Pastors

Como pastorear pais de filhos pródigos

No caso de jovens adultos que se afastam da igreja, o papel do pastor não é consertar essas famílias, mas caminhar fielmente com elas em esperança.

CT Pastors July 1, 2025
Source images: Iknuitsin Studio; Pakin Songmor / Getty

O caminhão chacoalhava à medida que passava pelos sulcos no solo, iluminados pelo luar do interior do Texas Panhandle [região no norte do estado do Texas], enquanto a minha mão dançava pelo câmbio, entre as engrenagens das marchas. Minha mente, como acontece na maioria das noites, reprisava a espiral de decadência da minha vida outrora feliz. Eu tinha deixado de dar aulas em um seminário e agora transportava efluentes [águas residuais que contêm poluentes] pelos campos de petróleo. Aposentei meus sapatos sociais engraxados e passei a usar botas com biqueira de aço. Abandonei meus sonhos para viver uma vida desgarrada —que eu havia escolhido, mas da qual agora me arrependia.

Lá estava eu, um filho criado na casa do Pai, que como um tolo decidiu seguir a trilha iniciada pelo filho pródigo rumo a um país distante, a fim de viver — ou melhor, de meramente existir — em um exílio autoimposto da igreja. O cheiro insuportável de diesel e de fracasso me perseguiam.

“No meio da jornada da vida, desviei-me do caminho reto; então, acordei e me vi sozinho numa floresta escura.” Eu poderia ter tatuado essas palavras da abertura do Inferno de Dante no meu peito. Mas, ao contrário de Dante, eu não tinha um Virgílio para me guiar, nem uma Beatriz à minha espera. Tinha apenas as sombras da vergonha e os fantasmas da culpa no encalço dos meus passos, enquanto eu seguia em frente, cambaleante.

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O que eu não enxerguei naquela época — mas enxergo agora — foi a mão invisível do Pai, que ziguezagueava e me empurrava adiante, em um caminho lento, mas constante, obstinadamente me conduzindo em direção à esperança.

A história sobre como me desviei do caminho é tediosa e sem qualquer originalidade, exatamente como o pecado sempre é. O mal é uma imitação do bem com um toque sinistro. Eu não caí; eu mergulhei de cabeça — eu escolhi voluntariamente comer o fruto proibido, colhido da árvore da infidelidade. E destruí meu pequeno Éden formado por um casamento e uma família perfeitos, um emprego ideal como professor, uma carreira em ascensão, um círculo próximo de alunos e colegas, e meu lugar na igreja.

E ali estava eu, um homem amargurado e quebrado, que passava os dias carregando lixo e as noites sentindo aversão por si mesmo.

Mesmo agora, passados 20 anos, lembro-me do padrão previsível das minhas semanas. As segundas-feiras me encontravam com raiva de Deus e amargurado com o mundo. Às quartas-feiras, eu estava sufocando com a desgraça e a culpa. Às sextas-feiras, eu orava por misericórdia com meu hálito de uísque — para que o Senhor me reconciliasse com ele e, então, divinamente pusesse um fim naquela minha vida sombria. E todo domingo era a mesma coisa: um dia em que eu não ousava sequer pisar na igreja. Eu imaginava todos os olhares me julgando. Eu não tinha certeza se Deus era por mim, contra mim ou, pior ainda, se ele era indiferente.

Cada um que se afasta da igreja tem sua história para contar. Esta é a minha.

É uma história dolorosa, mas não é tão rara assim. Meus pais viveram isso. Talvez você esteja vivendo isso também. É ainda mais provável que haja pais em sua congregação vivendo isso.

Como pastor, não preciso dizer o quanto essa história é comum entre os pais que se sentam nos bancos de uma igreja. Você certamente já se sentou com pais cujos corações estão pesados ​​com o silêncio dos filhos. Já orou com mães que carregam o fardo do anseio espiritual por suas filhas. Já assistiu, sem saber o que fazer, a avós chorando a perda de seu amado neto ou neta que se afastou da comunidade da fé. Você já ouviu perguntas como estas, por trás das lágrimas: Onde erramos? Nós forçamos demais — ou de menos nosso(a) filho(a)? O que poderíamos ter feito diferente? O que podemos fazer agora?

Algumas dessas perguntas vêm carregadas de culpa. Outras transbordam impotência. Mas, por trás de todas elas, está um pai ou uma mãe que um dia embalou um filho nos braços, orou por seu batismo e imaginou um futuro em que adorariam lado a lado na igreja. Esse parece agora um sonho impossivelmente distante. E, como pastor deles, você é chamado não para solucionar essa dor, mas para caminhar com eles, fielmente, pela dor.

Nos Estados Unidos, tem se tornado cada vez mais comum ver pais e mães lutando com essas perguntas. Como Jim Davis, Michael Graham e Ryan P. Burge deixam claro em The Great Dechurching [O Grande Desigrejamento], estamos no meio de um êxodo amplo e sem precedentes de pessoas saindo da igreja. Estamos falando de 40 milhões de pessoas. Eles chamam isso de “a maior e mais rápida mudança religiosa da história dos EUA”. Mas, para muitos pais, esse número não é só uma estatística. Ele tem o rosto de seu filho ou de sua filha.

Eu me desligei da igreja antes mesmo de o verbo “desligar” entrar no vocabulário cristão. Meus motivos eram numerosos e emocionalmente complexos. Mas, no topo da lista, estava a desilusão com a liderança da igreja. Lembro-me de um líder denominacional enviando um e-mail para “avisar” os pastores de certa região que eu estava morando na área deles, como se minha participação em um culto, em busca de ajuda e perdão, fosse de alguma forma uma ameaça.

Minha experiência, também vivida por muitos que estão se desligando hoje, é esta: a igreja muitas vezes se parece cada vez menos com um lugar que acolhe as falhas do pecado em uma comunidade de graça, e cada vez mais com um tribunal de pessoas que classificam alguns pecados e os consideram “piores” do que aqueles que elas mesmas cometem. Como se a Bíblia dissesse: “Pois todos pecaram… mas vocês [pecaram] mais do que eu”.

Você provavelmente já ouviu histórias de frustração semelhantes de pais de sua congregação. Muitos pais e mães têm filhos que não mais professam a fé cristã. Alguns ainda creem, mas não frequentam mais a igreja. Outros são cautelosos, pois foram feridos e estão relutantes em se envolver novamente na vida de uma congregação. Seus motivos variam e vão desde o fato de a igreja ter se aproximado de determinadas tribos políticas até a desilusão com questões como os ensinamentos da igreja sobre sexualidade. Não há uma narrativa única que se aplique a todos.

No entanto, é importante entender que a culpa não pode ser carregada só por um dos lados envolvido na história. Os pais podem assumir parte da culpa? Sim, especialmente se adotaram uma abordagem à fé que era legalista e destituída do verdadeiro evangelho, que retratava Jesus mais como um capataz do que como um Salvador, como se ele dissesse: “Vinde a mim todos os que estais cansados ​​e sobrecarregados, e eu vos sobrecarregarei com mais fardos”. Os pastores podem ser culpados? Sim, se escolheram falar a verdade, mas não em amor, ou se escolheram amar, mas não falar a verdade — fomentando um cristianismo sem compaixão ou uma espiritualidade superficial.

Os jovens e adultos que se afastam da igreja podem ser culpados? É claro, pois, qualquer que seja o motivo ou a desculpa deles, seja compreensível ou não, nunca há uma causa que justifique dar as costas a Cristo e à sua igreja. Quando Paulo escreveu aos crentes da igreja em Corinto, assolada por escândalos, ele nunca os aconselhou a abandonarem a igreja. Jesus, em suas cartas ditadas às sete igrejas do Apocalipse, as repreendeu, mas nunca aconselhou que saíssem delas. A igreja disfuncional não é uma invenção do século 21.

Levei anos para enxergar isso claramente. Na minha autobiografia espiritual, Night Driving: Notes from a Prodigal Soul [Dirigindo à noite: notas de uma alma pródiga], descrevo como o Espírito finalmente me reconduziu à igreja, quando “enfim aceitei um fato humilhante e que me trouxe sobriedade: a igreja me acha tão pouco atraente quanto eu a acho”. A igreja tem problemas? Claro que tem. Eu tenho problemas? Pode apostar que sim, e muitos! Existe uma infinidade de fraquezas desagradáveis ​​na vida das congregações e de seus pastores? Sabemos que existem. E toda essa feiura, essa mesquinharia, esse egoísmo e essa postura se refletem na minha própria alma maculada por vícios.

A igreja está cheia de pecadores. Por essa razão, é somente pela graça de Cristo que eu pertenço a ela.

Meu pai, Carson, faleceu em 2022; mas me alegro por ele ter vivido para me ver retornar, a passos relutantes, ao povo de Cristo, que adora e ora. Minha mãe, Jeanette, também estava lá. Se pudessem conversar com outros pais que enfrentam essa luta e que viram seus filhos deixar a igreja, tenho certeza de que, em meio às lágrimas, concordariam [em muitos pontos], como quem sabe o que esses pais estão vivendo. Eles já passaram por isso.

Se você está pastoreando pais que agora estão passando por isso, que se encontram nesse lugar indesejável de ansiedade e culpa, incertos sobre como orar ou o que dizer, faça com que eles se lembrem disto: o Senhor não os abandonou sem orientação e sem esperança.

Primeiramente, se esses pais se sentem responsáveis pelo afastamento do filho ou da filha, eles precisam ouvir esta bela verdade: Jesus já pagou integralmente por esse fracasso. Eles não podem expiar nada carregando essa vergonha. O evangelho não é para pais que não têm pecados ​​— como se eles existissem! — mas sim para todos nós que trilhamos nosso caminho como pais imperfeitos, mas que somos perfeitamente amados por nosso Pai Celestial.

Incentive-os também, pois sua fidelidade silenciosa importa muito. Meus pais não ficavam brigando para me convencer a voltar para a igreja. Eles não eram daqueles que ficavam sempre citando o evangelho e abrindo a Bíblia; eles também não me julgavam. Eles não me culpavam nem me pressionavam. Eles simplesmente continuaram caminhando com Deus. Continuaram indo à igreja. E continuaram me amando e orando por mim. Seu testemunho constante e silencioso foi um sermão cheio de graça, que plantou sementes no solo do meu coração.

Muitos pais se sentirão, às vezes, mais abandonados do que amados por Deus. Esse sentimento traz dor, mas também é normal. Os Salmos expressam essa angústia:

Até quando, Senhor? Para sempre te esquecerás de mim?

Até quando esconderás de mim o teu rosto?

Até quando terei inquietações no íntimo

e tristeza no coração dia após dia?

Até quando o meu inimigo triunfará sobre mim?

Salmos 13.1-2

Por quatro vezes, o salmista clama: “Até quando?” E, no entanto, mesmo naquilo que parece ser um total silêncio, Deus está plenamente presente, sustentando e amando seus filhos.

Lembre esses pais de que nosso Pai Celestial ama nossos filhos e filhas mais do que nós mesmos amamos. Como o Senhor declara em Isaías 49, mesmo que uma mãe se esqueça do próprio filho, Ele não se esquecerá dos seus. Seus filhos não são esquecidos por Jesus. Ele não se esquece, nem pode esquecer, aqueles por quem derramou seu sangue, em amor.

Jesus não sai por aí quebrando o caniço ferido nem apagando o pavio fumegante. Ele cuida dos seus filhos. Ele vai atrás dos perdidos. Como expressa o verbo em hebraico, usado em Salmos 23.6: “Certamente a bondade e a misericórdia me seguirão [radaf] todos os dias da minha vida”. Não é assim tão fácil se afastar de Jesus. Mesmo que seu filho tenha apenas uma fé minúscula, mesmo essa pouca fé contém em si Cristo por completo. A salvação não vem em frações.

Se esse jovem que abandonou a igreja foi batizado, é preciso lembrar de uma coisa: aquela água do batismo ainda fala. “Portanto, fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também vivamos uma vida nova” (Romanos 6.4).

Hoje ando em novidade de vida. Essa é a minha história. Deus me encontrou quando eu ainda estava bem distante. Ele me viu e sentiu compaixão, correu, me abraçou e me trouxe de volta para casa. Ele restaurou minha alma e, somando graça sobre graça, vários anos depois, me deu um novo propósito no ministério, conectando-me à 1517, uma organização cristã sem fins lucrativos onde agora sirvo como acadêmico residente. E mesmo nas fases mais cruéis da vida — quando meu filho Luke, de 21 anos, morreu, ou nas duas batalhas contra o câncer da minha esposa — ainda andamos em novidade de vida, porque andamos na vida sempre nova e imortal de Jesus.

Esta é a vida na igreja, no corpo de Cristo. Uma vida em que pais encorajam outros pais que aguardam o retorno de seus filhos. Uma vida em que pastores pastoreiam aqueles que esperam. E todos nós somos sustentados pela mesma esperança inabalável: Jesus nunca abandonará a nós nem a nossos filhos.

Chad Bird é acadêmico residente na organização 1517 e coapresentador do podcast 40 Minutes in the Old Testament [40 minutos no Antigo Testamento]. Ele também é autor de vários livros, entre eles “Hitchhiking with Prophets: A Ride through the Salvation Story of the Old Testament” [Pegando Carona com Profetas: Uma Viagem pela História da Salvação do Antigo Testamento].

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