O voto cristão e a questão ambiental

7ª pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Image: Mauro Lima / Unsplash

À medida que as condições climáticas ficam cada vez mais extremas e letais, as questões ambientais devem ser um assunto importante para os cristãos na hora de escolher um candidato?

Guilherme de Carvalho: As questões ambientais deveriam figurar entre as agendas prioritárias do cristianismo contemporâneo, ao lado, por exemplo, da pauta antiaborto, da luta contra a corrupção, das liberdades civis fundamentais e do emprego. Para mim, é um dos critérios de desempate.

Iza Vicente: Temáticas como mudanças climáticas, prevenção de catástrofes, preservação das florestas, nova matriz enérgica e justiça climática devem ser fundamentais no debate ambiental. Considerando nosso papel de cuidar da criação, os processos de degradação ambiental são claras violações à vida que somos chamados a cuidar, além de aprofundarem a precariedade da existência da humanidade.

Ziel Machado: A Bíblia não começa em Gênesis 3, mas sim em Gênesis 1. Temos um mandato criacional, pois Deus nos colocou para cuidar da criação. A verdade é que existe uma frágil teologia da criação no mundo evangélico. Não podemos esquecer que o mandato salvífico não anulou o mandato cultural. Nós ainda temos a responsabilidade de cuidar da criação, de zelar por ela, como mordomos dessa criação.

A pauta do meio ambiente é prioritária para qualquer projeto de governo sério que se preocupa com questões do futuro, das próximas gerações. Uma proposta de governo que desconsidere o meio ambiente não é a proposta de um estadista, mas sim de alguém que está preocupado apenas em se eleger. Sem preocupação com o meio ambiente, como vamos propor um futuro para a nação?

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Jacira Monteiro: Claro que as questões ambientais devem ser um assunto importante para os cristãos na hora de escolher um candidato! O mandato cultural (Gênesis 1.28) estipula que haja um cuidado harmonioso com a sua criação. Como digo em O Estigma da Cor, “todo governo e gerência que não se preocupa com a sustentabilidade, com o meio ambiente, está indo contra o que Senhor instruiu em sua palavra de cuidado diligente com a natureza criada”.

Estamos vivendo uma crise ambiental e, como agentes do Senhor, fomos chamados a cuidar de sua criação. Dessa forma, precisamos incentivar os gestores para que tenham também essa mesma preocupação.

Ricardo Barbosa: Sim, esse é um dos assuntos importantes. O meio ambiente, porém, é tão importante quanto as outras questões. Precisamos, como cristãos, desenvolver melhor nossa teologia da criação e entender nosso papel em relação ao mandato cultural. O meio ambiente se transformou numa pauta complexa, ideológica, com narrativas confusas que muitas vezes deificam a natureza e demonizam o ser humano. Isso é um problema.

Também precisamos buscar informações confiáveis, dados consistentes com a realidade, para não sermos engolidos por narrativas inconsistentes de grupos de ativistas ambientais.

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Como cristãos, como devemos lidar com a corrupção na política?

6ª pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Image: Pearl / Lightstock

O último governo de esquerda foi deposto por um processo de impeachment baseado em denúncias de corrupção. Recentemente, o ministro da Educação do governo Bolsonaro foi preso sob o mesmo tipo de acusação. Como os cristãos podem exigir que os políticos prestem contas e sejam responsabilizados, em casos de corrupção?

Guilherme de Carvalho: Exigir a prestação de contas é dever dos cristãos, sem dúvida nenhuma. Mas, dados os problemas sistêmicos do nosso país, fica claro que cobranças verbais dos cristãos contra a corrupção são insuficientes. “Profetizar” pelo Twitter é inútil. É necessário apoiar candidatos que levem para o legislativo propostas efetivas para o combate à corrupção.

Um caminho prático seria criar um observatório político evangélico, para checar políticos em questões de corrupção e outras. Mas, para fazer algo assim, seria preciso uma ancoragem em teologia política cristã, algo de que poucos dispõem hoje. Boa parte dos crentes politizados são meras cópias ideológicas da militância secular.

Iza Vicente: Para poder exigir práticas políticas transparentes e éticas é necessário que o apoio ou o voto do evangélico não seja baseado em devoção incondicional, em idolatria ou na ideia de que o candidato eleito é inerrante, infalível e “enviado de Deus” para representar os evangélicos. Cobrar de seus representantes boas práticas de combate à corrupção e responsabilização, por meio do devido processo legal, é dever e direito de todo cidadão, e nós, evangélicos, temos que ter uma visão mais ativa neste sentido.

Ziel Machado: Nosso testemunho público deve ser respaldado por uma vida de compromisso com a santidade.

Lamento esses episódios de corrupção nos quais há cristãos envolvidos, embora eu também acredite no perdão, na reconciliação e na restauração. Mais do que lamentar, porém, episódios como esses devem nos levar a refletir: De que modo podemos, como igreja, nos preparar para evitar que coisas assim aconteçam?

Talvez devamos começar a pedir a Deus que levante no meio da comunidade evangélica políticos profissionais que se preparem para atuar no espaço público, que saibam a responsabilidade que têm perante os cidadãos brasileiros e que prestem contas de sua prática política à igreja. Conhecemos algumas experiências isoladas de cristãos na política que têm essa prática de prestar contas a seus eleitores.

O princípio a ser seguido está descrito em 2Coríntios 8.20-21, texto em que Paulo diz que está “tendo o cuidado de fazer o que é correto, não apenas aos olhos do Senhor, mas também aos olhos dos homens”. Portanto, a integridade é um valor importante do qual o cristão não pode abrir mão.

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Jacira Monteiro: Os cristãos, assim como todos os demais cidadãos, devem exigir que os corruptos sejam depostos de sua função e responsabilizados — seja por meio de cassação ou até mesmo de prisão, a depender da gravidade do fato. Como diz a palavra de Deus: “Quando os crimes não são castigados logo, o coração do homem se enche de planos para fazer o mal” (Eclesiastes 8.11). Se não houver punição para o iníquo, há um incentivo, um passe-livre para que esse pecado seja repetido. Isso não ajuda o Shalom, não ajuda o florescimento da sociedade.

Ricardo Barbosa: Vou desconsiderar o comentário inicial e responder apenas à pergunta: “Como os cristãos podem exigir que os políticos prestem contas e sejam responsabilizados?”

Existem leis e instituições que combatem e previnem a corrupção. Se elas não funcionam de forma adequada, e infelizmente no campo da corrupção política não têm funcionado, temos que buscar meios institucionais para melhorar o sistema. Isso envolve, principalmente, a escolha de nossos representantes no congresso e nas câmaras estaduais e municipais. São eles que podem legislar em favor de mudanças no sistema judiciário.

Além de exigir que políticos prestem contas e sejam responsabilizados, devemos começar com o dever de casa. Devemos praticar a transparência na prestação de contas das igrejas. Precisamos ser cidadãos responsáveis com o nosso trabalho e com o uso dos recursos públicos. A corrupção está presente nas ações e nas decisões de todas as esferas da sociedade.

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Quais erros os evangélicos devem evitar cometer?

5ª pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Image: Marcello Casal Jr / Agencia Brasil

Quais erros os evangélicos devem evitar cometer?

Guilherme de Carvalho: Primeiro, devem evitar colocar os interesses da denominação ou da comunidade evangélica acima do bem comum. O cristianismo é precisamente a fé que nos leva ao autoesquecimento, isto é, a uma atitude de não pensar apenas em você e em seus interesses pessoais.

Segundo, os evangélicos não devem se deixar enganar pelo “empacotamento apocalíptico”, ou seja, quando apresentados a um futuro ameaçado, os crentes “se convertem” de corpo e alma à agenda de um candidato de esquerda ou de direita. O candidato consegue, então, manipular esses crentes, através de uma retórica do tipo “Senão o PT volta!” ou “Senão o fascismo vence!” Quando os cristãos desistem de construir e de desenvolver uma agenda positiva, baseada em princípios cristãos de doutrina social, para abraçar acriticamente a agenda de um caudilho-salvador, também estão traindo a fé cristã.

Iza Vicente: Um dos maiores erros é depositar toda a sua esperança em projetos políticos autoritários e endossar figuras que enfraquecem o testemunho público da igreja. Outro grande erro é “politizar a fé e sacralizar a política”. Isso significa instrumentalizar a fé para fins meramente políticos e achar que a única forma de a igreja poder contribuir para o bem comum é através do domínio e do controle dos espaços de poder, e que existem enviados e ungidos para essa tarefa messiânica e heroica. Precisamos rever esses pressupostos.

Ziel Machado: Não podemos confundir números com capacidade representativa. Os evangélicos cresceram e chegaram a um tamanho expressivo. O número de votos evangélicos é bastante significativo. Entretanto, o tamanho dos evangélicos é proporcional à sua capacidade de aporte civil, civilizacional, como cidadãos? Não, não é.

A igreja prepara as pessoas para fazer evangelismo, para cantar no coral, mas não quando o assunto é a participação responsável na política. Precisamos nos capacitar para termos uma participação adequada na sociedade civil. O nosso chamado é para ser bênção para todos.

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Jacira Monteiro: O erro de negociar os nossos valores bíblicos em troca de poderio político. Os evangélicos devem especialmente evitar fazer um uso promíscuo da palavra de Deus — por meio de exegese e hermenêutica fracas ou deturpadas — para apoiar projetos políticos, sobretudo os que contrariam a própria palavra de Deus.

Ricardo Barbosa: Criar um Estado religioso e fazer da igreja um braço político de qualquer partido ou candidato que seja são os maiores erros que os evangélicos podem cometer. Embora muitos tentem justificar a criação de um Estado religioso, não encontramos na Bíblia nada que justifique isso. Como cidadãos e cristãos, podemos e devemos participar da vida pública e contribuir para uma sociedade mais justa, mas não criar um governo religioso nem permitir que a igreja seja usada para fins políticos/ideológicos. Isso não significa que não possamos ter políticos religiosos. Sim, podemos ter, mas que eles, uma vez eleitos, sejam servos da nação e promotores do bem comum.

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Quais devem ser as prioridades políticas dos evangélicos?

4ª pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Image: Yuri Figueiredo / Unsplash

À medida que os evangélicos emergem como um bloco de eleitores com força política, o que deve influenciar suas prioridades políticas?

Guilherme de Carvalho: Creio que, acima de tudo, uma sólida doutrina social cristã, baseada na Bíblia e em diálogo com a tradição teológica. Precisam ser compreendidos e atualizados temas como a ordem criacional bíblica, incluindo sua visão elevada da pessoa humana, da família e do trabalho; a questão da natureza da autoridade política; do sentido político do Êxodo; da ética social da Torá; do profetismo bíblico e da economia da graça no Novo Testamento. Essas coisas deveriam estruturar nossas agendas.

Como isso não tem sido feito, os evangélicos têm atuado a reboque das forças políticas dominantes. No desespero por relevância, não agimos de forma principiológica, e nos tornamos meros espelhos religiosos do debate político secular.

Não vejo problema em evangélicos elegerem pessoas que sejam representantes de sua visão de mundo — isso é parte da democracia. Mas creio que deveriam priorizar candidatos com uma visão voltada para o “bem comum”, e não voltada para a proteção do seu próprio grupo. Uma política “cristã” que só pensa em como proteger os interesses da comunidade cristã seria a própria negação da missão cristã.

Iza Vicente: Não é uma questão simples, pois evangélicos podem ter posicionamentos distintos sobre a complexidade de temas que estão na arena pública. Apesar disso, acredito que a defesa da liberdade religiosa, junto com uma atuação em prol do fortalecimento das instituições democráticas e da proteção dos vulneráveis devem ser pontos prioritários na atuação de qualquer evangélico na política.

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Ziel Machado: O compromisso com a justiça do Reino de Deus e o compromisso ético derivado dessa justiça, algo que está muito bem expresso no Sermão do Monte, especialmente nas bem-aventuranças. Além disso, um realismo esperançoso, que reconhece a realidade do pecado na história, mas também conhece a força do amor, a obra da redenção e as expectativas de um novo céu e uma nova terra.

Jacira Monteiro: O bem-estar social e o Shalom (a paz harmoniosa). Os evangélicos devem ter, assim como Deus tem, uma preocupação especial com a justiça e com ações que beneficiem os mais vulneráveis. Os evangélicos devem especialmente se preocupar com aqueles com quem ninguém dos outros espectros da sociedade se preocupa.

Ricardo Barbosa: O compromisso com o bem comum. Não se trata do bem privado de cada um, mas daquilo que é comum a todos, como educação, saúde, segurança, trabalho, moradia, alimentação, meio ambiente etc. Algumas pautas, porém, tornaram-se muito mais destacadas politicamente, nas últimas décadas, sobretudo as de natureza moral, como ideologia de gênero, drogas, aborto, família, para citar algumas.

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A igreja deveria se aliar a um candidato específico?

3ª pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Images: José Cruz / Fábio Rodrigues Pozzebom / Agencia Brasil / Buda Mendes / Staff / Getty

A Bíblia nos mostra que parte de nosso papel profético como povo de Deus é denunciar o mal e alertar as pessoas sobre a justiça divina (2Samuel 12). À luz dessa instrução, você acha que a igreja deveria se aliar a algum candidato em particular?

Guilherme de Carvalho: Por seu caráter institucional e sua função política como “embaixadas do Reino”, segundo os termos de Jonathan Leeman em As Chaves do Reino, as igrejas não devem se aliar a nenhum candidato, pois tal aliança confunde sua missão com os reinos temporais. Mas isso não significa que cristãos não devam atuar organicamente em defesa de candidatos e de pautas importantes. Essa é a visão de Abraham Kuyper: institucionalmente, a igreja permanece separada do Estado; organicamente, porém, ela participa de tudo. Ou, como diz o sociólogo Paul Freston, “religião e política, sim; igreja e Estado, não”.

Quanto à função profética da igreja, o assunto é longo — acho mais adequado dizer que temos uma missão apostólica, e essa missão envolve muito mais do que apenas “profetizar”, no sentido de atuar como um observatório crítico da política secular.

Iza Vicente: Não acredito que a igreja deva dar apoio institucional a nenhum candidato, considerando que no seio das congregações e comunidades há uma pluralidade de opiniões e visões políticas sobre diversos fatores que fazem parte do debate político, como o papel do Estado, a economia, a educação. Essa forma de apoio contribui para que cristãos que não são alinhados ao candidato apoiado se sintam à margem, traídos. Alguns podem até mesmo ser excluídos ou deixar de congregar por causa das pressões.

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Ziel Machado: Não. A separação entre igreja e Estado é uma conquista, um avanço civilizacional. Qualquer regressão nesse processo é um desserviço à nação, ao país, à igreja e também à causa do evangelho. O compromisso do cristão é com Cristo, não é com a pauta a, b ou c. O cristão tem que, em obediência a Cristo, aprovar aquilo que é bom e reprovar aquilo que é mau, seja qual for o político de plantão.

Em geral a igreja se aproxima do poder seduzida pela ideia de que é capaz de convertê-lo. Mas a história nos mostra que todas as vezes a igreja acaba se tornando uma validadora do status quo e cúmplice de desmandos, comprometendo a pureza do evangelho, escandalizando os pequeninos e se aliando a um projeto de poder.

O poder de que a igreja precisa é o poder do Espírito Santo, o poder para ser testemunha da verdade. Portanto, essa tradição profética consiste em dizer a verdade em nome de Deus, em sofrer pela verdade em nome de Deus, e em nunca abrir mão da verdade em nome de Deus. Para agir assim, a igreja não pode estar comprometida com este ou aquele candidato.

Jacira Monteiro: De modo algum. A partir do momento em que a igreja se alia a algum candidato específico, há um comprometimento com relação a ser voz profética — a voz que denuncia o mal e prega o juízo do Senhor sobre os iníquos. É o que temos visto na igreja evangélica brasileira atual: líderes que silenciam a respeito de — ou tentam justificar — atos iníquos e repugnantes do atual gestor do poder executivo, pois se renderam e, assim, a denúncia com relação à maldade ficou comprometida.

Ricardo Barbosa: No Antigo Testamento, embora às vezes profetizassem contra outros reis e nações, normalmente os profetas falavam em nome de Deus para o povo de Deus, Israel. Durante o período do Novo Testamento, temos imperadores cruéis em relação a cristãos e não cristãos. Mas não encontramos praticamente nenhuma linha, em todo o Novo Testamento, denunciando a maldade dos imperadores romanos. Jesus denuncia a hipocrisia das lideranças judaicas, mas diz pouco, quase nada, em relação às autoridades civis. Por quê? Em compensação, encontramos não só exortações e advertências dirigidas ao povo de Deus, como também recomendação para que sejam submissos às autoridades civis.

Sendo assim, que conclusões devemos tirar dessas diferentes abordagens? A primeira é que precisamos, urgentemente, de profetas que denunciem o mal na igreja, no meio do povo de Deus, que exortem a igreja a ser o povo que Deus deseja e a cumprir sua vocação de ser sal e luz no mundo em que vivemos.

A segunda é que a palavra profética é voltada para dentro, para o povo de Deus. No entanto, nada impede que o mal social e político seja denunciado. Temos que ser cuidadosos, porém, para não querer tirar a “trave” que está no olho dos outros, particularmente dos políticos, sem antes limpar o cisco que está em nosso olho.

Outro risco é sermos parciais e reducionistas. Os males numa sociedade vêm de várias fontes. Os poderes (principados e potestades) atuam não só através da política, mas de todas as esferas: na política (envolvendo os três poderes, em nosso caso), no sistema financeiro, na propaganda e na mídia, na educação, apenas para citar alguns exemplos. Se pretendemos denunciar o mal, precisamos primeiro identificar os poderes que atuam para, então, denunciá-los.

Tudo isso toca na questão seguinte: A igreja deveria se aliar a algum candidato em particular? Pessoalmente, eu diria que não, pois isso fere o princípio histórico da separação entre igreja e Estado, e compromete, como tem comprometido, o testemunho da igreja, em especial quando ela precisa denunciar o mal. No entanto, é preciso reconhecer que as igrejas têm garantido, por lei, o direito de se posicionarem politicamente, caso queiram. Embora eu não concorde com essa decisão, ela cabe a cada comunidade local, ou mesmo à denominação.

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Bolsonaro e sua abordagem com os evangélicos

2ª pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Image: Fernando Frazão / Agencia Brasil

De que modo a forma como Bolsonaro aborda os evangélicos é diferente da forma usada pelos presidentes anteriores?

Guilherme de Carvalho: Bolsonaro se colocou abertamente como representante dos evangélicos; é a primeira vez que uma presidência não trata os evangélicos como “os outros”. Ele conseguiu fazer isso mesmo sem ser evangélico. Seu sucesso lança luz sobre um problema que venho apontando já há algum tempo: as elites culturais nacionais ainda não concederam cidadania brasileira ao movimento evangélico.

Iza Vicente: Bolsonaro conseguiu o que muitos líderes religiosos jamais conseguiram: unir diversos segmentos evangélicos, das mais plurais denominações e tradições. Tal união não se deu a partir da unidade em Cristo, mas sim pelo medo que a propaganda bolsonarista fomentou no meio evangélico, e também pela sede de poder e reconhecimento de grande parte dos líderes evangélicos. Mesmo com os evangélicos em pleno crescimento, com a ascensão da bancada evangélica, e sem nenhum tipo de perseguição sistemática, Bolsonaro utilizou falácias e discursos vazios para indicar que mudanças na sociedade envolvendo direitos civis de minorias representam um ataque aos valores que os evangélicos prezam, e que ter um presidente supostamente cristão atenuaria esses efeitos.

Ziel Machado: Bolsonaro tem mais vínculos com a comunidade evangélica. Sua esposa é evangélica, ele teve mais presença na igreja evangélica, um pastor evangélico celebrou seu casamento. Assim, seu vínculos com os evangélicos antecedem os vínculos políticos. São vínculos de amizade, de alguém que se simpatiza e se identifica com os valores cristãos. Portanto, não é só uma estratégia política. Tornou-se uma estratégia política, mas esses laços antecedem seu uso político.

Os outros presidentes não têm essa mesma proximidade com o mundo evangélico, e tratam-no como mera aproximação política, como se fosse uma estratégia de campanha. Com isso não quero dizer que essa atitude seja inválida ou inadequada. De fato, uma aproximação política honesta pode ser mais ética do que uma aproximação afetiva entrelaçada com valores confusos.

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Jacira Monteiro: Bolsonaro cooptou os cristãos, a partir de manipulação, oferecendo-se como a única salvação contra a esquerda, contra o PT. Apresentou-se como um messias. Pegou para si pautas importantes para os cristãos, como as questões do aborto e da família, e fez delas a base de sua campanha. Também fez (e continua fazendo) um jogo de doisladismos: “ou eu sou o presidente e livro vocês do mal, do Satanás — a saber, do PT e da esquerda — ou o Brasil volta para as trevas”. Tudo isso usando em sua campanha um linguajar agressivo e polarizado.

Ricardo Barbosa: Desde que os evangélicos se tornaram uma força política, em virtude do seu crescimento numérico, os políticos têm procurado construir pontes para se aproximar desse grupo e conquistar seus votos, visitando igrejas, participando de eventos religiosos, por exemplo.

Segundo dados do livro do antropólogo Juliano Spyer, “O Povo de Deus”, na década de 70, os evangélicos representavam apenas 5% dos brasileiros. Hoje são um terço da população adulta do país, e seguem crescendo. Parece-me que de todos os presidentes, desde Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) até Bolsonaro, Bolsonaro foi quem melhor se identificou com uma parcela significativa de cristãos (evangélicos e católicos), pela sua linguagem, pelos valores que defende, como a família tradicional, o patriotismo, por se opor às ideologias de gênero. Grande parte do eleitorado cristão brasileiro se importa muito com estes mesmos valores.

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Bolsonaro acredita em “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”?

1ª pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Image: Antonio Cruz / Agencia Brasil

O slogan da campanha de Bolsonaro é: “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”. Você vê esse slogan como algo em que ele realmente acredita?

Guilherme de Carvalho: No meu julgamento, e com base em testemunhos de pessoas com acesso ao presidente, creio que ele realmente acredita nesse slogan. Ele não é um farsante — ao menos, não o é conscientemente. A questão é outra: ele não tem uma compreensão de Deus e do que tal slogan implicaria de fato para a nação. A razão de ter escolhido esse slogan é evidente: para se comunicar com uma faixa das populações católica e evangélica praticantes, cujos valores são ignorados por nossas elites culturais.

Lamentavelmente, Bolsonaro tem uma compreensão distorcida de Deus e do evangelho, e isso faz com que ele tome o nome de Deus em vão, associando-o ao seu projeto pessoal. Mas isso não é uma novidade política; vivemos num país em que há um cristianismo cultural muito disseminado e bastante distorcido. O brasileiro comum fala de Deus o tempo inteiro, apesar de não saber bem do que está falando. A esquerda tenta também, às vezes, usar o nome de Deus, mas convence pouco, pois todos notam que é uma farsa. No caso do Bolsonaro é mais difícil mostrar o engano, justamente por ele acreditar no que diz.

Iza Vicente: Apesar de ser impossível afirmar quais são as crenças mais profundas de uma pessoa, inclusive as do Bolsonaro, entendo que o slogan adotado pelo bolsonarismo não nasce de uma genuína convicção na soberania e na magnitude de Deus, mas sim de uma isca de marketing para capturar o sentimento de fé presente na maioria dos brasileiros. É também uma sinalização autoritária e teocrática, pois, ao enfatizar o “Deus [que está] acima de tudo” como imperativo de força, ele se esquece do Deus que também esteve entre nós, sendo servo de todos.

Ziel Machado: Quem transforma Deus em cabo eleitoral está correndo o sério risco de tomar o nome de Deus em vão.

Durante a pandemia, Bolsonaro fez deboche de pessoas que estavam morrendo de COVID-19 e lutavam para respirar. Para mim, essas ações não demonstraram um conhecimento ou uma relação com o Deus das Escrituras. Então, é possível que ele acredite no que diz, mas comparando o que ele diz com seus atos de misericórdia, que foram nulos, equivale a tomar o nome de Deus em vão e passa uma imagem não bíblica de Deus. E um presidente cujas políticas têm mostrado repetidamente falta de empatia pela dor do povo não pode estar se referindo ao mesmo Deus amoroso e compassivo das Escrituras.

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Jacira Monteiro: Esse slogan é propaganda política, e não uma crença de Bolsonaro. Os evangélicos são alvos de conquista por parte dos políticos, pois, no Brasil, têm um peso de voto considerável. Valendo-se da prerrogativa de ser cristão (embora seu cristianismo certamente não seja o mesmo da Bíblia, não seja o cristianismo de Jesus Cristo), Bolsonaro conquistou cristãos evangélicos, manipulando essa massa com o seu slogan “cristão”.

Contudo, o próprio Deus disse que devemos “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22.21). A separação entre Estado e igreja é um princípio bíblico. O cristão que busca poderio político e manipula cristãos com esse propósito não entendeu os ensinos de Jesus e está em pecado.

Sobre a segunda parte do slogan, é óbvio que nós, como brasileiros (as), devemos amar o Brasil e lutar pelo bem comum. Mas patriotismo cego não é algo cristão, pois a Bíblia diz que nossa pátria está nos céus (1Pedro 2.11 e Filipenses 3.20), não aqui na terra. O Brasil não deve estar acima de todos, mas deve, sim, servir a todos. Como cristãos somos chamados a servir, não a dominar, e um presidente “cristão” deveria saber disso.

Ricardo Barbosa: Geralmente, o slogan de uma campanha política ou de um governo funciona como uma forma de publicidade, de afirmação de valores e expectativas etc. O slogan do Bolsonaro é isso. Imagino que ele o tenha escolhido para afirmar valores como fé, religião, pátria ou patriotismo. Mas não tenho como responder à pergunta se ele acredita ou não neste slogan. É uma pergunta que só ele pode responder.

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Para além de Bolsonaro e Lula: o que importa para os evangélicos na hora de votar

Cinco líderes cristãos avaliam os fatores que devem orientar a igreja, enquanto os crentes se preparam para a próxima eleição presidencial.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Image: Nadine Marfurt / Unsplash

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Em 16 de agosto, foi dada a largada para o início oficial da campanha para a eleição presidencial de 2022. Manchetes de jornais nacionais e internacionais comprovam um fato curioso: a religião terá um papel preponderante nessas eleições. A religião foi o assunto abordado com destaque no primeiro dia pelas duas campanhas favoritas nas pesquisas de votos, o que já dá o tom da estratégia a ser adotada. Questões como o fechamento de igrejas, a luta do bem contra o mal, entre outras desse tipo, estão prevalecendo no debate dos candidatos, em detrimento de pautas importantes, como o desemprego, a inflação, a crise ambiental e outras questões cruciais para o país e as próximas eleições.

Segundo analistas políticos, a aposta dos candidatos, sobretudo de Bolsonaro, em pautas do universo religioso e mais conservador tem a ver com um fato claramente demonstrado pelas últimas pesquisas: o eleitorado que mais está se movimentando no momento é o evangélico. Segundo uma pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), divulgada em 29 de agosto, Bolsonaro vinha crescendo nesse segmento, e alcançou 48% dos votos dos evangélicos, enquanto Lula tinha 26%. Em uma pesquisa do Datafolha, mais recente, divulgada em 15 de setembro, Lula está com 32% das intenções de voto dentro do segmento dos evangélicos, ante 49% de Bolsonaro.

Está sendo devidamente montado um grande palco, cujo cenário apocalíptico retrata a luta do bem contra o mal, e com isso vão sendo deixados em segundo plano os programas de governo dos dois candidatos favoritos nas intenções de voto. É inegável, portanto, o impacto dos evangélicos nas eleições de outubro, eleitorado que corresponde a cerca de 25% dos que irão às urnas para votar.

Soma-se a isso a crescente influência de pastores na decisão do voto evangélico, fato que tem levado a mídia a substituir a expressão “voto de cabresto” por “voto de rebanho”. É bem verdade que não podemos colocar todos os evangélicos nem todos os pastores na mesma cesta, como se fossem uma coisa só. O universo evangélico no Brasil é extremamente multifacetado. Mas, grosso modo, é possível dizer que uma parcela significativa dos eleitores evangélicos tem sido fortemente influenciada por uma parcela de pastores que estão usando até mesmo o púlpito na atual campanha eleitoral.

Diante desse cenário, a revista Christianity Today achou relevante entrevistar líderes cristãos, para que tivessem uma oportunidade de expor o que pensam a respeito desses temas e de como deve ser o testemunho cristão em face deles e nas eleições deste ano. Tivemos a especial preocupação de entrevistar pessoas que tivessem uma postura irênica, ou seja, pessoas que fossem capazes de promover o diálogo, e não de acirrarem ainda mais os ânimos, muitas vezes já um tanto exaltados.

Esperamos, dessa forma, contribuir para uma reflexão biblicamente informada em torno dessas questões importantes para o futuro do país, a fim de que todos possamos assumir uma postura equilibrada e um testemunho maduro como cidadãos do Brasil e do Reino de Deus.

Guilherme de Carvalho Presidente da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2). Siga-o no Twitter.

Iza Vicente Advogada, especialista em Direitos Humanos, mestranda em Administração Pública e Vereadora da cidade de Macaé (RJ). Siga-a no Twitter.

Ziel Machado Vice-reitor do Seminário Teológico Servos de Cristo, pastor da Igreja Metodista Livre (SP) e teólogo especializado em Cristianismo Contemporâneo London Institute for Contemporary Christianity. Siga-o no Twitter.

Jacira Monteiro Escritora, autora de “O Estigma da cor” e pós-graduanda em Teologia Bíblica e Exegética do Novo Testamento. Siga-a no Twitter.

Ricardo Barbosa Pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, autor de “Janelas para a vida” e “O caminho do coração” e coordenador do Centro Cristão de Estudos em Brasília.

Marisa Lopes é diretora editorial da Christianity Today em português.

Igor Sabino é especialista em Relações Internacionais, Religião e Antissemitismo. PhD em Ciência Políticas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e colaborador do Philos Project Brasil. Siga-o no Twitter.

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Christianity Today August 29, 2022
Associated Press / Edits by Christianity Today

Este artigo faz parte da edição de setembro da revista impressa da CT e as informações registradas aqui podem não mais corresponder ao atual cenário.

Só Deus sabe como os evangélicos vão acabar votando nas próximas eleições no Brasil. Em maio, as pesquisas previam que estavam incrivelmente divididos: 39% dos evangélicos indicavam preferência em votar no presidente Jair Bolsonaro nas eleições de outubro e 36% diziam que pretendia votar no principal adversário da esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, uma pesquisa recente do Datafolha, realizada em agosto e divulgada no dia 18, mostra que a intenção de voto entre os evangélicos passou para 49% a favor de Bolsonaro e 32% a favor de Lula.

Na última eleição, cerca de 70% dos evangélicos votaram em Bolsonaro, o ex-capitão do Exército, conservador, que se empenhou com o lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Caroline Vidigal de Albuquerque, evangélica que trabalha como secretária executiva no Rio de Janeiro, é uma delas. Ela disse à CT que gostou da maneira como Bolsonaro defendeu o “pensamento cristão, contrário ao marxismo”. Ela acreditava que as vozes de esquerda haviam dominado por muito tempo e notou quando o político católico dividiu o palco com líderes evangélicos e pentecostais, durante a campanha para a última eleição.

Enquanto se prepara para voltar às urnas, porém, Caroline pretende olhar o histórico de governo do atual presidente e compará-lo com o tempo em que Lula esteve no mesmo cargo, de 2003 a 2010.

“Podemos comparar as ações com os discursos do período eleitoral”, disse. “Neste caso, assim como na vida, a realidade deve sempre se impor.”

Muitos dos colegas de Caroline, também eleitores evangélicos — que representam cerca de 30% da população brasileira — podem priorizar questões diferentes desta vez. Jorge Henrique Barro, pastor presbiteriano e professor de teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, diz acreditar que as preocupações econômicas podem superar as ideológicas em 2022. Os evangélicos tendem a estar mais pobres no Brasil e foram duramente atingidos pela inflação e pelo desemprego.

Entre a COVID-19 e o impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia, a inflação ultrapassou 11% em abril, a taxa mais alta em duas décadas. A taxa de desemprego caiu de 11,1% para 9,3% no segundo trimestre de 2022, segundo dados mais recentes do IBGE, mas ainda é bem alta, mesmo depois que a economia se recuperou ligeiramente da pandemia.

“Temos uma população excluída, pobre, negra, de baixa renda e com baixa escolaridade exposta a riscos habitacionais e de saúde”, disse Barro. “As maiores demandas desses eleitores têm a ver com suas necessidades básicas.”

A pergunta mais importante para eles, nas urnas, disse Barro, provavelmente será: “Quem é mais capaz de ajudar o Brasil a sair da situação dramática em que se encontra?”

Na esquerda: Atual presidente Jair Bolsonaro | Na direita: Ex-presidente Luiz Inácio Lula da SilvaGetty / Stringer
Na esquerda: Atual presidente Jair Bolsonaro | Na direita: Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Os evangélicos não são um bloco monolítico, no entanto. No congresso nacional, há 196 deputados e 7 senadores que pertencem à Frente Parlamentar Evangélica. Eles estão espalhados por 19 partidos políticos diferentes. O maior grupo, 42 deles, é integrante do Partido Liberal, o partido de direita do presidente Bolsonaro, ainda que isso não seja uma maioria.

Embora a maioria dos evangélicos apoie pontos-chaves da pauta do Partido Liberal — como a defesa da família tradicional, a liberdade religiosa e os nascituros — há questões em que divergem. O governo de Bolsonaro procurou afrouxar as regulamentações ambientais, por exemplo, enquanto 85% dos evangélicos do país dizem que atacar a natureza é um “pecado contra Deus”.

Alguns pastores evangélicos continuam apoiando Bolsonaro, mas, nesta eleição, são mais claros quanto a expressar certas reservas.

“Eu não uso camiseta com o rosto dele estampado”, disse Jaime Soares, pastor da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro, ao Los Angeles Times. Mas, acrescentou: “Ele é quem está defendendo nossos valores”.

Nas últimas eleições presidenciais, pesquisas mostraram que apenas 19% dos evangélicos receberam instruções políticas do púlpito. Bolsonaro, porém, claramente tentou se conectar visualmente a líderes cristãos. Ele apareceu ao lado de conhecidos televangelistas e pentecostais, entre eles Silas Malafaia, Marcos Feliciano e Edir Macedo, o bispo da maior denominação adepta da teologia da prosperidade no país. O presidente também participou da Marcha para Jesus, conferindo grande prestígio ao evento.

Ainda mais significativo é o fato de que, em 2021, Bolsonaro cumpriu uma promessa de campanha e nomeou um evangélico para o Supremo Tribunal Federal. Ele descreveu o ex-ministro da Justiça, que tem doutorado em Estado de Direito e mestrado em estratégias anticorrupção pela Universidade de Salamanca, na Espanha, como alguém “terrivelmente evangélico”.

Líderes pentecostais — especialmente aqueles que pregam a prosperidade — parecem ter se aproximado do presidente nos últimos quatro anos. Alguns líderes da Igreja Presbiteriana do Brasil também estão bastante próximos de Bolsanaro, e têm usado seus púlpitos para levar as pessoas a votarem nele, além de considerarem tomar medidas disciplinares contra cristãos que apoiarem candidatos progressistas ou de esquerda.

Outros cristãos no país, no entanto, têm criticado duramente essa proximidade de alguns líderes da igreja com Bolsonaro. É bom que os evangélicos participem da política, dizem eles, mas há perigo na devoção ao poder.

“Esta comunidade aspira ao poder político”, disse Peniel Pacheco, pastor da Assembleia de Deus e professor de teologia que serviu anteriormente no congresso. “Busca enriquecer-se com benesses do Estado, a fim de garantir vantagens econômicas e fiscais para seus redutos denominacionais.”

Recentemente, alguns evangélicos foram apanhados em escândalos de corrupção. Em março, os jornais obtiveram um áudio de Milton Ribeiro, pastor presbiteriano e o então ministro da educação, em que aparentemente confessava tráfico de influência. A Procuradoria Geral da República abriu uma investigação.

“A igreja estava muito longe do poder, e agora está muito perto”, disse William Douglas, juiz federal do Rio de Janeiro. “Precisamos ter uma vida política, mas não podemos deixar que a igreja vire uma presa [do poder].”

Alguns cristãos esperam que os últimos quatro anos levem os evangélicos a refletir sobre seu testemunho e seu chamado. Eles estão encorajando uma reavaliação antes das próximas eleições.

“Anseio e espero que a igreja evangélica faça seu dever de casa, para que possa atuar com mais eficiência na arena pública, com mais eficácia na disseminação dos valores da […] cidadania”, disse Ed René Kivitz, pastor de uma megaigreja batista em São Paulo. “A maior contribuição da igreja evangélica para a democracia brasileira é a preservação do meio ambiente e o espírito democrático de suas comunidades.”

Se Lula pode ou não tirar vantagem disso e atrair eleitores evangélicos, ainda não se sabe. Muitos simplesmente não acham que ele defenderá seus valores.

Em abril, antes do início da campanha, Lula defendeu a descriminalização do aborto no Brasil. Ele disse que o aborto faz parte dos cuidados com a saúde. Após críticas ferozes, o candidato falou sobre como se opõe pessoalmente ao aborto.

Na maioria das vezes, ele evita questões culturais e se concentra na economia.

“Não acho impossível que o [Partido dos Trabalhadores] abra caminhos para a negociação com os evangélicos”, disse o antropólogo Juliano Spyer, que escreveu Povo de Deus: quem são os evangélicos e porque eles importam?, um livro sobre os evangélicos e o Brasil contemporâneo.

Mas isso pode não acontecer até o segundo turno de votação estreitar a disputa de 12 candidatos para 2.

“Cinco meses é um período muito curto para essa abordagem mais eficaz”, disse Spyer. “O abismo é muito profundo.” O primeiro turno de votação será em 2 de outubro.

Mesmo que os eleitores evangélicos não sintam uma conexão orgânica e natural com Lula e o Partido dos Trabalhadores, mais de um terço está considerando apoiar o ex-presidente. Durante seus dois mandatos, ele introduziu com sucesso reformas sociais que tiraram milhões de pessoas da pobreza aguda e, ao mesmo tempo, reduziu a dívida nacional. Além disso, a classe média cresceu durante sua presidência.

O ex-presidente foi envolvido em uma ampla investigação sobre um escândalo de corrupção e foi condenado, em 2018, por aceitar subornos de uma empresa de engenharia que queria ganhar um contrato lucrativo com a Petrobrás, empresa estatal de petróleo. Ele foi condenado a 12 anos de prisão, mas a condenação foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal por motivos técnicos, que envolvem erros jurisdicionais e processuais.

A substância das acusações e seu significado, em 2022, dividem a nação; os evangélicos também estão divididos.

Rodrigo Cavalcanti Rabelo, um evangélico que votou no PT em 2018, diz que está cansado de cristãos que abraçam uma “bipolaridade hostil”.

Ele espera que, nesta eleição, os evangélicos lembrem-se de conversar uns com os outros como irmãos, irmãs, cidadãos e cidadãs.

“A capacidade de diálogo é essencial”, diz ele, “para superarmos a grave situação econômica e social que estamos enfrentando”.

Marcos Simas tem doutorado em estudos religiosos. Carlos Fernandes é um repórter no Brasil.

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Books
Review

Jesus liberta homens e mulheres para perguntarem ‘como posso servir’, e não ‘quem está na liderança’

Nossa visão dos papéis e das relações de gênero deve começar pelo padrão de humildade de Cristo.

O unguento de Madalena (Le parfum de Madeleine), por James Tissot, 1886-1894.

O unguento de Madalena (Le parfum de Madeleine), por James Tissot, 1886-1894.

Christianity Today August 26, 2022
Brooklyn Museum do Brooklyn / WikiMedia Commons

Os próprios discípulos de Jesus frequentemente não entendiam o que ele estava fazendo. Tiago e João almejavam cargos importantes em seu reino, e pleitearam posições de poder, prestígio e autoridade. A resposta de Jesus foi essencialmente lhes dizer que eles estavam se desviando do propósito. Seu reino não funcionava como os reinos das nações.

Jesus and Gender: Living as Sisters and Brothers in Christ

Jesus and Gender: Living as Sisters and Brothers in Christ

Lexham Press

288 pages

$19.02

Para Elyse Fitzpatrick e Eric Schumacher, os debates intraevangélicos em torno de gênero e papéis de gênero, nas últimas décadas, parecem repetir o foco equivocado de Tiago e João, pois se concentram em questões de quem ocupa a liderança e deixam de lado o padrão de humildade e modéstia com que Jesus exercia o poder. Em Jesus and gender: Living as sisters and brothers in Christ, Fitzpatrick e Schumacher tentam ir além da estrutura de décadas baseada em complementarismo versus igualitarismo, quando o assunto são as questões de gênero e seus respectivos papéis no casamento, na igreja e na sociedade.

Evitando a maioria dos termos normalmente usados, que caracterizam grande parte desse debate, eles se concentram em um paradigma “crístico”, argumentando que o evangelho e o estilo de vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus mostram que o verdadeiro poder se manifesta no serviço e que a verdadeira autoridade se valida por meio de humildade e autodoação. As boas novas de Jesus moldam tudo, inclusive o modo como mulheres e homens se relacionam.

Autoridade conjunta

Nos três primeiros capítulos, os autores fornecem os fundamentos teológicos para sua abordagem. Jesus deve estar no centro de nossa teoria e prática sobre gênero e papéis de gênero e, se não conseguirmos entender a maneira como ele reformula as questões de poder e autoridade, provavelmente traremos para nossa vida uma definição mundana desses assuntos. Esquecer a centralidade de Jesus, segundo eles apontam, terá impactos devastadores nos casamentos, nas famílias, na igreja e na sociedade como um todo.

Graças à nossa sede de poder, abusos e constantes batalhas por poder caracterizam aqueles que não conseguem entender o caminho de Jesus. O remédio para isso é fixar nossos olhos em Jesus, nosso irmão mais velho que nos chama de irmãos e irmãs no corpo de Cristo. Por causa de Jesus, as mulheres têm o status de filhas adotivas na família de Deus e os homens fazem parte da noiva de Cristo. Essas imagens bíblicas não pretendem minar nem descartar o gênero, mas mostrar que homens e mulheres são chamados e unidos por Jesus em sua nova família.

Nos quatro capítulos seguintes, Fitzpatrick e Schumacher articulam uma visão “crística” de gênero que eles resumem da seguinte forma: “Em Cristo, homens e mulheres crentes devem glorificar a Deus cooperando para o avanço do evangelho e imitando a Cristo em humilhação voluntária, benevolência recíproca e florescimento mútuo”. Como portadores da imagem de Deus, homens e mulheres recebem o mandato da criação. Como irmãos na casa de Deus, mulheres e homens recebem a Grande Comissão e são chamados para encorajar e equipar uns aos outros para os chamados que Deus nos deu. Como o subtítulo acima destaca, essas tarefas e chamados são dados a homens e mulheres em conjunto.

Os próximos três capítulos descrevem mais especificamente como essa visão crística de gênero molda o casamento, a maternidade/paternidade e a igreja. No casamento, marido e esposa são chamados a prestarem serviço e amor gratuitamente. Na maternidade/paternidade, os filhos devem ser criados e instruídos no discipulado cristão, não em papéis de gênero (os quais, em sua maioria, decorrem de expectativas culturais mais amplas, e não das Escrituras). E, na igreja, homens e mulheres são chamados a exercer autoridade conjunta, a qual flui não do gênero, mas da autoridade e do poder das Escrituras, um poder de persuasão, e não de força.

Finalmente, o livro conclui apresentando uma ampla gama de histórias de mulheres e homens que estão servindo suas igrejas e comunidades de variadas maneiras e conforme seus múltiplos chamados. Essas histórias ilustram de forma proveitosa o ponto-chave dos autores: seu foco não é quem fica no comando, mas sim como homens e mulheres são chamados a servir, todos usando seus dons para edificar a igreja e comunicar o amor de Cristo.

Uma prática de poder diferente

A obra Jesus and gender: Living as sisters and brothers in Chris tem vários pontos fortes. Ela se concentra no evangelho e na encarnação, tomando como base o que Jesus nos mostra sobre o que significa ser humano. Fitzpatrick e Schumacher incansavelmente, e com razão, nos apontam de volta para a vida, a morte, a ressurreição e a ascensão de Jesus como um modelo para nosso modo de pensar e de viver em relação à autoridade e ao poder.

Felizmente, eles evitam uma abordagem do tipo “Jesus versus a Bíblia”, a qual alguns adotam para se esquivar de todo o conselho das Escrituras. Em vez disso, os autores enfatizam que as Escrituras podem e devem vincular nossa consciência. No entanto, também apontam que algumas das estruturas supostamente “bíblicas” para gênero vão além das Escrituras, e importam estereótipos culturais de gênero para a discussão. Ambos repetidamente denunciam esse erro — e com razão, pois quando as pessoas ensinam, erroneamente, estereótipos culturais de gênero como [se fossem] bíblicos geram desorientação e desconfiança em relação a assuntos sobre os quais as Escrituras são firmes e claras.

Outro ponto forte do livro são seus exemplos concretos de ministério na vida real, que incluem testemunhos em primeira mão de homens e mulheres que servem de várias maneiras. Esses modelos são de grande ajuda, visto que algumas das terminologias usadas pelos autores podem ser bastante genéricas. Por exemplo, eles falam (como citamos acima) de nosso chamado como irmãos e irmãs para trilhar o caminho da “humilhação voluntária, benevolência recíproca e florescimento mútuo”. Essas são boas palavras, é claro, mas precisam assumir uma forma, e é precisamente por isso que exemplos encarnados de variadas caminhadas e fases da vida são tão úteis. Os santos que compartilham suas histórias são claramente irmãs e irmãos que não estão preocupados com quem está no comando. Em vez disso, eles estão perguntando: “Como posso servir?”.

Alguns leitores, no entanto, podem ficar frustrados com a falta de uma resposta firme dos autores sobre questões específicas de liderança masculina e feminina dentro da igreja. Para Fitzpatrick e Schumacher, no entanto, isso não é um descuido acidental, mas uma omissão intencional. Em vez disso, eles enfatizam que questões de ordenação e de liderança devem ser decididas “nos contextos da igreja local, onde os membros escolhem livremente seguir a Cristo conforme sua consciência e a luz das Escrituras lhes é dada a conhecer”.

Dessa forma, os autores se alinham com aqueles que veem questões de gênero e de liderança como questões de segunda linha, sobre as quais as igrejas podem concordar em discordar. (Nos meus círculos, isso inclui denominações e redes recém-formadas como a Aliança das Igrejas Reformadas e a Rede do Reino). É improvável que essa postura satisfaça os adeptos mais linha-dura, tanto complementaristas quanto igualitaristas. Mas se encaixa na estratégia dos autores, a qual prioriza o uso de nossos dons para servir ao corpo de Cristo acima de qualquer preocupação com poder e prestígio.

Embora o livro tenha muitas características louváveis, uma omissão parece um pouco gritante. Com um título como Jesus and gender, eu esperava encontrar algum nível de envolvimento não só com inúteis estereótipos bíblicos de gênero, que exageram na diferença entre homem e mulher, mas também com a tentativa inútil de nossa cultura mais ampla de apagar o gênero ou de reduzi-lo a nada mais do que um mero construto social. Este livro aborda questões suscitadas pelos debates de gênero intraevangélicos, que pressupõem as categorias básicas de masculino e feminino, mas não aborda questões suscitadas pela teoria de gênero contemporânea.

Entendo que o livro parece ser direcionado sobretudo a leitores provenientes de círculos eclesiásticos mais conservadores, os quais dificilmente negarão que Deus nos criou homem e mulher. Ainda assim, os autores poderiam ter se empenhado mais em abordar visões e práticas problemáticas da cultura mais ampla. Sem uma visão bem definida das diferenças de gênero, pode ser fácil fazer o pêndulo oscilar dos estereótipos culturais inflexíveis e antibíblicos dos conservadores para uma noção mais progressista de que o gênero em si é algo completamente maleável e inteiramente sujeito à escolha individual.

Apesar dessa omissão, no entanto, Jesus and gender continua sendo um recurso útil para nos levar mais além das batalhas de Tiago e João para o caminho de Jesus. A visão crística de Fitzpatrick e Schumacher nos aponta uma prática diferente de poder e autoridade, tanto dentro quanto fora dos muros da igreja. Em um mundo de antagonismos, a igreja precisa resgatar o que significa ser uma família de mulheres e homens unidos em humilhação voluntária, focados na benevolência recíproca e comprometidos com o florescimento mútuo. Em um mundo sedento de poder, esse caminho do serviço humilde seria um testemunho contundente da verdade daquele que veio para servir.

Branson Parler é diretor de educação teológica e professor de teologia na The Foundry. Ele é o autor de um livro a ser lançado, Every body’s story: 6 myths about sex and the Gospel truth about marriage and singleness.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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