Será que existe uma palavra melhor para descrever os cristãos que defendem a autoridade da Bíblia em todas as questões de fé e prática?
Talvez seja hora de um novo termo para captar a autocompreensão dos cristãos, um substantivo diferente, que abranja todos os crentes e seguidores de Jesus, no qual todas as teologias e denominações evangélicas poderiam confortavelmente se enxergar. Será que um novo substantivo plural pode nos libertar de tipificações negativas no ambiente cultural em que vivemos?
Vocês me permitem recomendar uma palavra que os evangélicos não podem recusar, se formos sérios como cristãos e ainda quisermos dar e fazer sentido para o mundo em que vivemos — e também alcançar pessoas com a mensagem de salvação eterna de Jesus? Um substantivo difícil de rejeitar, enquanto buscamos consistência na crença e a autenticidade no comportamento?
Tendo celebrado o 500º aniversário da Reforma não muito tempo atrás,e a tradição de Lutero, um homem que não possuía autoridade mas sentiu a responsabilidade de desafiar as sensibilidades teológicas predominantes, que tal um novo substantivo? Proponho, então, o termo "bíblicos".
O substantivo "cristãos" carrega certa bagagem emocional fora do arco de abrangência do Atlântico Norte. Na Índia (minha terra natal), argumentos antigos e equivocados ainda geram uma antipatia conveniente para com os cristãos, vistos como ocidentais. O fato de o cristianismo não ter sido ocidental, desde a origem, e agora ter mais adeptos não ocidentais pode ajudar a recuperar a designação inicialmente dada aos crentes e seguidores de Jesus no Novo Testamento (At 11.26), mas ainda não chegamos lá.
O primeiro uso da palavra evangelium, por Martinho Lutero, no século 16, levou ao termo evangélico cem anos depois, durante o Grande Despertamento. Que termo sublime, transliterado de forma criativa e naturalmente adaptado a partir de uma palavra composta em grego (eu + angelion), tendo bondade e alegria como algo intrínseco a sua própria natureza. Tornou-se um termo de amplo uso nos Estados Unidos, nos anos de 1800, e em 1976 foi declarado “o Ano do Evangélico”. Embora carregado de conteúdo para pessoas que são da igreja, o substantivo era — e ainda é — menos ofensivo do que "cristão" para pessoas não cristãs, em grande parte do mundo. Na rua Villat, em Aleppo, na Síria, evangélico soa bonito para quem é novo nas igrejas e tem necessidades econômicas. A igreja evangélica, ali, é a única igreja conhecida por acolher todos a quem as demais rejeitam.
Ainda assim, nos Estados Unidos, o termo evangélicos foi contaminado por estereótipos cruéis — especialmente durante os períodos eleitorais recentes. Nosso hábito sociológico de rotular as pessoas — por geração (boomers ou millennials), convicção (calvinista ou arminiano) e cor (por exemplo, “vermelho e amarelo, preto e branco, todos são preciosos à sua vista”) — fixa na mente das pessoas significados não intencionais das palavras.
Já o termo "bíblicos" ainda não permite o apelo falacioso à emoção dos não evangélicos. É um conceito que não desperta visões competitivas contra um grupo eleitoral que parece ser de direita. Também consegue reunir as muitas correntes consonantes e dissonantes de cristãos evangélicos, e se aplica a todas as gerações, convicções e etnias que acreditam e seguem seu Senhor Jesus Cristo, no que diz respeito tanto à conversão pessoal quanto à expressão pública das convicções bíblicas.
O termo certamente requer ajustes de caráter pessoal e público. Deixe-me simplificar as compensações linguísticas com um gráfico:
Evangélicos vs bíblicos
Opções | Prós | Contras |
Evangélicos |
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Bíblicos |
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Detesto pensar em perder a palavra "evangélico". Uma vez que se refere, essencialmente, àqueles que aceitam a pessoa, a obra e a missão de Jesus como o evangelho, o termo evangélico é o que sou em termos de identidade teológica. É também o que sou em termos de propósito pessoal — alguém que compartilha as boas-novas de Deus sobre a salvação eterna, assegurada no Senhor Jesus, que a oferece a toda a humanidade. Eu sou um cristão evangélico.
Ao mesmo tempo, detesto continuar usando esse termo nos Estados Unidos, minha terra por adoção. Um sentimento míope vem crescendo no país, por várias décadas. Evangélico passou a significar muito do que não é. Essa saudável descrição de cristãos que creem na Bíblia (mas não usam a Bíblia para agredir) é definida politicamente como antipovo, antiprogresso, anticiência e assim por diante. Vários setores da população se tornaram antievangélicos, na medida em que os evangélicos são acusados de ser contra tudo.
Poderíamos abolir o substantivo "evangélicos" nos Estados Unidos altamente politizados, onde a frequência à igreja estagnou. E ainda poderíamos reter sua maravilha e verdade no restante do mundo, onde a igreja está se multiplicando — e onde os crentes têm poucas restrições sobre o conteúdo e a expectativa bíblica do termo.
Talvez usar o termo "bíblico" permita a autoidentificação sem constrangimento nem mal-entendidos. Isso poderia gerar confiança entre os seguidores, sem o receio de que a mídia empregue argumentos estereotipados ou informações falhas a seu respeito. Poderíamos ter a esperança de que esse termo subsistisse por, pelo menos, algumas décadas — ou mais.
Talvez o termo evangélicos sobreviva ao uso indevido e à percepção equivocada para quem sabe, no futuro, nos levar de volta à extensão original do significado do conceito. Pois, então, poderíamos nos distanciar dos evangélicos políticos e nos tornarmos, redundantemente, evangélicos bíblicos. E, eventualmente, conforme se fizer necessário, cortaremos essa palavra mal-interpretada do conceito principal e simplesmente seremos chamados de bíblicos. Enquanto o substantivo "evangélico" é usado para se referir a uma pessoa específica, "bíblico" ainda é estritamente um adjetivo. Mas podemos ser chamados coletivamente de "bíblicos". Este substantivo, como outros substantivos sagazes, desencoraja o uso de um epíteto singular, pelo menos por enquanto. Ele poderia ajudar a esclarecer para todos que, entre os bíblicos, há muitos evangélicos de convicções compatíveis, embora diferentes. Vai levar algum tempo para que as pessoas se acostumem, como ocorre com a maioria dos adjetivos transformados em substantivos. Se Deus quiser, não levará mais 500 anos.
Um pós-escrito para amigos (não inimigos) do termo evangélicos, que sejam comprometidos em acreditar no evangelho, amar Jesus e seguir a Bíblia: o que você acha? Devemos apenas esperar sem fazer nada a respeito? Aguardo seus insights e suas opiniões em ramesh@rreach.org.
Ramesh Richard atua como presidente do RREACH, ministério de proclamação global, e professor de engajamento teológico global e ministérios pastorais no Seminário Teológico de Dallas.
Traduzido por Maurício Zágari