Rick Warren: O ‘ide, ensinai’ da Grande Comissão aplica-se às mulheres

O ex-pastor da Saddleback Church, igreja que pertencia à Convenção Batista do Sul, conta por que sua visão sobre as mulheres mudou.

Christianity Today March 28, 2023
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Recentemente, Russell Moore entrevistou em seu programa o recém-aposentado pastor Rick Warren — autor de Uma Vida com Propósitos.

Eles discutiram sua transição pastoral e seus planos para o futuro, bem como a desfiliação da Igreja Saddleback da Convenção Batista do Sul ( SBC ), por contratar uma pastora para desempenhar uma função de ensino em sua equipe.

Como plantador e ex-pastor da conhecida congregação, Warren contou como seus pontos de vista sobre mulheres na liderança da igreja mudaram, quando ele reexaminou certas passagens da Escrituras, como a da Grande Comissão.

O texto a seguir é uma adaptação do áudio original da entrevista, que pode ser ouvido aqui, em inglês.

Rick: Estava eu aqui, pronto para me juntar, ao lado de Beth Moore, Russell Moore e mais alguns outros, ao antigo grupo de apoio da denominação Batista do Sul. Então, na semana passada, fui expulso. Na verdade, não é uma surpresa para mim. Comecei a Saddleback Church há 43 anos — sou a quarta geração de Batistas do Sul em minha família, e meu avô, Chester Armstrong, era parente de Annie Armstrong (missionária batista muito conhecida e respeitada)[…]

Meu tataravô foi levado a Cristo por Charles Spurgeon, e enviado para a América para plantar igrejas, na década de 1860. Portanto, eu tenho um longo histórico batista. Mas, quer saber de uma coisa? Fizemos uma porção de coisas que não seguiram ao pé da letra a tradição batista. Em 1980, quando comecei a igreja, não colocamos “Batista” no nome — e isso era algo inédito há 40 anos. […] É uma Convenção diferente do que era, e sentimos falta daqueles grandes líderes que costumavam estar nela. […]

Russell: Você disse que não ficou surpreso. Eu fiquei impressionado. Porque — tendo em vista de todas as crises envolvendo o tratamento dado às mulheres e ao abuso sexual dentro da SBC — simplesmente não acho que dizer que uma igreja está dando muito espaço às mulheres seja de fato o problema na SBC [essa é a minha visão. Eu não pude acreditar que era isso que eles estavam pressupondo. …]

Rick: Deixe-me dizer uma palavra sobre isso. Não é por acaso que as mesmas vozes que disseram “Não podemos proteger as mulheres de abuso, por causa da autonomia das igrejas locais” são as mesmas vozes que estão dizendo “Mas podemos impedir que [as mulheres] sejam chamadas de pastoras, dentro da autonomia das igrejas locais”. Logo, a autonomia só importa se for conveniente para você.

Em outras palavras, eles claramente pensam: Nós temos poder de decisão em sua igreja na questão dos títulos da equipe pastoral; porém, foi um equívoco dizerem: “Não podemos fazer nada — não somos responsáveis por esse abuso que está acontecendo, porque as igrejas são autônomas e independentes”. Absurdo.

Russell: Alguns deles provavelmente diriam que a confissão de fé afirma que o ofício de pastor [deve] ser exercido por homens, conforme certificam as Escrituras. E a Saddleback agora tem mulheres pastoras. Como você vê isso?

Rick: Bem, em primeiro lugar, os Batistas do Sul sempre tiveram uma postura anticredo. Cresci com a frase: “Não temos outro credo senão Cristo; não temos outro livro senão a Bíblia”. Esta não é uma batalha entre liberais e conservadores [de um ponto de vista teológico] . [Os] liberais saíram há muito tempo. Todos na SBC acreditam na inerrância das Escrituras. Ora, estamos falando de diferença de interpretação. Essas passagens específicas — Tito, Timóteo e Coríntios — têm centenas, literalmente centenas, de interpretações.

Devemos ser capazes de banir pessoas por causa de pecado, racismo, abuso sexual, outros pecados sexuais, coisas assim. Mas isso acabou […] Quer dizer, podemos discordar sobre a expiação; podemos discordar sobre a eleição; e podemos discordar sobre o dispensacionalismo; podemos discordar sobre [a] Segunda Vinda; podemos discordar sobre a natureza do pecado; mas não podemos discordar sobre quem você chama para a sua equipe pastoral?

Aqui está a diferença: esta é a mesma velha batalha que vem acontecendo há 100 anos na SBC […] entre batistas conservadores e batistas fundamentalistas. Hoje, o fundamentalismo é uma palavra que mudou de sentido.

Cem anos atrás, eu me chamaria de fundamentalista. Porque, na década de 1920, isso significava que você defendia as doutrinas históricas da igreja, a expiação do sangue de Cristo, a autoridade das Escrituras — todas as doutrinas cardeais básicas do protestantismo evangélico. Mas essa palavra mudou, porque, hoje, temos muçulmanos fundamentalistas, budistas fundamentalistas. Temos ateus fundamentalistas. Temos comunistas fundamentalistas. Temos fundamentalistas que são secularistas. Hoje, ser fundamentalista significa que você parou de ouvir o que o outro tem a dizer […]

Portanto, primeiramente, eu creio na inerrância das Escrituras. E não creio na inerrância de sua interpretação — inclusive, nem na inerrância da minha interpretação. É por isso que devo dizer que posso estar errado. Temos de nos aproximar das Escrituras com humildade, dizendo: “Posso estar errado”. Você nunca ouvirá um fundamentalista dizer isto: “Posso estar errado”. […] Um batista conservador crê na inerrância das Escrituras. Um batista fundamentalista crê na inerrância de sua própria interpretação. Essa é uma grande diferença.

Russell: Mas você certamente concordaria que se a Saddleback tivesse batizado bebês, por exemplo, outras igrejas diriam: “Ok, existem igrejas de todo tipo que fazem isso, mas a Saddleback não é uma igreja batista, se eles fazem isso.”

Rick: Sim, com certeza. Este é o ponto: eu acredito que a igreja, em sua melhor fase, foi a igreja em seu nascimento. E, sendo bem honesto, tenho de dizer que não estava planejando falar sobre esse assunto com você, Russell.

Em primeiro lugar, entendo que as pessoas ficam chateadas com isso, porque eu acreditava da mesma maneira que elas acreditavam, até três anos atrás. E eu de fato tive de mudar, por causa das Escrituras. A cultura não poderia me mudar nesta questão. Anedotas não poderiam me mudar nesta questão. A pressão de outras pessoas não me mudaria nesta questão. O que me mudou foi o fato de eu ter sido confrontado por quatro passagens das Escrituras, sobre as quais ninguém nunca falou, e que eu senti que tinham fortes implicações sobre a questão das mulheres no ministério, algo que ninguém nunca havia mostrado para mim.

Eu conhecia a passagem de Tito. Eu conhecia a passagem de Timóteo. Eu conhecia 1Coríntios, e toda vez que as pessoas diziam “Por que vocês não têm pastoras?”, eu respondia: “Mostre-me um versículo [sobre isso]. [Se] você me der um versículo, vou considerá-lo, porque sou um cara que segue a Bíblia”. Você não pode simplesmente me dizer: “Todo mundo está fazendo isso [ou seja, ordenando pastoras]”. Ou: “Estive em 165 países e vi igrejas de 30, 40, 50 mil pessoas lideradas por uma pastora senior, uma mulher”. Isso não é suficiente para mim. Eu tenho que ter uma base bíblica.

Três anos atrás, logo depois de eu assumir a liderança do Finishing the task — e isso é outra coisa sobre a qual espero podermos conversar mais tarde —, quando a COVID[-19] apareceu, comecei a ler todos os livros que pude encontrar sobre a Grande Comissão e sobre a história da igreja. Li mais de 200 livros sobre a Grande Comissão e sobre a história das missões, e fazia a mim mesmo duas perguntas.

Primeiro, eu me perguntava: por que a igreja cresceu mais rápido nos primeiros 300 anos? Passamos de 120 pessoas no cenáculo para nos tornarmos a religião oficial do Império Romano, em 300 anos. Na minha biblioteca, tenho um denário romano do ano 87, com a imagem de César cunhada na moeda; tenho, porém, uma foto de um denário do ano 320, com uma cruz cunhada na moeda. Essa é uma grande mudança cultural.

A igreja cresceu cerca de 50% por década, nos primeiros 300 anos. Eu fiz uma lista de cerca de 25 coisas que eles faziam e que não estamos fazendo hoje como igreja. Também fiz uma lista das coisas que temos, que achamos que temos de ter, [mas] que eles não tinham. Eles não tinham aviões, trens, automóveis; eles não tinham um prédio da igreja.

A igreja não tinha prédio ou templo no período em que cresceu mais rápido. Nos primeiros 300 anos — estive na igreja mais antiga, em Maaloula, na Síria, uma pequena igreja com capacidade para cerca de 50 pessoas — e eles não tinham púlpitos. A ideia de alguém ficar atrás de um púlpito pregando não fazia parte do culto [da época] do Novo Testamento.

Paulo diz: “Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução”(1Coríntios 14.26). [O culto] era em uma casa e todo mundo compartilhava — não era um cara que ficava lá, parado, enquanto eu era doutrinado. Essa é uma imposição cultural nossa. Então, o que eles faziam?

Eles não tinham impressoras. Eles não tinham Internet. Eles não tinham rádio, nem TV e, no entanto, cresceram mais rápido nos primeiros 300 anos do que em qualquer outro período da história.

Então, eu fiquei me perguntando, o que deu errado nos 1.700 anos seguintes? Em 1988, o IMB (International Mission Board [Conselho Internacional de Missão]) contratou um estudioso anglicano, David Barrett […] Ele escreveu um livro chamado Os 700 planos para evangelizar o mundo e completar a Grande Comissão, do ano 0 a 1988.

Usei esse livro, nos últimos três anos, como um índice para estudar por que não conseguimos realizar este feito, isto é, o que deu errado. O livro mostra até mesmo que os católicos tinham uma porção de planos, e os anabatistas tinham outro, e os luteranos e metodistas também, e você pode ler sobre todos eles. E, então, eu vi todas as coisas que eles fizeram de errado.

De qualquer forma, esse estudo me fez mudar minha visão sobre as mulheres. Nada mais poderia ter [mudado] isso, quando me deparei com três diferentes passagens das Escrituras. Primeiro, a da Grande Comissão. Hoje, os batistas — os batistas do sul — gostam de se chamar de “Batistas da Grande Comissão”, e afirmam crer que a Grande Comissão é para todos, [que] tanto homens quanto mulheres devem cumprir a Grande Comissão.

Bem, na verdade não — você não acredita nisso, pois há quatro verbos na Grande Comissão: “Ide”, “fazei discípulos”, “batizando-os” e “ensinando-os” (Mateus 28,19-10, ARA). As mulheres devem ir, as mulheres devem fazer discípulos, as mulheres devem batizar e as mulheres devem ensinar, não apenas os homens.

Ora, esta é uma das razões pelas quais a Saddleback Church batizou mais pessoas do que qualquer outra igreja na história americana: 57 mil batismos de adultos em 43 anos. Por quê? Porque, em nossa igreja, se você ganha alguém para Cristo, você batiza aquela pessoa. Então, se uma mãe quiser batizar seu filho ou uma esposa quiser batizar o marido que ela levou a Cristo — qualquer um pode batizar quem quer que tenha levado a Cristo […]

Isso é a libertação, a emancipação em que “cada membro é um ministro”, em que […] verdadeiramente cremos, na maioria das vezes, no sacerdócio dos sacerdotes, em vez do sacerdócio dos crentes.

Ora, a Grande Comissão é: ir, fazer discípulos, batizar, ensinar. Você não pode dizer que os dois primeiros imperativos são para homens e mulheres [e] os dois últimos são apenas para homens — ou, talvez, apenas para homens ordenados. Isso é uma eisegese. Você tem um problema.

Quem autorizou as mulheres a ensinarem? Foi Jesus. “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus 28.18-19). [Quem não segue isso] tem um problema com a Grande Comissão. Tive que me arrepender, quando realmente olhei para a Grande Comissão. Eu tive que dizer: “Isso não é apenas para homens ordenados; é para todos”.

A segunda coisa que mudou minha mente foi o Dia de Pentecostes. Duas coisas aconteceram naquele dia. Sabemos que o primeiro dia da igreja é o dia do seu nascimento, é a igreja no que há de melhor. Naquele dia de Pentecostes, sabemos que as mulheres estavam no cenáculo. Sabemos que as mulheres foram cheias do Espírito Santo; sabemos que as mulheres pregaram, para um público misto, em línguas que outras pessoas não conseguiam [entender]. Não foram apenas homens — mulheres [também] pregaram no dia de Pentecostes.

Como sabemos disso? Porque Pedro se sentiu obrigado a explicar esse ponto. E, assim, em Atos 2, versículos 17 e 18, ele diz, em outras palavras: “Ei, pessoal, essas pessoas não estão bêbadas. O que você está vendo foi profetizado por Joel. Iria acontecer”. E, então, ele se põe a explicar por que agora estamos vendo mulheres pregando, no primeiro dia da igreja. Ele explica isso e diz: “Isto [que vocês estão vendo] é aquilo que Joel profetizou”.

E aqui está o que ele diz. “E acontecerá nos últimos dias” — e isso claramente significa que Pedro pensava que os últimos dias começaram com o nascimento da igreja; estamos nos últimos dos últimos dias. Ora, não sabemos quantos dias mais teremos, mas os últimos dias começaram com o nascimento da igreja. E Pedro diz: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne”. Toda carne. “…vossos filhos e vossas filhas profetizarão.”

Isso é diferente do Antigo Testamento. Eu consultei mais de 300 comentários sobre esses versículos, e achei interessante que quase todo mundo diz: “Sim, na igreja, todos podem orar, todos podem pregar, todos podem profetizar”. E as pessoas que não gostam disso simplesmente ignoram esse versículo. John MacArthur nem comenta esse versículo. Ele simplesmente pula isso.

E a terceira coisa que mudou minha mente — e veja, nada disso teve a ver com cultura; teve a ver com as Escrituras — foi que, então, de repente, notei que Jesus escolheu uma mulher para transmitir aos homens o primeiro sermão, o primeiro sermão cristão, a mensagem do evangelho das Boas Novas da Ressurreição.

Ele mandou Maria Madalena ir e contar aos discípulos. Ora, isso claramente não foi um acidental. Foi intencional. É um mundo totalmente novo. Agora, ele manda uma mulher contar isso aos apóstolos. E uma mulher pode ensinar um apóstolo? Evidentemente que pode. [Jesus] fez isso no primeiro dia — ele escolheu uma mulher para ser a primeira pregadora do evangelho.

Russell: Então, depois dos últimos três anos, você apoiaria ter homens e mulheres como presbíteros, como pastores sêniores, em qualquer posição dentro da igreja?

Rick: Sim, eu apoiaria. Mas aqui está o que eu digo — porque tenho de dizer: esta é a minha interpretação. Devo dizer com humildade, não me incomoda se você discordar de mim.

Por 2 mil anos, a igreja tem debatido o papel das mulheres na cultura; porém, fazer disso o teste decisivo para saber se “alguém é batista ou não?” é um absurdo. Porque a primeira confissão batista, a de 1610, diz que os oficiais da igreja são presbíteros, não pastores, e diáconos e diaconisas. Essa é a confissão batista original. Então, vocês querem voltar às origens ou não?

Então, leiam o preâmbulo da mensagem de fé batista, que diz: “Isso não é obrigatório para ninguém”. É dito no preâmbulo: isso não é obrigatório para nenhuma igreja. Mas agora estamos transformando isso — uma confissão — em um credo, e estamos transformando-a em uma arma. Estamos iniciando uma inquisição. E se isso agora se consolidar, qualquer pastor, a cada semana, pode se levantar e dizer: “Quero banir aquela igreja porque eles discordam [de nós] sobre o dispensacionalismo”.

Devemos banir igrejas por pecarem. Devemos banir igrejas que prejudiquem o testemunho da convenção. Isso não está prejudicando o testemunho de ninguém. São “assuntos controvertidos”, como Paulo diz em Romanos 14.1. O problema dos fundamentalistas é que para eles não há questões controvertidas, nem questões secundárias. Tudo importa [para eles].

Tradução: Mariana Albuquerque

Edição: Marisa Lopes

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Saber o futuro não é a cura para a ansiedade

Nosso verdadeiro consolo vem de confiar naquele que guarda o amanhã.

Christianity Today March 21, 2023
Illustration by Rick Szuecs / Source Images: Steven Puetzer / Getty / Envato

Este é um dos versículos mais citados da Bíblia: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus”.

Ecoando as palavras de Jesus, para que deixemos as preocupações do amanhã para amanhã, Filipenses 4.6 nos aponta um antídoto para a ansiedade: a oração.

Uma situação momentânea nos causa ansiedade. Não conseguimos enxergar o caminho a seguir. Inclinamos a cabeça para orar, pedindo ajuda. O que poderia ser mais simples do que isso?

Nossos pedidos, porém, revelam muito sobre a compreensão que temos de nós mesmos, da ansiedade em geral e de Deus. Nossas orações em momentos de ansiedade podem, na verdade, levar a uma ansiedade ainda maior, a menos que prestemos muita atenção aos tipos de petições que Paulo tem em mente, quando faz essa exortação.

Ficamos, de fato, ansiosos sobre o que o futuro nos reserva, imaginando o que fazer quando surgem dificuldades em nossas amizades, finanças ou famílias. Se pudéssemos saber só um pouco mais sobre o que vem a seguir, certamente poderíamos acalmar nossas ansiedades e assumir uma postura proativa. E certamente poderíamos relaxar e confiar em Deus!

Levamos nossos pedidos ao conhecimento de Deus: “Senhor, por favor, mostra-me o que fazer a seguir. Deixa claro o amanhã.”

E pensamos que, se tão somente tivéssemos o benefício de receber uma direção divina clara, certamente a seguiríamos. Mas a história de Moisés na sarça ardente nos adverte do contrário. Moisés recebe instruções da boca do próprio Deus para ir ao Egito e libertar seu povo. O resultado? Ansiedade ao extremo. Falta de disposição de seguir as instruções recebidas. Uma crise de identidade. As palavras claras do Senhor não trouxeram paz nem confiança a Moisés.

Uma coisa é dizer a Deus que estamos ansiosos sobre o futuro. Outra coisa é pedir a ele que nos revele o futuro.

Pensamos que, se Deus nos mostrasse um sinal seguro, teríamos paz. Mas a história de Gideão nos adverte do contrário. Seus pedidos para que Deus provasse que faria algo que já prometera fazer desonram aquele a quem ele roga. Ao colocar uma porção de lã na eira, ele pôs o Senhor seu Deus à prova. Os sinais milagrosos realizados a seu pedido não geraram determinação nem ação em Gideão.

Achamos que, se soubéssemos o que o amanhã nos reserva, usaríamos essa informação com sabedoria para fazer boas escolhas. Mas a história da negação de Pedro nos adverte do contrário. Jesus diz a ele, explicitamente, como a ansiedade o levará a pecar em seu futuro imediato. E Pedro não altera seu curso. O conhecimento sobre o futuro não serve para corrigi-lo, mas sim para condená-lo. A presciência não gerou arrependimento nem humildade em Pedro.

Uma coisa é dizer a Deus que estamos ansiosos sobre o futuro. Outra coisa é pedir a ele que nos revele o futuro. A primeira hipótese é uma confissão; a segunda, uma petição. Tanto a confissão quanto a petição são facetas da oração; porém, enquanto nossas confissões de ansiedade ou de pecado são sempre piedosas, nem todas as nossas ansiosas petições o são.

Quanto à questão de pedir a Deus que nos dê conhecimento do futuro, devemos ser cautelosos. Esse conhecimento pertence às coisas encobertas de Deus (Deuteronômio 29.29). Aqueles que procuram usar a oração como uma bola de cristal se esquecem de que somos chamados a andar por fé, e não pelo que vemos (2Coríntios 5.7), e se esquecem da bênção de Cristo: “Felizes os que não viram e creram” (João 20.29).

Deus revelou uma direção clara e específica a seus servos em várias ocasiões? Sim. A Bíblia preserva esses relatos para nós. Mas não os oferece como algo normativo. E, como também vimos, também não oferece essas revelações como algo que necessariamente traz a paz que esperaríamos.

Lembre-se, Hebreus 11 não diz que Abel, Enoque, Abraão, Isaque, Jacó e o restante de seu grande exército foram em frente com perfeita clareza e confiança; eles andaram pela fé. Sem dúvida, suas ansiedades eram muitas e sua linha de visão estava obscurecida. Mas o Deus deles era fiel. O Deus deles é fiel.

Portanto, que petições os ansiosos devem apresentar a Deus? Que ele aumente nossa fé (Lucas 17.5), que nos ensine a confiar (Salmos 71), que nos dê sabedoria (Tiago 1.5), que nos ajude a levar cativos nossos pensamentos ansiosos (2Coríntios 10.5), que ele nos sustente hoje com o pão diário de sua presença (Mateus 6.11), que ele nos lembre de sua fidelidade constante para conosco e com todas as gerações (Salmos 119.90).

Esses pedidos são respondidos com “a paz de Deus, que excede todo o entendimento” (Filipenses 4.7). Não se trata da paz precária de saber o que o futuro nos reserva, mas sim da paz perfeita de descansar naquele que sabe.

Tradução: Mariana Albuquerque

Edição: Marisa Lopes

Jen Wilkin é esposa, mãe e professora de Bíblia. É a autora de Women of the Word e None Like Him. Seu perfil no Twitter é @jenniferwilkin.

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Books
Review

As dificuldades que os homens enfrentam são problemas de todos

Desde estudos e trabalho a paternidade e amizades, precisamos de uma visão de masculinidade que ambos os sexos possam aplaudir.

Christianity Today March 21, 2023
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Anos atrás, um amigo me contou sobre uma conversa estranha que teve com uma colega de trabalho. Entre uma reunião e outra, ele mencionou um artigo do Wall Street Journal sobre o declínio das matrículas de homens em faculdades nos Estados Unidos, uma tendência que avançou tanto, que hoje os homens estão atrás das mulheres, em níveis recordes, e as faculdades estão intensificando seus esforços para recrutá-los. Esperando uma resposta empática, ele foi pego de surpresa, quando ela declarou, em tom perplexo: “E agora, de quem é a culpa?”

Of Boys and Men: Why the Modern Male Is Struggling, Why It Matters, and What to Do about It

Nessa hora, ele lembrou-se que sua colega era uma forte defensora dos direitos das mulheres. E imaginou que a resposta dura dela estava ligada à crença de que [mostrar] empatia pelos homens prejudicaria a antiga luta das mulheres pela equidade de gênero. No entanto, ele não queria imaginar essas causas como algo que estivesse preso em uma disputa na qual para um lado ganhar o outro tem necessariamente que perder. Como ele me perguntou, certa tarde: “Não podemos nos preocupar, ao mesmo tempo, com os direitos das mulheres e com os homens e meninos vulneráveis?”

É uma boa pergunta.

O livro inovador de Richard Reeves , Of Boys and Men: Why the Modern Male Is Struggling, Why It Matters, and What to Do about It [Sobre meninos e homens: por que o homem moderno está enfrentando dificuldades, por que isso importa e o que fazer a respeito disso], apresenta uma tese convincente de que os homens, em todo o mundo moderno, estão realmente enfrentando dificuldades e precisam de nossa atenção.

Perdendo terreno

Reeves, um estudioso da Brookings Institution, reúne uma série de estatísticas reveladoras para defender seu ponto de vista. Por exemplo, você sabia que as meninas geralmente superam os meninos no campo da educação? As meninas têm uma probabilidade de 14 pontos percentuais a mais do que os meninos de estarem “prontas para entrar na escola” aos cinco anos e, quando chegam ao ensino médio, as meninas representam dois terços dos alunos classificados entre os 10% melhores, de acordo com o GPA [média de notas de um determinado período]. A diferença entre os gêneros aumenta ainda mais no ensino superior: nos Estados Unidos, 57% dos diplomas de bacharel são concedidos a mulheres, que também recebem a maioria dos diplomas no curso de Direito. Em contraste, os homens são significativamente mais propensos a “parar” (interromper seus estudos) ou a abandonar a faculdade.

Os homens também estão perdendo espaço no mercado de trabalho. A participação de homens em idade nobre (de 25 a 54 anos) na força de trabalho caiu 7% nos últimos cinquenta anos, devido, pelo menos em parte, à automação e à mudança de trabalho braçal bem remunerado para uma economia de serviços. O salário médio real por hora de homens da classe trabalhadora atingiu o pico na década de 1970, e vem caindo desde então. E embora seja verdade que os homens tendem a ganhar mais do que as mulheres, Reeves mostra que a disparidade salarial entre os sexos é, em grande parte, uma disparidade ligada à parentalidade, na medida em que ela praticamente desapareceu para jovens adultos sem filhos. Devemos agradecer principalmente às mulheres, e não aos homens, pelo aumento da renda da classe média desde a década de 1970.

E pais estão cada vez mais em falta. Tradicionalmente, o papel masculino era definido pela cultura como o de provedor da família. Entretanto, com a maior independência econômica das mulheres (uma coisa boa), os homens estão a cada dia que passa mais incapazes de desempenhar o papel tradicional de provedor. “A dependência econômica das mulheres em relação aos homens reprimia as mulheres, mas também escorava os homens”, escreve Reeves. “Agora, as escoras se foram e muitos homens estão desabando.” Se os homens não são mais necessários como provedores, muitos deles questionam se são realmente necessários para as famílias.

O que intriga os estudiosos é que as intervenções para ajudar os homens parecem não estar ajudando. Veja, por exemplo, o caso da cidade de Kalamazoo, no Michigan. Graças a um grupo de benfeitores, os alunos de seu sistema educacional K-12 [ou seja, do jardim da infância ao fim do ensino fundamental] têm suas mensalidades pagas em quase todas as faculdades do estado. As mulheres que participam do programa obtêm grandes ganhos, entre eles, um aumento de 45% nas taxas de conclusão da faculdade, mas os homens, como observa Reeves, “parecem não extrair nenhum benefício [do programa]”.

Os pesquisadores encontraram resultados semelhantes em outros lugares. Um programa de mentoria estudantil em Fort Worth; um programa de escolha escolar em Charlotte, na Carolina do Norte; um programa para ajudar assalariados de baixa renda em Nova York — cada um desses programas mostra que há ganhos significativos para mulheres e meninas, mas não para meninos e homens. Quando perguntados por que isso ocorre, os pesquisadores simplesmente dizem: “Nós realmente não sabemos”.

Algo está errado com os homens. E é um fenômeno sobre o qual os cristãos — tanto homens quanto mulheres — precisam refletir seriamente.

Mal-estar masculino

O livro Of Boys and Men: Why the Modern Male Is Struggling, Why It Matters, and What to Do about It recebeu elogios generalizados, e por boas razões.

Reeves não se contenta em simplesmente apontar um problema social desanimador e seguir em frente, despreocupado. Ele oferece soluções. Ele argumenta com eloquência que deveríamos adotar políticas para que os meninos entrassem na escola um ano mais tarde, a fim de dar tempo para que seus cérebros se desenvolvam. Ele defende a tese de que precisamos colocar os homens em ocupações do grupo “HEAL”, sigla em inglês que designa empregos nas áreas da saúde, educação, administração e alfabetização — tanto porque esses empregos acompanham as previsões sobre o futuro da força de trabalho, quanto porque ajudam a remover o estigma contra homens trabalharem em empregos tradicionalmente “femininos”, como enfermeiro ou professor de ensino fundamental.

Além disso, segundo Reeves argumenta, precisamos fazer um grande investimento em paternidade. “A paternidade engajada”, escreve ele, “tem sido associada a uma ampla gama de resultados, desde saúde mental, conclusão do ensino médio, habilidades sociais e alfabetização até riscos menores de gravidez na adolescência, delinquência e uso de drogas”. É hora de pensar em licença paternidade, direitos iguais de guarda dos filhos para os homens que são pais, após o divórcio, e estruturas de trabalho flexíveis e favoráveis aos papais.

Reeves escreveu um livro tremendamente instigante, bem embasado em pesquisas e convincente sobre a situação do homem moderno. Por ser um especialista em políticas, ele propõe soluções baseadas em políticas. Ainda assim, como cristão, não pude deixar de pensar além da questão do que se fazer, por mais essencial que ela seja, e questionar mais sobre o porquê. Que tipo de mal-estar masculino está se espalhando por nossa cultura?

Em um artigo para a revista National Affairs, Reeves oferece uma resposta sucinta: “O problema”, escreve ele, “não é que os homens tenham menos oportunidades; é que eles não estão tomando posse delas. O desafio parece ser um declínio geral na ação, na ambição e na motivação.” Embora esse problema pareça particularmente ruim para os homens da classe trabalhadora, os profissionais [mais qualificados] do sexo masculino também estão experimentando uma ampla e global diminuição da vontade.

Como o próprio Reeves argumenta que as intervenções de políticas raramente estão ajudando os homens, não pude deixar de me perguntar: será que as mudanças nas normas econômicas e culturais em torno dos papéis masculinos causaram não apenas uma crise social, mas também espiritual?

Humildade e compaixão

O que significa ser homem? É uma pergunta difícil para os evangélicos responderem. Muitos homens cristãos sabem o que não devem ser. Eles não devem confundir Jesus e John Wayne, por exemplo, nem juntar-se às fileiras dos nacionalistas cristãos. Apesar de sua constituição biológica ser mais agressiva, dada a assumir riscos e sexualmente mais orientada do que a das mulheres (e, de fato, há ciência por trás disso), eles sabem que não devem ser dominadores nem infiéis. Em suma, eles não devem viver de acordo com os estereótipos do que costumamos chamar de “masculinidade tóxica”.

É fácil zombar de ministérios masculinos de postura arrogante e machista ou criticar o “bom e velho clube dos meninos” da associação comercial local. É muito mais difícil, porém, chegar a uma definição pró-social de masculinidade. No entanto, muitos homens que perderam o senso de direção e de propósito anseiam justamente por isto: por uma visão de masculinidade que tanto homens quanto mulheres possam aplaudir.

Claro, existem exemplos maravilhosos. O belo Kinsmen Journal, de Peter Ostapko, uma revista que anuncia a fé, a paternidade e o trabalho, é um dos exemplos que me vêm à mente. Assim como o chamado de Arthur Brooks à fé, ao trabalho, à família e à amizade. Acho que até mesmo uma apreciação da arte da masculinidade pode ajudar. No entanto, esses apelos à masculinidade saudável são muito raros.

Os cristãos podem começar a trabalhar neste ponto. Podemos tornar normais as conversas entre homens sobre trabalho e paternidade. Podemos — e devemos — investir mais tempo em amizades. Podemos apoiar vizinhos e colegas de trabalho de baixa renda, podemos abraçar a sexualidade como um dom de Deus dentro do casamento e podemos redefinir o “trabalho masculino” para melhor, incluindo uma gama mais ampla de ocupações.

Mas será que podemos graciosamente ter uma discussão teológica sobre o desígnio de Deus para homens e mulheres? Você pode imaginar se os ministérios de mulheres discutissem obras como Of Boys and Men: Why the Modern Male Is Struggling, Why It Matters, and What to Do about It, e se os ministérios de homens discutissem livros como The Making of Biblical Womanhood [A formação da feminilidade bíblica], de Beth Allison Barr? Afinal, humildade é uma virtude essencial do Filho do Homem.

Não tenho certeza se isso vai acontecer tão cedo. Mas, depois de ler o livro sério e equilibrado de Reeves, posso dizer com segurança que, se você for mulher e conhecer algum homem, ele provavelmente está passando por um momento difícil. Mostre a ele compaixão.

E se você for homem, bem, vamos pelo menos encontrar uma maneira de lutar juntos.

Jeff Haane é escritor e empresário. Ele é o fundador do Denver Institute for Faith and Work e autor de An Uncommon Guide to Retirement: Finding God’s Purpose for the Next Season of Life e também dos futuros lançamentos Working from the Inside Out e God of the Second Shift.

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Os evangélicos brasileiros devem deixar a Quaresma para os católicos?

Veja o que dizem 6 teólogos e líderes protestantes sobre como servir e cultuar no período entre o Carnaval e a Páscoa.

Christianity Today March 20, 2023
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Em um país onde mais de 80% das pessoas se declaram cristãs, a Quaresma passa despercebida. Não fosse pelo Carnaval — maior festa cultural brasileira cujo fim, na Quarta-feira de Cinzas, marca o início da Quaresma —, grande parte não saberia da sua existência.

A Quaresma foi estabelecida no ano de 325, no Primeiro Concílio de Niceia. Quando os portugueses desembarcaram em terras brasileiras, em 1500, essa tradição já estava consolidada. Apesar da influência histórica, no Brasil, o crescimento exponencial dos evangélicos — especialmente de pentecostais e neopentecostais — colocou em xeque a observância do período. Isso porque, ao contrário do que acontece com a Páscoa, a Quaresma recebe pouca atenção dos protestantes ou por entenderem que é um período litúrgico de menor importância ou por quererem se afastar das tradições católicas.

A CT perguntou a seis líderes, pastores e pastoras brasileiros de diferentes denominações se os evangélicos deveriam seguir a tradição da Quaresma.

Esequias Soares, Pastor da Assembleia de Deus de Jundiaí-SP e presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB)

As Assembleias de Deus brasileiras não celebram a Quaresma porque não seguem o calendário litúrgico cristão como as tradições católica e reformada. Todavia, celebramos festas cristãs tradicionais como o Natal, a Páscoa, e, em alguns lugares, começa-se a dar espaço para o Pentecoste.

A preocupação dos nossos pioneiros era deixar claro para a sociedade a distinção em face do catolicismo romano e das igrejas provenientes da Reforma do século 16. Na Assembleia Geral da nossa Convenção, em 1937, por exemplo, foi debatido o uso da cruz na fachada dos templos. Apesar do seu uso em templos evangélicos em outros países, a decisão foi pelo não uso deste símbolo, por causa da “cultura idolátrica brasileira, carregada de fetiches, simbologias, ídolos e ícones”. É provável que sejam essas algumas das razões pelas quais não seguimos o calendário litúrgico.

Vanessa Belmonte, pesquisadora e palestrante na área de formação espiritual, colaboradora no L’Abri Brasil

Penso que os evangélicos não deveriam seguir essa tradição como um dever ou uma obrigação. Mas poderiam segui-la como um recurso em nossa formação espiritual. Porém, não sugiro apenas a estação da Quaresma isoladamente, mas sim a adoção do Calendário Cristão completo, pois cada estação destaca um tema diferente da narrativa da redenção.

Gostamos da estação da Páscoa e da celebração da ressurreição. Contudo, não haveria Páscoa sem Quaresma, pois, não há ressurreição sem cruz. A Quaresma pode ser muito enriquecedora, ao trazer à memória nossa fragilidade, a vulnerabilidade humana e nossa dependência de Deus. Somos incentivados a refletir sobre o sacrifício de Jesus por nós e a abrir um espaço na rotina para o autoexame, o jejum e a oração. A Quaresma é um tempo de exercitar autonegação e autodoação em amor. É uma preparação importante para que possamos celebrar a Páscoa com entendimento.

Tiago de Melo Novais, editor assistente na ABC² e professor convidado no Seminário Teológico Batista de Campinas

Diferentemente de outros períodos do Calendário Cristão, como o Natal e a Páscoa, nós, evangélicos, não estamos familiarizados com a tradição da Quaresma — mas deveríamos! Este período que antecede a Páscoa é um tempo especialmente importante, pois nele separamos 40 dias para um exercício contínuo de autoavaliação e arrependimento diante de Deus, que nos prepara para revivermos o ápice da nossa história: a morte e a ressurreição do Salvador.

Mas não só isso. Em tempos como o nosso, em que o ritmo acelerado e a demanda pela produtividade nos arrancam o controle dos dias e nos forçam a entrar na lógica insaciável do consumo e do lucro, temos a oportunidade de experimentar um tempo alternativo, marcado por pausas, jejuns e orações. Um tempo em que jejuar é ter saciada a fome de nossas almas, permitindo-nos refletir profundamente sobre a Cruz e a Ressurreição. Quando os evangélicos praticam a Quaresma, isso é sinal de um coração contrito e pronto para fazer a vontade de Deus.

Daniel Vieira, diretor do projeto Lecionário

A Quaresma, como toda tradição litúrgica, orienta a nossa imaginação para o reino. Os cristãos que seguem todo o Calendário cristão reconhecem que ele nos ajuda a seguir Jesus semana após semana, desde o início de sua missão do reino, na Galileia, percorrendo território gentílico e acompanhando o mestre em viagem à Judeia.

A Quaresma é uma temporada que nos prepara para revivermos a história do Messias, que entra em Jerusalém montado em um jumento, encena sobre o juízo no templo, é preso, julgado, sentenciado, e morre numa cruz romana, assegurando a vitória do reino de Deus.

Lorrayne Muniz, psicóloga, pedagoga e Reverenda da Igreja Anglicana Trindade em Vitória

Na tentativa de demarcar um distanciamento estético e teológico de Roma, os evangélicos muitas vezes fecham portas que nos conectam com a história da igreja e trazem profundidade à nossa fé. A Quaresma é apenas mais uma dessas portas que são fechadas. Isso acarreta uma minimização daquele que é um dos pontos altos da nossa fé: a celebração da Páscoa, a morte e a ressurreição do nosso Salvador.

A Quaresma é um convite para vivenciar essa data com toda a força e intensidade que ela merece. Em um movimento de conversão, imersão e crescimento, somos inseridos na narrativa da vida do Cristo e experimentamos um misto de expectativa e angústia, ao compreendermos o valor e o custo da cruz. Há uma riqueza nessa vivência da qual todos os evangélicos deveriam participar.

Gutierres Fernandes Siqueira, autor e jornalista

A importância da Quaresma está no cultivo de um tempo de contrição. Nós, evangélicos, temos uma tendência ao triunfalismo e a enxergarmos a fé sempre como entretenimento e festividades; mas é necessário cultivar também tempos de memória, lamentação e silêncio e a Quaresma cumpre esse papel.

Contribuição para a reportagem: Marisa Lopes

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A metáfora bíblica do casamento nada tem a ver com sexualidade

Podemos ter uma visão correta de Deus como marido e como Pai sem divinizar a sexualidade masculina.

Christianity Today March 14, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash / Getty

Na semana passada, meus alunos e eu estávamos procurando maneiras de interpretar textos difíceis de Paulo, em sala de aula, quando começou uma tempestade on-line em torno da teologia da metáfora do casamento.

Nos tópicos do Twitter e nas postagens do Substack, vozes cristãs ofereciam suas opiniões perspicazes sobre a leitura metafórica que o pastor Joshua Ryan Butler fizera de Efésios 5, publicada no site The Gospel Coalition. O artigo de Butler, um trecho de um livro sobre sexo, prestes a ser lançado, gerou feedback crítico suficiente para que o artigo fosse removido.

A discussão recente, porém, ressalta uma questão perpétua para nós como cristãos: como podemos discernir fielmente o que é Bíblia e o que é tradição cristã? Qual deve ser a nossa chave interpretativa?

Como cristãos, apontamos para o Deus triúno como a fonte de todo amor; e uma das maneiras pelas quais as Escrituras nos convidam a considerar Deus e o amor é por meio da linguagem metafórica do casamento. Em Efésios 5, Paulo descreve o casamento, uma união tanto social quanto física, como um profundo mistério (v. 32), e extrai lições práticas de abnegação e sacrifício para esposas (v. 21-24, 33) e maridos (v. 21, 25, 28-29, 33). Entrelaçadas a esses ensinamentos sobre o casamento, há belas declarações sobre Cristo e a igreja.

Nossa interpretação dessas afirmações deve estar ancorada no próprio texto bíblico. Antes de descrevê-lo como marido, em Efésios 5, Paulo usa imagens para revelar a soberania do Senhor. Embora ele tenha acabado de usar seu nome encarnado, Jesus, Paulo se refere ao Filho de Deus como Cristo e Senhor. Jesus Cristo é o Messias, aquele que governa sobre o reino de Deus, e Senhor, o soberano sobre o universo. Ele também é o Salvador do Corpo (v. 23).

Cristo exerce seu senhorio soberano por meio de atos de serviço e amor sacrificiais, como em João 13 e Filipenses 2. Cristo, o Soberano, amou a igreja e se entregou por ela, a fim de santificá-la. Cristo lidou com o problema do pecado pelo lavar, trabalho que pertencia a um servo (Efésios 5.26-27). Todos os membros do corpo, individual e coletivamente, como igreja (v. 30), precisavam da salvação que somente Cristo, o Senhor, poderia trazer.

Paulo compara os maridos a Cristo nesta passagem, mas isso não significa que os maridos sejam como Cristo em todos os aspectos. É libertador para todo homem saber de que maneiras não deve (porque não pode) “ser Senhor” para a sua esposa. Ele não pode salvar nem santificar sua esposa, pois ele próprio também precisa de um Salvador e está contaminado pelo pecado.

Não é como os outros homens

Paulo cita o relacionamento das esposas com seus maridos como um exemplo para que todos os cristãos se submetam uns aos outros e para que todos os membros da igreja se submetam a Cristo; ele, porém, nunca diz aos maridos para que liderem suas esposas, apenas para que as amem — um imperativo que ele repete em Efésios 5.25, duas vezes no versículo 28 e novamente no versículo 33.

Vemos que os maridos não são Jesus, e que Jesus não é como um marido em todos os aspectos. Embora Paulo ensine os maridos a amarem de forma sacrificial, seguindo o exemplo da morte sacrificial de Jesus pela igreja, ele vai além dos limites da metáfora do casamento, quando fala do amor de Cristo pela igreja. Paulo deixa claro que o amor sacrificial de Cristo não é apenas um evento expiatório único. Cristo se envolve em um cuidado contínuo e de longo prazo para com a igreja.

Em Efésios 5.29, ele alimenta a igreja, termo usado para se referir ao cuidado de um pai com os filhos (Efésios 6.4) e para falar da mãe que amamenta (Lucas 23.29). Cristo também cuida da igreja, termo usado para falar sobre manter aquecido (Deuteronômio 22.6) ou cuidar dos filhos (1Tessalonicenses 2.7). Paulo não está limitando a metáfora a marido e mulher, mas está introduzindo na metáfora do casamento imagens de Cristo associadas ao papel dos pais — e até mesmo imagens parentais associadas a corpos femininos.

A igreja é feminilizada na metáfora de Paulo, embora seja composta de pessoas dos sexos masculino e feminino, todas elas chamadas a amarem a Cristo como uma noiva. Cristo é representado principalmente como marido nessa metáfora — e ele certamente é personificado como homem —, mas Cristo não é como os outros homens, não somente porque ele é Deus, mas também porque seu corpo masculino veio da carne de um corpo feminino (Maria), e não de um corpo igualmente masculino (José).

Esta realidade consiste simplesmente na declaração da doutrina da concepção virginal de Jesus. Em suma, a representação que Paulo faz da singular soberania e da obra redentora de Cristo, além [de ser composta] de metáforas que mesclam parentalidade e casamento, preserva a fronteira defendida por todo ensino cristão: a fronteira entre o Criador e a criação.

E isso significa que este texto também preserva a fronteira entre Cristo e os homens, libertando os maridos de um padrão que eles jamais poderiam alcançar. A única maneira pela qual eles são chamados a ser como Jesus é amando suas esposas com abnegação, de forma sacrificial, precisamente o chamado que Paulo faz a todos os crentes (Efésios 5.1-2). É o próprio texto bíblico que fecha a porta para o privilégio da proximidade entre os homens e Jesus/Deus, conceito que tem sido utilizado para justificar o abuso que as mulheres sofrem por parte de homens que se revestem com trajes espirituais.

Um mistério profundamente inclusivo

Como fica evidente em Efésios 5, o casamento não é a única metáfora usada para falar da relação de Deus com a igreja nas Escrituras. A família é outra arena proeminente da linguagem bíblica. Às vezes, Deus é o marido, embora, com mais frequência, Deus seja chamado de Pai. Até Efésios 5, texto conhecido pela metáfora do casamento, começa assim: “Portanto, sejam imitadores de Deus, c omo filhos amados” (ênfase acrescentada).

Um dos perigos de enfatizar demais a metáfora do casamento é que ela pode contribuir para a idolatrar o casamento e privilegiar a experiência daqueles que podem legitimamente se envolver em relações sexuais. Em contrapartida, a metáfora da família é mais universal. Quer seja uma experiência boa quer não, todos sabem o que é ser filho ou filha, mas nem todos sabem o que é ser casado. O caráter universal da metáfora da família para falar de Deus tira a metáfora do casamento de qualquer pedestal indevido.

Além disso, a terminologia ligada à família não se presta a comparações inadequadas entre sexo e relacionamento com Deus, como acontece com a metáfora do casamento. Certo, um homem não se torna pai, do ponto de vista biológico, senão por meio do sexo; mas o mesmo não se aplica a Deus Pai. Deus é o Criador. Deus é Espírito. Deus é eternamente três pessoas em relacionamento amoroso e dinâmico entre não-gerado, gerado e aquele que procede.

Quando o Deus triúno revelou-se de forma preeminente na encarnação do Filho divino, essa revelação ocorreu por meio de um ato não sexual. O Espírito Santo de Deus veio sobre Maria, mas não teve relações sexuais com ela (Lucas 1.35).

Quando corretamente compreendidas, ambas as metáforas usadas nas Escrituras — a de Deus como nosso marido e a de Deus como nosso Pai — trabalham contra um problema fundamental a ser evitado: a grosseira sexualização masculina de Deus, bem como seu corolário, uma divinização da sexualidade masculina. Este é o erro que Butler cometeu em sua interpretação, que equipara o modo que “Cristo penetra sua igreja com a semente geradora de sua Palavra” com a intimidade sexual de uma noiva à espera [do noivo] no leito da lua de mel.

Na Encarnação, o Deus eterno escolheu revelar a si mesmo como o Pai que não é um homem encarnado e um Filho eterno que se tornou um homem encarnado. E, na eterna sabedoria de Deus, essa revelação ocorreu por meio de, com agência ativa e o corpo de uma mulher. Há um mistério profundo e intensamente inclusivo no corpo de nosso Senhor, um homem concebido virginalmente, pelo poder do Espírito Santo, quando Maria disse sim. Seu corpo evoca a imagem de Deus (Colossenses 1.15; 2Coríntios 4.4) conforme proclamada em Gênesis 1.26-27, a imagem de Deus no homem e na mulher.

É esta revelação de Deus em Jesus Cristo que deve controlar nossa interpretação da metáfora do casamento, em Efésios 5. Jesus é a chave para o nosso discernimento. Se o Pai de Jesus Cristo se revela de forma preeminente na Encarnação, que não se dá pelo sexo; e se o Filho, que é um homem nascido do corpo de uma mulher, também nunca teve relações sexuais; e se esse Deus é metaforicamente o marido da igreja, então, a atividade sexual masculina, uma categoria que pertence à ordem das criaturas, não pode ser projetada em nosso Deus.

Quando entendido por meio da Encarnação, nosso relacionamento metafórico em que o Deus triúno figura como marido oferece algo belo e bom para todos, casados e solteiros, homens e mulheres, sem privilégio para alguns, mas escassez para outros.

A bem da verdade, essa controvérsia mostra que diferentes escolas de interpretação precisam estar em comunicação umas com as outras, e não isoladas em silos independentes. É a unidade, até mesmo e especialmente a unidade ao longo da diferença, que Jesus disse que comunicaria o amor de Deus a um mundo tão desesperadamente necessitado dele (João 13.35).

Não somos todos casados uns com os outros, mas todos fazemos parte da mesma família.

Amy Peeler é professora associada de Novo Testamento no Wheaton College e reitora associada na St. Mark's Episcopal Church, em Geneva, Illinois. Ela é autora de um livro sobre Maria intitulado Women and the Gender of God.

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Books

Não sou e nunca quis ser universalista

Para Richard Mouw, mesmo as formas mais aprimoradas dessa doutrina ainda desapontam aqueles que esperam que Deus fará o que é certo.

Christianity Today March 14, 2023
Illustration by Sarah Gordon / Source Images: Getty / Wikimedia

Não sou um universalista. E não há nada de surpreendente no fato de eu dizer isso. Tendo vivido toda a minha carreira profissional em instituições evangélicas, já assinei muitas declarações de fé que afirmavam a realidade do céu e do inferno, e sempre o fiz com sinceridade.

Mas aqui está algo que surpreenderia muitos de meus colegas evangélicos: não só não sou universalista como nunca quis ser. Muitas vezes ouvi o contrário de amigos evangélicos: “Gostaria de ser um universalista, mas realmente não vejo base bíblica para a visão de que todos serão salvos no final”. É reconfortante saber que aqueles que expressam esse sentimento geralmente reconhecem que a Bíblia é clara sobre o assunto. Eu me preocupo, porém, com o fato de eles desejarem que isso não fosse tão claro.

Estou convencido de que a ideia de salvação universal falha em captar alguns elementos importantes nos ensinamentos bíblicos sobre os requisitos da justiça divina. As Escrituras deixam claro que Deus atende aos clamores dos oprimidos e que, no Dia do Juízo, todos os malfeitores serão julgados de acordo com as suas obras (Apocalipse 20.12). O universalismo tenta contornar esse mal indescritível que as pessoas fazem umas às outras, escapando da necessidade de arrependimento, ao mesmo tempo em que deprecia a cruz e o júbilo verdadeiro na justiça de Deus.

Certamente existem alguns aspectos dos ensinamentos evangélicos tradicionais sobre o inferno que me incomodam. Não quero ouvir repetições dos sermões sobre fogo e enxofre da minha juventude. Isso é semelhante à mensagem enfurecedora daquelas pessoas que carregam cartazes em funerais, declarando que a pessoa falecida queimará no inferno por toda a eternidade.

É certo que as imagens sobre o fogo do inferno estão na Bíblia, como em Mateus 25.41, quando Jesus diz aos que estiverem à sua esquerda: “Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. ”

Mas essas imagens bíblicas se tornaram tão caricatas que os incrédulos podem zombar delas, ignorando a clara mensagem bíblica de que a incredulidade persistente tem consequências eternas. Tal frivolidade atua no mesmo sentido da alegria destituída de amor — afasta-se da alegria e da seriedade da salvação. Nós, evangélicos, ganhamos a fama de sermos indivíduos mesquinhos, e fico feliz quando meus amigos procuram maneiras de diminuir o tom da retórica sem comprometer sua mensagem essencial.

Eu espero por uma amplitude nas misericórdias redentoras de Deus. E para isso me baseio em Charles Spurgeon, que destacou em um de seus maravilhosos sermões, “Adoração Celestial”, que enquanto a Bíblia nos diz que haverá no céu “uma grande multidão que ninguém pod[e] contar” (Apocalipse 7.9), ele nunca encontrou nada na Bíblia que dissesse que haverá no inferno “uma grande multidão que ninguém pode contar”.

Suponha que um evangélico dissesse: “Eu realmente gostaria de acreditar que Jesus não é divino, e sim que ele foi apenas um dos grandes mestres da moral, mas a Bíblia não me permite dizer isso”. Como poderíamos confiar na fé de tal pessoa?

Mas o caso do universalismo é diferente. O desejo de acreditar no universalismo geralmente nasce da preocupação com os entes queridos. Com razão, não nos sentimos traídos por aqueles que desejam a alegria eterna de fulana ou de beltrano, entes queridos pelos quais oram fervorosamente. Ou talvez alguém esteja pensando em seus vizinhos, pessoas maravilhosas, mas que não são cristãos. Conseguimos ter empatia por preocupações como essas.

No entanto, a descrição bíblica do estado de separação eterna de Deus é real. Como N. T. Wright coloca em Surprised by Hope [Surpreendido pela esperança], quando examinamos “o Novo Testamento, por um lado, e o jornal do dia, por outro”, não podemos evitar a conclusão de que a justiça divina exige, no fim dos tempos, uma prestação de contas a respeito das graves injustiças que ocorrem em nosso mundo. Por exemplo, um homem que vende meninas de 13 anos como escravas sexuais e desfruta de uma vida de lucros com esse crime enfrentará a condenação final. O mesmo se dará com assassinos, chantagistas e hipócritas de todos os tipos.

Isso não significa que possamos desistir de qualquer ser humano, quando testemunhamos a maravilhosa graça de Deus. Quando cantamos “A Deus Seja a Glória”, afirmamos a maravilhosa promessa de que “até mesmo o mais vil ofensor que verdadeiramente crer naquele momento receberá o perdão de Jesus”. E em nossa esperança de que criminosos vis cheguem à verdadeira fé, também devemos encontrar maneiras de assegurar às vítimas deles que o Senhor não ignorará os clamores para que se faça justiça. O perdão de Deus continua sendo justo.

Wright diz que os indivíduos que persistem em se rebelar contra Deus, com o passar do tempo se tornam tão desumanizados que danificam em si, de forma irreparável, a imagem de Deus, segundo a qual foram criados. Quando eles deixam esta vida, de acordo com ele, depois de terem “habitado o bom mundo de Deus, no qual a chama bruxuleante da bondade não foi completamente apagada”, eles entram em “um estado ex-humano, que não mais reflete seu Criador em qualquer sentido significativo”.

Como observa o salmista, os pecadores tornam-se como os ídolos que adoram (115.8). E, como aponta Wright, esse padrão desumanizante nos transforma em criaturas que “não estão apenas além da esperança, mas também além da compaixão”. Wright reforça seu ponto citando a observação de C. S. Lewis, em O Grande Divórcio, de que o Senhor no final proclamará aos pecadores impenitentes: “Seja feita a tua vontade”.

A fim de me manter íntegro sobre esse assunto, continuo defendendo o universalismo. Embora muitos dos que defendem o universalismo não façam nenhum esforço para conciliar a Bíblia com sua descrença no inferno, existem alguns argumentos que ficam dentro do âmbito do cristianismo, nos quais vale a pena prestar atenção.

O argumento mais recente e significativo é apresentado por David Bentley Hart, em seu livro That All Shall Be Saved: Heaven, Hell, and Universal Salvation [Todos devem ser salvos: céu, inferno e salvação universal], que despertou muita atenção. Alguns de meus amigos evangélicos o recomendaram como uma obra “fascinante” e “desafiadora”.

Hart discute o assunto em várias frentes, mas não consegui superar sua recusa em prestar atenção aos detalhes bíblicos. Tudo o que a Bíblia fornece, segundo ele, “são várias imagens fragmentárias e fantásticas, que podem ser tomadas de várias maneiras, organizadas de acordo com nossos preconceitos e expectativas, e declaradas literais, ou figurativas ou hiperbólicas, conforme ditam nossos desejos”. Em outras palavras, o inferno pode não ser o inferno. E, se não for, ninguém vai para lá, é claro. Tampouco Deus poderia ser levado tão a sério no que diz respeito a se vingar do mal.

Mas, e se pudermos chegar ao universalismo provando que toda pessoa, ao final, desejará Jesus como Senhor — que ninguém escolherá o inferno, quando vir Jesus? Este é um argumento muito mais forte do que simplesmente dizer que o Deus que amamos (a despeito do que ele mesmo disse) não condenaria as pessoas. Isso também é o que Hart argumenta. Ele diz que temos de perguntar se uma compreensão adequada da natureza humana nos permite acreditar que “essa rejeição desafiadora de Deus, por toda a eternidade, é de fato logicamente possível para qualquer ser racional”.

Este argumento em prol do universalismo depende de as pessoas serem sensatas, mais cedo ou mais tarde, o que as levaria à sua fé salvadora. Mas não há evidências de que toda pessoa se arrependerá ou será iluminada ao final.

Adolf Hitler se destaca como um exemplo de rejeição persistente e desafiadora. Os atos monstruosos pelos quais Hitler é responsável não o colocam além de qualquer reivindicação da misericórdia de Deus? Hart aborda diretamente esta questão, usando Hitler como seu principal exemplo de caso. Nenhum ser humano jamais poderia escolher voluntariamente, segundo palavras dele, “preencher os critérios necessários para condenar a si mesmo à miséria perpétua”.

O fato é que “o caráter até mesmo do pior [ser humano] entre nós é, em parte, produto de contingências externas”. Para seguir o argumento de Hart, teríamos de assumir que “em algum ponto, na história de cada alma, há momentos em que a pessoa perde um caminho melhor por acaso, ou por intervenções malignas exteriores, ou por desordens da mente interior”, segundo ele coloca.

E, então, para enfatizar o ponto que defende, ele observa que esses são precisamente os tipos de fatores em ação em um caso como o de Hitler, “em vez de qualquer perversidade intencional por parte da própria alma”.

Os atos horrendos de alguém como Hitler, que com toda certeza são “infinitamente maus em todos os sentidos objetivos”, ainda são “induzidos à ação por uma fome [ânsia] pelo Bem, [e] jamais poderiam, em perfeita clareza da mente, equiparar-se ao escopo niilista absoluto do mal que comete”. Por essa lógica, alguém como Hitler não poderia racionalmente “resistir ao amor de Deus de forma intencional por toda a eternidade”. Hart nos diz que está se baseando aqui em percepções da ortodoxia bizantina. Seu argumento aceita claramente a predileção bizantina pela filosofia de Platão.

Platão ensinava que, uma vez que o mal é a ausência do Bem, ninguém escolhe voluntariamente o mal. Essa perspectiva permite que Hart argumente que aquilo que poderíamos rotular, no caso de Hitler, como “perversidade intencional” é, na realidade, um estado de ignorância — devido a “contingências externas” que Hart listou.

Hart inclui a influência de “desordens da mente interior” como um dos fatores que poderiam ter impedido Hitler de compreender com clareza o Bem. O que Hart provavelmente tem em mente — em consonância com seu platonismo — são as maneiras pelas quais algumas das experiências passadas de Hitler ou sua química cerebral podem tê-lo impedido de enxergar os fatos com clareza. Ou talvez Hart pense que Hitler não conseguiu captar a verdade porque confiou em fontes não confiáveis para obter suas informações.

Aqueles que, como nós, não querem deixar a Bíblia de lado quando refletem sobre esses assuntos, não podem ignorar os extensos ensinamentos de Jesus, como os que estão em Mateus 25, sobre como alguns serão bem-vindos e outros excluídos, e que são acompanhados por sua advertência de que aqueles que desprezam os dons de Deus não apenas serão lançados nas trevas exteriores, mas também perderão o que receberam.

Também não podemos esquecer o que o apóstolo Paulo diz sobre a desobediência deliberada ao Bem: “a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, […] de forma que tais homens são indesculpáveis” (Romanos 1.18-20).

Já ministrei muitos cursos sobre os diálogos de Platão e mostrei a meus alunos esse ensinamento paulino de que as pessoas que negam a Deus são indesculpáveis. À luz disso, devemos rejeitar a insistência bizantina de que não é possível para um ser humano escolher o mal de forma consciente.

No entanto, a Bíblia de fato descreve um processo (não platônico) de rejeição do Bem sem aquilo que normalmente chamaríamos de obstinação. Podemos deixar de seguir, de maneiras aparentemente secundárias, a verdade que vemos, o que nos leva a nos afastar ainda mais do caminho da sabedoria. Nossa vida espiritual tem um caráter fundamentalmente direcional. Cada um de nós está em uma trajetória que segue em direção a Deus ou para longe dele. O Breve Catecismo de Westminster destaca esse fator em sua primeira pergunta e resposta, ao dizer que nosso “fim principal” como seres humanos é “glorificar a Deus e desfrutar dele para sempre”.

A graça redentora restaura nossa capacidade de buscar esse fim de novo. Nós, cristãos, estamos em processo de caminhar para o fim para o qual Deus nos criou e nos redimiu. Essa realidade é lindamente captada em 1João 3.2: “agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, mas sabemos que, quando ele [Cristo] se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é”.

Em termos teológicos clássicos, isso trata a santificação como processo e a glorificação como alvo. Quando o Espírito planta uma nova vida nas profundezas do ser de uma pessoa, a pessoa começa um processo de santificação, movendo-se em direção ao alvo escatológico de ser glorificada. Esse produto final é o que seremos quando Cristo voltar. No atual estágio de pré-glorificação de nossas jornadas, convivemos com o mistério de como seremos quando nosso alvo principal for alcançado.

Em “Peso de Glória”, Lewis capta o mistério de como — conforme a versão King James coloca — “ainda não se manifesta o que havemos de ser” na jornada cristã. Lewis observa que, embora tenhamos poucos problemas em pensar muito sobre nossa própria glória futura, não corremos o risco de refletir demais sobre a glória futura dos outros. Seria salutar, do ponto de vista espiritual, segundo Lewis, invertermos esse padrão: “A carga, o fardo ou o peso da glória de meu próximo deve ser colocado diariamente em minhas costas, uma carga tão pesada que somente com humildade se pode carregá-la, e que as costas dos soberbos não suportarão.”

É um bom exercício espiritual nos “lembrarmos que a pessoa mais enfadonha e desinteressante com quem você conversa pode ser uma criatura que, se um dia você a visse, ficaria agora fortemente tentado a adorar”. Esta é uma observação que nos connstrange e, compreensivelmente, é citada com frequência.

Mas há uma frase curta que conclui a observação de Lewis e que é citada com menos frequência. Ele imediatamente acrescenta que, além daqueles que serão maravilhosamente glorificados, existem alguns seres humanos que, se pudéssemos vislumbrá-los em seu estado final, testemunharíamos “um horror e uma corrupção iguais a que vocês hoje só encontram, quando encontram, nos pesadelos”. Para aqueles que caminham na direção oposta à da glorificação, também é verdade que “ainda não se manifesta” qual será o seu destino. A perdição final do inferno é real.

Não quero ser duro com meus amigos evangélicos que gostariam de ser universalistas. Eles em geral são motivados por uma preocupação com as almas dos entes queridos que não aceitaram a Cristo. Fico preocupado, porém, com o deslize teológico em nossa comunidade evangélica. Dizer à nossa geração mais jovem que gostaríamos que a Bíblia não fosse tão clara sobre a realidade do inferno é algo que poderia encorajá-los a simplesmente dar o passo que resistimos a dar.

Abraçar o universalismo significa uma perda teológica e espiritual. Sofremos uma perda em termos da glória das pessoas redimidas e da plenitude da glória divina. Em um futuro universalista, Deus varre para debaixo do tapete a degradação de suas criaturas. O banquete das bodas não está cheio de convidados vestidos com trajes de justiça, mas com pessoas que tentam fazer seus pecados se passarem por inevitáveis e, portanto, passíveis de serem postos de lado. E Deus assim permite. Encaro um presente como esse (e um futuro hipotético como esse) algo desanimador. Acho que está muito aquém do repúdio do mal, jubiloso e triunfante, que a Bíblia promete.

Embora eu não queira ser um universalista, oro pelos incrédulos a quem amo, assim como também oro por justiça para os que são vítimas da opressão. E faço isso com esperança, pois, como disse Abraão, em Gênesis 18.25: “Não agirá com justiça o Juiz de toda a terra?”

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

Richard Mouw serviu como presidente do Fuller Theological Seminary por 20 anos.

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A Quaresma expõe nossa relação disfuncional com o tempo

O jejum se opõe às expectativas de nossa sociedade sobre eficiência e gratificação instantânea.

Christianity Today March 8, 2023
Illustration by Rick Szuecs

Vários dias depois daquele jantar, eu ainda estava pensando no disco de salame perfeito que queria comer — e não comi. Enquanto escrevo este texto, vários dias depois, ainda é Quaresma e eu ainda penso na carne que deixei de comer [por causa do jejum] nesses 40 dias.

Quando a Quarta-feira de cinzas chegou, algumas semanas atrás, eu estava com disposição para a renúncia. A abstinência me parecia uma coisa boa e certa. O tempo, no entanto, malhou a força de vontade da minha resistência espiritual. Nunca o livro de Números — que estava providencialmente previsto em meu plano de leitura da Bíblia para a Quaresma — falou com tanta força: “Ah, se tivéssemos carne para comer!” (Números 11.4).

O jejum da quaresma é difícil, embora não pelas razões que eu esperava. Não foi só meu apetite descontrolado por comida que foi dominado nesses 40 dias, ainda que eu continue a desejar aquela fatia de salame. Talvez, o que seja ainda mais importante é o fato de que minha relação disfuncional com o tempo foi exposta. Eu quero a solução rápida da transformação. Não quero a chama lenta de 40 dias de oração, de persistência e de dependência da graça.

Em seu livro Fasting [Jejum], Scot McKnight nos lembra que o jejum não é instrumental. Não é uma época em que abrimos mão de comida para obter a bênção de Deus. Existem muitas razões pelas quais os cristãos, ao longo dos séculos, comprometeram-se com a prática do jejum.

Agostinho via benefício em negarmos a nós mesmos prazeres “lícitos”, com o intuito de aumentar nossa capacidade de negarmos também os prazeres “ilícitos”. Na Idade Média, Gregório Magno acreditava que o jejum poderia controlar nosso costume de comer com “muita sofistição, com muita suntuosidade, com muita pressa, com muita avidez, e em excesso”. Mesmo pensadores cristãos mais contemporâneos, como o falecido Dallas Willard, enfatizaram a conexão entre nossa experiência na carne e nossos desejos de renovação espiritual. “Vivemos a partir de nossos corpos”, escreveu Willard.

De acordo com McKnight, o jejum é uma das sete práticas antigas que os cristãos herdaram do judaísmo. Orar em horário fixo, guardar o sábado, seguir um calendário litúrgico e fazer peregrinações são práticas que governam o modo que vivemos no tempo, escreve McKnight. As outras três práticas — jejuar, dar o dízimo e participar da eucaristia — informam como vivemos em nossos corpos e no espaço.

Meu próprio jejum durante o período da Quaresma me concedeu uma pausa, no entanto, para considerar que essa prática (e todas as outras mencionadas por McKnight) confronta não apenas como eu vivo em meu corpo, mas também como meu corpo se move ao longo do tempo. Rebecca DeYoung, autora de Glittering Vices [Vícios brilhantes], notou algo semelhante, quando seu jejum durante o período da Quaresma reduziu sua produtividade: “Senhor, eu te dei minha comida. Eu não te dei o controle da minha agenda e de todos os meus planos para o que precisa ser feito.”

A “ineficiência” derivada de um jejum durante a Quaresma pode ser um de seus maiores benefícios. Na América do século 21, uma sociedade governada pelo punho de ferro do relógio, o controle do tempo é algo que está inevitavelmente no centro do projeto de discipulado. De quem é o tempo que vamos contar? O jejum me lembra que vivo o tempo do reino, um tempo que é medido pelo lento crescer do fermento, pelo lento crescer das árvores. Ler a Bíblia como um registro da contagem do tempo por Deus é perceber que Deus não se apressa.

A forma de pensar a produtividade tornou-se a principal estrutura para analisar a organização do tempo hoje, nos Estados Unidos e em outros países. Um bom dia é aquele em que você consegue fazer as coisas, aquele dia em que chega ao fim da sua lista de tarefas. Segundo este olhar econômico, tempo é sempre dinheiro. Deve ser administrado e multiplicado, investido e bem gasto.

De forma assustadora, o tempo torna-se cada vez mais escasso. Segundo Hartmut Rosa, teórico social alemão, neste mundo tecnológico, o tempo está se movendo mais rápido. Embora o rádio tenha demorado 38 anos para alcançar 50 milhões de ouvintes, a televisão demorou apenas 13 anos para chegar a 50 milhões de espectadores e a internet levou apenas 4 anos para atingir 50 milhões de conexões. De acordo com Andrew Root, que explorou o trabalho de Rosa em The Congregation in a Secular Age [A congregação em uma era secular], o “agora” do agora mesmo está ficando cada vez mais breve. Hoje, as pessoas dormem menos, comem mais rápido e andam mais rápido do que nas gerações anteriores.

Passei a me perguntar se o pecado, como se manifesta hoje, não é de alguma forma uma expressão da intemperança do tempo. Vivemos com medo de que o tempo se esgote e, por isso, somos indisciplinados no hábito de esperar. A obra de Rebecca DeYoung, Glittering Vices, explora os sete pecados capitais e observa como cada um deles pode estar relacionado ao tempo.

Passei a me perguntar se o pecado, como se manifesta hoje, não é de alguma forma uma expressão da intemperança do tempo.

A soberba, por exemplo, privilegia os atalhos. Em vez de cultivar a virtude real, ela se contentará com a imagem. A inveja não é simplesmente cobiçar os sucessos de outra pessoa; é se recusar a desenvolver — lenta e gradualmente — as suas próprias capacidades vocacionais.

A acídia, ou preguiça, é uma resistência às exigências do amor, especialmente à diligência diária necessária para amar a Deus e amar o próximo. A avareza acumula não só dinheiro, mas também o tempo que é dinheiro. A ira encurta o longo arco da justiça de Deus; é impaciente por natureza. A gula não é apenas comer demais; pode ser também, retomando as palavras de Gregório Magno, o hábito de comer “com muita pressa”. E, finalmente, a luxúria procura gratificar os prazeres de alguém fora dos limites temporais do compromisso conjugal duradouro e do seu “sim” vitalício.

Visto sob esta luz, o jejum praticado durante a Quaresma não consiste simplesmente em abrir mão da sobremesa, do café, do açúcar ou da carne. Tem a ver com abandonar o impulso de obter o bem espiritual em tempo recorde. Tem a ver com perceber quão breve pode ser a duração de um estado de espírito e, então, voltar ao ritmo de adágio da graça de Deus. Tem a ver com cultivar a virtude da perseverança, da qual o povo de Deus sempre precisou para manter a prática constante da esperança neste mundo caído e fragmentado.

Como o escritor de Hebreus lembra a seus leitores: “Vocês precisam perseverar, de modo que, quando tiverem feito a vontade de Deus, recebam o que ele prometeu; pois em breve, Aquele que vem virá, e não demorará” (Hebreus 10.36-37).

O jejum praticado durante a Quaresma é uma prática para viver uma estação consagrada que conta um tipo diferente de história sobre o tempo. Os cristãos ensaiam uma obra acabada e também futura: Jesus Cristo absorveu as dívidas do pecado, incluindo tudo aquilo que eu, como ser humano limitado, inevitavelmente deixarei inacabado. Ele está voltando para colocar o mundo em ordem. Durante a Quaresma, eu me lembro que não preciso correr para ganhar meu patrimônio existencial. O que quer que Deus tenha para que eu faça e me torne, a pressa não pode estar envolvida.

De acordo com Salmos 1, aqueles que pertencem a Deus dão fruto no tempo certo e suas folhas não murcham (Sl 1.3). Seu discipulado é diário: eles meditam na lei de Deus “dia e noite” (v. 2). E, assim, acabamos percebendo que a vida profundamente enraizada [em Deus] não é sequer um projeto de 40 dias. É tarefa para uma vida inteira.

Jen Pollock Michel é escritora, apresentadora de podcast, palestrante, e mora em Toronto. Ela é autora de quatro livros e acabou de lançar seu quinto livro: In Good Time: 8 Habits for Reimagining Productivity, Resisting Rush, and Practicing Peace (Baker Books, 2022).

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Fui ordenada para falar de Jesus, não para falar do debate sobre o pastorado feminino

Como pastora, estou cansada dessa disputa política que tira a atenção do Evangelho

Christianity Today March 8, 2023
Illustration by Rick Szuecs / Source Images: Pearl / Lightstock / Nathan Dumlao / Taylor Hernandez / Alexis Brown / Unsplash / Wikimedia Commons

A igreja de Rick Warren, Saddleback Church, recentemente ganhou as manchetes por ter ordenado três líderes mulheres. Fiquei grata por ver essas três mulheres sendo reconhecidas e recebendo a autoridade pública e o respaldo institucional decorrentes da ordenação. Mas, quando li a notícia, também pensei, suspirando pesadamente: “Oh, não, lá vamos nós de novo”. Eu tinha certeza de que o debate sobre o papel da mulher na igreja dominaria a conversa durante a semana toda, e já podia antecipar os argumentos furados que eu ouviria serem recitados repetidamente.

Vou revelar um segredo: Você sabe quem odeia falar sobre ordenação de mulheres? Pastoras. Nem todas as pastoras, é claro. Algumas mulheres têm uma unção especial para debater esse tema e, honestamente, mais poder.

A realidade, porém, é que poucas de nós tornam-se pastoras para ficar falando do debate sobre o pastorado feminino. Fomos ordenadas porque o evangelho captou nossa imaginação. Fomos ordenadas para dar testemunho da beleza e da verdade de Jesus. Fomos ordenadas para servir à igreja ministrando a Palavra e os sacramentos. (E, para que fique aqui registrado, não seja ordenada por qualquer “causa” que não seja a de ministrar a Palavra e os sacramentos. Nenhuma outra causa vale a pena).

Eu nem sempre fui a favor da ordenação de mulheres. Até os meus 30 e poucos anos de idade, eu era o que se pode chamar de complementarista moderada. Mas eu também era uma mulher envolvida no ministério. As pessoas da minha igreja achavam que eu acabaria me casando com um pastor (como uma forma não oficial de uma leiga “entrar” no ministério vocacionado). Estagiei no grupo de jovens de uma igreja da Southern Baptist e nos “ministérios de misericórdia” de uma igreja da Presbyterian Church in America (PCA), onde trabalhei com imigrantes, pessoas sem-teto e população carente. Em seguida, fui para o seminário, descobri que eu amava e tinha jeito para o estudo da teologia e, por fim, trabalhei por anos como ministra em um campus universitário.

Passei um tempo estudando detidamente o debate sobre a ordenação e, com o passar dos anos, mudei meus pontos de vista. Mas, uma vez que concluí esse extenso labor teológico, minha decisão de ser ordenada foi bastante orgânica e prática. Eu não fui ordenada porque queria provar que mulheres deveriam ser pastoras nem para fazer alguma declaração sobre justiça. Eu não fui ordenada porque acho que mulheres (ou homens) tenham algum direito inalienável à ordenação. Eu fui ordenada porque já estava servindo como ministra leiga e tinha uma visão tão elevada da igreja e dos sacramentos que não conseguia mais entender meu ministério como algo separado da vida e da autoridade da igreja.

Eu já estava fazendo esse trabalho. Eu já estava ensinando pessoas e formando discípulos. E queria fazer isso sob o olhar e em nome do Corpo de Cristo.

Hoje, quando prego, quando ponho gentilmente minha mão sobre o ombro de uma mulher que chora e tomo sua confissão, quando escrevo um artigo, quando saio para uma caminhada com um aluno que me faz perguntas sobre a Bíblia, quando, diante de homens e mulheres exauridos, aponto para o Corpo de Cristo e proclamo no mais alto e bom som que consigo que esses são “os dons de Deus para o povo de Deus”, não faço isso pensando na ordenação de mulheres. Não faço isso pensando em verbos no grego ou na feminilidade bíblica. Quando faço essas coisas, estou orando silenciosamente para que o Espírito nos atraia para si, a fim de restaurar seu povo e nos ensinar a crer de novo.

É evidente que a ordenação de mulheres é uma questão que tem importância. Sou profundamente grata aos eruditos e aos teólogos que tomaram para si o trabalho de olhar mais de perto para os argumentos bíblicos sobre esse tema (como têm feito mais recentemente Beth Allison Barr e William Witt, ambos autores de grandes obras novas sobre o assunto). Nós precisamos ter essas discussões. E eu continuarei a participar delas.

Contudo, tanto on-line quanto na igreja, esse é um tema sobre o qual se cogita, na maioria das vezes, em abstrato. Para aquelas de nós que estão envolvidas no ministério, o trabalho que fazemos tem raízes no concreto — nas vidas de homens e mulheres reais, a quem amamos e servimos. E, muito embora esse tópico raramente seja levantado por paroquianos que precisam tão-somente de cuidados, existe muita gente no planeta que quer falar sobre ordenação a maior parte do tempo. Não conheço uma pastora ou uma sacerdotisa sequer que já não tenha se sentado em um avião, em um trem, em um ônibus, ao lado de alguém que, quando fica sabendo que ela é pastora, é tomado por um zelo carola e começa uma longa preleção sobre como a ordenação de mulheres é errada.

Enquanto metade da igreja tenta nos convencer a pedir demissão de nossos empregos, a outra metade, porém, quer nos apoiar como gladiadoras que destruirão o patriarcado.

Pouco depois da minha ordenação, sempre que estava aguardando alguma reunião, ainda usando meu colarinho clerical, eu ia a um café local bem moderno e recebia acenos e sorrisos entusiasmados de clientes que queriam me incentivar. Eu gostava daquela reação. De verdade. Mas eu sabia que aquelas pessoas estavam me vendo como um símbolo do triunfo feminista, e não com uma pregadora do evangelho. Além disso, às vezes uma garota quer simplesmente poder tomar um café e ler um livro, e não ser um “ponto de vista” teológico ambulante. Eu sou um teste de Rorschach. Querendo ou não, eu represento algo para as pessoas. (E é precisamente por isso que, via de regra, não uso mais meu colarinho clerical fora da igreja).

O simples fato de eu existir é algo problemático para alguns e encorajador para outros. E quase todo mundo presume muito sobre as coisas em que eu acredito e não acredito a respeito da Bíblia, de gênero e de Jesus.

Há ainda uma complexidade adicional para aquelas de nós que se dispõem a colaborar e até mesmo a aprender com os complementaristas. Nós amamos a igreja e não queremos “tacar fogo em tudo”. Os progressistas nos veem como alguém que está “comendo com o inimigo”, quando, no entanto, nunca nos encaixamos círculos complementaristas. Assim, acabamos nos sentindo como pessoas que não se encaixam nesse diálogo — agredidas por ambos os lados de uma igreja tremendamente polarizada, que muitas vezes considera o evangelho de Jesus como o segundo violino da orquestra nos debates do dia.

Em minha própria denominação, tenho irmãs pastoras que são verdadeiros para-raios, de uma forma que nunca pediram para ser. Elas servem suas igrejas. Elas se submetem ao seu bispo. Mas muitas vezes têm de enfrentar críticas sobre tudo, desde sua voz até sua teologia, e de maneiras que não acontecem com os homens. E, ainda assim, elas continuam a ser pastoras. Pois é isso que elas são: sacerdotisas, pastoras, mães, servas.

Ontem, uma irmã mais jovem que é pastora sentou-se no meu sofá e disse: “Estou fazendo isso para ver pessoas serem libertas”. Pois o que nos atrai para o ministério é Jesus e sua missão. Nossa motivação não é a segunda onda feminista nem os “impulsos desencadeados pela teologia da libertação”, como disse Al Mohler em sua recente resposta à notícia sobre Saddleback. Queremos servir à igreja com os dons que Deus nos deu.

Como pastora, em geral me sinto como um pândita ou uma especialista relutante, em meio a uma guerra cultural que francamente acho uma chatice. O que acho interessante no ministério pastoral não é convencer ninguém de que sou digna de ocupar uma determinada função. O que acho interessante no ministério é participar da obra que Jesus está fazendo na igreja.

No final, a obra do próprio Cristo é a única coisa que torna a ordenação de mulheres algo remotamente impactante. A seara é grande. Os trabalhadores são poucos. Sim, precisamos procurar ser fiéis às Escrituras. Sim, precisamos ter essas discussões sobre a ordenação de mulheres. Contudo, não precisamos gastar a maior parte do nosso tempo e de nossa energia batendo boca sobre como as mulheres trabalham na seara. Nossos olhos precisam estar postos no evangelho. Continuaremos a fazer o trabalho árduo do ministério porque estamos procurando seguir o próprio Senhor da seara.

Tish Harrison Warren é pastora da Igreja Anglicana na América do Norte e autora da obra Liturgy of the Ordinary and Prayer in the Night (IVP, 2021). Siga-a no Twitter @Tish_H_Warren.

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Philip Yancey fala sobre seu diagnóstico de mal de Parkinson

“Passei anos escrevendo sobre dor e sofrimento. Agora, vou passar anos aprendendo a viver com a incapacitação física.”

Philip Yancey

Philip Yancey

Christianity Today March 7, 2023
Courtesy of Philip Yancey

Em meu livro de memórias, Where the Light Fell [em português, Onde bateu a luz], conto a saga do meu irmão mais velho, sob cuja sombra cresci. Marshall foi abençoado com um QI fora do comum e com dons musicais sobrenaturais, entre eles, um ouvido absoluto e uma memória auditiva que lhe permitia tocar qualquer música que já tivesse ouvido.

Tudo mudou em 2009, quando um derrame interrompeu a circulação sanguínea para seu cérebro. Certo dia, ele estava jogando golfe; dois dias depois, ele estava em uma ala de UTI, em coma.

Apenas um tipo raro de cirurgia cerebral pode salvar a vida de Marshall; e, assim, começou sua nova identidade como pessoa com incapacitações. Em uma reprise da infância, ele levou um ano para aprender a andar e outros anos mais para falar frases que fossem mais longas do que umas poucas palavras. Ele se dedicou de corpo e alma, trabalhando com um braço direito inutilizado e um distúrbio de fala chamado afasia. Hoje, ele veste com orgulho uma camiseta que diz “Afasia: eu sei o que dizer, mas não consigo dizer”.

Com meu irmão, aprendi os desafios da incapacitação. A exasperação de ser incapaz de pronunciar as palavras. A indignidade de precisar de ajuda com as atividades mais simples, como tomar banho e se vestir. A paranoia de saber que os amigos estavam tomando decisões a respeito dele pelas costas.

Quando estava em público, estranhos desviavam o olhar dele, como se Marshall não existisse. Apenas as crianças eram francas. “Mãe, o que há de errado com aquele homem?” elas diziam, antes de a mãe lhes dizer que ficassem quietas; as mais ousadas se aproximavam diretamente de sua cadeira de rodas e perguntavam: “Você não consegue andar?”

As frustrações foram se intensificando tanto que Marshall pesquisou quantas pílulas de Valium e Ambien seriam necessárias para ele se matar, e depois tomou-as todas com um litro de uísque. Sua tentativa de suicídio falhou, graças a Deus, e ele acabou em uma ala psiquiátrica. Desde então, ele reconstruiu sua vida aos poucos, auxiliado por muitas horas de terapia, e agora consegue viver sozinho e dirigir um carro adaptado.

Há um ano, quando eu esquiava no Colorado, dei instruções claras para que minhas pernas descessem ladeira abaixo, mas elas não me obedeceram. Em vez disso, trombei em uma árvore, quebrei minha bota, o esqui e machuquei gravemente minha panturrilha esquerda. Estranho. Meu cérebro deu ordens e as pernas simplesmente as ignoraram.

Nos meses seguintes, outros sintomas apareceram. Minha marcha e minha postura mudaram. Minha letra, que já era pequena, ficou ainda menor e mais desleixada. Algumas noites eu tinha alucinações leves durante o sono. Cometia muito mais erros ao digitar em um teclado de computador. Meu golfe sofrível ficou ainda pior. Mencionei uma possibilidade [que explicaria esses sintomas] ao meu clínico geral, que respondeu: “Você está em ótima forma, Philip. Você não pode estar com a doença de Parkinson.” (Sempre procure uma segunda opinião.)

Quando chegou o último outono, eu estava vivendo em um túnel do tempo. Tarefas como abotoar uma camisa demoravam o dobro do tempo. Eu sentia como se algum alienígena descoordenado e lento tivesse invadido meu corpo. Quando outras pessoas começaram a perceber, eu me dei conta de que tinha de fazer um check-up médico.

Pelo meu plano de saúde, nenhum neurologista estava disponível por seis meses. Então, mudei de plano, contratei um com uma rede de médicos mais ampla, e contei com a ajuda de uma amiga para me colocar em clínica com instalações de última geração, ligada a uma universidade. No mês passado, eles confirmaram o diagnóstico de Parkinson, uma doença degenerativa que interrompe as conexões entre o cérebro e os músculos. Comecei um tratamento à base de dopamina, junto com fisioterapia.

À medida que fui contando para alguns amigos mais íntimos, temi que eu agora tivesse adquirido um novo rótulo: não apenas Philip, mas Philip-com-Parkinson. É assim que as pessoas me veriam, pensariam em mim e falariam sobre mim.

Eu queria enfatizar: “Ainda sou a mesma pessoa por dentro; então, por favor, não me julguem por fatores externos, como lentidão, tropeços e tremores ocasionais”. Na verdade, criei uma nova expressão — sem rótulos — em protesto. Eu tinha visto pessoas julgarem meu irmão por sua bengala, por seu braço paralisado, por sua timidez para falar, sem terem consciência do ser humano complexo e corajoso que está por trás dessa aparência externa.

Então, menos de uma semana após meu diagnóstico, a realidade abriu caminho. Para provar que nada havia realmente mudado, decidi experimentar um novo esporte, pickleball, uma espécie de cruzamento entre tênis e pingue-pongue. Em cinco minutos de jogo, mergulhei para pegar uma bola, tropecei e caí para a frente. Qualquer reflexo que pudesse amortecer minha queda surgiu tarde demais, e caí de cara no chão.

Enquanto esperava para ser atendido, em uma sala de emergência lotada, por oito horas, percebi que inegavelmente havia me juntado ao time heterogêneo dos feridos e incapacitados que visitam esse lugar nas noites de quarta-feira. No fim das contas, não sou alguém sem um rótulo.

De agora em diante, começarei a fazer alguns ajustes. Chega de pular de pedra em pedra nas montanhas de 4.000 metros do Colorado. Chega de corridas kamikaze em uma mountain bike. Patinar no gelo? Provavelmente não. E, definitivamente, pickleball nunca mais!

Em uma prévia concentrada do envelhecimento, a incapacitação significa deixar de lado as coisas comuns que sempre fizemos sem dificuldade. Eu não devo sequer subir escadas sem usar um corrimão, e hoje, caminhar é para mim a forma mais segura de exercício — desde que eu levante meus pés, e não os arraste. Do mesmo modo que tive de diminuir meu passo para caminhar ao lado de meu irmão, agora, outros devem diminuir o passo por mim.

Um amigo, ao saber dessa notícia, me enviou um trecho de Salmos 71, que começa com estas palavras: “Em ti, Senhor, busquei refúgio; nunca permitas que eu seja humilhado.”

Embora o poeta tenha escrito em circunstâncias muito diferentes — quando era assediado por inimigos humanos, e não por uma doença neurológica — as palavras “nunca permitas que eu seja humilhado” (Salmos 71.1) saltaram-me aos olhos. Outros salmos (veja os Salmos 25, 31 e 34) repetem esta frase ímpar.

Uma dose de vergonha parece acompanhar a incapacitação. Há uma vergonha inerente ao fato de incomodar os outros por algo que não é sua culpa nem seu desejo. Assim como também há vergonha no fato de ter amigos bem-intencionados que exageram — alguns chegam a tratar você como uma antiguidade frágil e a completar suas frases, quando você para por um segundo para procurar uma palavra para dizer.

Embora eu ainda tenha apenas sintomas leves, já prevejo a vergonha [que sentirei] à medida que eles possam piorar: babar, ter lapsos de memória, falar arrastado, ter as mãos trêmulas. Sinal de alerta: outro dia, abri uma newsletter e li, por engano, “Medicação diária”, em vez de “Meditação diária”.

A vergonha às vezes pode levar à ação. Após meu diagnóstico, seis amigos me escreveram, dizendo que haviam notado algo de estranho em mim, mas ficaram calados. Apenas dois amigos meus arriscaram ser tão francamente honestos quanto uma criança. Durante um jantar em um restaurante, um deles me disse: “Você está com lentidão, Philip?” — e ganhou um olhar de reprovação da esposa. Outro, ainda mais direto, perguntou: “Por que você está andando como um velho decrépito?” Esses dois comentários me incentivaram a intensificar minha busca por um neurologista.

“Não me rejeites na minha velhice; não me abandones quando se vão as minhas forças”, acrescenta Salmos 71.9. Essa oração expressa o apelo silencioso de todas as pessoas com incapacitações, um grupo no qual agora eu me incluo. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças calcula que 26% da população dos EUA se qualifica como incapacitada. Agora, que me juntei a eles, procuro olhar além da casca exterior — como faço instintivamente com meu irmão —, procuro olhar para quem a pessoa é por dentro.

No primeiro mês em que reconheci minha própria deficiência, tornei-me mais consciente de mim mesmo, algo que pode ser bom e ruim. Preciso de fato prestar muita atenção ao meu corpo e ao meu humor, especialmente à medida que me adapto à medicação e percebo quais são as minhas limitações físicas. Preciso encontrar uma rotina de exercícios segura e desafiadora. No entanto, não quero ficar obcecado com uma única parte da minha vida, nem quero deixar que essa doença me defina.

A revista Time publicou recentemente um ensaio de um ativista que atua nessa área de incapacitação física, o qual escreveu um livro sobre o “Orgulho da incapacitação”. Há uma nova geração bastante articulada, que usa o rótulo da incapacitação como uma medalha de honra. Membros da comunidade surda, por exemplo, desprezam eufemismos como “deficiente auditivo” e recusam procedimentos médicos que possam restaurar sua audição.

Em contraste, admito que eu ficaria encantado em ter o Parkinson removido da minha vida em uma passe de mágica. Eu faria uma fogueira com os remédios, cancelaria a compra da minha bengala e tiraria o pó do meu equipamento de escalada. No entanto, não tenho essa opção — e, talvez, os ativistas que lutam nessa área da incapacitação física estejam simplesmente se concentrando em aceitar a realidade de que há algumas coisas que não podem ser mudadas.

Embora eu ainda me encolha diante do estranho eufemismo da expressão “diferentemente capaz”, eu o entendo melhor agora. A expressão aponta para o fato de que a vida é francamente injusta, e que as pessoas são desiguais em suas habilidades. Meu irmão já foi capaz de tocar concertos para piano, enquanto eu lutava para dominar as escalas musicais. Se nos compararmos a Tom Brady ou a Venus Williams, somos todos incapacitados, do ponto de vista atlético. E, muito embora o Parkinson possa ter eliminado algumas de minhas atividades físicas favoritas, ainda posso desfrutar de outras atividades que podem causar inveja a uma pessoa tetraplégica.

Não há dois seres humanos que tenham o mesmo conjunto de habilidades, inteligência, aparência e antecedentes familiares. Podemos responder a essa desigualdade com ressentimento — ou, de alguma forma, podemos aprender a abraçar os dons e as “incapacidades” exclusivas de cada um de nós.

Em minha carreira de escritor, entrevistei presidentes americanos, astros do rock, atletas profissionais, atores, atrizes e outras celebridades. Também escrevi sobre pacientes com lepra na Índia, pastores presos por sua fé na China, mulheres resgatadas do tráfico sexual, pais de crianças com distúrbios genéticos raros e muitos que sofrem de doenças muito mais incapacitantes do que o mal de Parkinson.

Refletindo sobre estes dois grupos, eis o que se destaca para mim: com algumas exceções, aqueles que convivem com a dor e a incapacidade tendem a ser melhores mordomos ou a administrar melhor suas circunstâncias de vida do que aqueles que convivem com o sucesso e o prazer. A dor redimida é algo que me impressiona muito mais do que a dor removida.

Esta última reviravolta em minha vida envolve uma doença que pode ser incapacitante ou, talvez, um mero inconveniente; o Parkinson tem um amplo espectro de manifestações. Como devo me preparar?

Tive o privilégio de conhecer Michael Gerson, um colunista do Washington Post e redator de discursos da Casa Branca, que viveu com Parkinson por anos, antes de sucumbir a um câncer. Um colega disse sobre ele: “No auge da carreira, ele usou sua influência para cuidar dos mais vulneráveis, liderando a campanha para combater a AIDS na África. Quando ele estava em seu ponto mais baixo fisicamente, ele nunca reclamou, mas se concentrou na gratidão pela vida que viveu.”

Essa é a minha oração. Depois de uma infância turbulenta, tive uma vida rica, plena e maravilhosa, com mais prazer e realização do que jamais sonhei ou merecia ter. Tenho uma esposa de 52 anos, com competência para lidar com qualquer problema e que considera minha saúde e meu bem-estar como seu desafio pessoal.

Há dezesseis anos, quando fiquei amarrado a uma tala, com o pescoço quebrado após um acidente de carro, Janet dirigiu em meio a uma nevasca para me resgatar. Ela já estava reformando mentalmente nossa casa, caso precisasse se preparar para viver com um marido paraplégico. Ela mostra essa mesma lealdade altruísta e ferrenha agora, mesmo quando enfrenta a possibilidade de assumir o papel desafiador de cuidadora.

Meu futuro está cheio de pontos de interrogação, e não estou excessivamente ansioso. Tenho excelentes cuidados médicos e o apoio de amigos. Eu confio em um Deus bom e amoroso, que frequentemente escolhe revelar essas qualidades por meio de seus seguidores na Terra.

Escrevi muitas palavras sobre o sofrimento, e agora sou chamado a colocá-las em prática. Que eu seja um mordomo fiel deste último capítulo.

Philip Yancey é autor de muitos livros, entre eles, o mais recente, seu livro de memórias Where the Light Fell.

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Books

Convenção Batista do Sul desfilia a igreja de Rick Warren

Também ficou determinado que outras quatro congregações que têm pastoras não atuam em “cooperação amigável” com a SBC, bem como uma foi removida, devido à sua resposta a abuso.

Stacie e Andy Wood, na Igreja Saddleback.

Stacie e Andy Wood, na Igreja Saddleback.

Christianity Today March 1, 2023
Allison Dinner / AP

Uma das maiores e mais conhecidas megaigrejas dos Estados Unidos, a Saddleback Church, não faz mais parte da Convenção Batista do Sul (SBC), depois de colocar na equipe uma pastora para atuar na área de ensino, no ano passado.

Saddleback estava entre as cinco igrejas que têm pastoras e foram consideradas como igrejas que “não mais [atuam] em cooperação amigável” com a denominação, em uma reunião do Comitê Executivo da SBC [Convenção Batista do Sul], em Nashville, na terça-feira.

A congregação de Lake Forest, na Califórnia, ordenou três mulheres no púlpito, em maio de 2021, uma decisão que abalou alguns membros da denominação Batista do sul que acreditam que o papel de pastor é reservado aos homens. Então, no ano passado, Saddleback escolheu Andy Wood como sucessor de Rick Warren e pastor principal da igreja, e sua esposa, Stacie Wood, foi colocada como pastora para a área de ensino.

Warren respondeu assim aos apelos para que a SBC cortasse os laços com sua igreja, na reunião anual da convenção, em junho de 2022, realizada em Anaheim, Califórnia: “Vamos continuar brigando por questões secundárias”, disse ele, “ou vamos manter o principal como principal?”

Na época, o comitê de credenciamento — o grupo encarregado de recomendar a desfiliação de uma determinada igreja — não havia chegado a uma decisão sobre Saddleback, dizendo que não estava claro se a declaração de fé da SBC restringia as mulheres de assumirem qualquer posição que fizesse trabalho pastoral ou que tivesse um título pastoral, ou se isso se aplicava apenas ao pastor titular.

“Eu poderia falar a todos vocês a respeito do que acredito sobre o dom do pastorado em contraste com o ofício do pastorado, mas não estou aqui para falar sobre isso”, comentou Warren, que passou a maior parte do tempo ao microfone refletindo sobre suas décadas de história com a SBC.

Esta semana, o comitê recomendou que a Saddleback Church fosse desfiliada, alegando que esta igreja “tem uma fé e uma prática que não se identificam intimamente com a declaração de fé adotada pela Convenção, conforme demonstra a igreja, ao ter uma pastora que atua na área de ensino ocupando um cargo pastoral”.

De acordo com o site da Saddleback, Stacie Wood pregou nos cultos de domingo por três vezes, desde que seu marido foi comissionado, em setembro de 2022.

Horas depois da decisão, Rick Warren postou no Instagram as seguintes palavras: “Amigos do mundo inteiro: estamos tão emocionados com o amor de vocês! Kay e eu amamos todos vocês também! Responderemos à #SBC no NOSSO tempo e à nossa maneira, por meio de canais diretos ”, listando o alcance [de sua mensagem] por meio de boletins informativos, rádio e redes sociais, onde o autor do livro Vida com Propósito tem 11 milhões de seguidores.

O Comitê Executivo aprovou a decisão, também cortando relações com duas igrejas que têm pastoras seniores (New Faith Mission Ministry, em Griffin, na Georgia, e St. Timothys’s Christian Baptist, em Maryland) e com duas igrejas que são lideradas por pastoras (Calvary Baptist, em Jackson, no Mississippi, e Fern Creek Baptist, em Louisville, no Kentucky).

“Conforme declarado no Artigo VI da Fé e da Mensagem Batistas, a SBC mantém a crença de que o ofício de pastor é limitado a homens qualificados segundo as Escrituras”, disse o presidente do Comitê Executivo, Jared Wellman, em um comunicado. “Essas igrejas têm sido valorizadas e têm atuado em cooperação por muitos anos, e essa decisão não foi tomada levianamente. No entanto, continuamos comprometidos em defender as convicções teológicas da SBC e em manter a unidade entre suas igrejas cooperantes”.

O comitê de credenciamento também recomendou que uma única igreja — a Freedom Church, em Vero Beach, na Flórida — fosse desfiliada por questões relacionadas à sua resposta a abuso sexual. Apesar de uma crescente conscientização sobre a questão do abuso sexual na denominação, a SBC agiu no sentido de remover apenas umas poucas congregações, desde 2020, a maioria das quais empregou de forma consciente, como pastor, um agressor sexual condenado e com registro criminal. Outras igrejas foram desfiliadas por seus posicionamentos sobre a comunidade LGBT e questões raciais.

As igrejas que perdem sua posição como cooperadoras com a SBC não podem mais enviar mensageiros votantes para a reunião anual da convenção, mas podem recorrer da decisão. A próxima reunião anual da SBC está marcada para junho, em Nova Orleans.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

Editado por: Marisa Lopes

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