“Vá para o mundo real”. Esse é o comentário que os usuários de redes sociais costumam fazer, quando querem enfatizar o quanto a opinião de alguém está fora de sintonia com o mundo de hoje. Apague sua tela, saia de casa e respire um pouco de realidade. É bem provável que sentir um sopro de céu azul e a grama sob os pés possa curar você dessa radicalização provocada pela Internet.
Recentemente, escutei uma versão deste conselho direcionada para a vida amorosa. Pertenço a uma geração que tem números recordes de pessoas que não se casaram, pessoas cujos relacionamentos românticos e sexuais são iniciados principalmente através de aplicativos. Apesar de não podermos presumir que cada um dos indivíduos da minha geração esteja insatisfeito com esse estado de coisas, existe um número significativo de pessoas que anseiam por uma alternativa a essa rápida seleção de pretendentes apenas por fotos (e umas poucas informações pessoais).
Talvez você já tenha visto aquele gráfico que viralizou. Ele mostra que, há quinze anos, as paqueras e os flertes online se tornaram a principal forma como os casais se conhecem nos Estados Unidos. Inclusive, hoje, é mais provável que os casais se conheçam em sites de relacionamentos do que de qualquer outra forma (por exemplo, no trabalho, na faculdade, por meio da família, de amigos, na vizinhança ou em bares e restaurantes).
Os apps [de relacionamento] se parecem cada vez mais com uma experiência de compra na Amazon. Encontramos uma quantidade imensa de opções preocupantes, pois nenhuma delas parece ser realmente boa — e, mesmo assim, o namoro online é uma faceta inevitável da vida moderna, o que coloca a nossa felicidade nas mãos de empresas com fins lucrativos, as quais não têm nossos interesses pessoais como fim último de suas ações.
Daí surgiu a recomendação: “Saia de casa!”. Este simples conselho é o novo mantra do discurso dos influencers. Ele dá uma sensação de alívio. Saia do celular e conheça alguém lá fora, no “mundo real”.
Estou animada com essa proposta de virarmos as costas para o Tinder. E concordo com ela. Eu adoro “sair de casa”. Moro no Havaí, e minha rotina semanal inclui aulas de hula [dança havaiana], caminhadas na cordilheira de Oahu e um grupo de corrida. Eu sou uma pessoa naturalmente extrovertida. Mas também preciso confessar: não sou um case de sucesso. Há cerca de quinze anos, tenho incluído em minha agenda atividades físicas, outras ligadas a artes e jantares com amigos. Nenhuma dessas atividades me levou ao casamento, nem mesmo a algum relacionamento sério que apontasse nessa direção.
Se, para encontrar um parceiro, for preciso ser voluntária em um sopão, entrar para um time de kickball [esporte parecido com o baseball] ou trabalhar no berçário da igreja, é só me pedir que eu estou pronta!
No entanto, também estou consciente de que construir relacionamentos, sejam eles românticos ou não, não é fácil como se juntar a um clube de leitura e acrescentar mais um compromisso à agenda. Assim como, nas últimas décadas, mudou a maneira que a conquista romântica se dá, também mudou completamente nosso estilo de vida. Decisões aparentemente inocentes — como comprar um sistema de entretenimento de qualidade para casa; optar por pedir comida, em vez de comer fora; e fazer a compra de supermercado online — hoje significam, especialmente para os solteiros, que estamos nos tornando indivíduos cada vez mais sozinhos, e não apenas nos sábados à noite, quando poderíamos estar em um bar com amigos, mas também em todos os outros dias da semana.
Essa solidão não afetou todos os relacionamentos, segundo afirma Derek Thompson em seu artigo sobre “a era antissocial” para a Atlantic [revista estadunidense]. Graças à Internet e a milhares de formas de enviar mensagens, hoje as famílias se comunicam muito mais. Também nos comunicamos com grupos de pessoas que gostam das mesmas coisas que gostamos, aos quais não tínhamos acesso antes do surgimento da Internet. Isso pode significar fazer parte de um grupo no Facebook de fãs de uma série ou twittar sobre um evento esportivo em tempo real.
No entanto, a priorização da conveniência e a perda do espaço tridimensional significam que estamos mais isolados, mesmo quando decidimos “sair de casa”. Vemos o custo disso nos relacionamentos com nossos vizinhos, com aqueles que trabalham em locais perto de casa, com os atendentes e garçons do restaurante mais próximo, pois essas questões “causam estragos no círculo intermediário desses relacionamentos que temos com ‘pessoas conhecidas, mas não íntimas’ que vivem à nossa volta”.
Thompson argumenta que o enfraquecimento desses relacionamentos tem contribuído para a polarização política que vivemos hoje. E é muito claro para mim que nossa antissociabilidade também impacta nossa “cultura da paquera”, e de formas tão profundas que nenhuma lista de dicas de algum influencer consegue resolver.
Essa mudança de paradigma rumo a uma solitude digitalmente mediada apresenta uma tensão particular para cristãos, para quem o milagre da encarnação ocupa o centro do palco. Ao longo de todo o Antigo Testamento, Deus dialoga com os seres humanos: acompanhamos seu confronto com Adão e Eva, em Gênesis 3; suas muitas conversas com Moisés; o vai e vem de gracejos e lamentos expressos pelos profetas maiores e menores.
Jesus, porém, não nos é apresentado por meio de uma série de mensagens. Ele vem fisicamente, em carne e osso, como um bebê. Deus compartilha refeições, passa tempo com crianças e, em um casamento, transforma água em vinho.
Muitos de nós aprendemos a nos sentir socialmente saciados com uma dieta recheada de textos e vídeos, distrações nas mídias sociais e notificações. Esses ímpetos de comunicação às vezes funcionam: basta você se lembrar daquele meme que apareceu no timing perfeito! Mas a maioria dos relacionamentos acabarão morrendo, se não tivermos interações no mundo real, de carne e osso, e os novos relacionamentos não poderão amadurecer, se não saírem das telas. Isso é algo que importa não apenas para a nossa vida amorosa, mas também para o nosso testemunho cristão.
Jesus ordenou: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas” (Marcos 16.15). Suas últimas palavras, antes da ascensão, ecoam a tarefa dada por ele mais cedo em seu ministério, quando ele enviou os discípulos em duplas. Saiam de casa ou “vão pelo mundo” talvez não seja uma solução rápida para os nossos relacionamentos românticos. Porém, parece ser um passo inegociável para aqueles que realmente querem viver sua fé.
Optar por construir uma vida alicerçada em conveniências, como entregas na porta de casa, pornografia online e filmes nas plataformas de streaming, é algo que nos separa do mundo que Deus ama e das pessoas que Jesus veio salvar. Viver uma vida cercada por essas comodidades também nos desencoraja de assumir riscos relacionais, seja nos apresentando aos nossos vizinhos, depois de tê-los ignorado por oito meses, seja nos aproximando de alguém para pedir o número do seu celular.
Alguns anos atrás, pedi no meu cartão de Natal para que meus amigos me apresentassem a alguém. Mandei o cartão para pessoas em vários países do mundo — mas ninguém atendeu ao meu pedido. Escrevo isso para dizer que estou mais perdida do que nunca, quando se trata de encontrar a “minha cara metade”.
No entanto, Deus fez o mundo em que vivemos e disse que ele era “bom”. Portanto, vamos abrir a porta e sair de casa.
Morgan Lee é gerente editorial da Christianity Today Global.