Normalmente as pessoas possuem opiniões diferentes sobre o Natal. Alguns esperam por essa época do ano com intensa antecipação e entusiasmo, enquanto outros prefeririam evitar a data.
Normalmente, eu faria parte do primeiro grupo. Mas já tive algumas estações do Advento [esse período que antece o Natal] em que me vi tentando evitar o clima natalino e seus festejos, pois eu me sentia estranhamente vazia e exausta com toda essa agitação característica da época. Assim foram os primeiros Natais depois que meu pai morreu. E embora eu tenha tido a sorte de ter crianças bastante animadas com o Natal em casa, que me arrastaram de volta para as festividades, pude entender esse gostinho da tristeza que é comum nessa época para algumas pessoas.
Uma temporada que tem tudo a ver com família pode ser um momento desesperadamente solitário para pessoas que estão vivendo isoladas, sofrendo a perda de um ente querido ou tentando lidar com algum estresse na família. E para aqueles de nós que seguem o calendário litúrgico, se o Advento chegar em um momento em que espiritualmente estivermos em um lugar estéril, o chamado para abrirmos nosso coração para a temporada pode intensificar nossa sensação de incerteza ou de alienação.
Sem dúvida, algumas pessoas este ano simplesmente não estão “no clima” para pensar em Advento, devido a alguma circunstância pessoal. Talvez a estação encontre você em um momento extremo de tristeza ou em um deserto de distanciamento espiritual. Se for esse o caso, é importante lembrar que o Advento é uma estação que também fala de anseio, vazio e espera. É um tempo que separamos para nos ajudar a perceber que precisamos ser libertos de nossa condição atual.
Coincidentemente, existem duas passagens muito significativas que se passam no deserto e que são sempre lembradas no Advento: Isaías 40 e Marcos 1.
Em Isaías 40, os israelitas estão vivendo em um extremo de exílio político e desolação espiritual. Depois de vários capítulos de exortações e julgamento, Deus começa a falar de esperança por meio de seu profeta.
“Consolem, consolem o meu povo”, ele começa. “Encoragem a Jerusalém” (v. 1). E então uma voz clama: “No deserto preparem o caminho para o Senhor; façam no deserto um caminho reto para o nosso Deus” (v. 3).
Esta metáfora, que fala de uma espécie de via expressa que atravessa o deserto, é dos temas favoritos de Isaías. Ele pede que o ouvinte imagine uma terra ressequida e inóspita, quase intransitável, a leste de Jerusalém, sendo transformada em um caminho largo e acolhedor. Tal metáfora tem ao menos duas camadas de sentido.
Primeiro, para os israelitas que estavam há muito exilados, ela é uma promessa da tão esperada volta ao lar. Esta passagem está reverberando um assunto citado anteriormente, em Isaías 35, onde o profeta promete aos israelitas que eles um dia voltarão a Sião, com cânticos de alegria enquanto caminham. Ele os assegura de que chegarão lá por uma grande estrada, um caminho de santidade, no qual não haverá leão algum nem outros animais ferozes. Em outras palavras, um caminho livre de ameaças e perigos se abrirá para eles.
Mas a metáfora também tem outro sentido.
Pois, sempre que um rei estava chegando a uma cidade, um arauto era enviado à frente, para anunciar a chegada iminente e para garantir que a cidade anfitriã iria estender o tapete vermelho e preparar o caminho para receber o rei. Então, para os ouvidos de um israelita, a voz de alguém que clamava para que preparassem um caminho no deserto significava não apenas que eles iriam voltar para casa, mas também que o próprio Senhor está a caminho.
Isaías lembra seus ouvintes que tudo muda quando o rei chega à cidade. Ele promete que “Todos os vales serão levantados, todos os montes e colinas serão aplanados; os terrenos acidentados se tornarão planos; as escarpas serão niveladas.” (40.4).
Essa ideia de vales sendo levantados e de montes sendo aplanados me chama a atenção. Percebo que eu mesma sou uma mescla de montes e vales, de lugares altos e baixos — uma mistura curiosa de arrogâncias e inseguranças. Muitas vezes acabo pensando em mim mesma, se me permite parafrasear Anne Lamott, “como o pedaço de lixo em torno do qual o mundo gira”. Mas Isaías pede que eu permita que meus lugares de arrogância sejam nivelados para chegar à humildade adequada, e minhas zonas de desespero sejam levantadas até alcançar a coragem e a esperança.
Além do mais, como essa tarefa de preparar o caminho no deserto é dada à toda a comunidade, há uma implicação inegável de que a disparidade entre os “que têm” posses e os “que não têm” deve ser nivelada, chegando em uma equidade para todos. Então, Isaías nos clama no deserto e nos convida para uma jornada rumo à santidade pessoal e à mobilização, à transformação social.
E não é só Isaías que nos chama a preparar um caminho. Na leitura do Novo Testamento para o Advento, os versículos de abertura do Evangelho de Marcos incluem uma citação direta de Isaías 40. Marcos nos diz que agora a “voz do que clama no deserto” é João Batista, que chegou à cena como um cumprimento direto da profecia de Isaías. E o único foco de João Batista é anunciar a vinda do rei — de Jesus — que é o cumprimento direto de todas as promessas já feitas ao povo de Deus.
É importante notar que João Batista não é apenas uma voz que clama para o deserto — ele é uma voz que clama no deserto, do deserto. Ele é um morador do deserto, e seu ministério está acontecendo nos lugares áridos que ficam a leste de Jerusalém.
João Batista cresceu sabendo que tinha um chamado especial em sua vida. Ele era filho de Zacarias e Isabel — um casal que já havia suportado uma vida inteira de infertilidade, e que teve seu primeiro filho quando já eram idosos. Seu nascimento foi um milagre inegável, o qual havia sido anunciado por um anjo em um discurso que também deixou claro que João tinha um papel incrível a desempenhar na história da salvação.
Mas, então, por que João optou por viver no deserto? Você pensaria que um jovem com uma linhagem espiritual como essa se colocaria na vitrine da sinagoga mais influente da região — ou melhor ainda, do templo — e esperaria que os líderes religiosos reconhecessem sua autoridade. Em vez disso, porém, João escolheu ir para as colinas. O que ele sabia sobre o deserto que nós não sabemos?
Talvez João tenha optado por viver no deserto porque já tinha ouvido o suficiente da história de Israel para saber que Deus é especialista em fazer coisas boas surgirem de lugares pouco promissores.
Afinal, Deus havia trabalhado na história da salvação por meio de casais sem filhos, irmãos rivais, líderes gagos, reis rebeldes e, agora, por meio de Jesus, um jovem de paternidade questionável, nascido e criado em algumas cidadezinhas do interior. “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?”, perguntou incrédulo um discípulo em potencial, quando soube de onde Jesus era.
João sabia que, quando Deus está envolvido, algo de bom poderia, sim, vir até mesmo de uma cidade de reputação questionável como Nazaré. E algo de bom poderia vir do deserto também.
Marcos nos conta que, mais tarde, Jesus se juntou a João no deserto e insistiu para que João o batizasse. Assim que Jesus saiu da água, o espírito de Deus desceu visivelmente sobre ele na forma de uma pomba, e uma voz vinda do céu afirmou publicamente a identidade de Jesus como o filho amado do próprio Javé. Você poderia pensar que, depois de uma afirmação tão incrível, Jesus passaria diretamente para seu ministério público; porém, não foi isso que aconteceu. O mesmo Espírito que desceu sobre ele como uma pomba o compeliu a entrar ainda mais fundo no deserto.
Jonathan Martin argumenta que a jornada de Jesus no deserto, por 40 dias e 40 noites, foi tanto uma dádiva quanto uma provação.
Embora a experiência de Jesus no deserto não tenha sido fácil — ele jejuou por quarenta dias e quarenta noites, e foi confrontado pelo diabo — o diabo não foi o único que ele encontrou por lá. O espírito enviou ao deserto um Jesus revigorado pela afirmação de sua identidade aos olhos de Deus, e permitiu que ele se afastasse de sua vida cotidiana, até que o barulho e a pressa do mundo ao seu redor fossem reduzidos a um ponto em que ele pudesse facilmente distinguir a voz do acusador da voz do Pai. O mesmo pode ser verdade para nós.
Então, se você se encontra em uma terra árida neste Advento, considere a possibilidade de estar, na verdade, recebendo as dádivas do deserto. O Advento é um tempo de espera, e o deserto é um lugar tão bom quanto qualquer outro para esperar — talvez até o melhor lugar de todos. Se você está se sentindo um pouco vazio, talvez isso seja uma coisa boa. Afinal, há uma voz clamando no deserto, e ela está nos pedindo para preparar um lugar para Jesus em nossos corações.
Carolyn Arends é diretora de educação no Renovaré Institute for Christian Spiritual Formation. Ela também é artista, palestrante, autora e instrutora universitária.