Culture

As festas juninas no Brasil são idolatria ou diversão inofensiva? Evangélicos debatem o assunto

Pastores debatem se as festividades são apenas uma celebração cultural ou uma adoração a ídolos.

Quadrilheiros dançando.

Quadrilheiros dançando.

Christianity Today June 29, 2024
Marcelo Casal Jr / Agência Brasil

O carnaval com certeza é a festividade brasileira mais conhecida ao redor do mundo. No entanto, muitos brasileiros preferem as festividades juninas.

Originadas pelos pagãos europeus, para comemorar a chegada do verão e pedir uma colheita abundante (daí o fato de caírem durante o verão do Hemisfério Norte), essas festas foram mais tarde cooptadas pela igreja católica sob o nome de Festa Junina, ou um conjunto de datas que celebram os santos Antônio, João Batista e Pedro. Posteriormente, Portugal exportou essa tradição para o Brasil colonial, que, desde então, transformou as festividades em uma comemoração de várias semanas, marcada por pratos típicos como a canjica (também conhecida como cural em alguns locais do país) e a pamonha, a decoração das ruas com bandeirinhas coloridas e danças ao som de forró e baião.

Tradicionalmente, essas festas de rua faziam parte de celebrações católicas mais amplas que incluíam missas e procissões acompanhadas de imagens dos santos.

Assim como o carnaval — que também é uma data importante e tem fundamentos católicos —, a festa de São João é alvo de questionamentos e críticas por parte de alguns evangélicos, que afirmam que a festividade é marcada pela idolatria aos santos. Enquanto alguns dizem que a palavra junina vem simplesmente do nome do mês, junho, outros dizem que ela deriva de joanina e é uma referência a São João Batista, tornando-a, portanto, uma forma de hagiolatria (adoração de santos). De fato, a festa mais celebrada leva seu nome, em 24 de junho.

Os cristãos que celebram essas festas dizem que os costumes mudaram há muito tempo e hoje refletem uma apreciação da música, da comida, da dança e do modo de vida nordestino e sertanejo.

É bem verdade que as festas juninas estão presentes em todo o país, mas são mais fortes e tradicionais no Nordeste, região propensa a secas severas, onde a chegada de junho traz também as chuvas e a promessa de colheitas mais prósperas.

A CT convidou cinco pastores e líderes evangélicos brasileiros e nordestinos para opinar se os evangélicos deveriam se sentir à vontade para participar das festividades juninas. As respostas foram editadas para fins de extensão e clareza.

Marcos Fróes, pastor da Igreja Casa da Bênção, igreja pentecostal em Maranguape, Paulista, Pernambuco:

Estas festas com fundo religioso em celebração aos santos católicos coincidem com o período das colheitas. Agradecer a Deus pelas colheitas não é algo novo, o povo judeu já celebrava a festa das semanas ou da colheita, o Pentecostes (shavuote em hebraico), celebrada entre maio e junho. Nesse período, todo Israel ia para Jerusalém celebrar e trazer oferendas, eles comiam produtos lácteos e lembravam da promessa divina de uma terra rica em leite e mel.

Celebrar a colheita como bondade e misericórdia de Deus não é pecado, quando o fazemos com um coração grato ao Senhor. Assim como no Natal, em dezembro, ao nos alegrarmos pela vinda de Jesus, nosso Salvador, em junho nos alegramos pelo suprimento dado, lembrando da nossa origem rural, indiferentes se, na ocasião, celebram-se os santos de junho ou juninos.

Ricardo Leite, pastor de jovens da Primeira Igreja Batista de Juazeiro do Norte, Ceará:

[As festas juninas têm] apelo popular, e costumam ser comemorações que envolvem quadrilhas, homenagem aos santos da igreja Católica e muita comida, geralmente feita à base de milho.

Em décadas passadas, a presença de evangélicos nestas festividades era praticamente inexistente. E, geralmente, os que delas participavam eram vistos de forma negativa pela comunidade a qual pertenciam. Contudo, em anos mais recentes, a participação de evangélicos tem sido mais comum. Algumas igrejas estão incorporando elementos desses festivais em seus próprios eventos (comidas tradicionais e fogueiras, por exemplo), e muitos convertidos não veem motivo para deixar de participar das festas que costumavam frequentar.

Quando Paulo escreveu [sua primeira carta] aos Coríntios, ele tratou de uma situação semelhante. No capítulo 10, ele nos deixa três princípios importantes que devem ser aplicados. Primeiro, se convém ou não fazer parte de festividades idólatras (1Coríntios 10.23). Não se trata de licitude, mas de conveniência. Que mensagem receberá quem ali está para adorar? Segundo, se essa participação é algo edificante. O povo de Deus sairá mais forte e mais parecido com Cristo? E terceiro, se essa participação glorifica a Deus (10.31). A presença do evangélico servirá para exaltar a Deus acima de tudo?

Eu aconselharia os cristãos que, se sua resposta a qualquer uma das três perguntas for negativa, sua consciência já está declarando fortemente que eles não devem participar.

Pedro Pamplona, pastor da Igreja Batista Filadélfia, Fortaleza, Ceará:

Minha resposta depende do que se quer dizer por “festividade junina”. Há uma diversidade de manifestações culturais dessa festividade nos dias de hoje e muitas delas não possuem mais ligação com elementos religiosos. Esse é um processo natural, que acontece ao longo da história com várias festas e tradições. A igreja cristianizou algumas datas e festivais que, por sua vez, já sofreram um processo de secularização. O que quero dizer com isso é que, por exemplo, no Nordeste, é muito comum o uso de decoração, músicas e comidas típicas nesse período do ano, com ou sem o aspecto religioso.

Portanto, se a festividade específica tiver teor religioso, com crenças e práticas católicas, ou tiver aspectos mundanos e imorais, vejo como não recomendável a participação dos evangélicos. Temos discordâncias importantes que precisam ser levadas em consideração. Mas se a festividade se limita apenas a comidas, bandeirinhas e camisas com estampa xadrez, não vejo impedimento para os evangélicos participarem. Algumas famílias, condomínios, empresas e escolas promovem encontros assim, e não os considero pecaminosos. Avaliando bem o propósito e o ambiente desses encontros, é possível participar de alguns deles.

Thiago Italo Rocha, pastor auxiliar na Igreja da Familia, uma igreja reformada em Santo Antônio de Jesus, Bahia:

Essa festa tão aguardada é, resumidamente, uma homenagem aos santos católicos. Nesse sentido, é inegável que toda a festa se originou da tradição católica, mas, com o tempo, foi ganhando certos ares de sincretismo. Devido à forte cultura anticatólica que predomina nas igrejas pentecostais, neopentecostais e comunidades (independentes), a resposta parece ser um sonoro “não”, mas, talvez, à luz da bíblia, essa resposta não seja algo tão simples.

O apóstolo Paulo, ao tratar de diversas controvérsias na igreja dos Coríntios, parece apelar para a consciência e para o amor. Na maioria das vezes, a proibição apela para argumentos emocionais de preservação da consciência do irmão e para a ideia de não gerar escândalo (1Coríntios 10.32). Porém, com isso, podemos criar uma “ditadura” daqueles a quem Paulo chamou de “fracos” (1Coríntios 8.9). O apóstolo Paulo, no entanto, parece também querer advertir aqueles que são fortes na fé para que não façam de sua liberdade uma razão de tropeço. Nesse contexto, segundo argumenta Paulo, melhor seria abster-se em amor de fazer algo, para que o irmão não veja a liberdade que você tem como modelo e cometa pecado, agindo contra a própria consciência. Entendo que a festa de São João se tornou um ambiente comercial; em muitos lugares sequer vemos resquícios da tradição junina. Dentro dessa realidade, onde a música e o ambiente forem extremamente sexualizados, a orientação seria “evite tais lugares”. Tratando-se, porém, de feirinhas de artesanato, com ambientes de comidas típicas, não teria grande problema a participação para aqueles que são maduros na fé. O cuidado seria exercer essa liberdade de modo a não militar por ela, fazendo com que “o fraco” venha a pecar contra a consciência.

Olhando para tais situações à luz do evangelho, a verdade é que temos um só Deus e tudo precisa ser feito para a sua glória, “quer comais quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei para a glória de Deus (1Coríntios 10.31). Precisamos, como cristãos, fugir dos extremos. Primeiro, do legalismo impositivo e, segundo, de uma liberdade tóxica, orgulhosa e incapaz de pensar no outro.

Sávio Vinícius, pastor da Primeira Igreja Batista de Valença, Bahia:

Se você considera as festas juninas como algo relacionado a São João, fogueiras, arraiás e festas, biblicamente é inegável a ordem de não se misturar (1Coríntios 10.14-22).

Na minha opinião, enquanto líder, partindo do princípio de 1Coríntios 6.12-13 (você pode fazer qualquer coisa, mais nem tudo lhe convém) e de 1Coríntios 8.13 (você deve evitar comportamentos que façam seu irmão e sua irmã caírem em pecado), não considero conveniente ou adequado o envolvimento, porque confunde a mente das pessoas.

No entanto, não vejo problema em celebrar a vida com comidas típicas, roupas e um forró que glorifique a Deus, em outras épocas do ano ou em outros lugares. O principal objetivo é vivermos para a glória dEle em todas as coisas (Colossenses 3.23-24).

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