O abismo crescente entre o cristianismo casual e o discipulado comprometido é o maior desafio da igreja hoje e também a sua maior oportunidade. Embora nossas congregações tenham sucesso em atrair fiéis, muitas vezes lutamos para cultivar seguidores maduros, que sejam capazes de transitar por este mundo complexo com sabedoria bíblica. Esse abismo entre a mera frequência à igreja e o discipulado ativo ameaça nosso testemunho atual, e também a nossa capacidade de oferecer esperança a um mundo que busca desesperadamente a verdade.
O desafio urgente do discipulado
Os pilares tradicionais da formação espiritual — frequentar regularmente à igreja, ter ritmo [consistência] na oração, aprofundar-se nas Escrituras e viver para a glória de Deus e para o bem do próximo — perderam seu lugar central na vida de muitos crentes. Essa base espiritual enfraquecida deixa os cristãos mal preparados para abordar com sabedoria bíblica as complexas questões atuais sobre gênero, identidade, justiça social e verdade.
O teólogo croata Miroslav Volf capta isso de forma magnífica:
À medida que viaja no tempo e no espaço, a fé cristã precisa de realinhamentos regulares com sua própria verdade mais profunda; tais realinhamentos são chamados de reformas. Os cristãos também, e não apenas as suas convicções, precisarão se realinhar continuamente com versões autênticas de sua fé; esses realinhamentos são chamados de renovações. Exorto-nos, como cristãos, a reformar e a renovar nossa fé, para que possamos viver vidas dignas da vocação para a qual fomos chamados. Se não o fizermos, a fé cristã poderá se tornar uma maldição para o mundo, em vez de uma fonte de bênçãos. (Flourishing, 2016)
Com a aceleração das mudanças sociais, os antigos fundamentos da formação espiritual, como a educação cristã apoiada pela igreja e pela comunidade, têm perdido influência. Pesquisas mostram que muitos crentes estão desinteressados ou se sentem ocupados demais para se envolver em práticas espirituais que antes moldavam sua fé. Essa realidade pode ser desanimadora para líderes cristãos que dedicam o coração à criação de espaços e oportunidades de crescimento e, logo em seguida, percebem que essas iniciativas foram ignoradas ou subutilizadas.
Muitas igrejas abandonaram programas como Escola Dominical, Escola Bíblica de Férias, cultos no meio da semana ou estudos bíblicos mais profundos. A oração muitas vezes se torna um esforço sazonal, em vez de uma conversa constante com nosso Pai. Um estudo recente do Barna Group revelou que 62% dos cristãos que não estão interessados no discipulado afirmam que tal atividade exigiria um compromisso excessivo de tempo. Se nós, como crentes, não tivermos o compromisso de investir em nossa fé, que futuro nos aguarda? Que tipo de testemunhas nos tornaremos para o mundo que nos observa?
Como uma árvore que precisa de raízes profundas e frutos visíveis, a fé cristã requer convicções inabaláveis e sua expressão autêntica na vida diária. Uma coisa sem a outra nos deixa incompletos e ineficazes, pessoas que têm uma performance cristã, mas não praticam o cristianismo.
Compreendendo o discipulado passivo: o padrão da zona de conforto
O discipulado passivo acontece quando o crescimento espiritual ocorre indiretamente, por meio da simples exposição a comunidades, práticas e ensinamentos cristãos. Pense nisso como um crescimento espiritual por osmose — frequentar cultos dominicais, servir em equipes ministeriais ou participar de pequenos grupos, na expectativa de que a maturidade virá com o tempo. Embora essas atividades criem oportunidades valiosas para crescermos na fé, elas são apenas o começo do verdadeiro discipulado.
O crescimento real requer passos mais intencionais, como um engajamento ativo com as Escrituras, a prática de disciplinas espirituais e a busca por conexões autênticas nas comunidades onde esperamos ser desafiados e crescer. Quando compreendemos essa progressão, podemos pastorear melhor os crentes para além dos muros da igreja, transformando a frequência dominical em discipulado diário.
Muitos líderes cristãos, sem saber, acomodaram-se nessa abordagem passiva, confundindo presença com participação, e comunhão com formação. Embora pequenos grupos, estudos de livros ou grupos por afinidade sirvam a propósitos importantes, sozinhos eles não são capazes de produzir automaticamente discípulos maduros. Enquanto a evangelização convida as pessoas a crerem, o discipulado transforma tanto a convicção quanto o caráter, cultivando crentes que vivam os ensinamentos de Cristo em todas as esferas da vida.
O poder do discipulado ativo: vivendo a Grande Comissão
Como é o discipulado ativo? Encontramos seu modelo na Grande Comissão de Jesus:
Então, Jesus se aproximou deles e lhes disse:
― Toda a autoridade me foi dada nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando‑os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando‑os a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos. (Mateus 28.18-20, NVI)
A Grande Comissão revela o discipulado como um processo abrangente: começa com a evangelização, mas se estende à nutrição contínua e à aplicação prática das verdades do evangelho na vida diária.
No cerne do discipulado ativo estão três práticas essenciais:
- Responsabilidade pessoal: Os crentes devem, graciosamente, manter uns aos outros responsáveis por viverem de acordo com os ensinamentos das Escrituras. Essa responsabilização não deve ser punitiva, mas sim algo que ofereça apoio e nutrição. Hebreus 10.25 destaca que fazer parte de uma congregação que crê na Bíblia é crucial para o nosso crescimento. Ela fornece uma estrutura para que os indivíduos se reúnam, adorem e aprendam juntos, ao mesmo tempo em que promove um senso de comunidade e de pertencimento.
- Estudo regular das Escrituras: Essa prática floresce em espaços onde várias gerações se reúnem. Criamos um terreno fértil para o desenvolvimento espiritual, quando construímos um ecossistema saudável, no qual crentes mais experientes e novos cristãos trocam experiências — um padrão sagrado que as igrejas devem nutrir intencionalmente.
- Responsabilidade mútua: Como uma rede de segurança espiritual, a responsabilidade serve de amparo para os crentes, quando eles tropeçam. É a resposta ao mandamento das Escrituras de carregarmos os fardos uns dos outros (Gálatas 6.1-2) e confessarmos nossos pecados com humildade (Tiago 5.16). Quando criamos essa cultura de transparência, as pessoas se sentem mais seguras para expressar suas lutas e para receber orientações marcadas pela graça para sua cura e crescimento.
Construindo uma cultura de discipulado ativo
Para além do impacto inicial do evangelismo, o discipulado intencional e ativo cria crentes maduros, que vivem o evangelho no dia a dia. Por meio da formação espiritual intencional, desenvolvemos discípulos autênticos que demonstram — e não apenas falam sobre — o poder transformador do evangelho.
O Dr. Scot McKnight capta a essência da nossa missão, em seu livro A Fellowship of Differents [Uma Irmandade de Diferentes]: “O propósito da igreja é ser o Reino no mundo atual, e a vida cristã consiste em aprender a viver essa realidade do Reino aqui e agora”. Suas palavras nos convidam a ver a igreja não apenas como um lugar que frequentamos, mas como um povo ao qual pertencemos — um reflexo vivo e pulsante do Reino de Deus aqui na Terra.
O impacto do Reino
A declaração de Jesus, em Mateus 5, de que somos “a luz do mundo” encontra sua expressão máxima por meio do discipulado ativo. À medida que o Espírito santifica nossas igrejas, essa luz irradia para fora, transformando famílias, locais de trabalho e comunidades.
Esta é a beleza da igreja: não fazemos isso sozinhos. Juntos, crescemos e nos tornamos o povo que Deus nos criou para ser, caminhando lado a lado, enquanto aprendemos a amar, a servir e a refletir Jesus para o mundo. Isso não é apenas trabalho da igreja — é trabalho do Reino, que molda o presente e o futuro do testemunho cristão.
Corey L. Gaston é um estrategista de mudança organizacional que serve igrejas e líderes ministeriais há mais de duas décadas. Ele também atua como diretor da Concord Academy e professor adjunto na Southeastern University.