O advento é um tempo em que a igreja se prepara para celebrar a dádiva de uma nova vida: Jesus, o Deus que se fez carne, nascido de uma virgem, deitado em uma manjedoura. No entanto, em uma horrenda reviravolta, a temporada do advento em 2024 começou com a eutanásia mais uma vez nos noticiários.
No final de novembro, os legisladores britânicos aprovaram que o projeto de lei para “adultos com doenças terminais (fim de vida)” fosse em frente, ainda que por uma margem estreita de votos: 330 a favor e 275 contra. A Austrália e alguns estados dos Estados Unidos já possuem leis similares em vigor, enquanto o programa de assistência médica para morrer do Canada (MAID program) já se tornou a quinta causa de morte no país. No Canadá, assim como na Holanda, aqueles que procuram, escolhem ou concordam com a “morte assistida” não precisam ser idosos nem ter uma doença terminal. Até mesmo pessoas jovens com transtornos mentais foram mortas dessa maneira.
Esses programas levantam questões morais, teológicas e políticas para os cristãos, embora muitas delas sejam facilmente respondidas: cristãos se opõem à eutanásia.
O ensino moral da igreja sempre sustentou que o assassinato — definido como o ato intencional de tirar a vida de um inocente — é algo intrinsecamente mau. Segue-se que, ter ativamente a intenção de matar um ser humano idoso ou doente e, assim, deliberadamente acarretar sua morte — por meio de alguma ação positiva, como a administração de medicamentos — é sempre moralmente errado, em qualquer lugar.
Esse argumento ético é muito similar ao que os cristãos usam para o aborto. Podemos modificar a frase frequentemente citada do Dr. Seuss — “Uma pessoa é uma pessoa não importa quão pequena ela seja” —, substituindo “pequena” por idosa ou doente (outras substituições que possam ser sugeridas seriam: adjetivos como inteligente, capaz, sexuada ou outros adjetivos relacionados à cor da pele.) Com toda certeza, existem diferenças relevantes entre a eutanásia ativa e, por exemplo, a remoção de uma pessoa com morte cerebral dos aparelhos de suporte à vida. No entanto, não existem diferenças entre administrar drogas fatais e oferecer ou prescrever essas drogas: as duas coisas facilitam diretamente a intenção de matar um paciente sob os cuidados de um médico.
Os cristãos não estão sozinhos na valorização da vida; muitos judeus, muçulmanos e outras pessoas de boa vontade também afirmam o valor intrínseco da vida humana. Mas há uma convicção distintamente cristã em ação aqui, que é fundamental para a nossa fé: todo ser humano, desde a concepção até a morte, foi criado por Deus, é amado por ele e está sob a sua proteção.
Essa alegação de que a vida humana inocente é inviolável não é uma alegação primariamente sobre nós, seres humanos, mas sim sobre o nosso Criador. Assassinar (ou torturar ou escravizar, como entendia o pai da igreja Gregório de Nissa, já no quarto século) é violar sem autoridade, é conceder direitos a quem não os tem. É desdizer, em relação a um semelhante, o que Deus disse sobre a criação ser “muito boa”; é rejeitar e desprezar um homem ou uma mulher que o Senhor trouxe à existência e por quem Cristo morreu. A inviolabilidade resulta da nossa criação à imagem de Deus.
Diferentemente de muitos tópicos na teologia e na ética, a eutanásia não é uma questão sobre a qual a igreja tem sido ambígua. Não houve nenhum concílio da igreja para debater essa questão de tirar a vida de um inocente. Não foram necessários séculos de conflito para decidir isso. Pelo contrário, desde o início, os cristãos são conhecidos por rejeitarem de forma inflexível o desrespeito pagão pelos que eram rejeitados por suas famílias ou considerados inúteis para a sociedade — nascituros e recém-nascidos, pessoas com deficiências e idosos.
Nossos semelhantes notaram isso imediatamente: na recusa de classificar qualquer ser humano como alguém sem valor, os cristãos eram diferentes. Eles não expunham suas filhas pequenas ao abandono. Eles cuidavam dos órfãos e das viúvas. E aplicavam esse princípio a todos, não somente aos outros, mas também a si mesmos, o que significa a rejeição do suicídio também, como uma espécie de assassinato.
O que nos traz de volta à eutanásia, na qual, em países como o Canadá, a história que predomina não é a morte forçada, mas sim a morte feita a pedido do próprio paciente. O instinto da nossa cultura é dizer que esse tipo de suicídio não é o mesmo que assassinato, que a “morte com dignidade” é direito de todo ser autônomo. Embora esse instinto seja compreensível, ele também é errado.
Assim como a vida de outra pessoa, a minha vida também não é mais minha para eu dar um fim nela. É bem verdade que, de várias maneiras, a minha vida é “minha”. Mas em um sentido crucial — e no sentido mais importante — ela não pertence a mim. Como o Catecismo de Heidelberg coloca, não pertenço a mim mesmo, mas pertenço, em corpo e alma, ao Senhor que me amou e se entregou por mim (Gálatas 2.20). Nas palavras de Paulo, eu fui comprado por um preço (1Coríntios 6.20), e só posso retribuí-lo com gratidão, obediência e amor recíproco.
Para os cristãos, portanto, a autonomia, do modo como a nossa cultura a entende, não é uma variável relevante na equação moral da eutanásia. Isso continua a ser verdade mesmo quando a vida em questão é marcada pela dor ou pela probabilidade de ser breve. Nós simplesmente não temos a autoridade sobre qualquer pessoa, inclusive sobre nós mesmos, para “acabar com esse sofrimento” — uma frase que motivadamente reservamos para os animais. Essa autoridade pertence somente a Deus. Existem razões legais, culturais e políticas para resistir à lógica da eutanásia, mas, acima de tudo, os cristãos são chamados a perseverar nas tribulações, unindo nosso sofrimento à paixão de Cristo, que levou nossos pecados na cruz, deixando-nos um exemplo para seguirmos os seus passos (1Pedro 2.21,24).
Em Cristo, e na vida de todos os necessitados e aflitos a quem ele ministrou, nós vemos que toda vida humana, não importa a sua saúde relativa ou a condição em que se encontra, é preciosa para o Senhor. Honramos o amor de Deus honrando todas as vidas, justamente em seu sofrimento.
Por certo que os cristãos querem amenizar o sofrimento. Mas se algo sabemos, é que nenhum conjunto de diretrizes, nenhuma descoberta e nenhuma tecnologia pode derrotar a morte. Como o teólogo Stanley Hauerwas gosta de dizer, não há como sair vivo da vida. Escolher a hora e o meio que morreremos é uma forma particularmente sedutora de simular a derrota da morte. Mas somente Cristo é vitorioso sobre esse “último inimigo” (1Corínrios 15.26).
Se, entretanto, essa questão ética da eutanásia está clara dentro da igreja, ela se torna mais complicada quando nos voltamos para as leis e as políticas públicas. A militância e voto cristão podem influenciar as leis que regem as práticas médicas; mas também vivemos em uma sociedade pluralista e secular, na qual nossas crenças e práticas não são as únicas influências e nem mesmo as mais predominantes. Mesmo que nossa ética não se mostre como a mais persuasiva para aqueles que não compartilham da nossa fé, devemos, ainda assim, lutar para impedir que a eutanásia se torne permitida por lei ou aceita socialmente. Por quê?
As duas coisas — leis e normas — estão relacionadas. Mesmo com as leis que dão “direito à morte” entrando em vigor por todo o mundo ocidental, poucos as defenderiam com um apelo ousado à falta de valor das vidas de deficientes e idosos. Ninguém quer dizer em voz alta que pessoas idosas ou muito doentes devem ir em frente e morrer de uma vez. Mas essa é a mensagem dessas leis.
Além do ultraje de encarregar médicos de violarem seu juramento de Hipócrates — ou de algo ainda pior, isto é, a distorção orwelliana que descreve o ato de matar pacientes como “ajudá-los” a aliviar a sua dor —, as implicações sociais são inegáveis. Se estou doente e um médico me apresentar três opções, sendo uma delas a minha própria morte, de repente o suicídio se torna uma opção real de uma forma que provavelmente não era antes.
Essa é uma razão pela qual nós, como cristãos, estamos certos em defender os vulneráveis, mesmo que falhemos em persuadir a maioria. E essa tarefa continuará, quer essas leis entrem em vigor ou não onde vivemos. A igreja rejeita a visão escandinava de um mundo “curado” de crianças com síndrome de Down. E igualmente rejeitamos um mundo “livre” de idosos, de feridos ou de solitários. Queremos que essas pessoas vivam.
E não devemos um pedido de desculpas a ninguém por dizer isso; mas, sim, devemos àqueles que o mundo desvaloriza o nosso cuidado continuado e custoso. Com o suicídio medicamente assistido sobre a mesa, os vulneráveis estão fadados a se perguntar: “O mundo seria melhor sem mim? Sou um peso para a minha família ou, talvez, para a sociedade? Meu sacrifício beneficiaria um sistema de bem-estar social que já está no seu limite?”. Afinal, algumas vítimas do MAID disseram ter “escolhido” essa via porque não possuíam dinheiro para moradia ou para tratamento adequado. (Abordagens cristãs a medicina, seguro e doações são relevantes aqui. Para que o leitor entenda.)
Em síntese, servimos melhor o mundo não somente sendo um exemplo de vida que aceita a morte como um fato — ainda que não aceitemos seu caráter definitivo —, mas também quando encorajamos as pessoas a viverem plenamente, até que seu tempo acabe. Fazemos isso por meio de normas e leis, mas, acima de tudo, fazemos isso quando servimos e amamos os aflitos e vulneráveis, mostrando-lhes, por nossas palavras e ações, que a vida deles tem valor e é digna de ser vivida até o fim. Uma pessoa é uma pessoa não importa o quanto seja idosa, doente ou esteja sofrendo.
E, se essas pessoas são fardos, nós devemos levá-los e carregá-los junto com elas (Gálatas 6.2; Efésios 4.2). Como Gilbert Meilaender, especialista em ética cristã, colocou no título de um ensaio escrito em 2010: “Quero ser um fardo para meus entes queridos”.
A verdade é que somos fardos desde o momento em que nascemos. Não tem como fugir disso. Não existe vida sem fardos, sem preocupações. Querer inventar uma vida assim é livrar o mundo de pessoas que são fardos. Não se trata tanto de acabar com o sofrimento, mas sim de acabar com as pessoas que sofrem.
Isso não é amável nem belo, não é digno nem altruísta. Durante a época do Natal, isso poderia ser apropriadamente rotulado como ser um Scrooge. Como você deve se lembrar, foi Ebenezer Scrooge, aquele “velho pecador sovina” que, referindo-se aos necessitados de Londres, que preferiam morrer a ir para um abrigo para pobres, disse: “Se eles preferem morrer… que morram e diminuam o excedente populacional.”
Conversa fiada! A igreja sabe bem disso. O jugo da lei de Cristo nos chama a convidar os fardos do mundo para o nosso meio, para que ali possam encontrar vida, alegria e solidariedade. Citando Hauerwas novamente: “Se daqui há centenas de anos, os cristãos forem identificados como pessoas que não matam suas crianças nem seus idosos, nós teremos feito um bom trabalho.”
O ônus aqui não está sobre aqueles que morrem por meio da eutanásia legalizada. Mesmo que requisitem esse tipo de morte, eles são vítimas do sistema. O problema é o regime, que é proveniente de todo um sistema cultural. Em outras palavras, o ônus da mudança recai sobre o restante de nós. A igreja precisa, por meio do poder do Espírito, ser uma comunidade que cuida dos enfermos, dos depressivos, dos solitários e dos idosos. As leis são apenas uma solução paliativa. O que precisamos é de uma cultura de vida para confundir a cultura de morte. Nós dizemos sim para a vida no dia de amanhã dizendo não para a morte hoje.
Brad East é professor associado de teologia na Universidade Cristã de Abilene. Ele é o autor de quatro livros, entre eles The Church: A Guide to the People of God (“A igreja: Um guia para o povo de Deus”) e Letters to a Future Saint. (“Cartas para um futuro santo”).
Tradução: Bianca Lima Silva