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Fake Lewis: foi C. S. Lewis mesmo quem disse isso?

Dar crédito às pessoas por coisas que nunca disseram diz mais sobre nós mesmos do que podemos imaginar.

A silhouette with a question mark in the middle and an image of C.S. Lewis showing faintly through.
Christianity Today November 23, 2024
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Getty, Wikimedia Commons

“Humildade não é pensar menos de si mesmo; é pensar menos em si mesmo.”

Este ditado conciso, atribuído a C. S. Lewis, famoso escritor britânico, circulou amplamente pela Internet na última década. O único problema é que ele nunca disse isso. O ditado apareceu em The Purpose Driven Life [Uma vida com propósitos], obra de Rick Warren; outra versão dele surgiu alguns anos antes, em This Was Your Life! Preparing to Meet God Face to Face [Esta era a sua vida! Preparando-se para ver Deus face a face], de Rick Howard e Jamie Lash. “A verdadeira humildade não é pensar menos de nós mesmos; é pensar menos em nós mesmos”, escreveram Howard e Lash, citando Lewis em seguida sobre o tópico.

O resumo de Howard e Lash sobre o pensamento de Lewis, e a leve reformulação de Rick Warren se tornaram algumas das citações mais comuns erroneamente atribuídas a Lewis.

Várias citações que são erroneamente atribuídas a Lewis se tornaram virais nos últimos anos, graças ao poder de alcance das mídias sociais. Muitas são especificamente aplicáveis ​​ao atual momento cultural. Durante a pandemia da COVID-19, uma carta que supostamente pertencia à obra The Screwtape Letters [Uma carta do diabo ao seu aprendiz] lotou os feeds do Facebook. Na carta falsa [pois não pertencia à obra de Lewis], um demônio afirma: “O mundo se transformou em um campo de concentração, sem nada que force as pessoas a entrarem no cativeiro”. Em campanhas eleitorais recentes, outra carta falsamente atribuída ao mesmo livro circulou por aí, parabenizando o demônio aprendiz por manter uma pessoa “completamente fixada em política”.

Outras citações falsamente atribuídas a Lewis podem até fazer com que ele pareça defender alegações teologicamente discutíveis, como a desta citação, referenciada por líderes de renome e repetida com regularidade: “Você não tem uma alma. Você é uma alma que tem um corpo”. Esta citação continua sendo uma das mais controversas.

Algumas citações populares falsamente atribuídas a Lewis estão ainda mais distantes de suas palavras reais. Frases motivacionais do tipo “Você nunca está velho demais para definir outra meta ou para sonhar um novo sonho” são frequentemente creditadas ao autor britânico. Segundo William O’Flaherty, autor de The Misquotable C. S. Lewis [C.S. Lewis, uma vítima de falsas citações], uma das falsas atribuições recentes mais bizarras é esta: “Seja esquisito. Seja aleatório. Seja quem você é. Porque nunca se sabe quem amaria a pessoa que você esconde [dentro de si].”

O’Flaherty se tornou sinônimo de alguém que desmascara citações falsas de C. S. Lewis desde que começou a corrigi-las em seu blog e nas redes sociais. Sua primeira experiência com uma citação falsamente atribuída a Lewis, no entanto, foi com uma citação feita por ele mesmo.

“Apesar de, àquela altura da vida, eu já ter lido quase todas as obras dele, eu frequentemente fazia o que as pessoas fazem hoje”, disse O’Flaherty. “Eu via uma citação creditada a Lewis, gostava do que ela dizia e a compartilhava, sem sequer ponderar se ele de fato era ou não o autor dela.”

Em 2010, um estudioso de Lewis entrou em contato com O’Flaherty, para falar sobre uma das citações inspiradoras que ele compartilhou em seu blog. A citação, na verdade, não era de Lewis. “Por isso, acho que posso dizer que comecei a notar o problema das citações falsamente atribuídas a Lewis a princípio como alguém que praticava esse crime”.

Hoje, O’Flaherty trabalha para corrigir citações falsamente atribuídas a C. S. Lewis e citações dele que estão fora de contexto, um papel que cada vez mais parece não ter fim, uma vez que Lewis rapidamente se tornou um dos escritores mais citados incorretamente. Parece que a única coisa que as mídias sociais e as buscas na Internet amam mais do que uma citação de C. S. Lewis é uma citação falsamente atribuída a C. S. Lewis.

Michael Ward, estudioso de C. S. Lewis da Universidade de Oxford e autor de Planet Narnia [Planeta Nárnia], disse que parte da razão pela qual Lewis tem tantas citações que lhe são falsamente atribuídas é por ele ser um autor cujas obras são tão propícias à citação. 

“Ele é um grande escritor que expressa seus pensamentos de forma concisa e memorável”, disse Ward. “Assim que alguém passa a ser reconhecido como um autor ‘citável’, são atribuídas a ele todos os tipos de citações de coisas que ele nunca disse, e que talvez ninguém nunca tenha dito, mas que um orador gostaria que alguém tivesse dito.”

Lewis escreveu tanto e sobre tantas coisas que muita gente simplesmente presume que qualquer citação atribuída a ele poderia ser dele de fato. Ward alega que citações falsamente atribuídas podem ser fruto de preguiça, ignorância ou mera suposição [a pessoa presume que é do autor]. E as citações amplamente atribuídas a Lewis podem variar, indo desde paráfrases de algo que ele realmente escreveu, até palavras de outras pessoas que, de alguma forma, acabaram ficando vinculadas a ele ou citações que são criadas para parecer que são dele.

A imagem que fazemos desse problema das citações falsamente atribuídas a Lewis pode se limitar a posts que vemos no X ou a citações acompanhadas de uma foto dele e estampadas no Instagram. No entanto, o problema não começou nas redes sociais. E, infelizmente, também não está limitado a elas.

Antes de se tornar um autor amplamente citado e incorretamente citado, Lewis já havia sido exposto ao problema da atribuição incorreta. Ward observou que, em sua autobiografia, Surprised by Joy [Surpreendido pela alegria], Lewis menciona ter ouvido seu pai irlandês contar anedotas sobre um acadêmico irlandês. Mais tarde, em Oxford, ele ouviu essas mesmas histórias serem associadas a um acadêmico britânico.

Quando Lewis começou sua carreira de escritor e palestrante, as críticas ao seu trabalho ocasionalmente se transformavam em descaracterização, segundo Harry Lee Poe, autor de uma trilogia de biografias de C. S. Lewis. “O problema da deturpação surgia de tempos em tempos e vinha daqueles que o atacavam”, disse Poe, “e ele regularmente respondia ao erro na mesma hora ou escrevia um artigo para falar sobre o assunto”.

Esse foi o caso quando Lewis atraiu a ira de Norman Pittenger, um teólogo anglicano progressista e professor de apologética no General Theological Seminary, em Nova York. Na edição de outubro de 1958 da revista Christian Century, Pittenger escreveu um artigo atacando a abordagem de Lewis à apologética e à teologia.

O editor da revista enviou o artigo a Lewis e se ofereceu para publicar sua resposta a ele. Em sua réplica, Lewis concordou com um punhado de pequenas reclamações de Pittenger, mas contestou a maior parte do que este tinha escrito. Particularmente, Lewis escreveu que o professor americano o havia citado incorretamente e entendido mal o que Lewis havia dito na obra Milagres.

O professor Clyde Kilby, do Wheaton College, escreveu um artigo em defesa de Lewis, na edição de dezembro de 1958 da Christianity Today, e enviou o texto para o autor. Em suas cartas para Kilby e outros, Lewis foi muito mais contundente em suas críticas a Pittenger. Em uma delas, Lewis escreveu que achava “difícil engolir o fato de que, embora contrariasse praticamente todos os pontos do Credo, [Pittenger] continuava a receber dinheiro como professor de apologética cristã”. Em outro lugar, ele disse: “Embora se possa respeitar alguém que abertamente afirma ser ateu, é difícil não odiar um homem que recebe dinheiro para defender o cristianismo e passa todo o seu tempo atacando-o”.

As citações incorretas de Lewis podem ter começado com seus oponentes ideológicos, mas se espalharam até chegar a seus supostos admiradores, antes mesmo do surgimento das mídias sociais. Quando O’Flaherty começou a pesquisar citações falsamente atribuídas, ele rastreou a origem de muitas delas a fontes da era pré-internet. “Descobri que parte do problema se originou de livros e artigos”, disse ele.

O problema das citações falsas permaneceu relativamente contido com o texto impresso. No entanto, as citações incorretas de C. S. Lewis cresceram exponencialmente com a explosão das mídias sociais, no início dos anos 2000.

Pouco depois de compartilhar sua própria citação falsa de Lewis, O’Flaherty disse que começou a fazer uma lista das citações que eram atribuídas a Lewis incorretamente. “Passaram de cinco para dez bem rápido, e o número continuava crescendo”, disse ele. No final de 2012, ele percebeu que essas citações falsas estavam se tornando um problema. E escreveu um artigo desmascarando algumas das citações incorretas mais populares. Em 2016, a confusão em torno do que Lewis realmente tinha dito só havia aumentado, levando O’Flaherty a escrever seu livro.

Esse problema ficou ainda mais complicado nos últimos dois anos. Assim como, no início dos anos 2000, o surgimento das mídias sociais permitiu que se espalhassem [pela rede] mais citações apartadas de sua fonte correta, nos dias de hoje, o advento da inteligência artificial generativa agora tornou possível que citações falsas sejam simuladas na própria voz de Lewis. Esses vídeos deepfake fornecem novos caminhos para a confusão e a fraude.

Não há vídeos conhecidos de Lewis, e restam apenas algumas gravações de áudio dele. No entanto, nos últimos dois anos, foram produzidos vários vídeos modernos que parecem retratar clipes estendidos de Lewis dando conselhos motivacionais de autoajuda. A descrição de um vídeo diz: “Aceite o conselho de C.S. Lewis e ‘aprenda a agir como se nada o incomodasse’ — uma habilidade que pode desbloquear um nível mais profundo de paz, alegria e realização em sua vida”.

No entanto, alguns parágrafos mais abaixo na própria descrição, o canal revela que o vídeo foi “criado usando uma voz sintetizada que não pertence a ele [Lewis]”. Canais inteiros do YouTube são dedicados a produzir conteúdo gerado por computador com vozes simuladas de pensadores famosos como Lewis.

À medida que os cristãos navegam por esse mar crescente de citações falsas, é importante lembrar, antes de tudo, o motivo pelo qual Lewis se tornou um autor tão popularmente citado. Seu desejo era comunicar a verdade, e não tentar ser memorável. “Mesmo na literatura e na arte, ninguém que se preocupe com a originalidade jamais será original”, ele escreveu em Cristianismo puro e simples, “ao passo que, se você só se preocupar em dizer a verdade (sem se importar com quantas vezes ela já foi dita antes), é altamente provável que se torne original sem sequer perceber.”

Parte do sucesso de Lewis em ser original e memorável na forma como comunicava a verdade vinha de uma área de sua vida que poderia ser considerada um fracasso. “Lewis sonhava em ser poeta”, disse Poe, “mas a sua poesia tendia a ser bem elaborada do ponto de vista da técnica, mas não era exatamente o que ele considerava uma poesia de excelência. No entanto, a prosa de Lewis tem uma qualidade poética notável que faz com que fique acima da média.”

Enquanto as pessoas citam Lewis, correta e incorretamente, Ward diz que pode ver nisso um elogio indireto. “Este é o destino quase previsível de qualquer figura que atinja certa estatura: servir como um conveniente ímã para histórias ou citações que outras pessoas querem perpetuar, mesmo que imprecisamente”, disse ele. “Como um historiador que respeitava o material de origem, porém, Lewis também preferiria que as pessoas se preocupassem mais com a precisão.”

Aos olhos de O’Flaherty, a tentação de citar Lewis incorretamente ou de compartilhar citações sem verificar sua atribuição em geral vem de um desejo de usar o prestígio de alguém respeitado só para conseguir afirmação pessoal. “Francamente falando, muitas pessoas têm um span de atenção do tamanho dessas frases de para-choque de caminhão”, escreveu O’Flaherty em seu livro. “E normalmente elas amam citações porque funcionam como um bordão ou um slogan que confirma algo em que já acreditam.”

As formas modernas de mídia para comunicação, como mídia social e vídeos do YouTube, nos fornecem ampla oportunidade para confirmação e afirmação de crenças. “Hoje, quando uma pessoa compartilha uma citação falsamente atribuída a Lewis, pode conseguir milhares de curtidas e de compartilhamentos em menos de um dia”, disse O’Flaherty. “Citações falsas se espalham como fogo.”

Quer as pessoas sejam intencionalmente enganosas ao atribuir falsamente a Lewis uma citação, quer elas façam isso inconscientemente, por preguiça [de verificar a fonte], o próprio Lewis diria que a busca pela verdade sempre vale o esforço extra.

Como ele mesmo escreveu em Cristianismo puro e simples: “Se você procurar a verdade, poderá encontrar conforto no final: se você procurar conforto, não alcançará nem conforto, nem verdade — conseguirá apenas bajulação e pensamento positivo, no começo, e desespero, no final.” (Isso está no Livro I, Capítulo 5 — “Temos motivos para ficarmos inquietos” — na página 39 da minha edição, se você quiser verificar.)

Então, da próxima vez que você ouvir alguém dizer: “Como disse C. S. Lewis certa vez”, certifique-se de pedir a essa pessoa para fornecer os dados da fonte dessa citação.

Aaron Earls escreve sobre fé, cultura e C. S. Lewis no The Wardrobe Door [A porta do guarda-roupa]. Ele também é redator sênior da Lifeway Research.

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