Celebrando o avivamento em uma era de cinismo

O avivamento de Asbury nos lembra que Deus opera de maneiras que não podemos controlar

Christianity Today February 27, 2023
Illustration by Christianity Today / Source Images: Casey Johnson / Lightstock / Pexels

Este artigo foi adaptado da newsletter do Russell Moore. Para lê-la em inglês, inscreva-se aqui.

Nas últimas semanas, o mundo testemunhou um fenômeno que muitos supunham pertencer a eras passadas: um avivamento.

Para alguns, o avivamento de Asbury acendeu um renovado senso de esperança em relação ao futuro da igreja. Para outros, porém, os relatos de avivamento são recebidos de outra forma — um senso de cinismo embotado.

Por cinismo, não estou me referindo àqueles profissionais da mídia social, de qualquer tipo ou tribo, que são do contra — aqueles para quem quase tudo é uma ocasião para reacender velhas brigas com quem quer que eles encarem como “o inimigo”.

Em vez disso, estou me referindo àqueles de vocês que estão simplesmente desapontados e cansados. Você já viu tanta imitação, tanta coisa falsa, que fica difícil acreditar que algo tão extraordinário possa ser real.

Algumas semanas atrás, meu amigo Yuval Levin disse algo em nossa conversa no meu podcast que não consegui mais tirar da cabeça. Ele comentou que a maioria das pessoas pensa no cínico como o contrário do ingênuo — quando, na verdade, ser cínico é apenas outra maneira de ser ingênuo. Quanto mais pondero sobre esse ponto que ele levantou, mais acho que ele está certo.

O apóstolo Paulo nos disse “ponham à prova todas as coisas e fiquem com o que é bom.” (1Tessalonicenses 5.21). Existem pessoas que jogam fora esse árduo trabalho de pôr à prova todas as coisas e simplesmente ficam com tudo o que recebem — ou, ao menos, com tudo o que for pré-aprovado pela tribo, pela ideologia ou pelo movimento que essas pessoas seguem.

Essa é uma mentalidade preguiçosa que leva justamente para onde a Bíblia nos diz que levará — a convidar lobos que sabem como explorá-la. O cinismo, porém, demonstra o mesmo tipo de preguiça. Se a pessoa considerar tudo inautêntico já de início, não será preciso se dedicar ao árduo trabalho de pôr à prova os espíritos.

Para algumas pessoas, o cinismo é baseado em uma espécie de naturalismo materialista, que assume que as únicas coisas “reais” são as quantificáveis. Outros podem se apegar a determinada ideologia política que assume que as únicas coisas “reais” são aquelas que se podem mobilizar em prol dessa causa. Outros ainda podem ser cínicos devido a um fundamentalismo religioso, que evita qualquer mistério que pareça fora de sintonia com os seus silogismos.

Há outros — na verdade, para muitos — para quem o cinismo não é fruto de um espírito de luta, mas de um coração partido. Isso não é realmente cinismo da maneira como tendemos a concebê-lo, mas sim uma forma de autoproteção. Ninguém vai se machucar, supõe-se, se não esperar muita coisa. Tem a ver menos com embotamento ou cansaço e mais com entorpecimento, simplesmente.

Isso é compreensível. Algumas das pessoas mais nervosas que conheço com fatos como o avivamento de Asbury vieram de movimentos da igreja que eram, eles próprios, resquícios de algum outro avivamento, talvez o Movimento de Jesus [Jesus Movement] dos anos 1960 e 1970. Esses cristãos às vezes ficavam exauridos por uma espécie de estímulo emocional artificial — por meio do qual os líderes tentavam, de alguma forma, recriar o que haviam experimentado, quando o fogo do avivamento parecia mais próximo e mais forte.

Um amigo, oriundo de uma dessas tradições, me disse que não questionava a autenticidade do avivamento de Asbury. Na verdade, ele — assim como eu — fica animado com isso. Ainda assim, ele disse que não está preocupado com os próprios alunos ou com a direção da escola. Em vez disso, ele está preocupado com os vários parasitas que são atraídos por qualquer momento espiritual extraordinário e, em última instância, com aqueles que se farão presentes para vender coisas às pessoas ou usá-las para ganhar poder.

Se você se sentir nervoso ou cético em relação ao avivamento de Asbury, gostaria de lhe apontar para um dos lugares em que me senti mais cínico, exaurido e enojado: o rio Jordão.

Ao longo dos anos, levei grupos de alunos do seminário e outras pessoas a Israel e regiões vizinhas, para estudar a Bíblia nos lugares onde ocorreram os eventos das Escrituras. A maioria das pessoas que faziam essas viagens estava viajando para o Oriente Médio pela primeira vez.

Muitas delas comentaram sobre o quanto gostaram da Galileia em particular. Sentar-se nas campinas, perto do mar de Tiberíades, pode nos dar uma noção, a capacidade de imaginar como deve ter sido para alguém sentar-se nessa colina — talvez exatamente no mesmo lugar — enquanto ouvia Jesus ensinar. Muitos locais evocam uma reação semelhante.

Mas, então, há o Jordão.

Muitas vezes esperamos cerca de meia hora para ver o rio, porque algum pregador do evangelho da prosperidade estava lá, afundando nas águas ônibus lotados de pessoas que tinham vindo para “dedicar de novo” suas vidas a Cristo. E começamos a imaginar: quantas dessas pessoas também não deram dinheiro a esses pregadores, em troca de algum tipo de “bênção” que acreditavam poder obter?

E, evidentemente, para entrar e sair do rio Jordão é preciso passar pelas lojas de presentes. Lá é possível comprar chaveiros do rio Jordão, enfeites de Natal e “água genuína do rio Jordão”. O lugar parece tão voltado para o comércio e dessacralizado que imagino que, se Jesus chegasse lá agora, é possível que virasse as mesas dos cambistas, antes de procurar por seu primo, João Batista.

Os estudantes geralmente saem resmungando: “Aquilo não se parecia em nada com o rio Jordão”. É claro que, por definição, se parece exatamente com o rio Jordão — mas entendo o que eles querem dizer.

Mas será que a presença de marqueteiros, golpistas e parasitas no rio Jordão invalidam o que aconteceu lá? Eles de alguma forma anulam o fato de que Jesus — naquele mesmo rio — se identificou com todos nós, pecadores, nas águas do batismo? O barulho dos comerciantes vendendo suas mercadorias por acaso encobre a voz que uma vez trovejou lá do alto: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado” (Mateus 3.17)? De jeito nenhum.

No Evangelho de João, Jesus se livrou de líderes religiosos que tentaram prendê-lo, depois de ter dito algo que eles — corretamente — interpretaram como uma reivindicação de divindade. Para onde Jesus foi? De volta ao rio Jordão, “para o lugar onde João batizava nos primeiros dias do seu ministério” (10.40). As Escrituras nos dizem que muitos encontraram Jesus lá e disseram: “Embora João nunca tenha realizado um sinal miraculoso, tudo o que ele disse a respeito deste homem era verdade” (v. 41).

O romancista Jonathan Miles certa vez escreveu: “Na esteira de qualquer milagre vêm os peregrinos e, atrás deles, inevitavelmente, os vendedores de souvenirs”. Se o Pentecostes acontecesse hoje, as pessoas estariam tirando selfies em frente [ao local] da pregação de Simão Pedro. Dentro de alguns meses, alguém lançaria um álbum com Cânticos de adoração do Pentecostes. E muitos de nós nos perguntaríamos se é disso que trata o Pentecostes — só de mais espalhafato, mais estardalhaço.

A pergunta para nós, hoje, é a mesma que aqueles que encontraram Jesus no Jordão estavam se fazendo. Quer nós vejamos sinais quer não — quer nós possamos acreditar em nossos próprios sentidos, quando os vemos, quer não — a questão é: o que ouvimos a respeito do Filho de Deus é verdade?

Podemos ter certeza de que sim.

Avivamentos, por definição, são fenômenos passageiros. É por isso que devemos ser gratos quando testemunhamos um, à medida que os efeitos posteriores do vento do Espírito soprarem ao nosso redor. Mas isso vale para todos os nossos encontros com Deus. T. S. Eliot nos lembrou que captamos apenas flashes desses momentos incomparáveis em que parece que o tempo se encontra com o atemporal.

Em geral, olhamos para algum momento de nossas vidas em que Deus esteve extraordinariamente ativo e nos perguntamos: O que aconteceu lá atrás? E, às vezes, porque não podemos explicar nem repetir o que aconteceu, nos perguntamos se foi real. Isso ocorre, em parte, porque nós também somos vendedores de souvenirs. Queremos transformar esses encontros com Jesus em sinais tangíveis que possamos controlar.

Queremos o vidrinho com a água do rio Jordão, quando o que realmente precisamos é daquele que saiu daquelas águas. O avivamento — pessoal ou coletivo — tem a capacidade de nos lembrar que não estamos no controle, mas também não estamos abandonados ao caos.

Os plenos efeitos do avivamento de Asbury levarão anos para serem vistos. O que aconteceu no rio Jordão, infinitamente mais, está se propagando através dos milênios. Aqueles de nós que às vezes se tornam cínicos podem argumentar — e de forma convincente — que tal cinismo é merecido.

Mas talvez o que possa romper com tudo isso seja realmente esperar que Deus tão-somente possa ouvir, como já ouviu antes, nosso apelo sincero: “Aviva-nos de novo”.

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública.

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A Bíblia condena a brutalidade policial

As Escrituras denunciam policiais que abusam de sua autoridade e prejudicam as pessoas a quem servem, em vez de protegê-las.

Pessoas participam de uma vigília à luz de velas em memória de Tire Nichols em Memphis, Tennessee.

Pessoas participam de uma vigília à luz de velas em memória de Tire Nichols em Memphis, Tennessee.

Christianity Today February 27, 2023
Scott Olson / Getty

Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore. Para lê-la, assine aqui.

A nação está chocada, mais uma vez, com o vídeo que mostra a horrenda violência policial cometida contra um jovem negro, que foi espancado até a morte. A vítima desta vez foi Tyre Nichols, da cidade de Memphis, nos Estados Unidos.

Nós instintivamente nos esquivamos de assistir a este video, pois a maioria das pessoas dotadas de consciência em funcionamento normal sabe, de uma forma intuitiva, que ele é perverso. Neste momento, os cristãos devem reconhecer não apenas o fato de que a Bíblia condena esse tipo de comportamento policial, mas também o motivo por que condena.

Sempre que a revelação de uma violência como essa vem à tona, alguns ficam imediatamente na defensiva, dizendo: “Nem todos os policiais são assim; a maioria é boa.” E isso é verdade, claro; mas é essa verdade que torna tais ações de violência ainda piores.

É por isso que, entre as pessoas que conheço, os policiais estão entre os que mais se iram com esse tipo de comportamento. Eles o veem da mesma forma que eu vejo pregadores que usam a Bíblia para “justificar” seus golpes financeiros ou comportamentos sexuais predatórios. Eu percebo o que eles estão fazendo e, mais ainda, o quanto isso é horrível. Bons policiais veem os horrores da violência policial da mesma maneira.

Matanças desse tipo seriam um grave mal moral, independentemente do grupo de pessoas que as executasse. Tyre Nichols era um ser humano feito à imagem de Deus, e tirar sua vida não apenas rouba dessa família seu ente querido, mas também agride seu Criador. Contudo, o fato de que essa violência foi cometida por aqueles que estão encarregados de manter a justiça perverte ainda mais a situação.

A brutalidade policial é errada não porque a ideia de policiamento seja errada. Seja qual for a interpretação que se dê a Romanos 13, todos somos capazes de concordar que o apóstolo Paulo reconhecia a autoridade legítima dos encarregados de manter a ordem e coibir a injustiça. Paulo reconheceu isso em sua própria vida.

No entanto, quando foi preso injustamente, Paulo recusou-se a ir embora [da prisão] secretamente, como os guardas pediram. Em vez disso, ele os desafiou a enviar uma mensagem aos magistrados para quem trabalhavam: “Sendo nós cidadãos romanos, eles nos açoitaram publicamente sem processo formal e nos lançaram na prisão. E agora querem livrar-se de nós secretamente? Não! Venham eles mesmos e nos libertem” (Atos 16.37).

Quando policiais – ou qualquer outra pessoa investida de responsabilidade pública – cometem atrocidades e injustiças, eles estão fazendo mau uso do poder. E essa não é uma preocupação de menor importância para a vida cristã.

Quando João Batista pregou junto ao rio Jordão, alguns dos que se arrependeram e foram batizados eram centuriões romanos e coletores de impostos. Os coletores de impostos eram insultados por seus irmãos israelitas, e por boas razões. Afinal, eles colaboravam com um império pagão que ocupara o trono que pertencia à casa de Davi, pela aliança de Deus.

Quando ouvimos o termo coletores de impostos, muitas vezes pensamos em termos contábeis e burocráticos contemporâneos, como se fossem o equivalente aos agentes da Receita Federal. Mas, no primeiro século, os coletores de impostos eram temidos por seu potencial de fraudar as pessoas e lhes causar graves danos. Afinal, eles trabalhavam para um império que exibia seu poder e sua sede de sangue crucificando pessoas – especialmente os aspirantes a rebeldes – e pendurando seus corpos à margem das estradas.

E não só isso, mas os coletores de impostos e os soldados romanos frequentemente faziam uso da autoridade que lhes era outorgada para satisfazer os próprios apetites. Quando foram batizados, perguntaram a João Batista: “Mestre, o que devemos fazer?” (Lucas 3.12,14). A resposta dada aos coletores de impostos arrependidos instruía: “Não cobrem nada além do que lhes foi estipulado” (v. 13).

E, aos soldados, João disse: “Não pratiquem extorsão nem acusem ninguém falsamente; contentem-se com o seu salário” (v. 14). Para ambos os grupos, o chamado ao arrependimento foi um chamado para que parassem de usar sua autoridade – e, com ela, a ameaça implícita de violência – para fazer o mal.

Jesus fez o mesmo, quando encontrou Zaqueu, outro coletor de impostos que se arrependeu e devolveu quatro vezes mais do que havia tirado daqueles que havia defraudado (Lucas 19.8). Jesus também se enfureceu, quando a autoridade religiosa era usada para fazer a mesma coisa – e acusou os vendilhões de terem transformado o templo de Deus em um “covil de ladrões” (Mateus 21.13; Marcos 11.17; Lucas 19.46).

Parte da vida anterior que Paulo levara – ­que era para ele motivo de lamento e a qual deixou para trás, na estrada para Damasco – tinha a ver com o mau uso de sua autoridade. “E foi exatamente isso que fiz em Jerusalém. Com autorização dos chefes dos sacerdotes lancei muitos santos na prisão, e quando eles eram condenados à morte eu dava o meu voto contra eles”, disse Paulo mais tarde, durante o julgamento por suas crenças cristãs. “Muitas vezes ia de uma sinagoga para outra a fim de castigá-los, e tentava forçá-los a blasfemar. Em minha fúria contra eles, cheguei a ir a cidades estrangeiras para persegui-los” (Atos 26.10-11).

Talvez fosse por isso que Paulo era especialmente sensível ao fato de que a autoridade apostólica que Jesus lhe deu era “para edificá-los, e não para destruí-los” (2Coríntios 10.8). Quando a autoridade é pervertida, aqueles que não têm poder são devorados.

Em seu livro Corruptible: Who Gets Power and How It Changes Us [Corruptível: quem ganha poder e como ele nos transforma], o cientista político Brian Klaas escreve que as apostas são altas, quando aqueles que são investidos de autoridade para aplicar a lei não são confiáveis: “Quem você chama, se seu agressor for a polícia?” A maneira de lidar com esses abusos, segundo ele argumenta, não é apenas por meio de melhor treinamento e de responsabilização jurídica – por mais que essas duas coisas sejam necessárias e importantes.

Klaas menciona um vídeo que circulou, que mostra um departamento de polícia de uma pequena cidade exibindo orgulhosamente um tanque blindado militar. O problema não era o aparato tecnológico, mas a mensagem que ele passava àqueles que poderiam ser bons policiais, bem como aos que poderiam não ser. A maioria das pessoas que assiste a esse vídeo, escreve Klaas, pensa: Isso é loucura. E ele continua: “Mas outros assistem e pensam: ‘Quero fazer parte disso!’”

Tal demonstração de força atrai pessoas que concebem o policiamento como um exército de ocupação em plena guerra contra um inimigo, ao contrário daqueles que reconhecem a autoridade policial como uma responsabilidade de proteger e servir a comunidade. Os primeiros são o tipo de pessoa cujos carros ostentam adesivos do Justiceiro da Marvel – outro símbolo do vigilantismo violento que está em total desacordo com a vocação de aplicação da lei [pela autoridade policial].

Talvez o que seja ainda mais importante, segundo Klaas argumenta, é que a exibição de poder agressivo no vídeo do veículo blindado talvez possa eliminar possíveis policiais que tenham um senso equilibrado de autoridade com integridade.

“Os departamentos estão pensando muito em como mudar o comportamento dos policiais que já têm, enquanto pensam muito pouco no contingente invisível de aspirantes a policiais que ainda não têm”, escreve Klaas. “Para sanar a atuação da polícia, precisamos nos concentrar menos naqueles que já estão de farda e mais naqueles que nunca pensaram em vestir uma .”

A violência policial a que assistimos naquele vídeo de Memphis é algo imoral e injusto que vai muito além das palavras. É agravado pelo fato de que aqueles que praticam esse mal não estão se escondendo de uma autoridade incumbida de impedi-los. Em vez disso, eles estão usando justamente essa autoridade para praticar tais atrocidades. Nossas consciências sabem que isso é errado, e a Bíblia também diz isso.

Russell Moore é o editor-chefe e lidera o Projeto de Teologia Pública da Christianity Today.

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Books

“Não há celebridades aqui, exceto Jesus”: como Asbury protegeu o avivamento

Enquanto dezenas de milhares lotavam o campus, funcionários da escola se reuniam em um depósito para tomar decisões que “honrassem o que está acontecendo”.

Christianity Today February 25, 2023
Asbury University

Os shofars não começaram senão no sábado. Com eles, chegaram pretensos profetas que buscavam ocupar o centro do palco, na capela da Universidade Asbury, onde alunos oravam e louvavam a Deus desde a manhã de quarta-feira; também chegaram aspirantes a líderes que queriam reivindicar o avivamento para seus ministérios, suas agendas e sua notoriedade; e chegaram ainda pretensos perturbadores, que vieram dispostos a acabar com o que quer que estivesse acontecendo na pequena escola cristã no Kentucky, por meio de provocações, altercações e coisas piores.

Mas, no sábado, a Universidade Asbury estava pronta.

A escola não havia planejado um derramamento do Espírito. Mas, quando algo começou a acontecer, no meio da primeira semana de fevereiro — bem no meio do semestre e alguns dias antes do Super Bowl — uma mescla improvisada de administradores, funcionários, professores, amigos e vizinhos da universidade rapidamente se mobilizou. Eles se reuniram em um espaço usado para depósito, ao lado do Auditório Hughes, e depois destinaram uma sala de aula como local de facilitação e apoio do que quer que Deus estivesse fazendo ali.

Enquanto a notícia se espalhava, as multidões chegavam e surgiam debates on-line sobre o avivamento ser ou não “real”, esses homens e mulheres trabalhavam incontáveis horas para garantir que todos os que buscavam a Deus tivessem comida, água, banheiros e segurança. Parte da história por trás da história do avivamento de Asbury está no trabalho quase invisível que foi feito para protegê-lo.

“Havia 100 pessoas que se voluntariavam para qualquer horário, apenas para fazer esses serviços funcionarem com presteza”, disse à CT o presidente da Universidade Asbury, Kevin Brown. “Houve uma sala de aula que foi praticamente transformada em um centro de comando. Se você entrasse lá, veria fluxogramas na parede e quadros brancos cobertos de informações. Havia uma estação de check-in voluntário. […] Foi uma das façanhas técnicas mais impressionantes que já vi.”

O avivamento começou em um culto na capela, no dia 8 de fevereiro. Zach Meerkreebs, o assistente técnico de futebol, que também é coordenador de desenvolvimento de liderança para a organização missionária Envision, pregou sobre tornar-se amor em ação. O texto de sua pregação foi Romanos 12.

Quando começou a pregar, Meerkreebs disse aos alunos, os quais devem cumprir a exigência de frequentar três cultos por semana, que seu objetivo não era entretê-los. E que ele não queria que os alunos se concentrassem nele.

“Espero que vocês esqueçam a minha pessoa, mas também espero que alguma coisa vinda do Espírito Santo e da Palavra de Deus encontre terreno fértil em seus corações e produza frutos”, disse ele. “Romanos 12. Essa é a estrela, ok? A Palavra de Deus, Jesus e o Espírito Santo movendo-se em nosso meio, é isso que esperamos”.

Meerkreebs também falou com eles sobre a experiência do amor de Deus, em contraste com o “amor radicalmente pobre”, que é narcisista, abusivo, manipulador e egoísta.

“Alguns de vocês experimentaram esse amor na igreja”, disse ele. “Talvez não seja violento, talvez não seja molestador, não seja aproveitador — mas a sensação é como se alguém sacasse uma arma contra você.”

Porém, no final do culto, ninguém atendeu ao apelo para vir à frente da igreja, e Meerkreeb estava convencido de que ele não tinha feito uma boa pregação. Ele mandou uma mensagem para a esposa: “Não me saí bem. Chegarei em casa logo.”

Um trio de black gospel cantou a última música e o culto terminou — mas 18 ou 19 alunos ficaram. Eles se sentaram em vários grupos: alguns, ao longo da parede à direita; outros, em seus assentos; alguns, no chão do corredor; outros ainda, ao pé do palco. E continuaram em oração.

Zeke Atha, um aluno veterano, disse a um documentarista, poucos dias depois, que ele foi um dos que permaneceram na capela. Ele saiu depois de uma hora para assistir a uma aula, mas, quando a aula terminou, ouviu uma cantoria.

“Eu disse: ‘Certo, isso é estranho’”, disse Atha. “Então, voltei lá, e foi surreal. A paz que havia no local era algo inexplicável.”

Ele e alguns amigos saíram imediatamente correndo pelo campus, invadindo as salas de aula com um anúncio: “Está acontecendo um avivamento”.

A escola, ligada ao movimento wesleyano, tem uma tradição de avivamentos e uma teologia que ensina as pessoas a esperar e a observar o sopro de um vento divino. A universidade foi batizada com o nome de Francis Asbury, o primeiro bispo metodista americano a encorajar e a celebrar avivamentos, do Maine à Geórgia e de Maryland ao Tennessee.

Há também pessoas da comunidade do Kentucky que há muito tempo oram por um novo avivamento na escola, entre elas um professor de teologia vindo da Malásia, que às vezes andava pelas ruas com um cartaz que dizia: “Espírito Santo, você é bem-vindo aqui”.

Os administradores da escola, no entanto, não acharam de imediato que um avivamento estava começando, mesmo quando os jovens percorreram o campus gritando que estava. Somente quando o culto espontâneo de oração se estendeu pela tarde e noite adentro foi que os funcionários da escola perceberam que, provavelmente, teriam de tomar uma decisão sobre como responder ao que estava acontecendo.

Reunião em um espaço usado para depósito

Um comitê ad hoc para tratar do avivamento, com cerca de sete pessoas, reunia-se em um local tranquilo do Auditório Hughes — um espaço usado para depósito. De acordo com as várias pessoas que estiveram lá, eles empurravam para o lado uma bateria e um teclado, e sentavam-se lado a lado, ou melhor, joelhos com joelhos. Alguém encontrou uma lousa branca e eles se perguntaram: “O que vamos fazer nas próximas duas horas?”

Então, começaram a pensar um pouco mais a longo prazo: “Os alunos ficarão a noite toda? O que isso parece? Devemos deixar o sistema de som ligado? Devemos deixar que os alunos continuem a trazer violões para a capela?”

O grupo decidiu ter ministros que ficariam no Auditório Hughes, e ter a segurança vigiando o prédio, mas mantê-lo aberto. Eles deixariam os alunos ficarem, orarem e cantarem o quanto quisessem.

Outras decisões que tomaram nos dias seguintes parecem, à medida que esse comitê ad hoc reflete sobre elas agora, quase como se tivessem acontecido por instinto. Não havia tempo para longas discussões. Eles se reuniam no depósito e tomavam decisões, minuto a minuto. Eles pretendiam colocar telas para projetar as letras dos cânticos de adoração? Não. Os ministros que subiam ao palco para falar deveriam parar para se apresentar? Não. Eles deveriam colocar cartazes pedindo que as pessoas não transmitissem ao vivo? Sim.

“Estávamos apenas tentando acompanhar [o que estava acontecendo]”, disse à CT a vice-presidente de vida estudantil, Sarah Thomas Baldwin. “Temos pessoas que estão vindo e estão desesperadas por Deus. Estamos apenas tentando sobreviver e honrar o que está acontecendo.”

No segundo dia, a notícia tinha chegado no seminário, que fica à distância de um campo de futebol americano, o qual tem em comum o mesmo nome e a mesma tradição da escola, embora seja uma instituição separada. Começaram a chegar pessoas da cidade de Wilmore também, e, depois, da área metropolitana de Lexington.

Alexandra Presta, editora do jornal estudantil, publicou uma reportagem on-line.

“Durante um apelo de confissão, pelo menos cem pessoas caíram de joelhos e se curvaram no altar”, ela escreveu. “As mãos repousavam sobre os ombros, unindo indivíduos, de modo a representarem verdadeiramente o Corpo de Cristo. Ouviam-se clamores sobre vício, orgulho, medo, ira e amargura, e cada um era seguido por uma proclamação de vida transformada: ‘Cristo te perdoou’.”

Amigos de outros estados começaram a enviar mensagens de texto para Presta, perguntando o que estava acontecendo e também por quê. Ela lhes disse que não sabia. Mas que ainda estava havendo um mover de Deus.

'Todo tipo de Chick-fil-A'

Na tarde de sexta-feira, grupos de estudantes começaram a chegar de outras partes do Kentucky, bem como de estados como Tennessee, Ohio, Indiana e até mesmo Michigan. Alguns vinham de escolas cristãs. Outros de ministérios em campus universitários. E outros vinham, simplesmente.

À noite, a multidão havia crescido para cerca de 3 mil pessoas, e a universidade teve que abrir salas para dar conta da lotação. Ao mesmo tempo, uma infraestrutura de apoio, sem prévia coordenação, começou a aparecer. Um aluno da Asbury montou uma mesa e começou a distribuir chá e café. Ela conta que Jesus lhe disse para fazer isso. Uma mulher de Indianápolis passou o dia inteiro assando cookies de chocolate e foi até Asbury para distribuí-las. Um professor trouxe caixas de garrafinhas de água.

Apareceu pizza, sem ninguém ter pedido, junto com sopa de batata feita em casa, bolo, uma mesa com barrinhas de proteína, e o que um voluntário chamou de “todo tipo de Chick-fil-A” [rede norte-americana de fast food]. Alguém se ofereceu para começar a organizar locais para as pessoas se hospedarem e a colocar placas com QR codes que as pessoas poderiam escanear para encontrar um lugar para dormir.

Os funcionários da escola nem tiveram tempo para avaliar se achavam que o culto contínuo e não planejado se qualificava ou não como um avivamento. Mesmo quando acabasse, alguns não teriam certeza se avivamento era a palavra correta [para descrevê-lo]. Mas eles tiveram que decidir naquele momento como iriam reagir, pois continuavam a chegar pessoas, vindas de lugares cada vez mais distantes.

“Começamos a receber relatos de que alguns estavam vendo postagens nas mídias sociais sobre pessoas que estavam vindo, não apenas da nossa região, mas de distâncias bastante expressivas”, disse Mark Whitworth, vice-presidente de comunicações. “Não me lembro quem foi, mas alguém disse: ‘Tornar-se viral não é necessariamente avivamento’, e todos concordamos com isso. Mas o foco estava nas coisas práticas. Por exemplo, a equipe de louvor precisa descansar; temos apoio de oração suficiente no altar?”

Vários ministros de organizações que se concentram em avivamentos e organizam reuniões de oração, entre eles David Thomas, do Awakening Project, e J. D. Walt e Mark Benjamin, da SeedBed, encorajaram a administração da Asbury a se preparar para o que estava por vir.

O comitê ad hoc se reuniu na sala de aula que virou centro de comando, na sexta-feira, para discutir o que fariam. O presidente Brown disse para cerca de 15 pessoas presentes que achava que havia uma grande questão.

“Algo realmente histórico e único está acontecendo aqui”, disse ele. “É algo que vai continuar vivo por muito tempo depois de nós. Bem depois que morrermos, haverá pessoas que falarão sobre o que está acontecendo aqui. Vamos fazer nossa parte nisso?”

O grupo rapidamente chegou a um consenso de que não havia iniciado o derramamento, não havia planejado nada daquilo, mas, mesmo assim, eram chamados naquele momento para serem hospitaleiros. Eles trabalhariam para recepcionar e manter o que estava acontecendo, lembrando o tempo todo que quem estava no controle não eram eles.

Brown disse à CT que “havia uma tensão entre ‘como mantermos a ordem?’ e ‘como criarmos espaço para esse desdobramento espiritual, que não foi planejado, que não sabemos onde vai dar, mas sabemos que é bom e maior do que nós?'”

Shofars, exorcismos e orações iradas

À medida que postagens com alunos cantando e orando se espalhavam pelas mídias sociais e “vídeos” ricocheteavam no Twitter, TikTok e Facebook, a equipe se planejou e se organizou, trabalhando em detalhes sobre como lidar com essa tensão. Então, quando alguém começou a tocar um shofar — trombeta de chifre de carneiro encurvado, que alguns cristãos carismáticos transformaram em um símbolo da política “Make America Great Again” [Façamos a América Grande de novo] e da guerra espiritual –- a equipe da capela não tinha um protocolo para essa situação específica, mas eles sabiam o que fazer. Pediram que a pessoa reconhecesse a maneira como Deus havia se manifestado na capela e fosse fiel ao espírito doce, humilde e pacífico do derramamento.

A equipe da Asbury contou à CT que eles fizeram a mesma coisa, quando alguém começou a orar alto e em tom agressivo. E também agiram assim uma outra vez, quando alguém começou uma tentativa de exorcismo — mas não entraram em discussões sobre demonologia nem citaram as regras da universidade; eles apenas invocaram a autoridade do próprio derramamento.

“Queremos ser fiéis à forma como o Espírito Santo apareceu entre os nossos alunos”, disse Baldwin, o vice-presidente de vida estudantil. “Sentimos alegria. Sentimos amor. Sentimos paz. Havia muita cantoria e testemunhos. Essas coisas se tornaram nossos sinais. É assim que, diante de nossos olhos, estamos vendo o Espírito Santo descer sobre nossos alunos, e queremos honrar isso.”

A maioria das pessoas obedeceu, embora alguns tiveram de ser convidados a se retirar. Um pregador de rua veio vestido com uma camiseta que condena o sexo gay e com o plano, segundo a equipe, de repreender os alunos sobre perversão. Ele foi escoltado para fora do local. Havia um homem que não parava de orar em tom agressivo, e foi informado de que deveria sair.

Quando a equipe da capela abriu o microfone novamente para testemunhos, eles começaram a examiná-los primeiro. Como precaução adicional, a equipe da Asbury segurava os microfones, enquanto as pessoas falavam.

“Sábado e domingo, nos perguntavam o dia inteiro: ‘Posso dar uma palavra?’, ‘Posso dar uma palavra?’, ‘Posso dar uma palavra?’”, disse Baldwin. “Bem, diga-nos primeiro qual é a sua palavra.”

Matt Smith, pastor wesleyano de uma igreja não denominacional em Johnson City, no Tennessee, notou os ministros segurando o microfone, quando ele entrou na capela, na segunda-feira, 13 de fevereiro. Depois de ter visto notícias sobre o avivamento nas redes sociais, ele, o pastor de jovens de sua igreja e seu pai, também ministro, dirigiram por quatro horas e meia para verem tudo por si mesmos. Eles foram imediatamente impactados pela presença doce e pacífica do lugar e, como ministros, também notaram que a equipe trabalhava duro.

“Acho que a maioria de nós no mundo evangélico já esteve em um culto em que alguém retira o microfone”, disse Smith à CT. “Ao mesmo tempo, Deus age por meio das pessoas, então, não queremos sufocar isso. Não podemos controlar tudo o que é dito, mas precisamos ter uma supervisão espiritual salutar”.

Smith disse que ficou impressionado com a forma como os ministros mantiveram um delicado equilíbrio. Os wesleyanos, no entanto, têm uma longa tradição de descobrir como nutrir um derramamento do Espírito. Certa vez, em 1804, o homem que deu nome à escola fez com que 20 vigias portassem longas varas para proteger uma reunião campal de rufiões da fronteira. “A obra de Deus é maravilhosa”, escreveu Asbury, em outra ocasião, quando algumas pessoas apareceram para tentar assumir o controle de um avivamento em Delaware. “Mas que comoção gera!”

Sem celebridades por aqui

Nas redes sociais, vários carismáticos controversos anunciaram que estavam indo para Asbury. Todd Bentley, que certa vez afirmou que Deus lhe disse para curar uma mulher com um tapa no rosto, e que foi considerado inadequado para o ministério por um painel de pastores, em 2020, twittou: “Estou indo”. Greg Locke, que ganhou fama desafiando os regulamentos de saúde para a COVID-19 e espalhando desinformação sobre a eleição de 2020, anunciou que também estava planejando uma viagem [para Asbury].

No entanto, a equipe local conseguiu evitar que pessoas tomassem conta do microfone, bem como evitou muitos confrontos perturbadores.

Também houve líderes cristãos que foram para lá em silêncio, apenas para orar e participar, sem tentar subir ao palco. Kari Jobe, a cantora de música cristã contemporânea que ganhou o Dove Award por “The Blessing”, em 2021, foi para Asbury e ficou diante do altar. Vários alunos oraram por ela, de acordo com a equipe da Asbury, mas não pareciam saber quem ela era. Um líder da Vineyard Church entrou e saiu, sem postar nada nas redes sociais.

No momento em que o avivamento entrou em sua segunda semana, houve anúncios regulares sobre a promoção de celebridades. Ao longo do dia, os ministros, que não paravam para dizer os próprios nomes ou cargos, diziam: “Não há celebridades aqui, nem superestrelas, exceto Jesus”. O termo “humildade radical” foi usado regularmente.

Também houve anúncios de que, se as pessoas fossem movidas pelo Espírito a pular para cima e para baixo, não deveriam fazer isso na varanda próxima, construção de quase 100 anos.

Em meio a tudo isso, a adoração dos alunos continuava. Embora a capela pudesse parecer lotada,e alguns tivessem a impressão de que seriam empurrados para o lado por “caçadores de avivamento”, muitos dos jovens ainda davam testemunho da transformação que viam acontecer.

“Conheço muito bem este campus. É pequeno”, disse a um documentarista Alison Perfater, presidente do corpo estudantil da Asbury. “E eu sei exatamente quais alunos neste campus se odeiam. Essas são as pessoas que eu vi orando juntas, cantando juntas, se abraçando, chorando. […] Foi uma mudança total de vida.”

A organização da logística ficou um pouco mais fácil na segunda semana, pois as coisas foram “operacionalizadas”, segundo os administradores da Asbury. Equipes foram formadas para cada necessidade específica, e o comitê do avivamento disse sim a um número crescente de voluntários que ofereciam serviços profissionais — como um gestor de eventos de Phoenix, que apareceu sem prévio aviso com um plano para coordenar voluntários. A equipe tomava a frente de qualquer situação em que houvesse uma necessidade. Um coordenador de recursos humanos, por exemplo, passou a semana atendendo os telefones, pois pessoas de todo o país e até do exterior entravam em contato com a escola, para saber sobre visitas ao local.

Os alunos do seminário também se envolveram, às vezes formalmente, às vezes informalmente. Hermann Finch, um ministro da juventude metodista do Zimbábue, que está estudando no seminário, disse à CT que lhe perguntaram como chegar ao banheiro. E foi assim que ele decidiu se voluntariar durante uma noite, para indicar às pessoas onde ficavam os banheiros.

Fiéis à sua porção

Caminhando para o segundo fim de semana, no entanto, o comitê do avivamento decidiu que precisaria anunciar um limite para sua hospitalidade. A cidade de Wilmore estava sobrecarregada, o trânsito estava impossível e as notícias sobre o avivamento estavam se espalhando com rapidez cada vez maior. Tucker Carlson, apresentador do noticiário de TV mais assistido, fez um segmento brilhante sobre Asbury e disse aos telespectadores, no dia seguinte, que “ainda estava pensando no fato”. Carlson disse: “não entendi bem […] mas, o que quer que esteja acontecendo, me pareceu maravilhoso”. Na sexta-feira, o ex-vice-presidente Mike Pence twittou que estava “profundamente comovido ao ver o avivamento que estava ocorrendo na @AsburyUniv!” e falou de seu próprio despertar religioso, em um festival de música que aconteceu lá, em 1978.

No início da manhã de sábado, a escola montou duas grandes telas no semicírculo gramado, que fica do lado de fora da capela, para tentar acomodar todos. Estima-se que 7 mil pessoas compareceram naquele dia — mais do que dobrando o número de pessoas em Wilmore. A maioria teve que ficar do lado de fora da capela, embora a temperatura chegasse perto de 5 graus. Alguns relatórios contabilizam o número total de visitantes no fim de semana em torno de 20 mil.

Na sala de aula que virou centro de comando, a equipe discutiu a preocupação com os alunos e a responsabilidade da escola por sua instrução. Nutrir a experiência espiritual e a formação dos alunos podia, em algum momento, significar que a escola deixasse de receber pessoas no campus.

A equipe também conversou sobre a exaustão dos voluntários. O presidente Brown disse que viu uma pessoa ajudando às 8 da manhã, depois novamente à 1 da manhã e às 8 da manhã seguinte. Essa generosidade incrível não era algo sustentável e eles precisavam encontrar um “horizonte”.

Ao mesmo tempo, a escola ouvia relatos de cultos de oração acontecendo em outras faculdades e universidades cristãs. Na Samford University, no Alabama, um aluno começou a cantar na capela, à noite, e logo centenas se juntaram a ele. Isso continuou durante a noite e no dia seguinte. Na Lee University, no Tennessee, estudantes foram vistos correndo para a capela. Uma caloura disse a um repórter local que achava que era apenas um evento copycat (de imitação), até que ela mesma foi lá.

“O Espírito estava 100% presente, movendo-se naquele lugar”, disse ela.

Algo semelhante aconteceu na Cedarville University, em Ohio. E houve relatos de episódios prolongados de orações, cânticos, confissões e testemunhos em Baylor, Belmont, Campbellsville, Hannibal-LaGrange, Valley Forge, Milligan e outras escolas.

“Isso me lembra os cultos de véspera de Natal”, disse a porta-voz da Asbury, Abby Laub, à CT. “Estávamos segurando uma vela, e agora a estamos passando para outros. E é isso que queremos. Não queremos ser o único a segurar a vela.”

O comitê ad hoc sentiu uma sensação de alívio. O fogo estava se espalhando e eles haviam sido fiéis à sua porção. Eles decidiram anunciar que as coisas iriam acabar. A partir de terça-feira, 21 de fevereiro, eles limitariam o culto a menores de 25 anos, mas o transmitiriam ao vivo todas as noites, a partir das 19h30. Então, eles terminariam à meia-noite de quarta-feira, duas semanas inteiras depois que alguns alunos permaneceram na capela para conversar, orar e cantar, e então, sentiram um vento sagrado.

Na quarta-feira à noite, um membro da equipe, que estava à frente do Auditório Hughes, cumprimentou a sala cheia de alunos nascidos depois de 1998. “Bem-vindos ao mover de Deus”, disse ele.

Algumas horas depois, quando se aproximava a meia-noite, uma jovem que vestia um moletom cinza enorme, no qual estava escrito “Zionsville”, ergueu a mão para o céu e liderou os alunos, cantando “How Great Is Our God”, de Chris Tomlin.

“A Trindade, três em um”, ela cantava. “Pai, Espírito, Filho. […] Quão grande é o nosso Deus? Cantem comigo.”

E mais de 1 mil alunos cantaram, levantando as mãos e a voz. A vibração de seu louvor tomou conta do ambiente, enchendo a capela até o teto, sobrecarregando o áudio frágil da transmissão ao vivo.

“Quão grande é o nosso Deus”, cantavam. “Todos verão quão grande, quão grande é o nosso Deus.”

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Books

Cristãos turcos e sírios se unem para ajudar as vítimas do terremoto

À medida que o número de mortos aumenta e com igrejas de todas as denominações destruídas, os crentes locais correm para a linha de frente de resposta à emergência

Sobreviventes do terremoto esperam por notícias de entes queridos, que acreditam estarem presos sob os escombros de prédios que desabaram em Iskenderun, na Turquia.

Sobreviventes do terremoto esperam por notícias de entes queridos, que acreditam estarem presos sob os escombros de prédios que desabaram em Iskenderun, na Turquia.

Christianity Today February 21, 2023
Burak Kara / Stringer / Getty

Atualização (10 de fevereiro): O número de mortos já ultrapassou 21 mil pessoas, marcando o pior desastre natural desde que, em Fukushima, o terremoto de magnitude 9,0 e o tsunami mataram 18.400 pessoas, em 2011. As autoridades anunciaram 18.342 mortos na Turquia e75 mil feridos. A Síria contabiliza perdas de mais de 3.300 mortos e 5 mil feridos.

Até o momento, 60 nações enviaram 7 mil equipes de resgate que trabalham ao lado de 20 mil agentes turcos. O governo forneceu 92 mil tendas, 1 milhão de cobertores e está montando uma cidade de contêineres para acolher os desabrigados de uma área de 10 províncias, onde vivem 13,5 milhões de pessoas.

A CT atualizou o texto abaixo, para fornecer informações adicionais e uma lista mais extensa dos grupos de ajuda que estão contribuindo para o socorro das vítimas.

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Os cristãos locais estavam entre os primeiros a responder ao grande terremoto ocorrido na Turquia e na Síria, que deixou mais de 20 mil mortos e dezenas de milhares de feridos. Eles simplesmente não sabem como entender o que aconteceu.

“Deus, tenha misericórdia de nós, Cristo, tenha misericórdia”, disse Gokhan Talas, fundador do ministério evangélico Miras Publishing, em Istambul. “Esta é a nossa única reflexão espiritual no momento.”

Seu primeiro instinto foi o de ir. Mas, quando começaram a chegar notícias sobre nevascas intensas e estradas danificadas, ele mudou de ideia. Sua esposa passou a noite toda fazendo ligações para crentes em Malatya, tentando coordenar a ajuda. E, unindo forças, membros de sua igreja e de congregações protestantes em toda a Turquia compraram cobertores, remédios, leite em pó para bebês e fraldas para enviar para as áreas afetadas.

“Deste lado da eternidade, nada está claro”, disse Talas. “Mas nosso doce Senhor está sofrendo conosco.”

Ele alertou sobre golpes de pessoas que se aproveitam da generosidade vinda de todos os lados do mundo, mesmo entre a pequena comunidade evangélica turca de cerca de 10 mil crentes.

Seus próprios suprimentos estão sendo doados por meio da organização İlk Umut Derneği —em inglês, First Hope Association (FHA) [Associação Primeira Esperança, em português], uma ONG protestante turca que trabalha em estreita colaboração com o Crescente Vermelho local e a AFAD, o Órgão Oficial de Gestão de Emergências e Desastres da Turquia.

Autoridades disseram que mais de 5 mil edifícios foram destruídos pelo terremoto de magnitude 7,8. Mais de 13 mil equipes de busca e salvamento foram mobilizadas, fornecendo 41 mil tendas, 100 mil camas e 300 mil cobertores. Quase 8 mil pessoas foram resgatadas até o momento.

Isso inclui o pastor Mehmet e sua esposa Deniz, em Malatya, amigos de longa data de Talas, que passaram metade do dia congelando sob os escombros, até que vizinhos conseguiram retirá-los de lá.

Fundada em 2014 para ajudar na onda de refugiados vindos da Síria, a FHA trabalha “ombro a ombro” com a Associação de Igrejas Protestantes, disse Demokan Kileci, presidente do conselho da FHA.

Transportando os primeiros lotes de ajuda em um sólido veículo 4×4, ele levou 14 horas — o dobro do tempo normal — para dirigir cerca de 710 quilômetros a sudeste de sua casa, na capital da Turquia, Ancara, até Gaziantep, a escassos 32 quilômetros ao sul do epicentro.

Uma das cinco unidades sanitárias móveis da FHA — e uma padaria móvel — ficaram lá. Outras duas foram enviadas para Antakya, a antiga Antioquia bíblica, e uma quarta foi enviada para Kahramanmaras, local de um tremor secundário de magnitude 7,5.

A quinta unidade foi enviada para Diyarbakir, que fica a 322 quilômetros a leste. No geral, 10 cidades turcas sofreram devastação. Incluindo as cidades sírias, a distância percorrida é maior do que um epicentro imaginário na cidade de Nova York que destruísse a costa leste de Boston a Washington, D.C.

“Estamos fazendo tudo o que podemos para ajudar nosso país”, disse Kileci. “E agora, orar é o mais importante.”

O Shema Media Group, uma estação de rádio evangélica turca, também está levando suprimentos. Soner Tufan, o gerente geral, visitou Antakya, onde o sinal local está desligado devido à falta de eletricidade. Mas os ouvintes em outros lugares ouvirão um tom lúgubre.

“A Turquia declarou um período de sete dias de luto oficial”, disse ele. “Mudamos nossa transmissão para músicas cristãs mais lentas, Escrituras e notícias atualizadas.”

As atualizações também são consistentemente fornecidas em turco e inglês pela SAT-7 Turk, a rede evangélica de TV via satélite, com repórteres de igrejas nas áreas afetadas. E Homemade, o primeiro programa ao vivo transmitido no dia do terremoto, convidou todos os telespectadores que precisassem de apoio espiritual a telefonarem.

“Agora é a hora de trazer a luz, justamente nos momentos mais sombrios”, escreveu a estação em um boletim pós-terremoto. “Estamos aumentando a conscientização sobre como podemos ajudar e continuando a levar Jesus para aqueles que mais precisam dele.”

Essa ajuda pode ser encontrada nas várias casas de oração que foram seriamente danificadas.

A lista é longa. Na Turquia, tais locais incluem uma igreja protestante e uma livraria próxima, a Agape, em Antakya, bem como as igrejas católica latina, ortodoxa grega e apostólica armênia, em Iskenderun. Na mesma cidade, Hakan Konur, o pastor de longa data da maior igreja evangélica da região e sua esposa morreram no terremoto.

O filho deles sobreviveu.

Na Síria, Emad Daher, um padre ortodoxo grego, morreu quando a catedral melquita em Aleppo desabou. O arcebispo emérito, Jean-Clement Jeanbart, escapou por pouco e foi hospitalizado. A catedral siríaca de São Jorge também foi danificada, assim como uma igreja franciscana em Lattakia.

Mas também em Aleppo, todo o alicerce da igreja presbiteriana se deslocou.

“As crianças gritavam, as mulheres choravam e os homens não sabiam que decisão tomar”, disse Ibrahim Nseir. “Ninguém sabia o que fazer.”

Nseir, que é o pastor da igreja, saiu às ruas, dizendo às pessoas que voltassem para dentro, por segurança. Mas, em poucos minutos, um prédio de apartamentos próximo desabou, trazendo mais pânico à multidão de pessoas — que, então, correram para os parques públicos.

Sabendo da necessidade premente de abrigo, Nseir abriu a escola evangélica afiliada à igreja para receber os desabrigados e as pessoas que estavam com medo de que suas casas estivessem prestes a desabar. Ao cair da noite, ele estava recusando ajuda a famílias deseperadas, pois seu abrigo atingira a capacidade máxima de 600 pessoas — entre velhos e jovens, muçulmanos e cristãos, pessoas de todos os segmentos econômicos da sociedade.

Presbíteros, professores da escola dominical e líderes do ministério feminino forneceram comida e água. A maior parte da comunidade de sua igreja está morando lá dentro.

“Não sei se tenho sentimentos, não tenho tempo para sentimentos”, disse Nseir. “Há tanto trauma, os desafios são enormes e a igreja deve ajudar.”

Isso inclui a igreja global. Doações podem ser feitas por meio do Sínodo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano, mas o pedido de ajuda não foi sua mensagem principal. Em vez disso, seu foco foram as sanções impostas pelos EUA, que prejudicaram a economia local. A inflação está disparando em meio à grave escassez de remédios, e observadores dizem que o esforço internacional de socorro será afetado.

O apelo de Nseir foi repetido pelos patriarcas sírios João X, Inácio Afram II e José I, representantes das igrejas ortodoxa grega, ortodoxa siríaca e católica greco-melquita. O tema foi abordado por Michel Abs, secretário-geral do Conselho de Igrejas do Oriente Médio (MECC, em inglês).

“É um desastre natural em princípio, mas, em virtude do bloqueio imposto, deve ser considerado um desastre causado pelo homem”, escreveu ele em carta aberta. “Minha fé cristã não aceita isso.”

O Conselho Mundial de Igrejas expressou solidariedade à sua carta.

O presidente Joe Biden ofereceu ajuda ao governo da Turquia, assim como a Grécia e a Armênia, países vizinhos frequentemente em conflito. Contudo, em relação à Síria, ele mencionou apenas “parceiros humanitários apoiados pelos EUA”.

O primeiro carregamento das Nações Unidas finalmente entrou pelo único corredor aprovado entre a Turquia e a Síria.

A World Vision [Visão Mundial] trabalhou com o Conselho de Igrejas do Oriente Médio para ajudar a levar ajuda a áreas controladas pelo governo da Síria. Com escritórios incrivelmente perto de Gaziantep, a maioria de suas instalações foram poupadas. Um de seus 200 voluntários e sua família morreram no terremoto, enquanto 48 funcionários no noroeste da Síria continuaram ajudando tudo o que podiam.

As regiões afetadas da Turquia abrigam muitos refugiados sírios, enquanto milícias ligadas aos jihadistas controlam a área fronteiriça no noroeste da Síria. As baixas por lá no momento ultrapassam 1.500 mortos, com um pouco mais delas ocorridas em cidades ainda sob a soberania de Damasco. A Administração Autônoma do Norte e do Leste da Síria, apoiada pelos Estados Unidos, sofreu pouco.

Mas as pessoas ainda estão apavoradas — e por boas razões. Um tremor secundário de magnitude 5,6 foi detectado no dia seguinte. A Cruz Siríaca está trabalhando com o Crescente Vermelho Curdo para fornecer abrigo temporário em parques públicos, até que os desabrigados estejam prontos para voltar para suas casas. A organização não é registrada pelas autoridades sírias e, portanto, não pode trabalhar nas áreas mais atingidas.

“De alguma forma, estamos todos conectados”, disse Metin Rhawi, porta-voz da União Siríaca Europeia e baseado na Suécia. “É por isso que somos tão afetados.”

Durante uma campanha para apoiar as vítimas, na estação de TV síríaca Suroyo, um cinegrafista voluntário recebeu um telefonema, informando que seu irmão havia sido resgatado de um prédio desabado em Adiyaman, na Turquia. Eles estavam conversando por telefone, quando os tremores começaram e a linha de repente caiu.

A comunidade siríaca é maior na Síria, mas a maior parte da ajuda está indo para os que sofrem na Turquia, por meio de um consórcio de ministérios locais. Dedicados ao “povo nativo da terra”, muitas vezes ministérios de ajuda maiores e governos locais negligenciam os cristãos, disse Rhawi. Ainda assim, eles estão ajudando a todos, como em 2013, quando a primeira ajuda da Cruz Siríaca foi para Yazidis deslocados pelo ISIS.

Seu comunicado à imprensa homenageou o falecido pastor protestante Koner, enquanto os presbiterianos de Aleppo estavam consternados com a morte do pastor Daher. Mas, muitas vezes, disse o porta-voz, as facções cristãs não estão unidas.

“Católicos, ortodoxos e evangélicos parecem ficar cada um do seu próprio lado e cuidar de seus próprios mortos”, disse Rhawi. “Mas, no cristianismo, todos nós estamos mortos em Jesus.”

Os que estão vivos, de todas as fés, estão se reunindo nas igrejas. Semelhante a Nseir, a igreja evangélica armênia Betel, em Aleppo, recebe 500 pessoas todas as noites, desde o terremoto. E em Antakya, onde 200 mil pessoas vivem no que já foi a terceira maior cidade do Império Romano, a Igreja de São Pedro e São Paulo é um dos poucos prédios que restaram de pé e está acolhendo os desabrigados.

Outras organizações cristãs internacionais de socorro que respondem à crise incluem Send Relief, Caritas e Aid to the Church in Need.

As redes de igrejas evangélicas incluem a Aliança Evangélica Mundial, a Aliança Evangélica do Oriente Médio e do Norte da África e a Convenção de Igrejas Evangélicas em Israel.

Também estão envolvidas a Associação Missionária Evangélica da Armênia, a Aliança Batista Mundial e a Missio Nexus. As associações ortodoxas incluem a Arquidiocese Cristã Ortodoxa Antioquia da América do Norte e a Arquidiocese Ortodoxa Grega da América.

De fato, o desafio é imenso. O terremoto foi o mais forte a atingir a Turquia desde 1939, quando 30 mil pessoas morreram. E o número de mortos — que certamente aumentará ainda mais — é o maior na Turquia, desde que 17 mil pessoas foram mortas por um terremoto em 1999.

Mas, desta vez, a igreja local está mais bem equipada. A FHA de Kileci participou de um workshop sobre terremotos em Izmir, em outubro passado, e tem experiência tanto em socorro a refugiados quanto em respostas a desastres naturais menores.

“Agora é a hora em que as pessoas vão buscar a Deus”, disse ele. “E a igreja deve estar pronta para lhes mostrar o amor de Cristo.”

Por enquanto, Talas está esperando — e orando. Em uma semana, ele espera chegar à área e poder encorajar espiritualmente os crentes locais. Assim que puder avaliar melhor a situação, Miras passará a publicar essas reflexões. Sua próxima revista impressa bimestral será publicada em março, e será dedicada ao terremoto.

Seu único objetivo, segundo ele, é dar esperança às pessoas.

Mas o objetivo de Deus é maior. Talas espera ver histórias de milagres — como os que aconteceram em 1999. Agora, o momento é de luto, mas logo haverá espaço para se regozijar. Médicos e engenheiros cristãos já estão a caminho das linhas de frente. E, assim como todo o povo da Turquia, os crentes se uniram para ajudar seus próximos.

“Este é o teste da igreja”, disse ele. “Tenho orgulho de meus irmãos e irmãs em Cristo.”

Nota do editor: Os leitores que desejam fazer doações podem acessar os links inseridos no nome de cada organização.

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Em um ano de mortes, a Quarta-feira de cinzas oferece uma esperança inesperada

A liturgia do primeiro dia da Quaresma nos conduz do pó à Ceia do Senhor.

Christianity Today February 21, 2023
Illustration by Rick Szuecs / Source Images: Igor Ustynskyy / Getty / Envato / Evieshaffer / Lightstoc

Nota da edição em português: este artigo foi publicado originalmente em 2021, mas traz reflexões importantes para os nossos dias atuais.

A maioria de nós evita intencionalmente pensar na morte. A professora de antropologia da Universidade Brandeis, Anita Hannig, escreve que a maioria dos americanos rotula essas conversas sobre a morte como “mórbidas” e “tenta evitá-las — assim como a própria morte — o máximo possível”.

Bem lá no fundo, todos sabemos que vamos morrer, mas isso não é o tipo de coisa que alguém diga em voz alta em uma festa.

Assim, na maioria dos anos, a tarefa do pregador na Quarta-feira de cinzas parece um pouco transgressora e pesada. Oferecemos nosso lembrete anual: Não fujam de verdades incômodas. Somos mortais. Nenhuma quantidade de riqueza, de coisas para fazer ou de pensamento positivo pode mudar isso. Somos pó e ao pó voltaremos.

Mas 2021 não é como a maioria dos anos.

Durante esta pandemia global, o número de mortes é manchete em todos os jornais, enquanto contabilizamos aqueles que morreram de COVID-19 — até agora, quase meio milhão de pessoas. Usamos máscaras, ficamos em casa e evitamos aglomerações para escapar de ainda mais mortes. Nossas vidas e rotinas diárias foram moldadas pelo poder da morte de maneiras muito mais óbvias do que muitos de nós já experimentamos.

Este ano, em vez de proclamar a morte a fiéis preocupados com outros assuntos, ela parece ser continuamente lançada à nossa vista. A maioria de nós — apesar de nossas tentativas — não pode negar a verdade imponente e terrível de que a morte nos ronda e está vindo ao nosso encontro. Temos vivido uma interminável Quarta-feira de cinzas, de modo que lembrar as pessoas de que elas vão morrer parece algo extraordinariamente redundante.

Mas a mensagem verdadeiramente contracultural da Quarta-feira de cinzas não é que vamos morrer. É que, embora a morte seja o que nos aguarda, o desespero não é algo inevitável. Ao nomear o horror absoluto e intragável da morte, nós, como igreja — sem recorrer a banalidades nem a negações açucaradas — podemos proclamar a verdadeira esperança em meio a ela.

Em nosso país, há uma indignação generalizada (e justificada) com a má gestão política da crise da COVID-19. Ainda assim, a Quarta-feira de cinzas nos lembra que nenhum político e nenhum partido será capaz de resolver completamente o problema da morte. Parafraseando Flannery O'Connor, no final das contas, a morte não é um problema a ser resolvido, mas um mistério a ser enfrentado.

Em sua regra monástica, Bento de Núrsia descreve o que chama de “instrumentos para as boas obras” e instrui seus monges a “lembrarem-se todo dia de que vão morrer”. O objetivo de lembrar da morte nesse contexto não é deleitar-se com ela, muito menos fazer dela uma motivação. A questão é que, ao aceitar nossa mortalidade, em vez de negá-la, de sentimentalizá-la ou de fugir dela, colocamos um fim na insana tarefa de viver apenas para nos mantermos vivos.

Para todos nós, relembrar a inevitabilidade da morte nos faz lembrar que o dia de buscar a Deus, o dia de restaurar relacionamentos, o dia de ajudar os outros e de abençoar o mundo ao nosso redor é hoje — porque pode ser o último. Enfrentar a mortalidade nos leva a fazer perguntas imprescindíveis: quem somos nós e para que serve a vida?

Na Quarta-feira de cinzas, a igreja responde a essas perguntas por meio de nossa história. Lembramos a nós mesmos que os seres humanos foram criados para conhecer a Deus e desfrutá-lo e que, por causa de Jesus, isso é possível, mesmo depois da morte.

O que é mais transgressor e chocante na Quarta-feira de cinzas deste ano — e, talvez, de todos os anos — não é o fato de dizermos às pessoas da nossa igreja que elas vão morrer. Não é o fato de marcarmos suas frontes com cinzas [prática comum nas igrejas Anglicana e Católica] — uma prática que muitos terão que alterar este ano devido à COVID-19. É o fato de que, depois da imposição das cinzas (ao menos em um ano comum), tomamos juntos a Ceia do Senhor.

Nesta Quarta-feira de cinzas, então, lembraremos da morte como comunidade cristã, mas também nos apegaremos ao conhecimento de que a morte não tem a palavra final. Jesus é a ressurreição e a vida. A pandemia nos deixou particularmente famintos por essa esperança.

Em uma das páginas de seu diário, Henri Nouwen conta uma bela história sobre a ocasião em que viu alguns irlandeses enterrando um fazendeiro, em Donegal. Eles colocaram um caixão feito à mão no solo, cobriram-no com areia e grama, e então, um dos homens pegou dois pedaços de madeira e os amarrou — formando uma simples cruz para marcar o túmulo do amigo. Os homens, então, fizeram o sinal da cruz e saíram em silêncio. Sem palavras. Sem flores. Sem funeral.

Nouwen disse que, para ele, nunca ficou tão claro que alguém estava morto — e não que apenas estava dormindo ou “tinha falecido” ou “estava descansando”, mas estava morto mesmo. Era uma visão da morte sem adornos, imponente, real. Ele escreve: “O realismo deles tornou-se um realismo transcendente pela simples cruz de madeira sem adornos, dizendo que onde a morte se afirma, a esperança encontra suas raízes”.

A Quarta-feira de cinzas é uma prática de realismo transcendente. Em um ano em que a realidade da morte ecoa alto em nossos ouvidos, a Quarta-feira de cinzas nos sussurra que as raízes da esperança crescem cada vez mais.

Tish Harrison Warren é sacerdote da Igreja Anglicana na América do Norte e autora de Liturgia do Ordinário e Oração da noite (IVP, 2021).

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Professor da Asbury diz: “Estamos testemunhando uma ‘obra surpreendente de Deus’”

Por que estou esperançoso sobre o avivamento em nossa capela e suas implicações

Christianity Today February 14, 2023
Courtesy of Baptist Press

As manhãs de quarta-feira na Universidade Asbury são como quaisquer outras. Poucos minutos antes das 10h, os alunos começam a se reunir no Hughes Auditorium, para um culto. Os alunos são obrigados a frequentar um determinado número de cultos a cada semestre, de modo que eles tendem a comparecer por rotina.

Esta última quarta-feira, porém, foi diferente. Após a bênção, o coro gospel começou a cantar um refrão final — e, então, começou a acontecer algo que desafia qualquer descrição simples. Os alunos não saíram da capela. Foram impactados pelo que parecia ser um senso de transcendência silencioso, mas poderoso, e não queriam ir embora. Eles ficaram e continuaram a adorar. E ainda estão por lá.

Eu ensino teologia no Seminário Teológico Asbury, que fica do outro lado da rua; quando soube do que estava acontecendo, imediatamente decidi ir à capela para ver com meus próprios olhos. Quando cheguei, vi centenas de alunos cantando baixinho. Eles estavam louvando e orando fervorosamente por si mesmos, por seus próximos e por nosso mundo — expressando arrependimento e contrição por pecados e intercedendo por cura, integridade, paz e justiça.

Alguns estavam lendo e recitando as Escrituras. Outros estavam de pé com os braços levantados. Vários estavam reunidos em pequenos grupos, orando juntos. Alguns estavam ajoelhados junto à grade do altar, na frente do auditório. Alguns estavam prostrados, enquanto outros conversavam entre si, com semblantes resplandecentes de alegria.

Eles ainda estavam adorando, quando saí no final da tarde, e quando voltei à noite. Eles ainda estavam adorando, quando cheguei na manhã de quinta-feira — e, no meio da manhã, centenas de estudantes estavam lotando o auditório novamente. Tenho visto vários alunos correndo em direção à capela todos os dias.

Na noite de quinta-feira, havia espaço apenas para ficar em pé. Começaram a chegar estudantes de outras universidades: Universidade do Kentucky, Universidade de Cumberlands, Universidade Purdue, Universidade Wesleyana de Indiana, Universidade Cristã de Ohio, Universidade da Transilvânia, Universidade Midway, Universidade Lee, Georgetown College, Universidade Mt. Vernon Nazarene e muitas outras.

A adoração continuou durante o dia todo na sexta-feira e, de fato, durante a noite inteira. No sábado de manhã, tive dificuldade para encontrar um lugar para sentar; à noite, o templo estava lotado para além de sua capacidade. Todos os fins de tarde, alguns alunos e outras pessoas permaneciam na capela para orar durante a noite.

Algumas pessoas estão chamando esse episódio de “avivamento”, e bem sei que nos últimos anos esse termo tornou-se associado ao ativismo político e ao “nacionalismo cristão”. Mas me permita fazer um esclarecimento: ninguém na Asbury defende essas ideias.

Meu colega Steve Seamands, um teólogo aposentado do seminário, disse-me que o que está acontecendo se assemelha ao famoso avivamento de Asbury de 1970, do qual ele participou quando era estudante. Esse avivamento cancelou as aulas por uma semana, depois continuou por mais duas semanas com cultos noturnos. Centenas de alunos saíram para compartilhar o que aconteceu com outras escolas.

Mas o que muitos não percebem é que a Asbury tem uma história ainda mais extensa de avivamentos — entre eles, um que ocorreu lá atrás, em 1905 e outro tão recente quanto em 2006, quando “um culto de estudantes na capela levou a quatro dias de adoração contínua, oração e louvor.”

Muitas pessoas dizem que lá, na capela, elas mal percebem quanto tempo se passou. É quase como se o tempo e a eternidade se fundissem, quando céu e terra se encontram. Qualquer um que tenha testemunhado o que está acontecendo pode concordar que é algo incomum e totalmente fora do script.

Como teólogo analítico, estou cansado de exageros e sou muito cauteloso com manipulações. Venho de uma formação (em um segmento particularmente avivalista da tradição metodista holiness) onde vi esforços para fabricar “avivamentos” e “movimentos do Espírito” que às vezes eram não somente ocos, mas também prejudiciais. E não quero ter nada a ver com isso.

Mas, verdade seja dita, o que está acontecendo em Asbury não é nada parecido com isso. Não há pressão nem engodo. Não há manipulação. Não há fervor emocional exacerbado.

Pelo contrário, tem sido sobretudo calmo e sereno. A mescla de esperança, alegria e paz é indescritivelmente forte e, de fato, quase palpável — um senso vívido e incrivelmente poderoso de shalom. O ministrar do Espírito Santo é inegavelmente poderoso, mas também muito gentil.

Uma multidão de 1.500 pessoas se reúne no Hughes Auditorium, no campus da Universidade Asbury, em 10 de fevereiro.Alex Griffith / Courtesia da Baptist Press
Uma multidão de 1.500 pessoas se reúne no Hughes Auditorium, no campus da Universidade Asbury, em 10 de fevereiro.

O santo amor do Deus triúno é aparente, e há nele uma doçura inexprimível e uma atração inata. Fica imediatamente evidente por que ninguém quer sair de lá e por que aqueles que precisam sair querem voltar o mais rápido possível.

Eu sei que o mover de Deus se dá de maneiras misteriosas; Jesus nos diz que o Espírito sopra onde quer (João 3.8). E, às vezes, Deus faz o que Jonathan Edwards chamava de “obra surpreendente” e o que John Wesley chamava de ministério “extraordinário”.

Acredito firmemente que muito do que é importante e vital na vida cristã acontece em momentos cotidianos — nas disciplinas e nas liturgias diárias (sejam elas formais ou informais), nas decisões momentâneas de buscar a retidão, nos atos de amor sacrificial ao próximo, nas orações sussurradas em silencioso desespero.

Sei que esses atos “extraordinários” de Deus não substituem o ministério “ordinário” do Espírito Santo por meio da Palavra e dos sacramentos. Da mesma forma que as obras “surpreendentes” de Deus não substituem a longa jornada do discipulado. Se fosse esse o caso, como meu colega Jason Vickers me faz lembrar, seríamos dependentes dessas experiências para nos sustentar — e não do Espírito Santo, que graciosamente nos dá essas experiências.

Mas também acredito que devemos estar dispostos a reconhecer e a celebrar esses encontros surpreendentes com o Espírito Santo. Nosso Senhor promete que aqueles que “têm fome e sede de justiça” serão saciados. Ele prometeu que enviaria “outro Consolador” (KJV) — e que, de fato, seria melhor para nós que ele partisse e enviasse seu Espírito.

E qualquer um que tenha passado algum tempo no Hughes Auditorium nos últimos dias pode testificar que esse Consolador prometido está presente e é poderoso. Não consigo analisar — nem sequer descrever adequadamente — tudo o que está acontecendo, mas não tenho dúvidas de que Deus está presente e ativo ali.

Vários alunos e ex-alunos que se formaram recentemente me dizem que, há vários anos, eles têm orado juntos por um mover de Deus, e que estão emocionados, sem palavras em ver o que está acontecendo.

Estou dando um curso de antropologia teológica na universidade este semestre e, na aula de sexta-feira passada, lembrei meus alunos de que somos criaturas feitas para adorar e viver em comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Este é o nosso telos, o fim para o qual fomos criados. Nunca nos sentimos mais plenamente vivos e inteiros do que quando adoramos. E o que estamos vivendo agora — esse senso inexprimivelmente profundo de paz, integridade, santidade, pertencimento e amor — é apenas o menor dos vislumbres da vida para a qual fomos feitos.

Claramente, esta não é uma visão beatífica de Cristo em toda a sua glória — mas, se o que estamos vendo for sequer a mais frágil sombra dessa realidade, então, o que temos diante de nós é uma indescritível alegria e um santo amor.

Ella Blacey e Lauren Powell oram, durante um culto na Universidade Asbury.Cortesia da Baptist Press
Ella Blacey e Lauren Powell oram, durante um culto na Universidade Asbury.

Também lembrei meus alunos de que fomos criados para adorar a Deus juntos, em união e comunhão uns com os outros. Assim, a adoração que estamos vivenciando na capela deve ter implicações na vida real para nossa comunhão fora da capela. Isso é especialmente importante, pois estamos atualmente trabalhando em questões difíceis sobre raça e etnia.

Em avivamentos anteriores, sempre houve frutos que abençoaram tanto a igreja quanto a sociedade. Por exemplo, mesmo os historiadores seculares reconhecem que o Segundo Grande Despertamento foi fundamental para trazer ao fim a escravidão nos Estados Unidos. Da mesma forma, estou ansioso para ver quais frutos Deus trará desse avivamento em nossa geração.

Na sexta-feira, durante o almoço, meu filho Josiah me encontrou e me disse que ele e seus amigos tinham se ajoelhado no altar e orado juntos. Havia quatro amigos nesse grupo, e cada um deles orou em uma língua diferente. Mais tarde, ele me perguntou: “Isso é algo parecido com o que será no céu?” Eu disse a ele que achava que sim, ainda que seja o mais pálido reflexo daquilo que “nenhum olho viu, nenhum ouvido ouviu”. É como se um pedacinho do céu nos encontrasse aqui, na terra.

O Evangelho não é apenas verdadeiro, mas também luminosamente maravilhoso e misteriosamente belo. A cada vez que saio do auditório da capela, sinto que provei e vi que o Senhor é bom.

Thomas H. McCall é professor de teologia da cátedra Timothy C. e Julie M. Tennent, no Seminário Teológico Asbury, em Wilmore, Kentucky.

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Books

A igreja de John MacArthur rejeitou os apelos de um presbítero para “fazer justiça” em um caso de abuso

Enquanto um ex-líder anseia por mudanças, mulheres que buscaram refúgio no aconselhamento bíblico da Grace Community Church dizem que temeram ser disciplinadas ao procurarem ajuda por causa de seus casamentos abusivos.

Christianity Today February 10, 2023
Edits by Christianity Today / Source Image: WikiMedia Commons

No ano passado, Hohn Cho chegou à conclusão de que a Grace Community Church cometera um erro.

Os presbíteros haviam disciplinado publicamente uma mulher por se recusar a aceitar o marido de volta. No final das contas, os temores da mulher provaram-se verdadeiros, e seu marido foi para a prisão pelos crimes de abuso sexual e abuso infantil. A igreja nunca se retratou da disciplina aplicada nem se desculpou, nos 20 anos desde que isso aconteceu.

Como advogado e um dos quatro oficiais do conselho de presbíteros da Grace Community Church (GCC), Cho foi convidado a estudar o caso. Ele tentou convencer os líderes da igreja a reconsiderarem e, pelo menos em particular, consertarem as coisas. Cho conta que o pastor John MacArthur lhe disse “esqueça isso”. Quando Cho continuou a apelar aos presbíteros para que “fizessem justiça” em prol dessa mulher, ele disse que foi convidado a voltar atrás em suas conclusões ou a renunciar.

Já se passaram 10 meses desde que Cho deixou a Grace Community Church, e ele não conseguiu esquecer a mulher, Eileen Gray, cuja experiência foi descrita em detalhes no The Roys Report, em março do ano passado, no programa de Julie Roys.

Embora Cho tenha renunciado silenciosamente, ele continuou a ouvir outras mulheres de sua antiga igreja. Elas também foram questionadas, descartadas e implícita ou explicitamente ameaçadas com disciplina, quando buscaram ajuda por causa de seus casamentos abusivos. Mesmo em sua nova igreja, Cho começou a encontrar visitantes que tinham conexões com o caso de Gray, algo que ele viu como um sinal da providência divina.

Não, ele não podia simplesmente “esquecer”.

Quanto mais ele ficava sabendo, quanto mais pessoas falavam com ele, mais a injustiça pesava em sua consciência e mais preocupado ele ficava com o aconselhamento bíblico ministrado na igreja sobre questões de abuso.

Como Cho escreveu em um memorando de 20 páginas para os principais líderes da Grace Community Church, em março passado: “Acredito genuinamente que seria errado não fazer nada. No final do dia, eu sei o que sei. Não posso ‘deixar de sabê-lo’ e, na verdade, sou responsável perante Deus por isso que sei, e se você se deu ao trabalho de ler este documento até aqui, agora também é responsável perante Deus por isso.”

A Grace Community Church é liderada por MacArthur, um dos pastores mais antigos e influentes da América. A megaigreja de Sun Valley, na Califórnia, é bem conhecida pela pregação de MacArthur e se orgulha de sua fidelidade à Bíblia diante das extravagâncias do mundo.

O alcance da GCC vai muito além das multidões que lotam seu auditório de 3.500 lugares para os vários cultos aos domingos, pois se estende aos livros e comentários populares escritos por MacArthur; ao The Master's Seminary e à The Master's University, duas escolas afiliadas; ao Grace to You, ministério de ensino; e à Conferência Anual de Pastores da igreja.

Na conferência de março do ano passado, Cho ministrou sobre “Consciência e Convicção”. E passou o resto do ano vivendo essa lição. Durante o verão e o outono, Cho acalentou uma “vaga esperança” de que o conselho de presbíteros, composto por 37 membros, reconsideraria o caso de Gray, e orou para que Deus abrandasse o coração dos líderes e mudasse suas mentes.

Ele queria vê-los corrigir os erros do passado e agir melhor no futuro. Em vez disso, Cho descobriu que eles pareciam estar repetindo esses erros.

Meses depois de levantar suas preocupações sobre um caso que acontecera 20 anos atrás, Cho descobriu “outro caso grave de aconselhamento na GCC”, no outono de 2022. Uma mulher relatou que os líderes da igreja a aconselharam a voltar a morar com o marido e a não obter uma medida judicial protetiva contra o marido, apesar de seus comportamentos documentados de aliciamento infantil, infidelidade e explosões de raiva. Embora o caso tenha sido resolvido em janeiro, após a mulher ter buscado proteção judicial no ano passado, dois pastores fizeram declarações em favor de seu marido.

“Deus, em sua providência, continuou colocando lembretes na minha frente, de forma completamente espontânea. Quando um amigo pediu que eu e minha esposa orássemos por uma mulher que minha esposa por acaso conhecia, ela ofereceu ajuda, preocupada, e ficamos horrorizados ao descobrir que os mesmos padrões terríveis de aconselhamento ainda estavam acontecendo na GCC ”, disse Cho à CT.

“Foi quando, infelizmente, passei a acreditar, sem a menor sombra de dúvida, que os membros da GCC, que ainda tanto amamos, poderiam estar efetivamente jogando roleta russa, se algum dia precisassem de aconselhamento na GCC, em especial se fosse qualquer coisa que envolvesse o cuidado de mulheres ou crianças. Eu soube que não podia passar calado do outro lado da estrada, e que eu precisava ajudar essa mulher e fazer um alerta, senão o sangue daquelas pessoas cairia sobre a minha cabeça”.

Para escrever esta história, a CT conversou com oito mulheres que contaram como elas e outras pessoas da Grace Community Church foram aconselhadas a evitarem denunciar seus maridos e pais às autoridades, a aceitarem suas desculpas e a continuarem a ser submissas a eles.

Versículos das Escrituras sobre perdão, confiança, amor e submissão foram regularmente citados para essas vítimas — e elas foram instruídas a se reconciliar e a voltar para casa, mesmo nos casos em que temiam por sua segurança e pela segurança de seus filhos.

Ninguém da GCC respondeu às solicitações da CT para conversar sobre a filosofia de aconselhamento da igreja ou sua resposta aos abusos, ou a responder perguntas sobre casos específicos. Seis pastores e presbíteros, bem como um ex-pastor e presbítero, foram reiteradamente contatados, por telefone e e-mail, para tecerem seus comentários; eles foram contatados durante um período de três semanas antes da publicação deste artigo.

‘Você precisa corrigir isso’

A primeira vez que Cho leu sobre o caso de Eileen Gray foi em março do ano passado, após a cobertura no The Roys Report, quando, segundo ele disse, haviam lhe pedido que examinasse o tratamento que a igreja dispensou a esse caso, para relatar ao conselho de presbíteros. A revisão do caso feita por Cho, com base em sua formação jurídica e treinamento na área, tornou-se parte do começo de uma investigação interna.

A disciplina aplicada pela igreja aconteceu em 2002, alguns anos antes de Cho se converter na Grace Community Church. Eileen Gray se recusou a seguir o conselho dos líderes da igreja para suspender uma medida judicial protetiva contra seu marido abusivo, David Gray. Durante um culto mensal de Santa Ceia, MacArthur caracterizou a decisão de Eileen Gray como pecado impenitente, dizendo que aquela mãe de três filhos escolhera “deixar … e abandonar” o marido.

David Gray, que já fora professor da equipe da igreja, foi condenado por seus crimes em 2005: abuso sexual infantil agravado, lesão corporal contra criança e abuso infantil. Testemunhas e vítimas confirmaram o relato da esposa sobre seu comportamento abusivo, enquanto os líderes da igreja continuaram a defendê-lo, de acordo com documentos judiciais referenciados e publicados no artigo do The Roys Report, em março de 2022. David Gray continua preso.

Cho disse que muitos líderes da Grace Community Church se recusaram a ler o artigo do The Roys Report. Alguns o leram e descartaram suas revelações, apesar de tudo. Os principais líderes da igreja ficaram na defensiva, segundo Cho, e quiseram proteger MacArthur.

Para Cho, bem como para sete advogados cristãos que revisaram o material, ficou evidente que David Gray era culpado para além de qualquer dúvida razoável, e que a recusa de Eileen Gray em suspender a medida judicial protetiva contra o marido, para proteger seus filhos, foi algo objetivamente razoável e totalmente justificado.

“Agora que os fatos são concretamente conhecidos, não é tarde demais para ‘fazer justiça’, mesmo nesta fase tardia, quase 20 anos depois”, escreveu Cho ao conselho de presbíteros. “A integridade pessoal, a defesa da justiça e da retidão e a atitude de ser fiel, mesmo nas pequenas coisas, e ainda que seja em relação a algo que aconteceu a 20 anos atrás, tudo importa imensamente.”

Cho esperava que a igreja se mantivesse em um padrão ainda mais elevado do que o dos tribunais seculares. No caso de Eileen Gray — que foi supervisionado pelo então pastor executivo associado Carey Hardy, e que teve a participação do antigo pastor de aconselhamento da GCC, Bill Shannon —, Cho encontrou evidências de maus-tratos, preconceito e erros na forma como eles conduziram o caso. Eileen Gray foi repetidamente desacreditada e acusada de “comportamento bizarro”, algo que não era relevante para o motivo de sua disciplina, e os líderes lançaram dúvidas sobre suas alegações, apesar do histórico de dissimulação de David Gray.

“Eles ficaram do lado de um abusador de crianças, que acabou se revelando um molestador, em vez de apoiar uma mãe que tentava desesperadamente proteger seus três filhos inocentes. Isso foi e ainda é completamente errado, e precisa ser corrigido ”, disse Cho à CT. “Vários presbíteros admitiram, em várias conversas particulares, que ‘erros foram cometidos’ e que eles tomariam uma decisão diferente hoje, sabendo de tudo o que sabem agora. Mas essas admissões significam que é preciso acertar as coisas com a pessoa a quem se prejudicou; isso é cristianismo básico, totalmente”.

Quando ainda estava no conselho, em março passado, Cho enfatizou a urgência de corrigir o acontecido. Os presbíteros denunciaram pecado onde não havia pecado, ele insistiu. Se eles viessem a saber que disciplinaram um homem injustamente acusado de adultério, não iriam querer corrigir isso, mesmo que descobrissem 20 anos depois?

De acordo com Cho, que atuou como secretário do conselho e era responsável por tomar notas, MacArthur respondeu, durante a reunião de março, que essa comparação não se aplicava a Eileen Gray. O pastor levantou novamente alegações sobre o “comportamento bizarro” de Eileen e não se mostrou inclinado a reconsiderar a disciplina que aplicaram a ela.

Depois disso, segundo Cho, o presidente do conselho de presbíteros, Chris Hamilton, lhe disse que ele precisaria “voltar atrás” em suas descobertas sobre os erros da igreja, se quisesse continuar sendo presbítero. (Hamilton não respondeu aos nossos pedidos para que comentasse isso.) Cho e a esposa renunciaram à sua membresia no dia seguinte.

Submeta-se ‘como ao Senhor’

No último outono, Cho se viu mais uma vez analisando o processo judicial de outra mulher, também membro da Grace Community Church, que havia demandado uma medida judicial protetiva contra seu marido, na esperança de proteger a si mesma e aos filhos pequenos de abuso — desta vez, a análise do processo foi feita a pedido da mulher. Certos paralelos com o caso de Eileen Gray ficaram imediatamente evidentes para Cho.

A mulher disse à CT que também identificou esses paralelos. Ela disse que, quando leu sobre o caso de Eileen Gray, no ano passado, pensou: Isso se parece muito com o que me disseram. (A política adotada pela CT permite que vítimas de abuso não sejam identificadas, por uma questão de privacidade e segurança; sua identidade e os detalhes de seu relato foram verificados quando escrevemos este artigo.)

“Sempre que eu sinalizava na direção da medida protetiva, o que eu ouvia era: ‘Cuidado com o coração vingativo’”, disse a mulher. “Eles estavam me dizendo para recuar, essencialmente. […] Estavam dizendo que não era cristão da minha parte buscar essa proteção da lei, porque os crentes não levam outros crentes ao tribunal”.

Ela disse que relatou aos líderes da igreja sobre evidências da infidelidade de seu marido, suas buscas por pornografia incestuosa e seu comportamento inadequado com a própria filha, desde que a criança tinha apenas dois anos de idade.

Um mês depois de voltar a morar com o marido, a pedido de seus pastores, ela ligou para o 911 [número de emergência da polícia], com medo, durante uma discussão enquanto viajavam. Nos documentos judiciais a que a CT teve acesso, ela afirmou que o pastor e presbítero Rodney Andersen lhe dissera que ela deveria ser submissa ao marido “como ao Senhor”, em vez de provocá-lo. Os policiais especializados em violência doméstica que atenderam a ocorrência, segundo ela conta, disseram-lhe para não voltar para casa.

Dois presbíteros da GCC foram mais longe e deram declarações sob juramento em favor do marido dela. A declaração de Andersen relata que o marido disse, durante o aconselhamento, que ele e sua filha haviam tocado a língua um do outro enquanto se beijavam, para imitar uma cena de um desenho animado.

Uma declaração de outro pastor e presbítero, Brad Klassen, disse que a mulher o procurou, por estar preocupada com fotos tiradas pelo marido, mas que ela não tinha “provas” do abuso. De acordo com o que disse a própria mulher, as fotos incluem imagens de sua filha tocando o zíper da calça do marido e seu rosto sendo borrifado com água, bem como selfies em que a criança aparece nua. A declaração de Brad Klassen diz que as fotos não continham nudez.

Dois outros líderes da GCC disseram que testemunhariam em favor da esposa, mas o casal chegou a um acordo em janeiro, antes da data da audiência na justiça, de modo que nenhum dos pastores acabou precisando testemunhar. No acordo, a esposa não retirou as acusações de abuso feitas contra o marido.

No final, disse ela, a traição de sua igreja — hoje, sua antiga igreja — foi o que mais doeu.

“Eu caí abaixo de zero espiritualmente. Cheguei a duvidar se Deus é real. Pensei: se Deus é real, mas devemos nos submeter aos líderes da igreja, quando tudo isso está acontecendo, prefiro morrer”, disse a mulher à CT. “Mesmo os incrédulos não aceitariam algo como isso.”

A mulher disse ter visto o Senhor “trabalhar soberanamente” para conduzi-la através do processo, e acabou percebendo que “a falha da igreja não anula a existência de Deus nem sua justiça”.

“Preciso temer a Deus, em vez de temer os homens. Só porque alguém cita um versículo para você e ocupa uma posição de autoridade não significa que essa pessoa esteja agindo bem”, disse ela.

Quando ela desafiou o conselho de pastores sobre voltar para casa e confiar em seu marido, ela disse que eles a lembraram de passagens como o amor “tudo crê” e que Jesus disse para perdoar “setenta vezes sete”.

De acordo com seu relato, o trauma e os sinais de alerta não foram suficientes — os pastores queriam evidências do abuso físico, do adultério “pele com pele” ou uma condenação por abuso sexual infantil, antes de concordar que ela tinha motivos bíblicos para o divórcio. Ela não podia esperar por nada disso.

‘Minha segurança não era a prioridade número 1’

Os casos na Grace Community Church levam a um debate mais amplo sobre o que se qualifica como abuso e se os cristãos devem priorizar a reconciliação em casos de abuso, considerando que a igreja e seu seminário ocupam lugar de destaque entre os conselheiros bíblicos conservadores e a Associação de Conselheiros Bíblicos Certificados (ACBC).

“Existe uma compreensão fundamentalmente diferente do que é abuso”, disse Jonathan Holmes, pastor e conselheiro em Ohio que é formado pela The Master’s University; ele observa que o rótulo — e as respostas mais sérias — geralmente são reservados para violações físicas e sexuais.

Como seus colegas complementaristas, MacArthur pregou várias vezes contra as mulheres ficarem com maridos abusivos em razão da submissão conjugal. Ele ensinou que mulheres e crianças devem “ter um lugar seguro” e que os perpetradores de violência doméstica não estão mais se comportando como crentes e, portanto, perderam seu direito ao casamento.

No entanto, como Cho mencionou em suas cartas a presbíteros-chave no ano passado, na última década, várias mulheres disseram ter recebido aconselhamentos diferentes em sua igreja, quando temiam por sua segurança ou pela segurança de seus filhos.

Várias mulheres se referiram a Bill Shannon, pastor que faz aconselhamentos e é membro da ACBC, como alguém que as desencorajou a denunciar o abuso à polícia e as orientou a continuar em lares onde eram ameaçadas de violência. Um casal disse ter observado uma sessão de aconselhamento em que Shannon não aconselhou uma mulher da família deles a denunciar um homem que havia lhe confessado um incidente de abuso sexual infantil; Shannon também não a orientou a deixá-lo, já que ele não havia sido condenado.

Shannon está entre os líderes que não responderam aos vários pedidos para que se pronunciasse sobre esta reportagem.

Presbíteros atuais e antigos presbíteros também levantaram preocupações sobre o aconselhamento “incompetente” de Shannon. Cho diz que MacArthur foi avisado sobre essas preocupações, mas defendeu Shannon e o manteve na mesma função. De acordo com o site da GCC, Shannon continua a ministrar aconselhamento “formal e informal” aos membros da igreja, a ministrar seminários para noivos e para casais da igreja e a pregar sermões para um pequeno grupo de adultos.

“Na primeira reunião com Bill Shannon, já ficou bem claro que minha segurança não era a prioridade número 1, mas sim a submissão no meu casamento”, disse uma mulher, que pediu para não ser identificada nesta reportagem, porque está tentando deixar para trás seu tempo na Grace Community Church. “Meu papel era não irritar [meu marido].”

Quando a mulher foi hospitalizada, devido ao abuso físico cometido pelo marido, Shannon ligou para ela e a aconselhou a ir para casa sem chamar a polícia, disse ela à CT. Às vezes, o tormento em casa chegava a tal ponto crítico que ela temia morrer, mas conta que lhe diziam que aquela situação poderia ser “a vontade de Deus para a vida dela”.

No aconselhamento conjugal, os pastores perguntavam às esposas se suas atitudes por acaso contribuíam para os padrões de violência, raiva e manipulação em seus relacionamentos. Em algumas situações, eles insinuavam que as mulheres procuravam defeitos em seus maridos.

“É difícil para um pastor conceber uma dinâmica em que uma mulher está sendo vítima de maus-tratos e que ela não tenha sido expressamente responsável por isso em algum momento ao longo do caminho”, disse Holmes.

Essa “mutualização” do pecado pode ocorrer em ambientes de igrejas nos quais ambas as partes são convidadas a confessarem e a buscarem o perdão uma da outra.

“Nossa filosofia é que, se houve abuso, você não os coloca na mesma sala e espera que ambos passem pelo processo de tirar a trave dos olhos”, disse Ken Sande, um mediador cristão que falou sobre padrões que ele tem visto ao longo de décadas de ministério de conciliação [em geral], não sobre a GCC em particular.

'Nenhuma outra escolha'

Cada uma das mulheres com quem a CT conversou disse que, em algum momento, ela mesma se considerou parcialmente responsável pelo comportamento de seu marido ou que algum líder da igreja lhe disse que ela era.

As mulheres foram lembradas da diretiva bíblica para que as esposas sejam submissas aos maridos. Durante anos, elas esperaram que sua submissão, sua fidelidade no casamento e suas orações desesperadas acabassem levando a uma mudança em seus maridos. Mas quando os problemas persistiram e aumentaram, elas buscaram ajuda e aconselhamento sobre o que mais poderia ser feito.

“É preciso muita coragem, humildade e vulnerabilidade até mesmo para buscar ajuda da igreja, quando há abuso em casa”, disse Wendy Guay, que falou ao The Roys Report no ano passado sobre o abuso que sofreu de seu pai, Paul Guay, enquanto ele fazia parte da equipe da Grace Community Church, no final dos anos 1970. “As mulheres ocultaram, perseveraram e tentaram lidar com as coisas por conta própria, até que não houvesse nenhuma outra escolha”, acrescentou.

Quando as esposas sentiam que precisavam sair de casa por segurança, elas contaram que os pastores lhes diziam para ficar. Depois de se separarem ou de obterem alguma medida de proteção legal, elas contam que os pastores insistiam para que elas se reconciliassem. As mulheres disseram à CT que os pastores viam o envolvimento contínuo de seus maridos em aconselhamento, o tratamento de cuidado a seus filhos em ambientes supervisionados e promessas verbais de que o abuso iria parar como indicações de que seus maridos não representavam mais uma ameaça.

Em alguns casos, como os de Eileen Gray e da mulher que chegou a um acordo no mês passado, os líderes da Grace Community Church continuaram a apoiar os homens que elas acusaram de abuso em processos na justiça. Embora as igrejas possam evitar se envolver juridicamente em litígios conjugais, por motivos de responsabilização civil, não é algo inédito ter pastores que tomam o lado do acusado.

Pete Singer, diretor executivo da GRACE (sigla em inglês da organização Resposta Divina ao Abuso no Ambiente Cristão), disse que ver líderes religiosos defenderem um perpetrador na justiça foi parte do motivo inicial que levou o promotor Boz Tchividjian a fundar a organização.

“Não é algo sem paralelos. Infelizmente, também prevalece no abuso infantil e na violência perpetrada por parceiro íntimo. É um reflexo de como o pastor foi preparado”, disse Singer. “Se há um diferença de poder perceptível, por que tomo o lado da pessoa que pode ser o opressor, e não da pessoa que pode ser o oprimido?”

Disciplina como aspecto distintivo

Embora os evangélicos estejam ficando mais sensíveis à dinâmica do abuso, algumas comunidades conservadoras conservam um ceticismo implícito em relação aos movimentos em defesa das vítimas e aos psicólogos informados sobre traumas, defendendo o lugar da igreja local na abordagem aos conflitos conjugais.

Ex-membros que denuciaram algum abuso disseram temer a disciplina da igreja, por falta de submissão ou por abandono do casamento.

Embora a maioria das igrejas evangélicas tenha formalizado processos disciplinares por meio de políticas e estatutos escritos, está se tornando menos comum que as igrejas americanas os sigam na prática, e ainda mais raro que uma igreja anuncie publicamente casos disciplinares várias vezes ao ano, de acordo com Sande, o mediador cristão.

MacArthur considera a disciplina da igreja um aspecto “distintivo” da Grace Community Church, na qual os presbíteros seguem diretrizes extraídas de Mateus 18 — primeiro, confronta-se o acusado em particular, e depois, junto com outra testemunha, antes de anunciar publicamente os casos de disciplina que chegaram ao terceiro estágio do processo, quando a falta de arrependimento impediria um membro de participar da Ceia do Senhor.

Cho, um ex-presbítero, disse que, nesta fase, os presbíteros devem aprovar por unanimidade os casos que são apresentados aos membros da igreja, algumas vezes por ano, durante os cultos mensais da Santa Ceia.

As mulheres que conversaram com a CT sobre suas experiências de aconselhamento foram membros da GCC por anos, algumas por mais de uma década, e participaram dos cultos em que MacArthur anunciou a disciplina da igreja. Elas acreditavam que, se os líderes não viam a situação delas como motivo para o divórcio, seus nomes poderiam ser lidos.

‘O tempo e a verdade andam de mãos dadas’

Até agora, Cho não havia falado publicamente sobre as circunstâncias que o levaram a deixar a GCC nem de seus esforços de defesa desde então. Ele esperava que a Grace Community Church olhasse para o caso de Eileen Gray e reconsiderasse as evidências que justificaram ela agir como agiu. Ele repetiu os apelos para que levassem a sério as preocupações sobre Shannon e o aconselhamento feito na igreja.

Depois de sair, ele continuou entrando em contato com os principais líderes da GCC, fazendo-lhes perguntas e se oferecendo para discutir suas preocupações em particular. Ele enviou um e-mail para MacArthur e para o diretor executivo do ministério Grace to You, Phil Johnson, um líder influente e presbítero da igreja. Ele trocou mensagens com Carey Hardy, o pastor que supervisionou o caso de disciplina de Gray e agora serve em uma igreja na Carolina do Norte.

Seus apelos eram embasados nas Escrituras, às vezes citando mais de 20 versículos sobre reconciliação, injustiça e justiça — como Tiago 4.17: “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o que é certo e não o faz comete pecado” (NASB 1995).

Sempre que ele se encontrava ou esteve pessoalmente com presbíteros, o caso vinha à tona na discussão. Ele mandou mensagens e ligou para membros individuais do conselho de presbíteros para compartilhar suas preocupações.

Cho nunca se imaginou nesta posição de agir em defesa [das vítimas] estando fora da Grace Community Church. Ao longo de quase 17 anos como membro de lá, Cho conheceu sua esposa, começou a ensinar a Palavra e ascendeu à liderança no conselho de presbíteros da igreja.

“Eu era um leal declarado”, disse Cho, que agora se opõe ao que vê como “confiança cega” em muitos dos homens com quem costumava servir e liderar.

No ano passado, quando questionou a decisão de disciplinar Eileen Gray, ele disse que outros colegas presbíteros sugeriram que eles apenas confiassem nos líderes anteriores que a confirmaram. Cho respondeu que as Escrituras nos ordenam a confiar no Senhor e a examinar tudo (1Tessalonicenses 5.21).

Cho agarrou-se à esperança, lembrando de uma frase que John MacArthur sempre dizia: “O tempo e a verdade andam de mãos dadas”. A verdade finalmente aparece.

‘Deixe Deus cuidar dos resultados’

Eileen Gray disse que ouvir sobre outras mulheres que foram “culpadas, acusadas e muitas vezes de novo traumatizadas” por líderes da Grace Community Church a motivou a compartilhar sua história publicamente, anos depois, quando seus filhos ficaram adultos. Ela conta que, imediatamente após a cobertura do ano passado no The Roys Report, ela soube de ainda mais testemunhos de abuso que não foram tratados da maneira correta.

“Será que aquilo que eu tinha compartilhado há pouco traria mudanças na Grace Community Church ou em outras igrejas que seguem seu modelo de liderança? Não sei, mas me sinto péssima com o efeito facilitador [de outros abusos] que meu silêncio teve ao longo dos anos”, disse ela à CT, por e-mail.

“Até hoje, tenho testemunhos diretos de uma multidão de testemunhas de que a Grace Community Church ainda segue uma maneira antibíblica e sem amor de tratar mulheres e crianças que foram abusadas, que clamam aos líderes da igreja por ajuda, enquanto sofrem nas mãos de maridos e pais abusivos. Isso é um pecado flagrante”.

Uma ex-membro da GCC, que um dia tinha se animado a mudar para a Califórnia para poder se sentar sob os ensinamentos de MacArthur, disse que a fé que significava tudo para ela foi destruída pela maneira como a igreja a tratou, quando ela procurou ajuda durante e depois de um casamento abusivo e sem amor.

“O pior de tudo não foi o divórcio — foi meu relacionamento com Deus. Eu sei que Deus é Deus e que homem é homem, mas eu realmente confiei naquelas pessoas da igreja”, disse ela. “Eles tiraram aquela proximidade que eu tinha com Deus. Eles me fizeram olhar de maneira diferente para os homens. Quando vou à igreja, sinto que os pastores estão mentindo. Eles me deixaram com o coração partido. […] Eu realmente sinto que fui estuprada espiritualmente.”

A Grace Community Church não se desculpou com Eileen Gray, não revogou sua disciplina nem fez uma declaração pública sobre o caso, e também não ofereceu uma resposta a este artigo.

Poucos dias depois do Natal do ano passado, Cho enviou o que chamou de “apelo final” a cada um dos presbíteros da GCC. Cho ainda mantinha aquela frágil esperança — “O Senhor tem feito muito mais do que eu jamais poderia ter pensado ser possível“ —, mesmo sabendo que era improvável que o conselho mudasse e que seu posicionamento público desagradaria a muitos ao lado de quem ele costumava servir e adorar.

“No final das contas, preciso fazer o que é certo, conforme o Espírito, minha consciência, a oração, o conselho e a Palavra me conduzem, e deixar que Deus cuide dos resultados”, disse ele à CT. “E o homem que me ensinou isso foi John MacArthur.”

Nota do editor: Ao longo dos anos, alguns leitores têm se perguntado por que publicamos evidências de irregularidades cometidas por líderes de certos ministérios que, sob outros aspectos, fazem o bem no mundo. Aqui está o porquê de fazermos isso.

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Nós vivemos na Babilônia, não em Israel

A história bíblica lembra os cristãos de que devem servir e construir um reino que não é deste mundo

A torre de Babel, na Babilônia

A torre de Babel, na Babilônia

Christianity Today February 10, 2023
WikiMedia Commons / Edits by Christianity Today

No final do ano passado, perguntei no Twitter: “Vivemos no Israel antigo ou em uma Babilônia moderna?

Dito de outra forma, até que ponto as lições bíblicas sobre a vida na Terra Santa são normativas para os cristãos que vivem como minorias religiosas — isto é, que vivem em terras “profanas”, dominadas por não cristãos?

Quando olhamos para o Israel antigo, vemos que a ênfase estava na pureza, não no evangelismo — Deus enviou Ismael e Esaú ao deserto, disse a Josué para destruir os cananeus, e instruiu Esdras a insistir para que os israelitas se livrassem das esposas estrangeiras. Para tornar santa a Terra Santa, Deus ordenou uma política de tolerância zero: Não haverá abominações entre vocês.

A Terra Santa era a maior oportunidade que a humanidade tinha para viver em uma nova espécie de Éden, o local que Deus escolheu para que fosse habitado por uma nação em particular. Ele lhes deu mandamentos para que soubessem como agir e lhes prometeu (em Deuteronômio 28 e em outras passagens) que, se obedecessem, tudo correria bem.

Deus ergueu o Israel antigo como nação modelo para o mundo — um teste perfeito para saber se boas normas cultivariam um bom povo.

Os israelitas foram advertidos a não seguir os “caminhos detestáveis” de outras nações, enquanto viviam na terra (Deuteronômio 18.9). Mas as normas e os estatutos de Deus não eram apenas para os israelitas; eram também para qualquer estrangeiro que permanecesse na terra (Levítico 18.26, 28).

Desta forma, o Antigo Testamento é altamente específico quanto à localização — o estatuto dos antigos israelitas fora projetado para proteger a pureza da terra que Deus lhes havia dado. Eles deveriam limpar a terra das impurezas e depois preservá-la sagrada.

O evangelismo não era uma prioridade. Quando alguns israelitas casaram-se com mulheres estrangeiras, os líderes não celebraram tal fato como uma oportunidade para evangelizar os recém-chegados e aumentar os habitantes de Israel. Em vez disso, eles olharam com horror para tais casamentos.

Os profetas ficaram indignados quando os israelitas destruíram seu semiéden. Jeremias — o profeta cuja fúria piedosa levou à palavra jeremiada [lamentação] — escreveu: “Assim diz o Senhor: […] ‘Eu trouxe vocês a uma terra fértil, para que comessem dos seus frutos e dos seus bons produtos. Entretanto, vocês contaminaram a minha terra; tornaram a minha herança repugnante.” (Jeremias 2.7).

Ainda assim, Jeremias adotou um tom muito diferente, quando falou aos israelitas que viviam não só fora do semiéden, mas também na antiéden, na cidade da Babilônia:

Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os exilados, que deportei de Jerusalém para a Babilônia: “Construam casas e habitem nelas; plantem jardins e comam de seus frutos.”. […] “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela.” (Jeremias 29.4-5,7)

Outras partes do Antigo Testamento também indicam que, fora das fronteiras de Israel, os israelitas deveriam ter uma agenda política muito diferente daquela que tinham os que viviam em Israel. Por exemplo, Deus baniu os adivinhos do antigo Israel (Deuteronômio 18.10-12), mas Daniel foi designado para supervisionar os encantadores, os feiticeiros e os outros sábios da Babilônia (Daniel 2.48).

Daniel pensava e agia de forma independente daquelas pessoas ímpias, mas em nenhum lugar ele deu indicações de ter algum plano ou desejo de exterminá-las. Como forasteiro em uma terra estrangeira, ele teve de coexistir com elas — o que faz dele um modelo para nós. Durante pelo menos 66 anos, de 605 a 539 a.C., Daniel viveu e trabalhou sob a autoridade babilônica, sempre tentando servir a um público estrangeiro, enquanto permanecia fiel a Deus.

Ao longo desse processo, Daniel enfrentou ameaças de morte, assim como três de seus amigos. Quando Nabucodonosor fez uma estátua de ouro de 30 metros de altura e ordenou a todos os seus oficiais que se curvassem e a adorassem, Sadraque, Mesaque e Abednego não agrediram com palavras os pagãos ali reunidos. Eles simplesmente se recusaram a se curvar. Mas isso foi suficiente para que fossem presos e jogados em uma fornalha ardente, da qual Deus os preservou.

Os israelitas toleraram publicamente diferenças, enquanto seguiam as ordens de Deus em suas próprias vidas e dentro de suas próprias casas. Daniel orava em sua própria casa, mas não exigia que se fizesse oração pública nem leitura da Bíblia nas academias babilônicas. Os livros de Esdras, Neemias e Ester mostram como outros judeus que moraram na Pérsia — parte de um império com 127 províncias e um vasto número de grupos étnicos e línguas — viveram pacificamente sob leis que não eram suas.

No Antigo Testamento, todos os ídolos que estivessem na terra de Israel deveriam ser destruídos. E, no entanto, no Novo Testamento, o apóstolo Paulo nunca tentou remover altares e ídolos pagãos das ruas públicas da cidade de Atenas (Atos 17.17-31). Ele e os que escreveram o evangelho enfatizaram a proclamação da Boa Nova de Cristo em todas as oportunidades, sem exigir a imposição da lei bíblica.

Repito, a Bíblia é específica quanto à localização — a ação que é apropriada para um lugar não o era para outro.

Vemos isso até mesmo na obra de Jesus. Ele expulsou os cambistas judeus do templo, o lugar mais santo do mundo, mas não expulsou os romanos de nenhum outro lugar. Israel já havia se tornado uma terra muito profana em 70 d.C., quando os soldados romanos destruíram o templo. Depois disso, uma terra não foi considerada mais santa do que outras.

A grande tragédia do antigo Israel foi que o povo de Deus pecou em uma terra que, de todas as terras, deveria ter sido a menos propícia ao pecado. Se as leis do antigo Israel, dadas por Deus, não trouxeram justiça a este que era o mais hospitaleiro dos ambientes, qual era a probabilidade de que leis de santidade tivessem sucesso em ambientes menos favoráveis?

A história do Antigo Testamento nos ensina a não nos orgulharmos de pensar que podemos criar utopias terrenas ou mesmo sustentar as que nos são entregues. A lição é esta: O pecado vem de dentro, não do que está do lado de fora. Deus ensinou à humanidade que o pecado ronda à nossa porta, mesmo no melhor dos ambientes, seja ele o Éden original seja o semiéden de Israel. Ele nos mostrou nossa necessidade desesperada por Cristo e a exigência de não aceitarmos substitutos.

Quando os primeiros cristãos compreenderam o significado da história de Israel, eles estavam prontos para entender a ênfase do Novo Testamento no evangelismo. A resposta dos judeus à pergunta “quem é o meu próximo?” era, no máximo, “seu companheiro judeu”. Mas Jesus ampliou esse entendimento, ao dizer que qualquer pessoa necessitada é nosso próximo — e ao incluir mulheres, samaritanos e até mesmo soldados inimigos entre o povo de Deus.

A inclusão desses outros por Jesus fortaleceu os primeiros cristãos. Instruídos a levar o evangelho para todas as nações, e a não se concentrar na defesa de uma apenas, os cristãos ficaram livres para evangelizar e para acolher em suas igrejas qualquer pessoa que confessasse sua fé em Cristo, independentemente de classe social, dos pecados passados, de raça ou de etnia.

Sem uma terra a preservar, mas com um evangelho a proclamar, a diretriz principal para os primeiros crentes era para que trouxessem os feixes em vez de tentarem impor a lei bíblica.

À medida que o “nacionalismo cristão” hoje se espalha pelos Estados Unidos e também por alguns outros países, podemos aprender com nossos antecessores: Não temos uma terra santa nem um templo para defender; as igrejas, porém, devem ter a aspiração de serem cidades modelo no reino de Deus — nas quais, pela graça dele, indivíduos possam ser transformados de dentro para fora, e de fato serão.

Dr. Olasky, hoje filiado a dois institutos, Discovery e Acton, é um ancião da Presbiterian Church of America e autor ou co-autor de mais de 30 livros, entre eles The Story of Abortion in America [A história do aborto na América].

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A Europa está vivendo um momento pós-cristão ou pré-avivamento?

Como missionária neste “continente pródigo”, compartilho sobre como vejo a plantação de igrejas, o movimento de oração e as igrejas da diáspora fazendo a diferença.

Christianity Today February 6, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash / Getty

Pós-cristão. Secular. Um continente pródigo. Estas são algumas das palavras frequentemente usadas para descrever o cristianismo na Europa.

No entanto, um número crescente de vozes acredita que a obra de Deus na Europa ainda não acabou.

“Fome espiritual renovada, novo movimento de oração, novas expressões da igreja, [e] igrejas de imigrantes restaurando a fé” são sinais de esperança em nosso continente, nos dias de hoje, escreve o ex-diretor da JOCUM na Europa, Jeff Fountain.

Será que, em meio a esse deserto espiritual, Deus pode estar fazendo brotar novas fontes de água viva, ou mesmo as sementes de um avivamento?

Certamente não seria a primeira vez que Deus muda a narrativa de um continente.

Há apenas algumas décadas, os protestantes descreviam a América Latina como um campo missionário. Hoje, ela tornou-se uma força missionária, sendo que a igreja brasileira envia o segundo maior número de missionários do mundo. Em 1900, a África abrigava cerca de 9 milhões de cristãos. Quem poderia imaginar que, na década de 2020, haveria meio bilhão de cristãos no continente?

Os desafios missionários para os cristãos na Europa, porém, são avassaladores.

“A Europa é uma das regiões mais difíceis do mundo para se testemunhar a Cristo. O monstro de três cabeças que combina secularismo, pluralismo e materialismo dificulta o testemunho cristão em todo o continente”, diz Lindsay Brown, ex-secretária geral da IFES (International Fellowship of Evangelical Students).

O velho continente tem uma história complexa e única com a fé cristã.

“Nenhum outro continente foi exposto ao cristianismo por um período tão prolongado e de maneira tão extensa”, escreveu Jim Memory, diretor corregional do Lausanne Europa, no Relatório Missiológico da Europa em 2021. “No entanto, assim como a Europa foi o primeiro continente a ser cristianizado, também foi o primeiro a ser descristianizado.” Como Fountain aponta, o continente foi fundamentalmente moldado pelo evangelho, “mas também por sua rejeição, o que é paradoxal”.

Como missionária com 12 anos de experiência e plantadora de igrejas em Roma, vi essas realidades em primeira mão.

Depois de ter sido criada na América Latina e de ter estudado na América do Norte, quando me mudei para a Europa e comecei a compartilhar minha fé com as pessoas ao meu redor, ficou claro que eu enfrentava um novo nível de ceticismo. Parecia haver uma nuvem de descrença e pessimismo, e uma suposição implícita de que Deus não é real.

Mesmo assim, em nossos dias, “está ocorrendo uma extraordinária reevangelização da Europa”, escreveu Memory em seu relatório. Aqui estão cinco maneiras pelas quais estamos vendo o mover de Deus por todo o continente.

1. Igrejas da diáspora

A mudança do paradigma missional descrita por Samuel Escobar — que passou do paradigma “do Ocidente para o resto do mundo” ao paradigma “de todos os lugares para todas as pessoas” — talvez seja mais evidente na Europa do que em qualquer outro lugar do mundo.

Como explica o relatório missiológico de 2021:

Imigrantes latino-americanos plantaram milhares de igrejas na Espanha, em Portugal e em tantos outros países, nos últimos trinta anos. É difícil encontrar uma grande cidade europeia que não tenha uma grande congregação de língua espanhola e/ou portuguesa (no caso, igrejas de brasileiros). Da mesma forma, as igrejas chinesas podem ser encontradas em quase todos os lugares. Só na Grã-Bretanha, as igrejas pentecostais plantadas por africanos chegam à casa dos milhares.

A contribuição das igrejas de imigrantes para a evangelização dos europeus também foi um tema central do encontro Lausanne Europe 2021, que preparou europeus nativos para serem mais intencionais em ajudar os cristãos da diáspora a alcançar as populações locais, bem como em ajudar os líderes imigrantes a se contextualizar, a fim de que possam ser mais eficazes em alcançar os europeus, além de pessoas de suas próprias nacionalidades.

2. Plantação de igrejas

A plantação de igrejas também tem se acelerado na Europa, através de várias redes, denominações e agências missionárias. Na França, por exemplo, o Conselho Nacional dos Evangélicos Franceses (CNEF) estabeleceu uma meta de plantar uma igreja evangélica para cada 10 mil pessoas. Nos últimos anos, o movimento de plantação de igrejas na França viu, em média, uma igreja ser plantada a cada sete dias ou algo perto disso.

“Queremos mover a igreja na Europa a passar do declínio e da estagnação para o crescimento”, disse Øystein Gjerme, líder do M 4 Europe, um movimento que tem a visão de ver uma igreja ser plantada todos os dias na Europa. No ano passado, a Exponential Europe — um movimento vibrante de plantação de igrejas que trabalha em parceria com outras redes importantes de plantação de igrejas, como a City to City e agências missionárias estabelecidas como a Greater Europe Mission — promoveu mesas redondas com plantadores de igrejas em 30 países diferentes.

3. O movimento de oração

J. Edwin Orr, historiador do avivamento já falecido, disse que “sempre que Deus está pronto para fazer algo novo com seu povo, ele os coloca para orar”.

Nas últimas duas décadas, o movimento de oração 24/7 [24 horas por dia, 7 dias por semana] viu o surgimento de 22 mil espaços de oração em 78 nações, a maioria deles na Europa.

O início desse movimento remonta ao momento em que seu fundador, Pete Greig, teve uma experiência poderosa. Cerca de duas décadas atrás, Greig, então recém-formado na universidade, estava orando pelas nações da Europa certa noite, enquanto caminhava pelas falésias do Cabo de São Vicente, em Portugal. No meio de sua intercessão, segundo escreve em Red Moon Rising [Lua Crescente Vermelha], ele teve uma visão de jovens europeus se movendo como “um exército misterioso e sem rosto, esperando silenciosamente por ordens”. A imagem o lembrou de Ezequiel 37. “Vocês veem ossos? Eu vejo um exército”, escreveu ele em um poema que mais tarde viralizou.

Uma casa de oração em Augsburg, Alemanha, tem estado em contínua oração, dia e noite, por 11 anos, ou 110 mil horas.

4. Aumento da unidade cristã

A guerra na Ucrânia fomentou uma colaboração sem precedentes entre as agências missionárias. A Christian Ukraine Collaboration reuniu líderes de várias organizações, alguns dos quais nunca haviam se encontrado antes, “para lidar com a complexidade e o escopo dessa enorme crise humanitária”, escreve Matthew Pascall. Redes como o European Leadership Forum, a Aliança Evangélica Europeia e o Movimento Lausanne fortaleceram a unidade e a colaboração.

Nos círculos carismáticos, uma coalizão histórica de 29 denominações e agências missionárias na Noruega reuniu 9 mil jovens para o The Send Norway, o maior encontro cristão interdenominacional em mais de 20 anos. Na última década, outros ministérios carismáticos, como o Awakening Europe, também lotaram estádios em países como Holanda, Áustria e Suécia, reunindo várias igrejas locais e organizações cristãs.

5. A próxima geração

Em maio de 2022, 13 mil adolescentes e jovens adultos, vindos de toda a Alemanha, reuniram-se para o Christival, uma conferência organizada por uma rede não-denominacional com raízes históricas no Movimento de Jesus. Iniciativas como essa me levam a crer que Deus está levantando uma nova geração de europeus ansiosos por encontros autênticos com Jesus.

“Vemos surgir uma geração emergente que não se envergonha do evangelho. É como uma pequena nuvem no horizonte, como a que Elias viu antes da chuva, em 1Rei 18”, disse Andreas Nordli, diretor do The Send Norway.

Fiquei pessoalmente surpresa ao ver, entre os estudantes universitários na Europa, essa fome por um novo mover de Deus. Em 2019, o Revive Europe, movimento que tenho o privilégio de liderar, reuniu 3 mil estudantes universitários de 68 nações para orar por um avivamento entre seus pares. Os alunos continuam a levar esse desejo a Deus, por meio de reuniões semanais de oração em Berlim, e de reuniões com até 400 alunos em Belfast. Nos últimos meses, temos sido inspirados, por ver estudantes croatas frequentando cursos Alpha lotados em Zagreb, e batizando oito de seus amigos.

“A nova geração parece estar mais consciente do vazio de um estilo de vida puramente materialista”, disse Luke Greenwood, diretor europeu do Steiger, um ministério de missões voltado para jovens. “Eles estão cada vez mais abertos a conversas sobre assuntos espirituais, orações e, principalmente, à procura de uma comunidade à qual pertencer.”

O que está por vir?

Vemos repetidamente nas Escrituras que, nos momentos mais sombrios, quando o povo de Deus se volta para ele de todo o coração, Deus ouve suas orações. Será que Deus pode ter um avivamento reservado para o continente europeu?

“De fato, acho que a Europa está pronta para um renascimento. Uma lufada de ar fresco em pulmões já exauridos”, diz a recém-nomeada secretária-geral da Aliança Evangélica Europeia, Connie Duarte. “Jovens cristãos europeus estão se unindo para orar e pedir ao Espírito Santo que desperte os europeus e lhes traga à memória sua herança espiritual.”'

Tim Keller observa que, quando o avivamento acontece, “cristãos sonolentos despertam, cristãos nominais se convertem e os que são difíceis de alcançar são dramaticamente trazidos à fé”. Isso é algo muito necessário na Europa. J. I. Packer vai mais longe, ao dizer que “sem que haja um avivamento na igreja, não há realmente nenhuma esperança para o mundo ocidental”.

Ainda que alguns anseiem por um avivamento, muitas vezes os líderes europeus se mostram compreensivelmente céticos, quando ouvem histórias sobre um mover de Deus ou leem reflexões desse tipo sobre um possível novo mover de Deus na Europa. De fato, o tema do avivamento tem sido discutido há anos, mas ainda não vimos o tipo de mover pelo qual alguns têm esperado.

Em Gênesis 18, quando ouve três visitantes dizerem que ela daria à luz um filho dentro de um ano, Sara, contudo, ri à entrada da tenda. No ano passado, o evangelista francês Raphael Anzenberger relembrou esta história aos participantes do Lausanne Europe Gathering, pois esta geralmente também pode ser a nossa postura, quando ouvimos falar sobre a possibilidade de Deus soprar nova vida sobre este velho continente.

Será que pós-cristã não será o último adjetivo a ser aplicado à Europa? Se alguns disserem que o cristianismo em certas partes da Europa parece estar morto, ora, veja bem, acontece que nós servimos a um Deus que é especialista em ressurreição.

Como diz Lindsay Brown, ex-diretora internacional do Movimento Lausanne: “Por todo o continente, vemos luzes piscando na escuridão, por meio de muitos ministérios maravilhosos. Por favor, ore conosco para que Deus, por meio do Espírito Santo, sopre sobre essas luzes bruxuleantes e as transforme na chama do avivamento”.

Sarah Breuel é diretora da Revive Europe e faz parte do conselho de diretores do Movimento Lausanne.

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Books

Tempo com Deus: quem tem mais probabilidade de fazer devocionais diários

Pesquisa revela que ao menos dois terços dos fiéis reservam um tempo devocional todos os dias, mas as práticas variam.

Christianity Today February 6, 2023
Priscilla Du Preez / Unsplash

Nota da edição em português: este artigo fala sobre pesquisa realizada com o público norte-americano, porém, pode conter informações interessantes para a igreja como um todo.

A maioria das pessoas que frequentam igrejas protestantes ao menos passa um tempo a sós com Deus diariamente, mas o que elas fazem nesse tempo e os recursos que usam varia muito.

De acordo com um estudo da Lifeway Research, aproximadamente 2 a cada 3 fiéis protestantes ao menos passam intencionalmente um tempo a sós com Deus todo dia, sendo que 44% deles dizem que passam tempo uma vez por dia e 21% dizem que passam mais do que uma vez por dia.

Em paralelo, 17% dos fiéis dizem ficar a sós com Deus várias vezes por semana, e 7% dizem ficar uma vez por semana. Outros admitem ficar a sós com Deus algumas vezes por mês (5%), uma vez por mês (2%), menos de uma vez por mês (3%) ou nunca (1%).

O tempo dedicado parece ser diferente para diferentes fiéis, mas é mais provável eles falarem com Deus por meio da oração do que ouvirem a Deus por meio de sua Palavra.

Frequentemente, os fiéis oram com suas próprias palavras (83%), agradecem a Deus (80%), louvam a Deus (62%) ou confessam pecados (49%). Menos de 2 a cada 5 fiéis leem a Bíblia ou algum devocional (39%). Menos ainda repetem uma oração fixa (20%), consideram as características de Deus (18%) ou fazem outra coisa (1%).

Mas se os fiéis fossem ler algo durante seu tempo a sós com Deus, a maioria leria uma Bíblia impressa (63%). Outros leriam a Bíblia em um formato diferente, como uma Bíblia com comentários ou com reflexões devocionais (25%) ou leriam a Bíblia por meio de um aplicativo (20%).

Menos de 1 a cada 3 fiéis diz que leria um livro devocional que cita apenas trechos das Escrituras (32%) e menos ainda dizem que leriam um livro devocional que não tenha passagens das Escrituras (8%). Ainda assim, outros dizem que leriam um devocional em um aplicativo (7%) ou leriam outra coisa (3%).

Frequência do tempo devocional

Quando se trata de passar um tempo a sós com Deus, as mulheres (48%) são mais propensas do que os homens (38%) a dizer que esse é um hábito diário para elas. Os fiéis do Sul do país (49%) também estão entre os mais propensos a dizer que passam um tempo a sós com Deus diariamente.

Um a cada quatro batistas (25%) diz passar um tempo a sós com Deus mais de uma vez por dia. E os que são adeptos das crenças evangelicais (30%) são mais propensos a dizer o mesmo do que aqueles que não são adeptos (15%).

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A frequência à igreja também é um indicador da frequência do tempo devocional. Aqueles que frequentam os cultos pelo menos quatro vezes por mês (26%) são mais propensos a dizer que passam tempo a sós com Deus mais de uma vez por dia do que aqueles que frequentam os cultos de uma a três vezes por mês (13%).

“Vemos um padrão nas Escrituras de seguidores de Deus que se retiram para passar um tempo a sós com ele. O próprio Jesus Cristo também fazia isso”, disse Scott McConnell, diretor executivo da Lifeway Research. “A maioria dos frequentadores de igrejas protestantes continua a ter essa interação relacional com Deus e usa para isso vários recursos.”

Preferências em termos de oração

Quando passam um tempo a sós com Deus, alguns preferem orar com suas próprias palavras, enquanto outros preferem repetir uma oração fixa. Os fiéis mais jovens — com idades entre 18 e 34 anos (31%) e 35 e 49 anos (26%) — são mais propensos a dizer que repetem uma oração fixa, durante seu tempo a sós com Deus, do que aqueles com 50 a 64 anos (16%) e acima de 65 anos (11%). E os que têm de 50 a 64 anos (85%) e acima de 65 anos (89%) são mais propensos a dizer que oram com suas próprias palavras do que os que têm de 18 a 34 anos (77%) e de 35 a 49 anos (77%).

“Existem muitas razões para fazer uma oração fixa. Quer alguém esteja orando a oração modelo que Jesus nos deixou quer esteja repetindo o mesmo pedido a Deus todos os dias, isso pode ser significativo”, disse McConnell. “Ao mesmo tempo, as Escrituras também registram Salmos e orações em seus relatos narrativos que mostram como podemos ser pessoais e diretos ao falar com Deus com nossas próprias palavras.”

As mulheres (86%) são mais propensas do que os homens (79%) a orar com suas próprias palavras. E os fiéis do Sul do país (86%) são mais propensos a orar com suas próprias palavras do que os do Nordeste (77%).

As crenças evangelicais e a frequência à igreja também são fatores que influenciam como uma pessoa prefere orar. Aqueles que frequentam os cultos pelo menos quatro vezes por mês são mais propensos a orar com suas próprias palavras do que aqueles que frequentam menos (85% vs 79%). Mas aqueles que vão ao culto de uma a três vezes por mês são mais propensos a repetir uma oração fixa do que aqueles que vão com mais frequência (24% vs 16%).

Os adeptos de crenças evangelicais são mais propensos a orar com suas próprias palavras do que aqueles que não são adeptos (92% vs. 76%), enquanto estes últimos são mais propensos do que os primeiros a repetir uma oração fixa (22% vs 16%).

Preferências em termos de prática

O que significa passar um tempo a sós com Deus é algo que varia de pessoa para pessoa. Mas existem alguns indicadores de quais práticas são mais importantes para os diferentes grupos demográficos de pessoas.

Enquanto as mulheres são mais propensas a dizer que louvam a Deus do que os homens (66% vs 57%) ou que leem a Bíblia ou algum devocional (42% vs 36%), os homens são mais propensos do que as mulheres a dizer que consideram as características de Deus (21% vs 16%) quando passam tempo a sós com ele.

Os frequentadores de igreja mais velhos — aqueles com 50 a 64 anos (45%) e com mais de 65 anos (42%) — são mais propensos a dizer que leem a Bíblia ou algum devocional quando passam tempo a sós com Deus do que aqueles com 18 a 34 anos (32%) e 35 a 49 anos (34%). E aqueles com mais de 65 anos são os menos propensos a dizer que consideram as características de Deus (10%).

As crenças evangelicais e a frequência à igreja também são indicadores das preferências de uma pessoa em passar tempo a sós com Deus. Aqueles que mais frequentam os cultos (quatro ou mais vezes por mês) são mais propensos a louvar a Deus (67% vs 53%), a confessar pecados (55% vs 38%) ou a ler a Bíblia ou algum devocional (46% vs 28%) do que aqueles que frequentam os cultos de uma a três vezes por mês.

E os que são adeptos de crenças evangelicais são mais propensos a agradecer a Deus (87% vs 74%), a louvar a Deus (76% vs 51%), a confessar pecados (64% vs 38%) ou a ler a Bíblia ou um devocional (52% vs 29%) do que aqueles que não são adeptos de tais crenças. Mas estes últimos são mais propensos do que os primeiros a considerar as características de Deus (20% vs 15%).

“Um estudo anterior sobre discipulado da Lifeway Research mostrou que louvar e agradecer a Deus é um dos cinco principais preditores de elevada maturidade espiritual”, disse McConnell. “Esta é uma prática comum entre os fiéis quando estão a sós com Deus.”

Preferências em termos de recursos

Vários fatores influenciam o que um fiel deseja ler, quando passa um tempo a sós com Deus. Os adultos mais jovens (de 18 a 34 anos) são os mais propensos a ler as Escrituras em um aplicativo (40%) e os menos propensos a ler um livro devocional que cita apenas trechos das Escrituras (21%). E as mulheres são mais propensas do que os homens a dizer que preferem ler um devocional em um aplicativo (9% contra 4%).

“Os cristãos de hoje têm mais recursos do que nunca para ajudá-los a passar tempo com Deus e sua Palavra”, disse McConnell. “À medida que novos recursos são criados, estes podem encorajar alguém que, sem essa inovação, não teria passado tempo com Deus. Mas também existe uma forte relação entre passar tempo a sós com a Palavra de Deus e adorar com frequência na companhia de outras pessoas que possam nos encorajar em nossa caminhada com Deus”.

E os que são adeptos de crenças evangelicais são mais propensos a dizer que leriam a Bíblia (78% vs 52%), se fossem ler alguma coisa em seu tempo a sós com Deus, do que os que não são adeptos. E estes últimos são mais propensos do que os primeiros a dizer que leriam um livro devocional que não traga citações das Escrituras (11% vs 3%) ou que leriam as Escrituras em um aplicativo (22% vs 17%).

Enquanto aqueles que frequentam um culto pelo menos quatro vezes por mês são mais propensos a dizer que leriam a Bíblia em seu tempo devocional (70% vs 52%) do que aqueles que frequentam o culto de uma a três vezes por mês, estes últimos são mais propensos do que os que vão ao culto com mais frequência a dizer que leriam um devocional em um aplicativo (9% vs 5%).

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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