalidade e, muitas vezes, transformando a personalidade.
Depois que meu marido, meus filhos e eu nos mudamos para o Canadá, em 2011, deixando minha mãe e meu padrasto nos EUA, os primeiros sinais de demência apareceram como negligência passiva, à distância.
Por causa das complicações de fazer compras e depois ter que enviá-las pelo correio, em remessas internacionais, minha mãe começou a implorar para não ter que comprar presentes de Natal e aniversário para meus filhos. Então, obedientemente, passei a encomendar presentes para eles em nome da minha mãe. Quando ela reclamou da distância geográfica entre nós, propus e organizei planos de viagem para ela nos visitar em Toronto. Todos os domingos à tarde, quando eu ligava, ela parecia surpresa, e dizia: “Faz muito tempo que você não liga!”. A minha lista de ressentimentos foi crescendo ao longo desses anos.
Então, no verão de 2021, visitamos meus pais na comunidade para idosos em que eles viviam, em Columbus, Ohio. Foi a primeira vez que os vimos, depois de 18 meses distantes, devido à pandemia.
A demência, como diagnóstico clínico, é em grande parte uma doença de déficits: há comprometimento da memória, da orientação, do julgamento e do funcionamento executivo [dificuldade em planejar, organizar, iniciar e concluir tarefas, gerir o tempo e resolver problemas]. Durante aquela visita de uma semana, todos esses déficits manifestaram sua presença patológica através de excessos, que assumiam um tom desconcertante. A mesa da cozinha estava soterrada por meses e meses de correspondências não abertas e por contas não pagas. Os armários estavam abarrotados de quantidades irracionais de itens acumulados. Na geladeira, recipientes de isopor com comida do refeitório comunitário consumida pela metade formavam uma barreira de deterioração e mau cheiro.
A desordem seria um sintoma do cansaço da minha mãe por cuidar do meu padrasto, dada a saúde debilitada dele? Ou sugeriria algo mais sinistro?
Quando me aventurei a contar a uma vizinha que estávamos ficando preocupados com a minha mãe, a mulher — uma conhecida de longa data da igreja — olhou para mim com uma compaixão que refletia consciência do problema. “Acho que há muitas pessoas que compartilham de suas preocupações com sua mãe, minha querida”, disse ela. Perguntei a outras pessoas, discretamente, na esperança de que discordassem, mas esse sentimento só se repetiu.
Menos de um ano depois, meu padrasto faleceu — na mesma semana em que fechamos a compra de uma casa em Cincinnati. Assumi o controle de todos os assuntos práticos da minha mãe, deixamos nossa vida de 11 anos no Canadá para voltar para os Estados Unidos, e mudei minha mãe para uma nova comunidade para idosos, que ficava a oito minutos de casa.
Cada vez que a convidávamos para o jantar semanal, ela repetia: “Nem acredito que estamos tão próximas!”
A princípio, eu a repreendia. Eu queria receber um pouco de crédito — e sentia que ela me devia mais do que um pequeno agradecimento. Na verdade, eu estava com raiva.
Para ser bem sincera, não sei dizer de quem é essa história. Minha mãe e eu não somos esses seres separados que imaginamos ser. Nossas histórias foram entrelaçadas desde o útero, onde os limites entre mãe e bebê são difíceis de traçar. Naquele lugar secreto, onde Deus teceu minhas entranhas, eu extraía vida e fôlego do corpo da minha mãe, e a saúde dela era a minha saúde. Será que ainda é?
Nos últimos dois anos e meio, tenho recorrido à ciência para decifrar o que está acontecendo com a minha mãe. Fico ansiosa para entender, pois a demência pode muito bem me acometer um dia, uma vez que sou herdeira genética da minha mãe. Quero garantias racionais de que não sucumbirei à doença dela. Mas ainda não encontrei nenhuma.
Um estudo de 2025 da Nature Medicine afirma que, nos EUA, os adultos com mais de 55 anos têm 42% de risco de desenvolver demência ao longo da vida. Um pesquisador disse ao The New York Times que atualmente há 6 milhões de americanos diagnosticados com demência. Em 2060, a previsão é de que esse número seja de 12 milhões.
Aprendi que, apesar de todos os avanços tecnológicos que tivemos na medicina, fizemos pouco progresso no que diz respeito a retardar o avanço da demência e de outras doenças neurodegenerativas.
Embora tenhamos identificado os marcadores genéticos e observado (post-mortem) as placas cerebrais amiloides e os emaranhados de tau, frequentemente característicos de pacientes com Alzheimer, também sabemos que nenhum deles é um fator preditivo garantido da doença. Por exemplo, a hipótese amiloide, que é amplamente aceita, foi questionada mais recentemente pelo repórter científico Charles Piller, em seu livro Doctored: Fraud, Arrogance, and Tragedy in the Quest to Cure Alzheimer’s (Manipulado: Fraude, Arrogância e Tragédia na Busca pela Cura do Alzheimer). Piller relata que fotos de tecido cerebral, que foram inadequadamente tratadas, apareceram pelo menos 80.000 vezes na literatura científica. Isso significa que, por décadas, podemos estar construindo pesquisas sobre um castelo de cartas.
Fico ansiosa com meus próprios esquecimentos, certa de que, nos meus piores dias, qualquer falha de memória é um presságio da minha ruína. Retomo o hábito de tocar piano; pratico exercícios religiosamente; ouço as notícias em francês. Tudo isso é um esforço para evitar a deterioração do funcionamento do córtex superior do meu cérebro, da racionalidade sem a qual é difícil imaginar a existência. Afinal, digo a mim mesma, estudos mostram como hábitos saudáveis podem melhorar o funcionamento cognitivo dos grupos de risco.

Imagino se minha mãe também tentou manter sua memória instável sob controle. Por ser enfermeira de formação, ela já tinha lido literatura médica popular que exaltava os benefícios do mirtilo, do vinho tinto e da atividade física diária. Mas ela nunca me confidenciou se chegou a ter preocupações precoces sobre seu declínio cognitivo.
Certamente o Alzheimer é aquele torto, em Eclesiastes 1.15, que não pode ser endireitado. Não haverá cura para minha mãe deste lado do véu. A escuridão da demência se abate sobre nós, e não podemos penetrá-la.
“Eu tenho Alzheimer?”, minha mãe me perguntou três vezes, no primeiro ano após o seu diagnóstico.
Eu sempre disse a verdade a ela: “Sim, mãe”. Eu respondia com franqueza, por uma questão de dignidade, mesmo que a verdade fosse terrivelmente sombria. Ela chorava, e eu passava o braço em volta dos seus ombros.
Mas, hoje, às vezes, eu disfarço a verdade. E digo a mim mesma que faço isso por ela. Como quando ela me pergunta, de novo: “Quem é esse homem?”, apontando para uma foto que está em cima da mesa. Outra vez.
“Esse é meu irmão, David.”
“Ele ainda está vivo?”
Balanço a cabeça. Seu suicídio aos 25 anos agora está misericordiosamente esquecido.
“Como ele morreu?”, ela pergunta.
“Em um acidente de carro”, respondo, o que é uma verdade parcial.
“Ah”, ela diz com preocupação, mas sem pesar. “Ele era jovem demais para morrer.”
À medida que diminui a capacidade da minha mãe de contar a sua própria história, eu me torno a guardiã das suas memórias, para o bem ou para o mal. E, ao contar a história dela — para você e para os outros —, percebo que posso estar contando também a minha. Se agora imploro a Deus por misericórdia em favor dela, não estarei, ao menos em parte, implorando por misericórdia para mim mesma?
Dos quatro cavaleiros apocalípticos das enfermidades — diabetes, doenças cardíacas, câncer e doenças neurodegenerativas — a demência é o mais temido, afirma Peter Attia, autor de Outlive: The Science and Art of Longevity [Sobreviver: A Ciência e a Arte da Longevidade]. A demência é descrita como um ladrão que rouba a mente, que rouba o “eu”. Attia admite que seus pacientes “preferem morrer de câncer ou de doenças cardíacas a perder a razão, a si mesmos”.
Observo os dias da minha mãe se tornarem cada vez mais confinados; ela passa cada vez mais tempo na cama. Eu estaria mentindo se dissesse que é fácil acreditar no que afirma o teólogo John Swinton: “Vidas afetadas por formas profundas de demência continuam a ter significado e propósito”. Isso soa cegamente idealista diante de algo tão devastador.
Que bem Deus pode ter em mente, para esses dias em que percorremos a curta distância que nos leva do quarto ao banheiro, da sala de jantar à sala de atividades? Que bem Deus pode ter em mente, no fato de minha mãe se esquecer do primeiro e do segundo marido, do filho, dos netos e, ocasionalmente, até de mim?
A história do esquecimento está escrita no desenrolar da vida outrora capaz da minha mãe, embora, de sua parte, ela expresse muito pouco medo desses fios soltos. Depois do nosso almoço costumeiro em minha casa, após a igreja, ligo para a amiga mais antiga da minha mãe e lhe entrego o telefone.
“Olá, mana!”, diz a minha mãe.
Como ela está num bom dia, a conversa dura mais do que o normal. A certa altura, até a ouço agradecer a Deus por sua saúde.
Naquele dia de outubro em que contamos à minha mãe que ela se mudaria para a unidade de cuidados para a memória, a equipe de cuidadores dela e eu “vendemos” a novidade com meias-verdades inteligentes. Há tantas outras atividades para você fazer lá! Você vai conhecer gente nova e maravilhosa! Descrevemos os serviços de “concierge” que em breve estarão disponíveis para ela: lavanderia, limpeza do quarto, manicure semanal.
A princípio, minha mãe ficou perplexa. Nossos esforços para contornar a situação foram, creio eu, em grande parte bem-sucedidos — até que nós duas voltamos ao apartamento dela, horas depois, naquela mesma tarde, e a dura verdade de tudo aquilo veio à tona.
“O que houve?”, pergunto para ela, quando se vira para mim, triste, segurando nas mãos um cabide vazio.
“É tanta mudança ao mesmo tempo”, disse ela. “Por que tudo tem que ficar mudando constantemente?”
Hoje, quando me lembro daquele momento, fico impressionada com o quanto ouço nele um eco das palavras de Jesus a Pedro, prevendo o tipo de morte que o discípulo enfrentaria:
Em verdade lhe digo que, quando você era mais jovem, se vestia e ia para onde queria, mas, quando for velho, estenderá as mãos e outra pessoa o vestirá e o levará para onde você não deseja ir. (João 21.18)
Quando as portas de vidro se fecharam entre nós, e eu saí para ir embora, mais tarde naquele dia, senti-me reconfortada porque, no mínimo, o fim dela é de um tipo que o próprio Jesus conhece.
As perdas decorrentes da demência atingem justamente as capacidades que somos tentados a considerar mais profundamente humanas: nosso falar, nosso pensamento, nossa memória. Em vez de ver isso como uma história totalizante de perdas, porém, o Evangelho nos convida a considerar o bem que floresce no contexto da fraqueza humana.
Por mais que desejássemos que as coisas não fossem assim, não podemos endireitar as linhas tortas das enfermidades humanas. Alguns sofrimentos são inexplicáveis deste lado do eschaton. Mas podemos lembrar que Deus está presente conosco, trabalhando pelo nosso bem, mesmo nas experiências mais profundas de sofrimento que enfrentamos.
Vejo Deus em ação, enquanto minha mãe e eu estamos engajadas em uma tarefa ao mesmo tempo sagrada e humana: ela, na tarefa de morrer, e eu, na tarefa de cuidar dela, para que sua morte não seja uma experiência tão difícil.
A demência, no mínimo, nos lembra do que significa ser humano. Somos criaturas frágeis e finitas. Não podemos existir por conta própria nem nos autossustentar. Dependemos de Deus para viver, mas também somos profundamente dependentes uns dos outros para receber a companhia e o cuidado que nos ajudam tanto a viver quanto a morrer.
Aqueles que estão perdendo a memória estão nos ensinando sobre a necessidade que temos uns dos outros, e aqueles que são como minha mãe, pessoas que cultivaram uma vida inteira de fé profunda em Jesus, estão silenciosamente nos convidando para o caminho dos santos.
Em meio às ruínas da mente da minha mãe, a graça ainda a encontra nos lugares esquecidos. Algumas verdades estão tão profundamente arraigadas que nem mesmo a demência consegue arrancá-las. Cada vez que um hino antigo é cantado na igreja, por exemplo, a voz da minha mãe se junta ao coro de vozes, ao menos por alguns instantes. Mesmo que seu canto de esperança esteja enfraquecido, perdido na terra do esquecimento, Deus ainda a ouve.
Recentemente, quando fui buscar minha mãe para ir à igreja, como costumo fazer todos os domingos, vi um hematoma pequeno e azulado acima do olho dela. Meu primeiro pensamento foi que ela tinha caído — a queda é um dos sintomas da demência. Quando estendi a mão para tocar o hematoma, porém, ele borrou: ela tinha tentado passar sombra colorida nas pálpebras.
Ela não se lembra de ter passado sombra ali. Enquanto eu limpava seu rosto, ela se entregou pacificamente aos meus cuidados. Essa submissão é uma dádiva que não tomo por algo garantido. Eu a recebo e oro por mãos mais gentis. Tendo praticado estar presente ao lado dela, nos últimos dois anos, sou grata por agora poder receber minha mãe como ela é, honrando as melhores lembranças de quem ela um dia foi.
Hoje em dia, quando me inclino para fechar o zíper do casaco da minha mãe, eu me abaixo até o chão e me ajoelho, como ela deve ter feito comigo, quando eu era pequena. Passei a adotar essa postura como uma oração, e recito as palavras de uma liturgia de Every Moment Holy [Cada Momento Santo], Volume II:
Faça com que eu ame com todo coração esta pessoa que sofre. Que eu escolha o amor a cada vez, a cada momento, para que, através de cada pequeno gesto de cuidado e de misericórdia, a prática do amor se torne uma liturgia e um hábito, pelo qual tu estejas formando em mim uma compaixão que não pode ser aprendida de outra forma, a não ser pela entrega de mim mesmo em extenso serviço ao próximo.
Enquanto oro, pinto uma nova visão de minha mãe, de mim mesma e da história que estamos vivendo juntas.
Os genes não são o único legado que a minha mãe me deixou. Lembro-me de como todas as manhãs, na minha infância, eu descia até a cozinha e a encontrava com a cabeça inclinada sobre a Bíblia, em oração. Ela orou fielmente por mim, no tempo em que eu ainda não sabia como orar — um presente de geração para geração, cujo valor é inestimável —; agora, sou eu que oro por ela.
Mesmo que ela tenha se esquecido daquelas manhãs, e mesmo que um dia eu própria também possa vir a esquecê-las, Deus não as esquecerá. E quando ela e eu acordarmos um dia, no novo mundo, Deus enxugará de nossos olhos cada lágrima, à medida que nos lembrarmos de tudo isso.
Esta é a história que ambas estamos vivendo: é trágica, mas não carece de redenção nem de registro. Desde o princípio, antes mesmo de respirarmos pela primeira vez, no livro de Deus foram escritos os dias que foram formados para nós, cada um deles. No fim, a nossa história é dele.
Quão preciosos são os pensamentos de Deus; quão vasta é a soma de suas lembranças. Hoje, saber disso, tanto para mim quanto para minha mãe, é o que me basta.
Jen Pollock Michel é escritora e palestrante. Entre seus livros está In Good Time: 8 Habits for Reimagining Productivity, Resisting Hurry, and Practicing Peace [Em boa hora: 8 hábitos para reimaginar a produtividade, resistir à pressa e praticar a paz].