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El Salvador: sobram prisioneiros e faltam ministérios prisionais

Organizações cristãs enfrentam dificuldades para alcançar prisioneiros em um país onde 1 em cada 56 pessoas está presa.

Presos aguardam, enquanto 2.000 detentos são transferidos para o Centro de Confinamento de Terroristas, em El Salvador.

Presos aguardam, enquanto 2.000 detentos são transferidos para o Centro de Confinamento de Terroristas, em El Salvador.

Christianity Today July 25, 2024
Handout / Getty

Em pouco mais de dois anos, o governo de El Salvador enviou 80.000 pessoas para a prisão. Com mais de 111.000 pessoas encarceradas, o país possui hoje a maior proporção de pessoas atrás das grades no mundo — um preso para cada 56 habitantes.

A situação atual decorre de uma política de tolerância zero em relação às gangues que outrora proliferavam no país. As gangues salvadorenhas são consideradas organizações criminosas transnacionais responsáveis por elevar os índices de homicídio a níveis vistos apenas durante a guerra civil de 1979-1992.

Em março de 2022, o presidente Nayib Bukele decretou um régimen de excepción [estado de exceção], que suspende um número significativo de direitos civis e facilita a prisão e o julgamento de pessoas suspeitas de serem membros de gangues. Embora o governo inicialmente tenha prometido que o decreto ficaria em vigor apenas por um mês, ele já foi renovado 27 vezes pelo congresso salvadorenho, e já dura quase dois anos e meio.

El Salvador nunca teve uma presença significativa de ministérios prisionais. No entanto, para os poucos que atuam nas prisões, o régimen de excepción tanto representou uma oportunidade quanto revelou uma série de problemas.

Por um lado, líderes dizem que há uma chance real para um número substancial de presos transformarem suas vidas por meio do evangelho. “A maioria deles sabe que precisa de uma transformação física. A evangelização pode mostrar a eles que precisam também de uma transformação espiritual”, disse Raúl Orellana, um líder de ministério regional que atua nas prisões de El Salvador desde 2008.

Por outro lado, por uma série de razões, poucos cristãos demonstraram interesse no ministério prisional, um trabalho que se tornou ainda mais difícil, pois o governo aumentou as restrições às visitas de civis nas prisões.

Todos os centros de detenção de El Salvador, exceto a penitenciária de segurança máxima, historicamente foram abertos aos ministros do evangelho. “O governo é muito aberto às igrejas cristãs evangélicas que querem pregar nas prisões”, disse Orellana — mas a recente política de mão forte contra as gangues também dificultou o acesso de igrejas e pastores.

Há cerca de doze anos, os pastores podiam passar as noites [na cadeia] sentados lado a lado com os presos, aconselhando-os e compartilhando o evangelho. Quando visitava a prisão naquela época, conforme Orellana lembra, ele sabia sobre a disponibilidade de drogas e dispositivos eletrônicos para os presos, e às vezes se deparava com visitantes questionáveis.

Hoje, a maior supervisão governamental nas prisões aumentou as restrições à evangelização dos encarcerados. Muitas prisões proibiram interações face a face entre pastores e presos. Em vez disso, os pastores só podem falar com grupos e por uma hora, no máximo.

“Eu entendo a perspectiva das autoridades”, disse Orellana. “Os presos tinham o controle total e não deveria ter sido assim. Hoje, as autoridades estão no controle.”

Antes de 2022, em algumas prisões, toda semana vários ministérios vinham pregar. Hoje, as autoridades prisionais permitem que grupos cristãos entrem uma vez por semana, em um horário fixo, com algumas exceções para eventos evangelísticos. Por exemplo, no Dia das Mães deste ano, Kenton Moody, um missionário americano que lidera o Vida Libre, um centro de reabilitação para jovens infratores, organizou uma grande festa na prisão feminina de Santa Ana.

O ministério serviu refrigerantes, pan dulce [um tipo de pão doce salvadorenho] e Bíblias para 10.000 pessoas. Embora as autoridades tenham permitido a participação de apenas 2.800 mulheres, ao final do culto, 295 levantaram as mãos em resposta a um chamado de conversão.

Problemas com gangues e com o governo

Embora líderes como Orellana e Moody digam ter visto Deus agindo nas prisões salvadorenhas, muitos cristãos que eles conhecem relutam em participar do ministério prisional, com medo de encontrar criminosos perigosos. Durante anos, grandes áreas do país viveram sob violência e derramamento de sangue causados por gangues como a Mara Salvatrucha (MS-13) e o Barrio 18 (também conhecida como 18).

Historicamente, o país teve um dos índices de homicídio mais altos do mundo; no seu auge, em 1995, havia 139 assassinatos para cada 100.000 habitantes. Desde o início dos anos 2000, as gangues MS-13 e Barrio 18 travaram uma batalha territorial de longa duração, com um enorme número de mortes. Em 2015, as gangues decretaram a proibição de todas as rotas de ônibus na capital, San Salvador, e no primeiro dia da proibição, cinco motoristas de ônibus foram assassinados. Em 2016, alguns estimaram que os grupos extorquiram cerca de 70% de todos os negócios do país, e as taxas de extorsão cobradas eram tão altas que acabaram levando a um aumento nos preços ao consumidor.

Números oficiais mostram uma redução de 70% no índice de homicídios em 2023, em comparação a 2022, em consequência de mudanças na lei e da aplicação do estado de exceção. O governo editou o código penal para formalmente equiparar o terrorismo a associações criminosas locais, e uma nova lei criminalizou tatuagens, grafites de rua e qualquer outra marca que se assemelhe a símbolos de gangues.

Mas a diminuição no índice de homicídios também teve um custo. A organização Human Rights Watch [Observatório dos Direitos Humanos] descreveu as mudanças como uma política de “podemos prender quem quisermos”, que permite detenções com base na aparência e no histórico social dos detidos, em ligações anônimas ou até mesmo em postagens nas redes sociais.

Neste ambiente, praticamente qualquer pessoa que tenha qualquer relação com um membro de gangue corre o risco de ser detida e enviada para a prisão. Isso inclui ex-membros de gangues que já cumpriram sua pena e voltaram à vida civil, sendo que alguns deles se converteram ao cristianismo. Até mesmo pastores que ministram para atuais membros de gangues podem ser vistos como colaboradores ou simpatizantes de gangues e correm o risco de serem encarcerados.

“Meu trabalho com os presos e ex-prisioneiros costumava ser perigoso por causa das gangues. Agora, ele é perigoso por causa do governo”, disse Moody. “Eles podem nos jogar na prisão a qualquer momento por supostamente ajudar as gangues.”

As igrejas locais têm medo de se envolver em problemas tanto com as gangues quanto com o governo, se tiverem ministérios prisionais, disse ele. “Os pastores nos dizem: ‘Que maravilhoso o que vocês estão fazendo’, e ‘Deus os abençoe’— mas eles não participam.”

O trabalho contínuo do testemunho

Em toda a América Central, os evangélicos quase ultrapassaram os católicos em termos de crescimento numérico. Em El Salvador, perto de um terço (30,9%) da população hoje se identifica como evangélica.

A porcentagem de evangélicos é mais alta nas camadas mais pobres da sociedade — os mesmos segmentos dos quais saem as pessoas que entram para as gangues e acabam no sistema prisional, diz Stephen Offutt, autor de Blood Entanglements: Evangelicals and Gangs in El Salvador [Emaranhados de sangue: Evangélicos e gangues em El Salvador].

Entre 50% e 70% das pessoas nas prisões de El Salvador vêm de famílias evangélicas. “Eu me atreveria a dizer que todos que estão na prisão já ouviram falar de Jesus Cristo”, diz Orellana, mas acrescenta que o número de verdadeiros convertidos provavelmente é pequeno.

Para os membros de gangues cansados da violência, o cristianismo oferece uma rota de saída.

“As gangues permitem que as pessoas saiam, se mostrarem uma conversão real”, disse Offutt. Não é algo tão simples quanto se declarar cristão e ficar livre. “Aqueles membros de gangues que supostamente se convertem ao cristianismo são mantidos sob vigilância, porque também acontecem falsas conversões e falsos pastores que tentam manipular as gangues.”

Sob o régimen de excepción, alguns membros de gangues genuinamente convertidos estão sendo arrastados de volta para a prisão, e abrindo uma porta para que a evangelização ocorra onde a igreja institucional não pode ir.

“Um discípulo na prisão pode levar o evangelho a muitos outros”, diz Lucas Suriano, coordenador da América Latina para a Prison Alliance [Aliança Prisional], ministério sediado na Carolina do Norte que cria programas de discipulado e distribui Bíblias e literatura cristã para presos ao redor do mundo.

Embora ninguém veja o que acontece dentro de prisões como o Centro de Confinamento de Terrorismo — centro de detenção de segurança máxima para 40.000 pessoas, que o presidente Bukele abriu no ano passado —, Offutt está certo de que Deus continua a trabalhar lá.

“Há alguns anos”, ele relembra, “tinha um amigo pastor cuja casa ficava à sombra de uma prisão em El Salvador. Nas noites de domingo, podíamos ouvir canções cristãs vindas da prisão.”

“As pessoas estão tentando testemunhar o evangelho da melhor maneira possível. Elas estão encontrando formas de adorar [nas prisões] — é inconcebível para mim que isso não esteja acontecendo.”

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