Emily Hubbard relembra uma tendência no discipulado de mulheres, que as incentivava a descansar em Jesus e a “parar de tentar fazer tudo”. O problema era que Hubbard não estava tentando fazer tudo. Ela só queria se lembrar de ligar a máquina de lavar louça.
“Todo discipulado era para pessoas do tipo A, mas eu era uma pessoa do tipo Z”, disse ela.
Hubbard é mãe de quatro filhos, membro do conselho escolar e professora adjunta. O problema dela não é preguiça, mas sim transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
Mais de oito milhões de adultos nos EUA são afetados pelo TDAH. Como o transtorno prejudica as funções executivas — o autocontrole necessário para se empenhar em direção a uma meta —, cultivar hábitos para crescer espiritualmente pode ser muito mais desafiador para um cérebro com TDAH do que para alguém que é neurotípico.
A Lifeway Research descobriu que quase dois terços dos frequentadores de igrejas protestantes intencionalmente passam um tempo sozinhos com Deus, ao menos diariamente. A Cru lista a leitura da Bíblia, o estudo da Bíblia, a memorização das Escrituras e a oração como as quatro principais disciplinas espirituais que os cristãos devem desenvolver.
O TDAH torna tarefas repetitivas desse tipo difíceis de praticar. Quando se sentam para um longo período de leitura da Bíblia e oração, os cristãos com TDAH podem sentir dificuldade para se concentrar e acabar se distraindo. Para eles, pode parecer impossível crescer espiritualmente, quando a igreja à sua volta vê o “tempo de silêncio” diário como um indicador de disciplina.
“Por anos, tudo o que eu conseguia fazer era ir à igreja aos domingos e orar pelos meus filhos à noite, e isso era o melhor que eu podia fazer”, disse Hubbard. “Ainda bem que Jesus morreu pelo meu melhor.”
Como o espinho na carne de Paulo (2Coríntios 12), Hubbard diz que vê seu TDAH como um constante lembrete de que seu desempenho não ganha a aprovação de Deus. Sua igreja, New City South, em St. Louis, segue o calendário cristão, em cujos ciclos Hubbard vê graça. Segundo ela, pode ser difícil se concentrar durante um momento específico de oração, um culto de domingo ou durante os diferentes períodos do calendário litúrgico, mas sempre há uma próxima vez, uma nova oportunidade para tentar.
Antes da pandemia, Hubbard visitava regularmente a Abadia da Assunção, em Ava, Missouri, para retiros espirituais silenciosos. Ouvir os monges orando como têm orado há séculos fazia com que Hubbard se lembrasse de que é parte de uma fé maior do que ela mesma.
Cada vez mais cristãos, inclusive líderes cristãos, estão falando sobre como o TDAH afeta sua vida de fé.
José Bourget, capelão da Andrews University, no Michigan, mencionou pela primeira vez, em um sermão no ano passado, que tem TDAH.
“Uma maneira neurodivergente de se relacionar com o mundo não é realmente abordada do púlpito”, disse ele.
Foi só na pandemia que Bourget percebeu que seu esquecimento e sua distração podiam ser mais do que meros traços de personalidade. Certa vez, ele perdeu um voo porque esqueceu sua carteira de motorista. E justificou o erro dizendo que Deus não queria que ele fizesse a viagem. Embora ele ainda pense que Deus possa agir em meio a suas distrações, agora acha importante reconhecer o TDAH.
Desde seu diagnóstico, Bourget — hoje na casa dos 40 anos — está trabalhando para se desvencilhar de anos de culpa e vergonha pelo que ele acreditava serem falhas pessoais.
Ele repete verdades simples como “Cristo me ama”. Ele declara que o cérebro com TDAH não é um cérebro com defeito, e fala do amor e da aceitação de Deus por aqueles que têm esse transtorno. E está pregando tanto para si mesmo quanto para qualquer outra pessoa.
“Parece exagerado e desmedido”, ele disse, “mas sentir constantemente que não me encaixo ou que não pertenço [a um grupo ou a um lugar] faz com que a aceitação seja algo muito crítico.”
Bourget também se deu “permissão para não se conformar” a práticas preestabelecidas de leitura das Escrituras e de oração silenciosa. Em vez disso, ele estabelece algumas estruturas básicas — como separar um tempo todas as manhãs para passar com o Senhor —, mas age com liberdade nesse tempo. Às vezes, ele passa mais tempo em oração; outras vezes, pratica a contemplação ou assiste a um vídeo de um sermão.
Bourget percebe que há alunos da Andrews que estão lutando com essas dificuldades. E faz questão de fazer com que saibam que ele está disponível para ajudá-los. Quando eles expressam culpa porque seus cérebros parecem não funcionar como os de todo mundo, Bourget os ajuda a encontrar práticas que funcionem para eles.
Tentar ficar quieto, parado e concentrado por longos períodos é difícil para pessoas com TDAH — seja para estudar alguma matéria ou para fazer orações a Deus.
Alex R. Hey, especialista em TDAH, aborda o sentimento de vergonha e de fracasso que pode advir dessa incapacidade de se manter atenta, quando a pessoa fica em silêncio. Ele reformula essas limitações para si mesmo e para seus clientes com frases como: “eu consigo orar de forma diferente”.
Isso o ajuda a lembrar que Deus o fez assim. “Pessoalmente, sinto que [o transtorno] colabora para a minha humildade”, disse ele.
Como outros tipos de neurodivergência, o TDAH se manifesta em um espectro. Enquanto alguns podem descrever suas lutas como algo que contribui para sua humildade, outros acham o TDAH debilitante. Jeff Davis, hoje um líder leigo na Igreja Stonebriar Community, nos arredores de Dallas, disse que lutou para encontrar e manter um emprego, devido às suas frágeis funções executivas. Ele passou quase dois anos sem uma casa para morar antes de conseguir ajuda.
Além de recorrer a aconselhamento e uso de medicação, pessoas com TDAH podem desenvolver estratégias de enfrentamento.
Para se envolver com as Escrituras, Hey frequentemente usa a lectio divina — uma prática monástica que usa uma fórmula para ler, meditar, orar e contemplar. Isso mantém sua mente conectada ao texto.
Como o cérebro com TDAH é propenso ao hiperfoco, pessoas com esse transtorno podem se fixar em uma coisa e negligenciar todo o resto. Certa vez, enquanto Hey meditava sobre a passagem em que uma mulher unge os pés de Jesus, ele não conseguia parar de pensar na imagem da mulher beijando os pés do Senhor (Lucas 7.37-38).
“Eu não gosto de pés, então, tudo o que eu conseguia pensar era em como pés são nojentos”, ele disse. Mas, ao pensar mais profundamente sobre o que estava acontecendo na passagem, ele percebeu que a única parte do corpo de Jesus que a mulher pecadora se sentia digna de tocar eram seus pés sujos. Ele, então, imaginou Jesus pegando a mão dela e fazendo-a se levantar.
“Quando não nos sentimos dignos e não nos sentimos amados, Jesus vem até nós e nos levanta”, disse Hey.
Outras orações cristãs antigas e liturgias tradicionais podem ter apelo para o cérebro com TDAH. Michael Agapito, estudante de pós-graduação no Northern Seminary, acha um tempo de silêncio algo assustador, mas faz uso da lectio divina, do Livro de Oração Comum e da Oração de Jesus: “Jesus Cristo, Filho de Deus, tem misericórdia de mim, um pecador.”
“Há um enorme repertório de tradições da igreja do qual também somos herdeiros legítimos, mas que nunca realmente exploramos no evangelicalismo moderno”, disse Agapito, que recebeu seu diagnóstico na faculdade.
Ao mesmo tempo em que desenvolveu hábitos para administrar seus sintomas, ele também lutou para abandonar o perfeccionismo e para ver seu TDAH como algo ordenado por Deus. Ele descreveu sua mente como uma máquina de pinball, que fica constantemente saltando de uma ideia para outra sem desacelerar.
“Como cristão e como alguém envolvido no ministério, entendo que Deus entendeu por bem me dar essa condição, em sua providência, sabedoria e soberania”, disse ele. “Durante a minha fase de crescimento, eu meio que via isso como uma maldição, mas [hoje] também vejo isso em parte como uma dádiva.”
Enquanto considera a possibilidade de se tornar pastor, Agapito quer que sua futura congregação aprenda disciplinas espirituais com intencionalidade e acolha todos aqueles que lutam para manter esses hábitos — sejam pessoas neurodivergentes ou não. “O cristão médio também trava suas lutas para mantê-los.”
Megan Fowler mora na Pensilvânia e é escritora colaboradora da CT.