Bombas caem em Gaza, enquanto mísseis têm como alvo Israel. Manifestantes árabes frustrados são recebidos por colonos judeus extremistas. E em meio a tudo isso, Danny Kopp mandou seus meninos jogarem futebol. A quantidade de pessoas diminuiu no parque que fica em um bairro de Jerusalém, frequentado por judeus e árabes, mas seus meninos, de 13, 10 e 8 anos ainda transitavam entre os dois lados. “Esses encontros, por menores que sejam, lembram aos beligerantes que a coexistência ainda é viável”, disse o presidente da Aliança Evangélica em Israel. “Transformar todos em vilões é algo simplesmente falho.”
Contudo, é fácil de fazer, se vier acompanhado da narrativa da nossa preferência. Desde o início dos combates em 10 de maio, bombas israelenses destruíram cerca de 450 prédios em Gaza, incluindo seis hospitais, nove centros de saúde e a sede da Associated Press. As autoridades do Hamas contabilizam 232 mortos, entre eles 39 mulheres e 65 crianças. Mais de 1.900 pessoas ficaram feridas e 52 mil ficaram desabrigadas. Mas 160 delas são combatentes militantes, disseram as autoridades israelenses. A barragem indiscriminada do Hamas lançou mais de 4 mil mísseis e matou 12 pessoas, entre elas duas crianças, e feriu centenas. O sistema de defesa Iron Dome, de Israel, interceptou a maioria dos mísseis, mas o patrocínio do Hamas pelo Irã levou a um aumento dramático de mísseis capazes de atingir Jerusalém.
Essas armas de longo alcance representam 17% dos milhares de mísseis disparados neste mês. Nove anos atrás, elas representavam apenas 1%.
Um cessar-fogo está em vigor. O presidente Joe Biden prometeu trabalhar por meio das Nações Unidas e da Autoridade Palestina para reconstruir Gaza. Os EUA impediriam que tal ajuda reabastecesse o arsenal do Hamas, ao mesmo tempo que permitiriam o reabastecimento das defesas do sistema Iron Dome. As armas evoluem, embora a animosidade seja velha conhecida.
Mas o que chocou e entristeceu dúzias de fontes entrevistadas pela CT — metade judias e metade palestinas — foi a violência étnica que devastou cidades de coexistência antes pacífica. Em Lod, Haifa, Nazaré e em outros lugares, manifestantes árabes colocaram fogo em 10 sinagogas e em mais de 100 casas de judeus, enquanto saqueavam ou danificavam outras centenas.
Israel convocou 7 mil reservistas para reprimir a violência. Mas relatos dizem que a polícia tem sido bem mais tolerante com os colonos judeus que responderam na mesma moeda, embora com menos danos. Gravações de vídeo, no entanto, mostram tentativas de colonos de confiscar propriedades de cidadãos árabes de Israel. O surto de violência está ligado a procedimentos legais israelenses para expulsar palestinos de suas casas, no bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental. As famílias residem ali há gerações e a disputa de terras tem explicações alternativas.
Os protestos foram recebidos com violência, que então se espalhou para a mesquita de al-Aqsa. O Hamas lançou foguetes, em solidariedade. E em meio a este atoleiro, Kopp enviou seus meninos. No sábado, ele pregou a mesma mensagem para sua congregação mista de judeus e árabes, que fica na rua Narkis, em Jerusalém, pedindo a seu rebanho que intencionalmente ouvisse os dois lados. “Jesus constantemente escapava de sua bolha de informações”, disse ele, “e se relacionava com todo tipo de pessoa imaginável e de forma consistente”. Do outro lado do muro de separação, no entanto, o sermão de domingo de Munther Isaac tinha um tom diferente.
“O que precisamos não é de calma e moderação”, disse o pastor da Igreja Evangélica Luterana do Natal, em Belém. “O que precisamos é chamar as coisas por seus nomes.” Isso inclui o antissemitismo, disse Isaac à CT. No entanto, ele também destacou a Declaração de Jerusalém de 2020, criada por estudiosos judeus para esclarecer, quando críticas a Israel ou ao sionismo ultrapassam os limites, ao mesmo tempo em que especifica que a crítica em si não é antissemitismo.
Mas o foco de Isaac estava nas questões da “ocupação” e da “limpeza étnica” — e no “apartheid”. B’Tselem, uma importante organização israelense de direitos humanos, publicou recentemente que o controle efetivo do Estado sobre a Cisjordânia e Gaza torna o termo controverso apropriado. Isaac, então, pediu aos cristãos palestinos que agissem de maneira apropriada: com resistência não violenta.
E ele pediu aos crentes no Ocidente que agissem da mesma forma: com defesa vocal. “Cristo morreu vítima de violência raivosa e extremismo religioso”, ele pregou. “Mas porque acreditamos na ressurreição, a última palavra é justiça.” Essa pregação, no entanto, irrita o colega evangélico palestino, Khalil Sayegh. “A resposta da igreja palestina tem estado amplamente alinhada com o estado polarizado de nossa sociedade”, disse o bolsista do Projeto Philos.
“Narrativas unilaterais apenas inflamam a raiva das pessoas.” Nascido e criado na Faixa de Gaza, Sayegh reconhece o apelo apropriado por justiça. Mas é simultaneamente necessário que cada grupo alcance o outro. Israel e o Hamas chegarão a um cessar-fogo. Mas, devido ao conflito étnico, as notórias feridas agora estão mais profundas do que antes. “Se não nos consolarmos uns aos outros enquanto sofremos”, disse Sayegh, “não estaremos mais perto de uma solução quando a situação começar a melhorar”.
Fontes disseram à CT que estão fazendo isso, mas o impacto tem sido mesclado. Sayegh tem sentido uma falta da empatia por parte de alguns. Ron Cantor disse que um pastor cristão palestino enviou-lhe felicitações pelo seu aniversário.
Mas a reconciliação é difícil. “Fizemos tentativas”, disse Cantor, presidente da Shelanu TV, o único canal gospel hebraico digital, que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana. “Mas, com toda a franqueza, há desconfiança de ambos os lados.” No sábado passado, congregações de judeus messiânicos pregaram contra o racismo e pela união árabe-judaica, disse Cantor. Os colonos que provocam a violência estão ligados a um movimento político que, segundo ele acredita, é rejeitado pela vasta maioria dos israelenses.
Mas, enquanto a maioria dos árabes — que constituem um quinto da população de Israel — e judeus se dão bem, a maioria dos cristãos palestinos não acredita em um papel divino singular para Israel.
E embora Cantor compreenda — mas rejeite — a afirmação deles de que os sionistas roubaram seu país, a maioria dos palestinos discorda do que ele diz ser uma regra clara. “É importante que as pessoas se atenham à Bíblia e não às notícias”, disse ele. “Israel é o cumprimento de uma profecia.” Mas isso não significa que os judeus messiânicos não tenham medo. Ao discipular crentes nas Forças de Defesa de Israel, Eli Birnbaum os protege do ódio e do ressentimento. “Quando se cresce em Israel, você se acostuma com o fato de que há um grupo de terroristas que o matará se tiver chance”, disse o diretor do ministério Judeus por Jesus em Israel, observando que isso não é verdade para os palestinos em geral.
“Esses foguetes não têm como alvo os militares; eles têm a mira voltada para meus filhos.” Dessa forma, os judeus que acreditam em Jesus e estão frustrados com a guerra têm outro recurso que não seja se voltar contra os líderes políticos ou odiar os inimigos. Pastor de uma pequena congregação em Tel Aviv, Birnbaum está preparando um sermão sobre 1Samuel 30, passagem em que os homens de Davi queriam apedrejá-lo, depois que os amalequitas queimaram Ziclague e levaram cativos suas esposas e filhos.
“David direcionou essa frustração para a oração”, disse Birnbaum. “E, em última instância, Jesus deu sua vida na cruz para que possamos ser fortalecidos nele, não importa a situação em que estivermos.”
Mas isso não elimina a “aversão” que a maioria dos judeus messiânicos tem pelo Hamas e por seu respectivo desdém pelas vidas de judeus e árabes, disse David Friedman. Em contraste, em suas congregações, crentes judeus e árabes têm orado juntos — sem culpa. “Estou impressionado com a sinceridade de nossa união”, disse o professor do Instituto Teológico Judaico Messiânico e ex-reitor do King of Kings College, em Jerusalém. “Não importa de que lado do espectro político estejamos, a atual guerra de foguetes não é um ponto de ruptura.” Da mesma forma, David Katz, vice-gerente geral da Sar-El Tours, empresa que atende muitos clientes evangélicos, disse acreditar que a maioria das congregações de judeus messiânicos justificaria a resposta de Israel aos ataques do Hamas contra Israel.
Muitos judeus messiânicos vivem em Ashkelon e Ashdod, dentro do alcance dos mísseis de menor alcance.
Mas eles também estão orando por Gaza, lamentando a perda de vidas e ansiando por uma solução duradoura para o conflito. Katz participou das manifestações de solidariedade que se seguiram à violência. Árabes e judeus que vivem em bairros mistos se uniram para limpar suas ruas, reparar danos e arrecadar dinheiro para as vítimas. Em Jerusalém, eles criaram uma “corrente de paz”.
A solidariedade, no entanto, só consegue ir até esse ponto.
“Expressamos amor e oramos, mas não nos aprofundamos muito na fonte do conflito”, disse Katz. “Agora não é o momento para essa discussão.” Lisa Loden, com muita frustração, concorda. “Nesta fase, falar com aqueles que têm pontos de vista políticos diferentes é inútil”, disse a copresidente da Iniciativa Lausanne para a Reconciliação Israel/Palestina (LIRIP). “É momento de intercessão e lamentação. Que o Senhor tenha misericórdia de todos nós.” Iniciado em 2010, depois que uma onda semelhante de mísseis e mortes em Gaza, em 2009, minou o ministério na Terra Santa, LIRIP procurou promover discussões honestas, mas intensas sobre as diferentes perspectivas que judeus messiânicos e evangélicos palestinos têm em relação ao conflito.
Uma década depois, Loden vê esse relacionamento mais perto de um ponto de ruptura do que de melhora. Embora os crentes cantem e orem nas línguas uns dos outros, “o que foi ganho corre o risco de se perder.” Seu copresidente no LIRIP, Botrus Mansour, está um pouco mais otimista. Suas recentes interações com judeus messiânicos encorajaram-no a trabalhar em direção à reconciliação.
Como diretor de operações da Nazareth Baptist School, Mansour disse que os programas conjuntos com escolas judaicas ajudam a promover os valores do amor e da tolerância. A mesma atmosfera está presente na Hand in Hand School, uma escola pública mista e bilíngue, em Jerusalém. Os pais ligaram freneticamente, disse a diretora, preocupados com o impacto dos confrontos. Olhando pela janela, ela via os alunos jogando futebol. Outros jovens, no entanto, estão indo na direção errada. Em fevereiro, a Universidade Hebraica entrevistou mais de 1.000 alunos de 16 a 18 anos. Quase metade dos judeus nacionalistas ultraortodoxos e religiosos disseram que “odiavam” os árabes e eram a favor de cassar sua cidadania.
Aproximadamente um quarto dos judeus seculares disse o mesmo. Entre os estudantes árabes israelenses 22% sentiam ódio contra os judeus religiosos e 12% contra os judeus seculares. Mas, em março, o Centro Palestino de Políticas e Pesquisas descobriu que 37% de pessoas de todas as idades eram favoráveis à resistência armada. “A atmosfera está contaminada por racismo”, disse Mansour. “A começar pelos líderes de Israel e desce até as pessoas comuns.” Ele insiste em mais análises das causas profundas da violência em vez do foco atual nos sintomas. Shadia Qubti, coprodutora do podcast Women Behind the Wall, que usa a contação de histórias para destacar a experiência de mulheres palestinas cristãs sob a ocupação, disse que os palestinos vêm sofrendo anos de incitação política e desumanização. “Se você está cansado dessas notícias repetitivas sobre Israel e a Palestina, eu simpatizo com você”, disse ela. “Como seus irmãos e irmãs palestinos, estamos cansados de suportar isso.” A organização de direitos humanos Adalah — que significa justiça em árabe —conta 65 leis discriminatórias em Israel, cerca de metade das quais foram promulgadas desde 2009. Para Loden, essa é a principal causa dos tumultos.
Os árabes israelenses enfrentam desigualdade e uma cidadania de segunda classe não declarada, disse ela.
Isso foi consagrado especialmente na lei do Estado-Nação, de 2018, que priorizou o caráter judaico de Israel. “A dor, a raiva e o sentimento de traição na comunidade árabe não foram resolvidos”, disse Loden. “Foram enterrados.” E os jovens cristãos estão ficando frustrados com suas igrejas, disse Salim Munayer. “A maioria das igrejas evangélicas tem limitado sua mensagem a ‘vamos orar pela paz’, e algumas afirmam que não querem se envolver na política, se apegando apenas a questões espirituais”, disse o diretor executivo do ministério de reconciliação Musalaha, com sede em Jerusalém. (Ele explica mais sobre o assunto no podcast Quick to Listen da CT.) “O silêncio fala alto.” Presos em suas próprias narrativas, os jovens recorrem às redes sociais. Tem havido alguma interação entre as comunidades, e Munayer tem visto discussões sobre políticas adequadas em vista da mensagem do evangelho. Mas nas áreas das cidades mistas, a realidade não facilita a reconciliação. O governo, disse ele, colocou ativamente alunos da yeshivá sionista lá para “judaizar” os bairros. Jack Sara, presidente do Bethlehem Bible College, disse que a convivência alardeada nas cidades mistas nunca foi construída sobre as bases da paz e da justiça, mas apenas do pragmatismo. A reconciliação não pode ser construída entre relacionamentos desiguais. Por exemplo, o governo investe 8 mil dólares por ano por estudante árabe do ensino médio nessas áreas, em comparação com os 13 mil dólares por estudante judeu. Sara citou Sheikh Jarrah como um exemplo dos esforços judaizantes. Como Acabe e Jezabel da Bíblia, os colonos judeus encontraram uma maneira “legal” de roubar terras.
“Hoje, os palestinos estão clamando por um ‘Elias’ do mundo para confrontar ‘Acabe’ por seus crimes”, disse Sara. “Nesse caso, talvez ele se arrependa e devolva o que roubou.” Mas, enquanto Isaac apelou contra a calma em face da injustiça, Sara — igualmente decidida em uma carta aberta , como coordenadora do Oriente Médio para a Aliança Evangélica Mundial — aprecia os esforços conjuntos para diminuir o ódio. O Conselho Nacional de Pastores e Presbíteros em Israel divulgou um comunicado. “À luz da situação atual… [de] polarização e ódio entre cidadãos árabes e judeus, nós, judeus e árabes israelenses, que compartilhamos a mesma fé em Jesus como Messias e Senhor, declaramos que estamos unidos em amor fraternal”, afirmaram, expressando sua agonia. “Com bênçãos e esperança por dias mais tranquilos e melhores.” As igrejas árabes promoveram reuniões de oração online pedindo a Deus que proteja as cidades árabes e judaicas. Congregações judaicas pediram a Deus para interceder por ambas as comunidades. Jamie Cowen, um advogado que é judeu messiânico, disse que, em sua congregação, o líder testemunhou que Deus mudou seu coração em relação aos árabes quando ele se tornou crente. “Para aqueles com quem estou em contato, há uma sensação de que algo precisa mudar no país”, disse ele, “para curar as feridas e lidar com as questões palestinas”. Para Katz, atuante no movimento pela paz, isso não será fácil. A expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia tornou uma solução de dois Estados quase impossível.
Mas uma solução de Estado unilateral trará problemas demográficos para o Estado judeu, uma vez que todos os palestinos sob seu domínio devem receber passaportes e o direito a voto. “Reconciliação, igualdade e respeito entre os filhos de Abraão”, disse Katz. “Essa é uma grande decisão. Mas é disso que precisamos.” E não vai acontecer, disse Kopp, a menos que soluções criativas possam ser encontradas para atender às principais preocupações de cada grupo.
Deus tem um chamado único tanto para judeus quanto para palestinos. Mas cada lado deve abrir mão de suas estimadas narrativas em uma busca conjunta da verdade. O disparo indiscriminado de foguetes do Hamas não deve ser equiparado à autodefesa precisa de Israel, disse ele. Mas a democracia falha de Israel também não deve ser considerada irrepreensível. E até que se chegue a um consenso, uma bola de futebol ajudará. “É um esforço mundano de Sísifo, são pequenos passos”, disse Kopp, ao terminar o sermão para sua congregação. “Mas é a única maneira de reduzir nossa luta por grandeza e nos transformarmos nos filhos humildes, pacificadores e misericordiosos que Deus deseja ver em seu reino.”
Reportagem adicional de Jeremy Weber
Traduzido por Mariana Albuquerque