Brad Hambrick supervisiona ministérios de aconselhamento na Summit Church, uma igreja da Carolina do Norte com 14 câmpus e cerca de 13 mil frequentadores. Ele também ensina aconselhamento bíblico no Seminário Teológico Batista do Sul e é autor de livros como Angry with God [Com raiva de Deus].
Como você diferencia a raiva boa da ruim?
Toda raiva diz duas coisas: “Isso é errado, e eu me importo com isso”. No espaço interpessoal, a raiva pecaminosa diz uma terceira coisa: “Isso é errado e é mais importante do que o meu próximo”. É possível estarmos certos sobre as duas primeiras coisas, ou seja, isso “é algo que você não deveria ter feito” e “é algo com que me importo”. No entanto, quando estou disposto a pecar contra meu próximo, ainda que meu pressuposto seja correto do ponto de vista teológico e moral, isso não significa que a expressão da minha raiva seja justa. Quando voltamos esse sentimento para as mídias sociais e a política, de várias maneiras esse “próximo” se torna muito distante ou muito ambíguo. E as pessoas sentem muito mais liberdade para descarregar [sua raiva] ou se enfurecer, porque não veem uma pessoa do outro lado. Elas apenas expressam seus sentimentos por uma causa.
Onde vemos esse tipo de raiva destrutiva?
A raiva aparece mais em contextos privados. Se alguém, por acaso, explode de raiva no supermercado, [isso significa que] seu sistema de controle e seus filtros sociais estão significativamente deteriorados.
Quero usar um teste bem simplificado para detectar a ira santa [ou a raiva boa]. “Se eu estiver certo, e se isso de fato importar, não vejo problema [em expressar minha ira]. [Se você achar que estou errado] Diga-me onde estou errando”. Normalmente, quando achamos que a nossa indignação tem uma motivação justa, amamos aquela imagem de Jesus virando as mesas no templo. E sentimos que estamos fazendo justamente isso.
Mas, se observarmos a passagem de Mateus 21, depois que Jesus termina de virar as mesas no templo, o texto diz: “Os cegos e os mancos aproximaram-se dele”. Na imagem dessa cena em minha mente, quando penso em Jesus no templo, penso em alguém que virou o Incrível Hulk. Ele ficou verde [de fúria]. Está olhando para as pessoas e vendo o íntimo de cada uma, e todas se afastam dele, pois erraram, pisaram no tomate. No entanto, nesse momento em que Jesus expressa sua ira com mais intensidade, os mais vulneráveis se sentiram protegidos e atraídos [por ele]. Não ficaram assustados.
Será que eu estou expressando a minha raiva como Cristo expressou a dele? Não estou dizendo que Jesus não tenha ficado bravo. A ira é um dos atributos de Deus, o que significa que podemos nos irar do jeito certo. Pode haver beleza na ira. Ela não está inerentemente fora dos limites para os cristãos, como se fôssemos estoicos. Mas se vamos nos irar como Cristo fazia, então, deve haver um claro senso de atração e de proteção em torno do que estamos fazendo, por parte daqueles que estão vulneráveis e precisam de cuidado.
Que ferramentas podem ser utilizadas para estes tempos de fúria que estamos vivendo?
Uma categoria que acho útil é a alocação de responsabilidades — perceber o que [realmente] está dentro de sua área de influência. Quando sinto uma raiva mais intensa a respeito de algo sobre o qual tenho pouquíssima influência, minha raiva não leva a nada de bom. À medida que começamos a nos sentir mais impotentes, começamos a contar com a ira para tentar recuperar parte do [poder] que sentimos que perdemos.
No discurso adotado pela cultura, todo mundo diz: “Precisamos nos acalmar e apaziguar a retórica”. Mas ninguém está fazendo isso. Mesmo que isso não esteja acontecendo de cima para baixo, deveria acontecer de baixo para cima, e a cultura deveria exigir esse posicionamento de seus líderes, se os líderes não estiverem liderando a cultura [dessa forma].
Na questão da raiva, devemos aplicar príncípios diferentes a eventos diferentes, se compararmos, por exemplo, a raiva motivada por traição em relacionamentos pessoais à raiva motivada por razões de outro tipo?
Existe raiva egoísta. Também existe raiva sofredora. Se você observar o Salmo 44, nos primeiros versículos, a vida está correndo muito bem. Então, você se depara com um selah. Você não sabe o que aconteceu. Mas foi algo muito grave. Nos próximos 12 versículos, o salmista dá tanto crédito a Deus pelas coisas ruins que aconteceram quanto deu pelas coisas boas, na primeira parte do salmo.
Ele se acha coberto de razão em sua ira. Há heresia ali. O salmista está pedindo para Deus despertar, quando sabemos que Deus nunca dorme. Mas não há ali um senso de que o salmista precisa se arrepender [do que está falando]. Ele está passando por um período de sofrimento na vida, um sofrimento que não faz sentido [para ele], e a equação moral não está equilibrada. Eu acredito que [ali] há uma tristeza-raiva inocente, em resposta ao sofrimento.
Então, os Salmos são um bom lugar para ir, quando estamos com raiva?
Uma característica comum da raiva é que não nos sentimos ouvidos e não nos sentimos compreendidos. E, por isso, aumentamos o volume para ter certeza de que estamos sendo ouvidos, e aumentamos a contundência de nossas palavras na tentativa de sermos compreendidos. E quanto mais irritados ficamos, mais as pessoas se afastam de nós.
A coisa não funciona assim, como se buscássemos os Salmos e necessariamente tivéssemos algum insight profundo e penetrante que explicasse a nossa situação, e pensássemos: “Oh, não tenho razão para ficar com raiva”. O que frequentemente descobrimos é que, quando sentimos que algo “passou dos limites”, e todos se afastam de nós — podemos levar essa situação para Deus e saber que ele se importa e nos ouve.
Um exemplo disso é Moisés na sarça ardente. Moisés tinha um problema com a ira. Ele tinha matado um homem em um momento de raiva. Quando fizeram o bezerro de ouro, ele o moeu até virar pó e fez as pessoas beberem aquele pó misturado na água. Em Números 20, ele teve um ataque de fúria e começou a bater na rocha e a repreender [o povo].
Uma das primeiras coisas que Deus diz a Moisés na sarça ardente, depois de ter dito “Tire as sandálias dos pés”, foi “tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, tenho escutado o seu clamor, […] e sei quanto eles estão sofrendo”. Pense em como seria poder estar no lugar de Moisés, e dizer para Deus “ok, eu não deveria ter matado aquele homem. Foi um lampejo de raiva. Foi uma atitude má. Mas pelo menos eu fiz alguma coisa. Puxa, Deus, você não faz nada”, e escutar Deus lhe responder “Eu ouvi o clamor, eu vi o sofrimento, estou prestando atenção”. A verdade, porém, é que normalmente não temos uma sarça ardente só para nós — essa não é uma experiência humana comum —, mas os Salmos são um lugar onde podemos ter essa interação com Deus.
Esta entrevista foi editada para maior clareza.