Meu marido e eu descobrimos que estávamos esperando nosso primeiro filho no verão de 2020. Os lockdowns contínuos da pandemia na Califórnia me deram tempo de sobra para ler livros sobre criação de filhos e pesquisar produtos para bebês.
Fui criada à sombra do evangelicalismo fundamentalista, na virada do século 21. Meus pais e seus amigos eram guiados por especialistas em criação de filhos com um viés mais autoritário, como James Dobson, e Michael e Debi Pearl. Eu estava ansiosa para estabelecer bases diferentes para nossa própria filosofia de criação de filhos; também estava interessada em incentivar desde cedo a independência em meu filho, uma vez que eu estava me aproximando da maternidade enquanto enfrentava uma série de doenças crônicas.
Essas motivações levaram meu marido e eu a explorarmos o mundo do “gentle parenting” [no Brasil, essa abordagem é conhecida como “parentalidade positiva” ou “educação parental positiva”]. Lemos vários livros best-sellers sobre o método Montessori para a educação infantil e descobrimos uma organização conhecida como RIE, Resources for Infant Educarers [Recursos para Educadores Infantis]. À medida que líamos todos os livros, passamos a reconhecer neles muitos ecos de valores do reino: os autores e especialistas viam uma criança como um ser humano pleno, com direitos próprios, e não esperavam que ela tivesse um comportamento que estivesse além da sua capacidade de desenvolvimento.
Eu sabia, ao ler esses livros, que eles não me forneceriam uma fórmula pronta para a criação de filhos. Mas, nos últimos quatro anos, tentamos transferir grandes quantidades de conhecimento da mente para o coração, e passar da teoria para a prática. Durante esse tempo, ocasionalmente lutei para harmonizar diferentes fontes de conselhos sobre criação de filhos com o meu entendimento das Escrituras, a fim de chegar a um planejamento consistente que promovesse a ordem e a paz em meio ao caos que é a criação de filhos pequenos.
Por isso, fiquei entusiasmada por encontrar um novo livro, escrito por pais cristãos, que faz conexões explícitas entre algumas dessas abordagens mais recentes sobre criação de filhos e as verdades ancestrais da Palavra de Deus. Na obra The Flourishing Family: A Jesus-Centered Guide to Parenting with Peace and Purpose [A família que floresce: um guia centrado em Jesus para criar filhos com paz e propósito], David e Amanda Erickson apresentam uma visão cristã para a criação de filhos que é fundamentada nas Escrituras e informada por conhecimentos modernos de neurociência e desenvolvimento infantil.
“Nosso objetivo”, escrevem os autores, “é alinhar nossa abordagem para a criação de filhos com os ensinamentos de Jesus, e manter nosso foco e nossa identidade Nele.” O livro cumpre esse objetivo, desafiando os pais a lidarem com seus medos e frustrações, primeiro examinando o próprio coração e, então, trabalhando para cultivar a paz interior necessária para criar seus filhos com uma postura de confiança. Os Ericksons visam fornecer ferramentas táticas e responder a perguntas práticas que permitirão que pais de crianças pequenas comecem a estabelecer novos padrões, à medida que respondem a desafios comuns da criação dos filhos.
Um momento importante da cultura
David Erickson é atualmente o presidente do Jacksonville College, uma faculdade cristã particular no leste do Texas. Amanda, sua esposa e coautora, tem uma paixão pela neurociência que foi despertada por sua luta pessoal com a ansiedade e a irritabilidade pós-parto, que apareceram após o nascimento de seus dois filhos.
A obra Flourishing Family (e o ministério que os Ericksons começaram em 2019, Flourishing Homes and Families [Famílias e Lares que Florescem]) chega em um momento importante da cultura no que diz respeito à criação dos filhos. Na sociedade em geral, e entre os pais cristãos em particular, vemos uma mudança de paradigma inconfundível das abordagens mais autoritárias para uma mentalidade mais flexível e tranquila.
Muitos pais da geração Y [os nativos digitais ou millennials, nascidos entre 1982 e 1994], que foram criados com uma “autoridade” equivocada (e às vezes totalmente abusiva) de autores como Dobson e os Pearls, estão compreensivelmente ansiosos para não repetir esses padrões com os próprios filhos. Outros pais, que tiveram experiências mais brandas com formas autoritárias de disciplina e essencialmente “chegaram à vida adulta sem grandes traumas”, esperam levar adiante esse legado, como uma espécie de proteção contra a frouxidão e a permissividade perceptíveis na parentalidade positiva. Outros ainda adotaram roteiros de aceitação da criação moderna (coisas como dizer “não tem problema ficar chateado”), mas, ao mesmo tempo, apegam-se às expectativas comportamentais com as quais cresceram (“mas você precisa parar de fazer cara feia”).
Mas, muito embora a obra The Flourishing Family chegue em um momento cultural peculiar, os Ericksons evitaram atrelar seu trabalho a esse momento. Eles usam comentários laterais ocasionais nas páginas do livro, para responder brevemente a objeções comuns — coisas como “E o temor do Senhor?” —, mas tentam se manter distantes de controvérsias maiores. E embora eles dediquem um capítulo inteiro ao tópico da punição física (e interpretem corretamente os versículos em Provérbios que se referem à “vara”), eles enfatizam uma visão cristã holística para a criação de filhos, que é fundamentada nas Escrituras e apoiada pela neurociência moderna. O resultado é um livro que, embora oportuno para os nossos dias, deve resisir ao teste do tempo e se tornar um recurso atemporal para pais cristãos.
Embora os Ericksons se proponham a apresentar uma visão coesa da criação de filhos cristã, estou feliz que o resultado seja menos um manual abrangente e mais um guia facilitador — um ponto de partida para discussões mais profundas e para jornadas mais longas em busca do que está no coração de Deus para as famílias cristãs. Essa intenção fica evidente pelo uso que fazem de histórias para transmitir suas experiências e convicções, sem serem rígidos ou prescritivos.
E os autores incluem perguntas de reflexão muito úteis no final de cada capítulo. Elas não são uma reflexão que não estava no planejamento e só lhes ocorreu depois, como acontece em tantos livros. Em vez disso, eles convidam os leitores a irem mais fundo na reflexão sobre seus objetivos e esperanças para seus filhos e a se aproximarem de Cristo, enquanto buscam discipulá-los bem.
Restringindo o pecado
Os autores distinguem claramente a abordagem mais pacífica que eles adotam dos mantras populares da parentalidade positiva, coisas como “Não existe criança má” e “Todo comportamento é comunicação”. Eles são diretos e não fazem rodeios para nomear a realidade do pecado no nosso coração e no coração de nossos filhos.
Eles também pedem aos pais (e creio que o fazem corretamente) que se concentrem mais em trabalhar no próprio crescimento espiritual do que em erradicar cada indício de pecado em seus filhos, por meio de um excesso de zelo com modificações comportamentais. Gostaria, no entanto, que eles tivessem dado um passo a mais, reconhecendo que nós [os pais] às vezes precisamos estabelecer limites mais estreitos como forma de restringir nossas próprias tendências pecaminosas.
Embora reconhecessem os efeitos do pecado original em seus filhos, os pais do meu marido o criaram com olhar atento para os efeitos do pecado original neles mesmos. Isso levou meu marido a manter um ceticismo saudável em relação à sua própria capacidade de ser um pai calmo e paciente, enquanto eu tenho a tendência de superestimar minha capacidade de manter a calma em meio a conflitos com crianças pequenas e toda a confusão do dia a dia. Ele tenta antecipar os perigos de seus próprios ressentimentos, e preventivamente diz não a algum projeto de arte para as crianças, ao final de um dia de trabalho frustrante, embora ele normalmente teria dito sim. Em contraste, meus ressentimentos vêm à tona de forma tão avassaladora que todos nós acabamos literalmente chorando sobre o leite derramado.
“O que Jesus faria?” é a pergunta que, embora nunca seja dita explicitamente, parece sustentar a filosofia parental dos Ericksons. No entanto, os pais, dentro de quem a carne e o Espírito ainda estão em conflito um com o outro (Gálatas 5.17), provavelmente precisam juntar a essa pergunta essencial uma outra: “Quais são minhas limitações hoje para agir como Jesus?”
Uma pergunta incômoda
No início do livro, os Ericksons observam brevemente que seu sistema para a criação de filhos contraria muitas tendências dominantes em nossa sociedade.
Técnicas de criação de filhos baseadas no medo são onipresentes na cultura ocidental moderna […] E acabam chegando nas creches e salas de aula. Desde a nossa resposta ao primeiro sinal de desafio em uma criança pequena até um denso trecho sobre disciplina em um manual para estudantes universitários, nosso mundo está todo configurado para ter crianças controladas, manipuladas e administradas principalmente através do medo.
Mas, mesmo que apresentem uma visão cristã para a criação de filhos que esteja enraizada na paz e modele a graça, e não em punição e modificação comportamental, os Ericksons nunca abordam por completo as tensões que podem se desenvolver entre o ambiente que promovemos dentro de nossas casas e as expectativas que nossos filhos podem enfrentar fora delas. Enquanto eu lia, uma pergunta incômoda começou a se infiltrar no fundo da minha mente: esse paradigma para a criação de filhos funcionaria para todas as famílias cristãs? Quais considerações, advertências ou ferramentas podem estar faltando para os pais daquelas crianças que não se parecem com as minhas [crianças]?
Cito um exemplo do livro que pode ajudar a dar um pouco de substância à minha pergunta. Em um dos capítulos, os Ericksons abordam um ditado sobre disciplina que ouvi com frequência enquanto crescia: “Obediência tardia é desobediência”. Eles demonstram que esse ditado não tem apoio nas Escrituras (veja a parábola dos dois filhos, em Mateus 21) e argumentam em favor de dar às crianças pequenas mais espaço para aprender e escolher livremente a obediência, em vez de focar na imediata submissão.
Essa discussão me lembrou um vídeo curto a que assisti há alguns anos. Uma mãe está brincando com o filho de um jogo clássico, Simon Says [uma brincadeira tradicional norte-americana que se parece com a brincadeira “Simão Mandou”, na qual uma pessoa dá ordens enquanto outras obedecem]. A criança não tinha mais de cinco ou seis anos e era negra. O tom da mãe, que estava por trás da câmera, é brincalhão, suas ordens são frequentemente pontuadas por risadas. Mas, conforme o jogo prossegue, o espectador percebe que as ordens que “Simon” dá são assustadoramente semelhantes aos comandos que um policial daria a um adolescente negro. A mãe está usando uma brincadeira pré-escolar para ensinar submissão, porque, embora ela possa não acreditar que “obediência tardia é desobediência” em sua própria casa, ela entende a sóbria realidade de que obediência tardia em outros lugares pode significar morte.
Os lares repletos apenas de expansividade da graça e da escolha conseguem preparar crianças negras para a total falta de graça que elas encontrarão nas ruas, quando forem adolescentes? A visão dos Ericksons para uma criação de filhos pacífica funciona para famílias cristãs de todos os contextos e de qualquer classe social? Não tenho uma resposta para essas perguntas, e não espero que os Ericksons necessariamente a tenham também. Eu só queria que eles tivessem se questionado mais sobre isso.
Paz e confiança
A obra The Flourishing Family aplica repetidamente, e de novas maneiras, as Escrituras à criação de filhos, ao mesmo tempo em que toma muito cuidado para permanecer fiel à Bíblia. Ela se baseia no campo avançado da neurociência moderna, mas não como uma autoridade infalível, e sim como uma fonte de revelação natural e de graça comum que os pais cristãos fariam bem em levar em conta. E, ao mesmo tempo em que dão aos pais conselhos práticos para as exaustivas experiências cotidianas de criar filhos pequenos, os Ericksons continuamente direcionam o foco da atenção para o único que fornece descanso verdadeiro e paz duradoura.
“A criação pacífica de filhos tem a ver, em última análise, com confiança”, escrevem os Ericksons no final do livro.
É a personificação do conhecimento que eles têm de Cristo e a esperança na confiabilidade de Cristo. É se agarrar à fidelidade dele, em vez de se esforçar para permanecer fiel a algum paradigma específico de criação de filhos. É descansar na verdade de que os planos dele para seus filhos são bons, e que ele completará a boa obra que começou neles.
A criação de filhos para mim, para muitos de nós, já foi um dia uma ideia gestada (como meu primeiro bebê) em mistério e antecipação. Hoje, é uma das minhas identidades — não a realidade máxima da minha vida, mas ainda assim uma realidade sempre presente. Como tal, sou chamada a vivê-la dia após dia, quer eu me sinta pronta e descansada ou não. Como é libertador ser lembrada de que posso explorar novos estilos de parentalidade, enquanto deixo meus filhos no lugar exato a que eles pertencem, nos braços fiéis de Jesus.
Tabitha McDuffee é escritora e editora; mora no sul da Califórnia. Ela faz a curadoria de textos cristãos no BeautifulDiscipleship.com.