Por que este é o momento do “abraço lateral” do cristão

Será que o nosso medo de germes terá vantagem sobre nós? Um psicólogo avalia os riscos e os benefícios do toque humano em uma pandemia.

Christianity Today June 30, 2020

Imagine que você receba um copo de suco de laranja, mas pouco antes de lhe ser entregue, um pesquisador deixe cair uma barata, mexa o suco, remova a barata e lhe entregue o copo. Você beberia? Claro que não. Mas, agora, imagine que o pesquisador tome o mesmo copo de suco, passe o líquido por um filtro usado para purificar a água da torneira, ferva e esterilize o suco e o filtre novamente. Agora você beberia o suco? Se você é como a maioria das pessoas que fez parte desse experimento, não o faria. Você sabe intelectualmente que o suco é “limpo”, mas, por alguma razão visceral, não consegue beber. Essa reação instintiva é o que os psicólogos definem como nojo, e essa resposta é chamada de psicologia da contaminação. Quando se trata de nojo, nossa razão e nossa psicologia da contaminação podem estar em desacordo.

Agora, imagine que o problema não tem a ver com suco e baratas, mas com um vírus invisível e o contato com aqueles que podem ou não estar carregando o vírus. E se esse vírus for, possivelmente, mortal? Você gostaria de entrar em contato com essas pessoas, apertar sua mão ou participar de um culto com elas?

O especialista em doenças infecciosas Anthony Fauci afirmou recentemente que os americanos nunca devem apertar as mãos novamente — e ele está se referindo ao período após a pandemia de coronavírus. Fauci afirmou que doenças infecciosas, como a gripe, poderiam ser significativamente reduzidas eliminando-se os apertos de mãos. O biólogo e professor de Gordon, Craig Story, ressalta, ainda que mais gentilmente, que melhores práticas de higiene na igreja podem ajudar a impedir a propagação de doenças.

No entanto, de acordo com a psicologia da contaminação, existe a possibilidade de exagerarmos e acabarmos com um déficit de toque humano necessário à nossa saúde mental. A pergunta que devemos fazer, imediatamente, no momento em que a primeira onda de infecções está diminuindo: vale a pena se arriscar em abraços e apertos de mão na igreja? Ou o que dizer do “abraço da paz”, da imposição de mãos ou da unção com óleo? Para alguns, reunir-se, comungar, se divertir e adorar são atitudes que estão começando a ocorrer de novo; para outros, ainda não. Como, agora, temos evidências de que a participação na igreja e, até mesmo, as contribuições financeiras permaneceram constantes durante esse período da igreja virtual, pode parecer mais seguro manter os cultos on-line durante esse período.

Mas, e depois, quando tudo tiver passado, como os humanos interagirão? Preferiremos a segurança de eliminar todo toque físico e proximidade? Ainda desejaremos Skype ou Zoom em reuniões, apenas por segurança? Como navegaremos socialmente pelos altos e baixos das curvas de infecção, hospitalizações e mortes?

A lógica oculta da repulsa

Há uma grande diversidade de opiniões sobre o que compõe um comportamento seguro. O especialista em saúde pública Daniel Chin aconselhou modificações estritas no contato pessoal nas igrejas, com base em dados de saúde locais. E, como Fauci, alguns epidemiologistas argumentam que a segurança e a proteção são fundamentais e, portanto, devemos nos abster de atividades que ameacem nossa vida. Na semana passada, o The New York Times perguntou a 511 epidemiologistas quando eles preveem que poderemos abraçar, fazer um jantar ou sair de férias novamente, entre outras atividades. As respostas foram muito variadas, mas 42% esperam se abster de abraços e apertos de mão por mais de um ano, enquanto 39% calculam uma espera de 3 a 12 meses. Nessa visão, o contato próximo deve ser monitorado e é mais seguro cedermos ao novo mundo virtual.

É possível, no entanto, que algumas opiniões superestimem o perigo. De fato, outro artigo recente perguntou a uma especialista em transmissão de doenças transmitidas pelo ar sobre o nível de risco dos abraços. Usando modelos matemáticos que levaram em conta a dosagem necessária para pegar o vírus, a cientista Linsey Marr, que estuda partículas no ar, disse que o risco ao dar um abraço em um ente querido é realmente muito baixo, mas deu algumas precauções que você pode tomar para abraçar com mais segurança — incluindo usar máscara, evitar chorar, tossir ou falar e lavar as mãos depois.

Se alguns no público em geral respeitam a opinião de Fauci e outros especialistas preocupados com o contato físico, isso pode estar relacionado a uma motivação inconsciente mais profunda encontrada na “psicologia da repulsa”. Doença e morte são duas coisas que provocam repulsa. Pode ser que a pequena proteína colorida de coronavírus que vemos todos os dias na TV esteja causando repulsa em todos nós.

A repulsa desempenha funções importantes nos seres humanos. Essencialmente, ela age como um sistema de limites e ajuda os seres humanos a saber o que incorporar em seus corpos, protegendo-os da ingestão de substâncias perigosas. Mas, além disso, a dinâmica leva à abstenção, à rejeição, à expulsão e à eliminação. Em última análise, ela nos ajuda a evitar o desconforto e a morte.

Mas a repulsa também tem um aspecto “promíscuo”, no qual se vincula a uma variedade de outros estímulos, incluindo estímulos morais (por exemplo, comportamentos repugnantes), sociais (como pessoas repugnantes) e circunstâncias religiosas (por exemplo, é preciso evitar a imoralidade nojenta). A repulsa tem um tipo de lógica irracional, o que Richard Beck, da Universidade Cristã Abilene, chama de “pensamento mágico”. Beck diz que é “mágico” porque começamos a acreditar que o que é repulsivo pode nos contaminar de maneiras que não condizem com a realidade. Beck observa: “O problema surge quando a lógica do ‘contato’ começa a ser aplicada a situações em que não deveria ser aplicada”.

Enquanto a repulsa essencialmente começa com algo semelhante a um vírus, sua lógica irracional pode se espalhar rapidamente dos germes para as pessoas. Paul Rozin e colegas descreveram como esse pensamento mágico resulta na lógica da repulsa e nos quatro princípios da contaminação: Primeiro, o contato sempre levará à contaminação. Segundo, mesmo quantidades microscópicas do elemento contaminado são prejudiciais; isso é chamado de insensibilidade à dose. Terceiro, a permanência, que implica que uma vez que algo (ou alguém) se contamina, não pode ser purificado. E, por último, a dominância da negatividade, uma crença de que quando um contaminante e um objeto puro entram em contato, o contaminante é mais forte e contamina o objeto puro. Apesar do conhecimento racional de que a contaminação não é realista (o suco foi esterilizado), a lógica da contaminação cria uma sensação visceral que simplesmente não conseguimos evitar.

Um exemplo não muito distante é o início da epidemia de AIDS. Quando a AIDS surgiu pela primeira vez e o público sabia pouco sobre ela, os pacientes foram repudiados e marginalizados por pessoas que temiam contaminação. Mesmo quando surgiram informações precisas sobre a transmissão, as pessoas ainda estavam com medo. Pacientes com AIDS sentiram a repulsa nos outros.

Embora possa ser difícil imaginar que alguém rotule potenciais portadores de COVID-19 de repugnantes, basta lembrar o sentimento antiasiático, visto no início do surto. Embora essas reações sejam claramente racistas e injustificadas, todas as mensagens confusas e mal informadas sobre o vírus, combinadas com a lógica da contaminação, tornam compreensível como as pessoas podem começar a se olhar como potenciais contaminantes. A lógica da repulsa diria que é melhor ficar longe! Podemos dizer a nós mesmos que o mundo virtual é “bom o suficiente” e que, ao limitar nosso contato com os outros, estamos sendo espertos, seguros e sábios, o que, é claro, deveríamos ser, mas o pensamento mágico da lógica da repulsa sugere que podemos estar superestimando ilogicamente o perigo.

A importância do toque

Embora a repulsa possa nos afastar, a literatura psicológica está repleta de estudos que demonstram a importância do toque. Muitos estão familiarizados com a história das crianças romenas criadas em orfanatos, onde eram alimentadas, trocadas e banhadas regularmente, mas não eram embaladas, abraçadas ou tocadas com amor. Os pesquisadores que acompanharam essas crianças por um período de 14 anos descobriram que as crianças apresentavam grandes atrasos em linguagem, funcionamento cognitivo, desenvolvimento motor e funcionamento socioemocional — e alguns casos eram suficientemente graves para receber diagnósticos psiquiátricos. Ou considere Genie, um estudo de caso encontrado na maioria dos livros introdutórios de psicologia. Genie foi criada por um pai doente mental, que a amarrou a uma cadeira suja, restringiu seus movimentos e a impediu de todo tipo de estímulo, inclusive a linguagem. Quando Genie foi resgatada, aos 13 anos de idade, ela não conseguia andar ou falar e parecia autista. Os déficits de Genie não foram resultado de baixa inteligência, mas de falta de interação humana.

Os seres humanos não apenas se relacionam; relacionamentos nos tornam humanos. Estamos conectados a relacionamentos, que incluem proximidade física e toque. O cérebro infantil passa por enormes quantidades de desenvolvimento após o nascimento, com base na interação com o meio ambiente. A ligação começa com o toque pele a pele, o que libera o neurotransmissor de ligação ocitocina no bebê e nos pais. Pesquisas em interações pais-bebê demonstram que essas primeiras experiências formam estilos de apego, moldando a maneira como nos relacionamos com outras pessoas na idade adulta.

E os adultos? Certamente, quando nosso cérebro está totalmente desenvolvido, o toque deve ser menos importante, certo? Dacher Keltner, professor e diretor executivo do Greater Good Center da UC Berkeley, acredita no contrário. Keltner acredita que o toque humano é essencial para a comunicação, a saúde e o vínculo. Em um experimento, Keltner separou fisicamente dois pacientes por uma parede para que eles não pudessem se ver. O paciente um colocaria um braço através de um buraco na parede. O paciente dois recebeu uma lista de emoções para tentar se comunicar apenas tocando o antebraço do sujeito. Embora houvesse apenas 8% de chance de o paciente um adivinhar corretamente a emoção certa, os pacientes do estudo de Keltner conseguiram identificar a emoção da compaixão 60% das vezes.

O toque pode até aumentar a generosidade. Keltner menciona um estudo relacionado, onde os participantes jogam “o dilema dos prisioneiros”. Os pacientes tiveram a opção de cooperar ou competir com um parceiro por uma quantia limitada de dinheiro. Os indivíduos que receberam um tapinha nas costas logo antes de iniciar o jogo tinham maior probabilidade de compartilhar seu dinheiro com o parceiro.

O toque está relacionado à saúde. O toque de adulto para adulto, assim como pais e bebês, também libera ocitocina, o que alguns chamam de “hormônio do amor”, o que aumenta o vínculo e os sentimentos de confiança. O impacto calmante do toque tem sido associado à redução do estresse cardiovascular, enquanto os abraços demonstraram diminuir a frequência cardíaca e a pressão sanguínea, fortalecendo o sistema imunológico, de acordo com uma pesquisa.

O toque é tão central para o ser humano que Susan K. Farber escreve na Psychology Today que as pessoas estão “procurando seus próprios ‘tocadores profissionais’ e professores de artes corporais — quiropraxistas, fisioterapeutas, terapeutas da Gestalt, Rolfers, pessoas da técnica Alexander e Feldenkrais, massoterapeutas e instrutores de artes marciais e de Tai Chi Chuan. Alguns até aguardam nos consultórios médicos por um exame físico de doenças que não têm causa orgânica — eles esperam para ser tocados.”

A visão da repulsa nas Escrituras

Se a repulsa em sua essência, que é proteger-nos da morte, pode estar ligada a situações morais, sociais e espirituais, alguns dos comportamento dos fariseus nos evangelhos fazem sentido. Os fariseus não eram simplesmente arrogantes legalistas, mas eram humanos normais com medo de contaminação (isto é, impureza moral). A principal repulsa ficou ligada a certos comportamentos e pessoas por meio da lógica irracional da contaminação e, posteriormente, levou ao medo da proximidade e do toque. É possível que as pessoas pós-pandemia possam ficar tentadas a permanecer isoladas e satisfeitas com a adoração virtual como um fino disfarce da repulsa. Mas a mudança não ocorrerá apenas sabendo sobre o “pensamento mágico” da contaminação e sua natureza promíscua. Precisamos de um novo entendimento e de novos comportamentos que possamos imitar. Nas Escrituras, Jesus oferece-nos dois.

Os judeus temiam entrar em contato com os impuros, mas Jesus acolhe multidões de doentes/imundos (Mt 14.34-36; Mc 3.7-12; Lc 4.40). Embora Jesus pudesse, e ocasionalmente o tenha feito, curar indivíduos impuros apenas com palavras, parece que ele preferia tocá-los. Ele toca leprosos (Mc 1.40–44), cura os cegos e mudos com cuspe da própria boca (Mc 7.31–37; Jo 9.1–7), abaixa-se e toca os mortos (Lc 8.40–56) e a mulher com o fluxo de sangue é curada ao tocar em Jesus (Lc 8.43–48). O toque é importante para Jesus e ele o usa frequentemente com aqueles considerados intocáveis. Talvez o toque seja importante para Jesus porque não apenas cura, mas, também, reconhece a humanidade. Ao fazer isso, Jesus reconcilia essas pessoas com uma comunidade que anteriormente as olhava e as tratava com repulsa.

Nos evangelhos, Jesus literalmente enfrenta cada um dos quatro princípios de contágio descritos por Rozin. Ele quebra o medo da proximidade e da insensibilidade à dose, a ideia de que mesmo um pouquinho de contaminante arruina o todo. Jesus nega essa lógica comendo no lar dos pecadores e ao não discriminar aqueles com quem interage (Lc 19.1–10). A teoria da permanência sugere “uma vez contaminado, sempre contaminado”, mas Jesus demonstrou repetidas vezes que alguém pode ser limpo (Lc 7.36–50; Jo 8.1–11). E, finalmente, contrariando a lógica do domínio da negatividade — a ideia de que o impuro domina o limpo, tornando-o impuro — Jesus não teme entrar em contato com o impuro. Doença ou pecado podem tornar os outros impuros, mas ele mostra que supera a contaminação e permite que eles se tornem limpos.

Jesus não aceita a lógica da contaminação e da repulsa. Exemplo após exemplo, Jesus não apenas cura, por meio do toque, mas também purifica o imundo. As pessoas são perdoadas, curadas e devolvidas às suas comunidades completamente renovadas. Em vez de seguir os impulsos naturais de repulsa, ignorar, evitar ou até envergonhar, Jesus ama seu próximo por um ato de acolhimento radical. Ele se move em direção àqueles rotulados como impuros. É claro que a impureza ritual e o contágio viral não são a mesma coisa, mas ainda podemos aprender como superar a repulsa com o exemplo de Jesus. O perigo de um mal como o COVID-19 é que a repulsa não permanecerá no campo biológico, mas se tornará promiscuamente apegada às pessoas, levando-as a evitar, afastar e perder o benefício de toque, proximidade e igreja juntos.

Vale a pena o risco?

É claro que precisamos ser sábios e seguros. Obviamente, precisamos ouvir especialistas da área e seguir as práticas estabelecidas por nossos líderes. Esse não é um chamado para desafiar as regras, como alguns fizeram sob o disfarce da liberdade — uma pequena ocultação que põe os direitos individuais acima da responsabilidade comunitária. As perguntas permanecem: como devemos nos comportar quando voltarmos aos cultos da igreja ou nos reunirmos de alguma forma? Como podemos fazer modificações para participar da comunidade de forma plena novamente? Devemos correr riscos calculados? A pesquisa sobre o toque e o exemplo de Jesus gritam que sim. A repulsa é uma estratégia psicológica para nos proteger de doenças e morte. Mas ser humano é ser vulnerável — não podemos evitá-lo inteiramente.

Na igreja, somos chamados a voltar, um dia, a praticar a vulnerabilidade, apesar do medo, ao dar a paz, impor as mãos, compartilhar refeições, adorar e viver juntos. Quando compartilhamos a Eucaristia, lembramos a vulnerabilidade de Cristo, sua radical hospitalidade em relação a nós, os quebrantados, os impuros. Lembramos que, por causa de sua morte e ressurreição, não precisamos temer. “Ele (Jesus) libertou aqueles que foram mantidos em escravidão a vida inteira pelo medo da morte” (Hb 2.15).

Quando nos lembrarmos disso, poderemos agir com ousadia, tão logo o perigo iminente passe, não apenas em nossas igrejas, mas em nossas comunidades, praticando um acolhimento radical. Então, desejemos cumprimentar um ao outro com um aperto de mão ou um ósculo santo, dando abraços, impondo as mãos e ungindo com óleo. Isso definitivamente vale a pena.

Brad D. Strawn é professor de psicologia no Fuller Seminary, School of Psychology, psicólogo licenciado e presbítero ordenado na Igreja do Nazareno. Seu próximo livro, com Warren Brown, "Enhancing Christian Life: How Embodied Cognition Augments Religious Community", será publicado pela InterVarsity Press.

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Cantando as canções da injustiça

A adoração bíblica, irada e congregacional pode ajudar a transformar nossos corações e igrejas.

Porter’s Gate Tour in Nashville, Tennessee - January 2020

Porter’s Gate Tour in Nashville, Tennessee - January 2020

Christianity Today June 30, 2020
Photo by Integrity Records

Enquanto muitos protestos não violentos e alguns distúrbios destrutivos ocorreram, na semana passada, em reação à morte de George Floyd, as igrejas responderam de várias maneiras — marchando pacificamente, realizando vigílias de oração e abordando o tema da injustiça racial em seus púlpitos. David Bailey, diretor do ministério de reconciliação Arrabon e fundador da Urban Doxology, e David Taylor, professor associado de teologia no Fuller Theological Seminary, acreditam que há outra maneira de as igrejas responderem: com adoração. Mas não com qualquer tipo de canto congregacional. Bailey e Taylor dialogam sobre sua paixão pelo escape bíblico da raiva mediante o canto dos salmos.

David Taylor (DT): Como você se sente sobre o que aconteceu nas últimas duas semanas?

David Bailey (DB): O ex-pastor e ativista indígena Mark Charles diz que “a temperatura das relações raciais nos Estados Unidos está sempre em ponto morto e, de vez em quando, há um evento que a eleva a um ponto de ebulição”. Como um homem negro que vive nos Estados Unidos, muitas decisões na minha vida são influenciadas pelo medo. Quando corro, eu o faço em uma academia, para não acabar como Ahmaud Arbery. Eu nunca me coloquei em uma posição em que poderia ser a palavra de uma mulher branca contra a minha, para que eu não acabasse em uma situação como Emmett Till ou Amy Cooper, no Central Park. Essa realidade geralmente é um assunto privado, mas quando a disparidade racial é notícia, causa um sentimento misto de vulnerabilidade, alívio por mais pessoas estarem cientes, vergonha de você não ter tanto controle sobre sua vida quanto os brancos americanos e raiva por ser assim.

James Baldwin disse que “ser negro neste país e ser relativamente consciente é estar furioso quase o tempo todo”. Não acho que os negros americanos vivem em constante estado de raiva, porque você tem de viver sua vida. Eles estão articulando a realidade da agitação constante e de como ela não pode ser ignorada, mesmo quando você quer fazê-lo.

Como pastor que conduz as pessoas pelas realidades de raça, classe e cultura em nosso país, estou constantemente discipulando-as por meio de emoções complicadas de medo, vergonha, tristeza e raiva. Para ajudar os outros, tive de aprender a cuidar de minha própria alma. Tive de aprender a me dedicar ao estudo do livro de Salmos, que reconhece um mundo injusto e oferece uma linguagem que nos permite expressar medo, pesar e até raiva diante do Senhor. Deus nos deu os salmos para serem uma “escola da raiva” e eu descobri que, quando pulamos as aulas, não estamos emocionalmente preparados para lidar com as questões difíceis como as que estamos enfrentando agora.

DB: Como você aprendeu a lidar com a raiva de uma maneira santa?

DT: É assustador e embaraçoso admitir que você tem um problema de raiva. Você ainda precisa confessar e pedir ajuda. Mas também é profundamente reconfortante descobrir nos salmos permissão e ajuda para ficar com raiva das coisas certas — como câncer, abuso doméstico, desastres ecológicos e a experiência de uma pandemia global, além do racismo e da injustiça que testemunhamos recentemente.

Na opinião dos salmos, a diferença entre uma resposta à raiva certa e uma errada são um coração humilde e um coração endurecido. Um coração humilde é honesto com Deus sobre os sentimentos; um coração endurecido quer apenas exigir olho por olho. Um coração humilde confia seus inimigos a Deus; um coração endurecido demoniza os inimigos. Um coração humilde está zangado diante da face de Deus e na presença da comunidade; um coração endurecido se esconde de Deus e sempre encontra defeitos na comunidade. Os salmos sempre nos convidam a escolher um coração humilde.

O dom extraordinário dos salmos é que eles nos mostram como fazer orações raivosas sem sermos vencidos por nossa raiva, como irar-se e não pecar (pegando emprestado da linguagem de Paulo) ou, como Eugene Peterson disse uma vez, como “xingar sem xingar”. Orar esses salmos raivosos é confiar que Jesus faz essas mesmas orações por nós e, por seu Espírito, faz algo muito melhor do que “administrar” nossa raiva: ele libera nosso coração para amar o inimigo de uma maneira que nunca imaginamos ser possível.

DB: No Novo Testamento, Paulo diz: “não lutamos contra carne e sangue”, mas há uma realidade muito real e física de dano racial, à medida que as pessoas “lutam contra carne e sangue”. Como devemos pensar em inimigos em um momento como este?

DT: O mal infecta o coração humano e as pessoas fazem coisas más, cruéis e desumanizadoras umas às outras. Mulheres sofrem estupros coletivos, idosos são vítimas de fraudes, trabalhadores são roubados de seus salários, um motorista bêbado atropela uma criança, um pastor abusa de sua autoridade, um homem é perfilado por causa de sua cor de pele, um cristão é perseguido em razão de sua fé, milhões são deslocados de suas casas. Pode-se chamar isso de “os desafios da vida”. No entanto, para o salmista, a realidade exige que usemos a linguagem do “inimigo” para descrever as coisas com sinceridade. Seu propósito é nos lembrar de que os modos violentos e pecaminosos dos seres humanos — incluindo nossos próprios modos violentos e pecaminosos — precisam ser nomeados para que Deus possa intervir e fazer algo a respeito.

O salmo 139 é o salmo paradigmático nesta conta. Nos versículos 19-22, encontramos um exemplo de oração “inimiga” raivosa. “Matar os maus”? Odiando “aqueles que te odeiam”? Um “ódio perfeito”? Podemos realmente dizer isso como seguidores de Jesus? Mas, logo após essa súplica, o salmista faz uma oração de renúncia: “Busca-me, ó Deus, e conhece meu coração; me teste e conheça meus pensamentos …” (v. 23-24).

Orar contra os inimigos não é enfaticamente uma licença para fazer violência aos outros; nem é um convite para satisfazer nossos desejos irresponsáveis de chamar alguém de quem não gostamos de inimigo. Em vez disso, é uma maneira de nos convencer a falar com Deus. Seu objetivo é curar, e não autogratificar. O que o salmista anseia é a vindicação de Deus. Os salmos, então, não negam nossa raiva de ser prejudicados, mas eles nos negam o direito de nos vingarmos com nossas próprias mãos (Rm 12.18–20).

DT: Quando foi a primeira vez que você pensou ou explorou a questão da raiva e da adoração coletiva?

DB: Em 2008, minha esposa e eu fazíamos parte de uma equipe de plantação de igrejas em Richmond, comprometidos com os valores da reconciliação, o desenvolvimento comunitário e a diversidade racial, e tínhamos o objetivo de viver na comunidade por 40 anos para ver o que Deus faria. As aspirações da visão de nossa igreja eram impressionantes! A realidade de colocar essas práticas em ação tem sido dolorosa. Assim como a maioria das coisas de valor, tem um custo. Um dos custos foi o fato de nossa equipe de plantio, com formação superior, estar repentinamente enraizada na vida de nossos irmãos e irmãs pobres que vivem na periferia. Fora isso, os problemas “deles” se tornaram “nossos” problemas. Logo no início da jornada, percebemos que não éramos inteligentes o suficiente para “consertar o sistema” e a maioria de nós estava mal equipada para a longevidade desse empreendimento. Por desespero, tropeçamos na prática do lamento.

Introduzimos lamentações em nossas reuniões de domingo, quando um jovem que estávamos orientando foi preso ou houve um assassinato em nossa vizinhança (não lembro exatamente) — mas era uma noite de sábado, no verão de 2013, quando o veredicto do julgamento de Trayvon Martin saiu. O peso do veredicto era palpável em nossa congregação. Para a nossa igreja, não abordar o julgamento seria o equivalente pastoral de não dizer algo no domingo após o trágico evento de 11 de setembro. Realizamos um culto de adoração com o tema do lamento, onde permitimos que as pessoas dissessem o que estivesse em seu coração, sem filtro algum.

Como líder, existe a tentação de controlar a vida pública de oração, com medo de que algo seja dito que possa causar divisão. Descobrimos que o oposto é verdadeiro. Permitir que as pessoas derramem seu coração diante de Deus construiu intimidade uns com os outros de maneiras que um sermão ou uma oração bem elaborados não pode fazer. Desde então, sempre praticamos serviços de lamento público em resposta a tragédias.

DT: Existem exemplos de músicas ou apresentações de hip hop com palavras faladas que podem capturar a conexão entre justiça/injustiça e canções de raiva/súplica — especialmente no que se refere ao que está acontecendo em nossa sociedade agora?

DB: Dez verões atrás, começamos o estágio de composição de Urban Doxology com a necessidade de a linguagem expressar os aspectos horizontais do que significa ser cristão e os aspectos verticais da adoração cristã. Como muitas das decisões cristãs de publicação e recursos de adoração são comercializadas para o consumidor suburbano, há uma falta significativa de recursos de adoração para igrejas no contexto urbano que se envolvem com pessoas de origens socioeconômicas mais pobres. Notei que havia muitas músicas sobre amar a Deus, mas não muitas sobre amar o próximo, por isso decidimos escrever as músicas de adoração que estavam faltando.

Começamos a escrever a partir do Antigo Testamento, porque ele tem algumas das melhores visões sobre justiça e de apelo contra a injustiça. Parafraseamos Isaías 58 em formato de palavra falada. Escrevemos um chamado para adoração, amor ao próximo e para Deus “curar nossa terra, ajudar o necessitado e libertar os cativos”. Mais recentemente, em resposta ao que houve com Ahmaud Arbery, lançamos uma música chamada “God Not Guns”, um lamento de raiva e desespero, baseado no salmo 10, que descreve o mesmo cenário do assassinato de Arbery.

Se não abordarmos a injustiça dentro da igreja, “perderemos a lealdade de milhões e seremos dispensados como um clube social irrelevante”, como Martin Luther King Jr. disse. Estamos vendo alguns dos frutos disso com o êxodo em massa dos jovens da igreja. Como pastores e líderes cristãos que abordam questões de injustiça dentro da igreja, mas não fornecem às pessoas as ferramentas para lidar com o peso emocional de lidar com a injustiça, há um nível de liderança irresponsável em que estamos engajados como líderes.

Amar a Deus e amar o próximo, proclamando o reino de Deus e profeticamente alertando sobre os perigos da Babilônia, arrependendo-se do pecado pessoal e do pecado sistêmico, é o que Deus chama todo cristão a fazer, independente da sua tradição. É isso que torna a igreja relevante para a sociedade em qualquer época.

DB: Você escreveu que esses salmos de maldição ou raiva acabam levando à cura. Isso parece um resultado surpreendente. O que voce quer dizer com isso?

DT: Deixe-me responder usando como exemplo o salmo 137. Enquanto as duas primeiras seções do salmo geraram um grande número de cenários musicais e poéticos — “Pelos rios da Babilônia nos sentamos e choramos” e “Como podemos cantar as canções do Senhor em uma terra estrangeira?” — a terceira seção — “Jogue os bebês contra as pedras” — foi removida dos contextos de adoração ao longo da história da igreja.

Mas estamos errados ao fazê-lo, argumenta o teólogo croata Miroslav Volf, que insiste que salmos como esses devem permanecer dentro de nossa prática devocional. “Tais salmos”, ele escreve, “podem apontar para uma saída da escravidão da vingança e para a liberdade do perdão”. Para a maioria de nós, é mais fácil falar do que fazer. No entanto, práticas cristãs desprovidas da linguagem visceral e até violenta do salmista nos deixam vulneráveis a teologias e práticas pastorais que são incapazes de lidar com a raiva que tão facilmente leva à violência em público e na privacidade de nosso lar.

Nunca é fácil saber como incorporar um salmo como o 137, o 88 ou o 109 em nosso culto público. Mas é importante lembrar que o Espírito Santo, como autor das Escrituras, mantém esses salmos na Bíblia por um bom motivo. Eles nos levam a Jesus. Como Dietrich Bonhoeffer diz: “O salmo imprecatório leva à cruz de Jesus e ao amor de Deus que perdoa os inimigos. Não posso perdoar os inimigos de Deus com meus próprios recursos. Somente o Cristo crucificado pode fazer isso, e eu por meio dele.

DB: Como as igrejas devem lidar com esse nível de dor, decepção, raiva e fúria? O que os líderes da igreja devem fazer? Como eles podem orar ou cantar os “salmos raivosos”?

DT: Essa não é uma resposta fácil e os cristãos lutam com essa questão há séculos. Mas posso pensar em alguns exemplos que podem oferecer um caminho a seguir. Há um hino maravilhoso, chamado Psalms for All Seasons, que inclui uma resposta para o salmo 137. A congregação canta um refrão, retirado de Salmos 137.1, enquanto, por sua vez, um indivíduo lê as três partes do salmo. Isso permite que as pessoas cantem as palavras “do coração”, sem que tenham de cantar as terríveis palavras sobre “bebês arremessados”, o que parece inapropriado. Outra maneira de ler esse salmo imprecatório é, por exemplo, um poeta oferecer uma resposta pessoal ao texto, uma peça, um artista de palavras faladas cantar uma interpretação do salmo à luz das notícias do dia, com a congregação convidada a cantar o refrão em intervalos específicos.

DT: Se uma igreja quisesse experimentar algo com esse tipo de música ou oração, por onde deveria começar? Como seria possível fazê-lo com cuidado, construtividade e de maneiras fiéis e frutíferas?

DB: Primeiro, é importante que os líderes da igreja entendam que estamos em tempos difíceis. Navegar em águas calmas requer um tipo diferente de liderança do que navegar em águas turbulentas. Em tempos turbulentos, você não pode liderar com moderação. Você precisa criar “espaços valentes” e, às vezes, eles não parecem “espaços seguros”. Em 1831, o abolicionista William Lloyd Garrison articulou o tipo de liderança de que precisamos neste momento:

Estou ciente de que muitos se opõem à severidade da minha linguagem; mas será que não há motivo para gravidade? Serei tão severo quanto a verdade e tão intransigente quanto a justiça. Sobre este assunto, não desejo pensar, falar ou escrever com moderação. Não! Não! Diga a um homem cuja casa está pegando fogo para dar um alarme moderado; diga a ele para resgatar moderadamente sua esposa das mãos do destruidor; diga à mãe para gradualmente libertar seu bebê do fogo em que ele caiu — mas exorte-me a usar moderação em uma causa como a atual … Não recuarei nem um centímetro — e serei ouvido.

O tipo de liderança necessária nestes tempos é a que tem coragem para criar espaços corajosos para as pessoas serem diretas diante de Deus. Quando as pessoas são diretas diante de Deus, sua fé vai além da moderação, em direção à transformação. Quero incentivar as pessoas a usar um desses recursos mencionados nesta conversa e abrir espaço para o Espírito Santo fazer o que o Espírito Santo faz.

David M. Bailey é um teólogo público e fundador e diretor executivo da Arrabon; organização que constrói comunidades de reconciliação no meio de um mundo digital, diversificado e dividido. W. David O. Taylor é professor associado de teologia e cultura no Fuller Theological Seminary e autor de Open and Unapraid: The Psalms as a Guide to Life (Thomas Nelson). Seu twitter é @wdavidotaylor .

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A cura para o complementarismo deu errado

A escritora Aimee Byrd repensa o movimento “masculinidade bíblica e feminilidade”.

Christianity Today June 25, 2020

No início dos anos 90, John Piper e Wayne Grudem publicaram "Recovering Biblical Manhood and Womanhood" ["Recuperando a masculinidade e a feminilidade bíblicas"], sob os auspícios do Conselho de Masculinidade e Feminilidade Bíblicas (CBMW). O livro teve como alvo o surgimento do “feminismo evangélico” e abordou a dinâmica de gênero no lar e na igreja. Quase três décadas depois, aspectos relacionados a mulheres e à liderança continuam gerando debates e controvérsias. Em seu livro intitulado "Recovering from Biblical Manhood and Womanhood: How the Church Needs to Rediscover Her Purpose" ["Recuperando-se de masculinidade e feminilidade bíblicas: Como a igreja precisa redescobrir seu propósito], a autora Aimee Byrd argumenta que homens e mulheres precisam recuperar seu chamado em comum, como irmãos em Cristo. Andrea Palpant Dilley, editora associada sênior da CT, conversou com Byrd sobre seu livro.

Como esta obra interage com seus livros anteriores?

Cada um adcionou algo aos outros, em termos do que tenho procurado, como leiga, na igreja. Meu primeiro livro incentivou as mulheres a se ver como teólogas e a levar a sério esse chamado. O segundo livro tratou de teologia. O terceiro examinou toda a cultura do ministério feminino e como ele está deixando má teologia se infiltrar na igreja.

Com este novo livro, eu queria focar na necessidade de treinamento e discipulado, como irmãos e irmãs, na igreja. Estamos sendo discipulados de maneiras diferentes? Como nossa leitura das Escrituras afeta nossos relacionamentos na igreja? Até que homens e mulheres cresçam no entendimento de seu relacionamento com as Escrituras, a tensão entre os sexos persistirá.

No contexto do debate entre complementarismo e igualitarismo, como você se identifica?

Eu me rotularia como confessional. Congrego na Igreja Presbiteriana Ortodoxa, então estou dentro dos limites da Confissão de Fé de Westminster. O ponto principal é buscar união em questões doutrinárias de primeira ordem. O debate da ordenação é uma questão de segunda ordem.

Eu vejo o papel pastoral como um lugar para homens qualificados e ordenados, mas não porque os homens são naturalmente melhores líderes. Eu vejo pastores como representantes de Cristo. No entanto, não consigo me identificar com o complementarismo, porque acredito que é um movimento com muitos erros doutrinários, erros de primeira ordem mesmo. Existem distinções entre homens e mulheres, é claro. Mas precisamos conversar sobre tudo isso com humildade.

Os céticos vão reclamar e dizer: “Isso não é apenas um problema complementar, ou pelo menos um problema que é exacerbado pelo pensamento complementar?”

Estou criticando um movimento complementar, para que haja algum peso nesse argumento. Mas isso é um problema para todos nós. Não compreendemos completamente a beleza de nossa criação como homens e mulheres. Nós nos vemos como irmãos e irmãs, chamados a promover a santidade um do outro? Vemos o espírito de reciprocidade que aparece nas Escrituras? Vemos o belo quadro apresentado por Paulo em Romanos 16, ao atentar para todos seus cumprimentos e recomendações a amigos e cooperadores no evangelho? Ele lhes apresenta uma bela imagem da teologia que ensina, onde homens e mulheres servem no ministério.

Todos somos responsáveis por comunicar a Palavra de Deus, uns aos outros, como discípulos. Em Romanos 16, vemos Paulo passar o bastão a Febe; ele a autoriza a entregar sua carta aos romanos. Ele confia nela para comunicar o significado dessa carta, que ele sabia que geraria muitas perguntas. Também temos o bastão em nossas mãos para compartilhar a Palavra de Deus uns com os outros. Essa é uma grande e bela responsabilidade.

Você argumenta que a visão predominante sobre as mulheres na CBMW é parasitária. E que os objetivos das mulheres apoiam os objetivos dos homens, com a redução delas ao papel de “afirmadoras masculinas”. Como você vê o fato de isso ocorrer na igreja?

Estou criticando o livro "Recovering Biblical Manhood and Womanhood", no qual John Piper define o centro da feminilidade como “reafirmação dos homens”. Piper contribuiu muito para a igreja. Mas essa definição não deixa espaço para a agência feminina ou a contribuição feminina. Não acredito que minha feminilidade seja definida pela maneira como nutro a liderança masculina. As mulheres têm contribuições únicas, que são necessárias na igreja. Há uma reciprocidade entre masculinidade e feminilidade que é dinâmica, que nos leva ao nosso objetivo comum: a comunhão eterna com o Deus trino.

Muitas vezes ouvimos dizer que a mulher está subordinada ao homem porque Eva foi criada após Adão. Mas, na história da criação, o homem é inadequado sem a mulher. Ele precisa de uma força correspondente. Assim, quando o homem vê a mulher, ele enxerga algo de sua identidade definitiva de noiva de Cristo.

Você passa bastante tempo explorando a profetisa Hulda, do Antigo Testamento. Por que ela é importante para o seu argumento?

Quando o nome de Hulda aparece, penso naquele momento do filme "Curtindo a vida adoidado" em que o professor grita: “Bueller? Bueller?" e ninguém sabe quem ele é. Do mesmo modo, ninguém sabe quem é Hulda. Nós a vemos nas Escrituras duas vezes, em [2 Reis 22 e 2 Crônicas 34].

No Antigo Testamento, vemos o rei Josias enviar dignitários. Um exemplar do livro da lei é descoberto e ele precisa saber se é mesmo algo legítimo. Jeremias e Sofonias eram profetas na época, mas não foram procurados. Em vez disso, os conselheiros de Josias encontram Hulda, a profetisa, e ela autentica o livro, que é amplamente aceito como o coração de Deuteronômio. É a primeira vez que vemos a Palavra de Deus ser autorizada como cânon, e isso é feito por uma mulher. Isso é incrível. Em resposta, Josias se arrepende.

Temos de perguntar: o que o Espírito Santo está dizendo à igreja, hoje, com essa parte das Escrituras?

Você argumenta que a leitura das Escrituras é um empreendimento comum e misto. Mas e se, exegeticamente, as mulheres quiserem “um espaço só para elas”?

Encorajo o aprendizado misto nas circunstâncias certas, mas também encorajo o aprendizado exclusivo em grupos somente para homens e somente para mulheres.

Existem benefícios para estudos exclusivos. Tito 2 fala disso, com suas instruções específicas para diferentes demografias na igreja. Mas não podemos deixar de fora o elemento doutrinário em ambos os casos. Tanto homens quanto mulheres precisam falar sobre doutrina saudável e como isso se aplica em nossos relacionamentos dentro do corpo de Cristo. Quando começamos a dar às mulheres Bíblias rosas separadas, isso envia uma mensagem diferente. É da mesma maneira que as feministas radicais pensam — que a Bíblia é tão patriarcal que precisamos de nossas próprias interpretações para entendê-la melhor. Essa é uma estrada perigosa a seguir. Não é bíblico.

Que segregação você vê nas páginas das Bíblias de estudo?

Está presente nos artigos e nos colaboradores. Os artigos para mulheres tendem a ser sobre distúrbios alimentares, vida missionária, perdão, cura e assim por diante. Eles tratam, principalmente, de nossas fraquezas. Mas, nas Bíblias masculinas, os artigos tratam principalmente de liderança, agência e vocação. Na ESV Men’s Devotional Bible só há colaboradores masculinos. Mas, na versão feminina, existem colaboradores masculinos e femininos.

As mulheres estão em uma situação dupla. Nem sempre são aceitas como líderes de discipulado na igreja. Porém, nos ministérios paraeclesiásticos, onde elas são livres para discipular, não recebem instruções doutrinárias e responsabilidade eclesial. Qual é a sua solução?

Há uma razão pela qual as mulheres estão prosperando nos ministérios paraeclesiásticos. Elas estão recebendo investimento e sendo ouvidas. Estamos lançando livros e conferências de mulheres. Logo, é fácil ver por que as mulheres estão se reunindo nesses espaços. Suas igrejas não estão investindo nelas como discípulas. Meu livro é um chamado para que a igreja invista em mulheres e homens leigos, com dons, no ensino e no discipulado — e incentive uma reciprocidade saudável entre eles. Isso não vai acontecer a menos que os líderes das igrejas tomem a frente.

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Culture

Como ‘Way Maker’ (‘Caminho no Deserto’) liderou as paradas em rádios gospel dos EUA

Sinach, líder de louvor de Nigéria, escreveu a música que se tornou o hino de protesto da pandemia, cantada por Michael W. Smith e Soraya Moraes.

Christianity Today June 25, 2020
Courtesy of Integrity Music / Edits by Mallory Rentsch

O hino da quarentena da igreja americana chegou aos Estados Unidos a partir da Nigéria, onde a compositora e líder de adoração pentecostal Osinachi Kalu Okoro Egbu, conhecida como Sinach, popularizou pela primeira vez a canção “Way Maker”.

A versão em português, “Caminho no Deserto,” foi gravada por artistas bastante conhecidos como Soraya Moraes.

Desde então, sua bem-sucedida canção alcançou o topo das paradas americanas tanto nas rádios cristãs quanto nas igrejas durante os primeiros meses da pandemia. À medida que as igrejas se uniam aos protestos nos EUA nas últimas semanas, manifestantes cantaram a música em defesa da justiça racial, clamando a Deus como “criador de caminhos, autor de milagres, cumpridor de promessas, luz na escuridão”.

“Way Maker” [“Caminho no Deserto”] ocupa o primeiro lugar na lista das 100 músicas mais ouvidas do Christian Copyright Licensing International (CCLI), com base no uso em igrejas. Em abril, a música também conquistou dois dos 10 lugares mais altos nas músicas da Billboard Hot Christian, quando Michael W. Smith e a banda Leeland lançaram versões populares.

Essa foi a primeira música na história a atingir o top 10 duas vezes ao mesmo tempo. As interpretações de “Way Maker” [“Caminho no Deserto”] por Mandisa e Passion ficaram em 39 e 40 na mesma lista.

No mês passado, Sinach também se tornou a primeira artista africana a subir ao topo da parada da Billboard Christian Songwriters.

Nascida em Lagos, na Nigéria, a cantora de 47 anos é uma sensação internacional do evangelho há anos, liderando o louvor em uma enorme congregação pentecostal e levando sua música em turnês ao redor do mundo. No ano passado, Sinach se tornou a primeira artista gospel africana a fazer turnê na Índia.

Seu videoclipe original de “Way Maker” [“Caminho no Deserto”], lançado em 2015, foi visualizado mais de 151 milhões de vezes.

Les Moir, gerente e caçador de talentos da Integrity Music no Reino Unido, ouviu a música de Sinach pela primeira vez em 2014, quando recebeu um de seus álbuns durante uma viagem à Nigéria. A Integrity licenciou a “Way Maker” [“Caminho no Deserto”] de Sinach para aparecer em duas compilações de adoração britânicas, em 2018 e 2019.

Mas “Way Maker” [“Caminho no Deserto”] não decolou entre os evangélicos americanos até que o proeminente cantor cristão Michael W. Smith a lançou como single, em fevereiro, com a cantora de backup de longa data Vanessa Campagna e a líder de louvor Madelyn Berry.

A Integrity Music fez uma parceria formal com Sinach em julho de 2019, segundo Mark Nicholas, vice-presidente de publicação de músicas da empresa. Suas músicas logo apareceram em lançamentos de artistas da Integrity, como Leeland, cujo álbum Better Word trouxe músicas de outros países.

“É óbvio que esta é uma música especial para este momento da história, e o fato de que ela emergiu da África a torna ainda mais atraente e comemorada”, disse Nicholas à CT.

“Way Maker” [“Caminho no Deserto”] foi cantada por cristãos, em protesto, após a morte de George Floyd, inclusive em Milwaukee; Fredericksburg, Virgínia; e Indianápolis, onde foi entoada durante uma vigília de oração interrompida por gás lacrimogêneo da polícia.

A música foi traduzida para 50 idiomas e Sinach escreveu que “Way Maker” [“Caminho no Deserto”] se tornou “uma música tema cantada em muitos idiomas [para] trazer esperança e fé a muitos em perigo durante a pandemia de COVID-19”.

Em março, Smith lançou uma versão italiana — “Aprirai Una Via” — novamente com Campagna, que é italiana e tem família na Itália, um dos primeiros focos do coronavírus fora da Ásia.

Alguns fãs de Sinach lamentam que Smith tenha gravado sua música, temendo que ele leve o crédito por ela, mas a cantora não está preocupada. Em uma entrevista à CNN África, Sinach disse que fica emocionada quando artistas apresentam seu trabalho ao público.

“A alegria de um compositor é quando você escreve uma música e o mundo inteiro a canta, porque a música realmente não é sobre você”, disse ela. “Se a música vai à sua frente antes mesmo de você aparecer, isso significa que a canção cumpriu seu propósito.”

Na Nigéria, país natal de Sinach, ela é uma superestrela, pois lidera o culto na popular Christ Embassy, em Lagos, uma das maiores igrejas pentecostais do país, conhecida por atrair jovens cristãos com formação universitária. Seu pastor, Chris Oyakhilome, mantém a igreja na vanguarda da música e da tecnologia, de acordo com Nimi Wariboko, professor de ética social da Universidade de Boston que estuda o pentecostalismo na África.

Oyakhilome, cujo ministério também tem congregações em centros urbanos no Reino Unido e em outros locas do mundo, usou suas habilidades de relações públicas e conhecimento técnico para ajudar a impulsionar Sinach à fama internacional. “Ele ajudou Sinach a se divulgar e se tornar essa figura fenomenal”, disse Wariboko. “Ele tem sido fundamental para orientá-la e impulsionar sua carreira.”

A Christ Embassy, porém, acabou se envolvendo em uma polêmica. No mês passado, autoridades britânicas aplicaram sanções à estação de televisão Loveworld, da Christ Embassy, depois que transmitiu um sermão de Oyakhilome em que ele alegou que o COVID-19 foi causado pela tecnologia 5G.

Cerca de 20% dos nigerianos são pentecostais, segundo Wariboko. A popularidade da “Way Maker” [“Caminho no Deserto”] de Sinach se espalhou pelos ramos trinitários e unitários do pentecostalismo.

De acordo com Leah Payne, professora assistente de estudos teológicos da Universidade George Fox, a redação ambígua de “Way Maker” [“Caminho no Deserto”] torna palatável para os pentecostais trinitários que acreditam no Deus trino, e para os pentecostais unitarianos, que acreditam que só Jesus é Deus.

“Os pentecostais trinitários e unitários têm muitas diferenças culturais e teológicas e nem sempre compartilham as mesmas músicas”, disse Payne, especialista em religião e cultura popular. “Uma razão pela qual ‘Way Maker’ [‘Caminho no Deserto’] pode ter decolado nos dois círculos é que as letras são adaptáveis ao hinário unitário, já que a música não inclui referências explícitas à Trindade”.

Na Nigéria, sua terra natal, a música de Sinach foi a segunda mais ouvida da última década, e outra canção sua (“I Know Who I Am”) está entre as 20 primeiras.

Embora 46% dos nigerianos sejam cristãos, o país é o número 12 na lista de perseguição religiosa da Missão Portas Abertas. Na semana passada, a imprensa nigeriana informou que Emmanuel Bileya, um pastor que serve a Igreja Reformada Cristã na Nigéria (CRCN), e sua esposa, Juliana, foram atacados e mortos enquanto trabalhavam em sua fazenda no estado de Taraba, na Nigéria, deixando oito filhos.

Sinach disse se sentir abençoada quando vê pessoas de todo o mundo gravando suas músicas e adorando com as canções que ela escreveu.

“Elas estão sendo abençoadas, mas eu sou mais abençoada ainda, por ver todo mundo cantando a música”, disse ela à CNN África na semana passada. “Deus pode usar alguém da África, da Nigéria — sim, Nigéria! — para abençoar as pessoas da maneira que ele desejar.”

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Uma justiça bastante demorada

É hora de a igreja se redimir do pecado racial.

Christianity Today June 17, 2020
Jeremy Cowart

“Da terra o sangue do seu irmão está clamando por mim.” (Gênesis 4.10)

Nós, da Christianity Today, amamos profundamente a igreja. Servir a noiva de Cristo, aumentar seu amor por Deus e contar a história de seu trabalho redentor e transformador no mundo é o cerne do que fazemos. Nós não nos alegramos com os seus pecados ao longo da história. Porém, não podemos amar bem nossos irmãos e irmãs se não pudermos contar a verdadeira história deles. E não podemos contá-la se não pudermos confessar nossa participação nela. A Bíblia é honesta sobre as falhas, mesmo das pessoas mais notáveis. E devemos seguir seu exemplo.

Dois pecados originais atormentaram esta nação desde o seu início: a destruição de seus habitantes nativos e a instituição da escravidão. Ambos nasceram do fracasso em ver a pessoa de outra raça como um igual. Como o bispo Claude Alexander disse, o racismo estava no líquido amniótico do qual nossa nação nasceu. Havia um vírus presente no próprio ambiente que alimentava o desenvolvimento de nosso país, nossa cultura e nosso povo. O vírus do racismo infectou a igreja, a Constituição e as leis, as atitudes e as ideologias. Nós nunca o derrotamos completamente.

Os primeiros escravos chegaram à costa do nosso país antes dos peregrinos, antes de haver Massachusetts ou Connecticut. A escravidão havia sido estabelecida havia 113 anos quando George Washington nasceu e 157 anos quando a Declaração de Independência foi escrita. Nove de nossos primeiros presidentes eram proprietários de escravos. Escravidão significou que maridos e esposas, pais e filhos foram violentamente separados e nunca mais se encontraram. Significou que homens brancos estupraram repetidamente centenas de milhares de meninas e mulheres negras. "American Slavery As It Is" [A escravidão americana como ela é], publicado em 1839, com amplas informações de Theodore Weld e Angelina Grimké, diz que os escravos:

são frequentemente açoitados com terrível gravidade, têm pimenta vermelha esfregada em sua carne lacerada, além de salmoura quente, aguarrás e outros produtos derramados sobre os cortes a fim de aumentar a tortura; muitas vezes são despidos e têm costas e membros cortados com facas, machucados e mutilados por dezenas e centenas de golpes […] são frequentemente caçados com cães raivosos, abatidos como animais selvagens ou despedaçados por cães; são frequentemente suspensos pelos braços e açoitados e espancados até desmaiar e, quando voltam a si, são espancados novamente até desmaiar e, às vezes, até morrer; têm as orelhas frequentemente cortadas, os olhos arrancados, os ossos quebrados, a carne marcada com ferros em brasa; são mutilados e queimados até a morte com fogo.

Esta é a instituição que permaneceu em solo americano por quase 250 anos. Estremecemos quando pensamos não apenas no tormento físico, mas no sofrimento social. No sentimento de humilhação e abandono, uma vez que a sociedade branca ao redor dos escravos era frequentemente surda aos seus gritos e não os via como humanos e dignos de amor. E imaginamos a profunda ferida que essa dor deixou na consciência coletiva de um povo. A escravidão na economia pré-guerra era um dos motores mais poderosos na criação de riqueza na história de nosso povo. Ela gerou capital econômico e cultural que fluía rio abaixo para comunidades ricas, além de oportunidades de trabalho e investimento. Fomentou também instituições educacionais que apoiavam pesquisa, inovação e qualidade de vida. No entanto, deixou os negros americanos totalmente devastados.

Apenas cerca de 42% dos cristãos brancos acreditam que a história da escravidão continua a impactar os negros americanos hoje. No entanto, a escravidão era sintoma do vírus, não o próprio vírus. Mesmo após a abolição da escravatura, a ideologia que havia apoiado e sido formada em torno da escravidão perdurou. O sintoma passou. O vírus persistiu por mutação.

O colapso da reconstrução e a ascensão de Jim Crow impuseram a segregação racial e a opressão no Sul até 1965. Como os proprietários das plantações ainda precisavam de mão-de-obra barata, após a Guerra Civil, eles exploravam seus agricultores meeiros e arrendatários e os tratavam com tanta brutalidade quanto antes. Os linchamentos aterrorizaram as famílias negras e impuseram um regime de dominação e controle, enquanto os legisladores do sul encontraram formas cada vez mais criativas de impedir que os negros votassem ou defendessem a si mesmos e suas propriedades. Também no Norte, especialmente quando um grande número de negros fugiu da opressão do Sul e procurou trabalho em fábricas nas cidades, a discriminação sistemática nos mercados habitacional e de trabalho tornou praticamente impossível para os negros americanos financiar a compra de casas e construir riqueza geracional.

Muitas políticas progressistas apenas aprofundaram a divisão social e econômica entre negros e brancos. As leis de previdência social na era do New Deal excluíram efetivamente a maioria dos negros da assistência federal à aposentadoria, e o plano GI Bill para veteranos da Segunda Guerra era completamente ineficaz no apoio à compra de casas. Só funcionava bem no financiamento da educação universitária para veteranos negros que retornavam da guerra. Por uma questão de política e preconceito, os negros foram forçados a viver em bairros de pobreza cada vez maior e pouquíssimos conseguiram sair deles. Os jovens que cresceram perto da violência criminal, cercados por desemprego, desagregação familiar, vícios e desespero, não conseguiram garantir uma educação de qualidade, um lar ou uma oportunidade justa no mercado de trabalho. Tudo isso sem contar com o colapso do sistema de justiça criminal americano na segunda metade do século 20, que levou ao encarceramento excessivo e a confrontos cada vez mais violentos entre os agentes da lei e as comunidades a que servem.

Outros contaram essa história com mais detalhes. Acreditamos que é importante continuar tratando do assunto nas páginas da Christianity Today. O resultado dessa história é uma lacuna catastrófica: o patrimônio líquido médio das famílias negras nos Estados Unidos hoje é um décimo do patrimônio líquido médio das famílias brancas. Das crianças negras nascidas entre 1955 e 1970, 62% foram criadas em bairros pobres, em comparação com 4% das crianças brancas. Os resultados para a geração nascida entre 1985 e 2000 foram ainda piores, com 66% das crianças negras criadas em bairros pobres, em comparação com 6% das crianças brancas.

A única maneira de explicar essa história é a persistência do preconceito racial e sua consagração no aparato do governo. Permita-me pegar emprestado (mas usar de uma maneira diferente) uma metáfora da professora e pesquisadora Wendy Doniger. Dois exploradores entram em uma caverna cheia das teias de aranha muito bem elaboradas. Um deles não consegue localizar nenhuma aranha e, por isso, se recusa a acreditar que ela existe. Veja as teias, diz o outro. A aranha está implícita. O preconceito racial é a aranha implícita que tece a teia de políticas, práticas, desigualdades e abusos que tem oprimido os negros americanos por quatrocentos anos.

Que papel a igreja desempenhou?

Certamente, alguns cristãos brancos se esforçaram bastante e se arriscaram muito para abolir a escravidão, e muitos derramaram sangue na guerra que emancipou escravos nos estados do Sul. Corretamente interpretada, a Bíblia, que está no centro da igreja, tem sido uma força enorme, não apenas para a redenção dos pecadores, mas também para o avanço da justiça e da misericórdia. Mas as exceções eram muito poucas. Uma enorme quantidade de comunidades cristãs, incluindo evangélicas, ficou calada diante da escravidão ou até foi cúmplice dela.

De fato, cumplicidade não é um termo suficientemente forte. Muito embora nos entristeça como pessoas que amam a igreja, pode ser que o pecado mais monstruoso da igreja dos brancos nos Estados Unidos tenha moldado uma teologia da superioridade racial, para legitimar e até incentivar a instituição da escravatura. A escravidão não era apenas permitida, argumentavam muitos cristãos brancos, mas benéfica, na medida em que levava o evangelho e a cultura para um povo que era considerado primitivo e ignorante. Mesmo às vésperas da Guerra Civil, os pregadores estimularam a causa separatista, argumentando que fazia parte da “confiança na providência” de Deus nos estados do Sul “conservar e perpetuar a instituição da escravidão doméstica como ela existe agora”. Se Deus ordenou a hierarquia racial, quem éramos nós para derrubá-la?

Muitos dos mesmos ministros que defenderam a escravidão no Sul pré-guerra também defenderam os sistemas racistas que se seguiram após a Guerra Civil. Muitas denominações protestantes se dividiram quando seus ramos do Sul defenderam a escravidão e a supremacia branca, antes e depois da guerra. Ministros cristãos e líderes leigos participaram de linchamentos, da Ku Klux Klan e da defesa da segregação. Embora um número crescente de evangélicos tenha vindo a apoiar o movimento dos direitos civis, muitos evangélicos, com nossas fortes crenças no individualismo, estavam mal equipados para reconhecer e desmantelar as maneiras pelas quais as desigualdades raciais haviam sido sistematizadas no governo e no mercado.

Mesmo depois que a instituição escravocrata foi enfraquecida, a teologia permaneceu. Ela pronunciou a aprovação divina sobre o viés racial e racionalizou inúmeros meios de impor preconceitos contra os negros americanos. Bryan Stevenson explica isso bem: “O grande mal da escravidão americana não era a servidão involuntária; era a ficção de que os negros não são tão bons quanto os brancos, não são iguais aos brancos e são menos evoluídos, menos humanos, menos capazes, menos dignos, menos merecedores do que os brancos”. As igrejas brancas não eram apenas cúmplices na narrativa dessa ficção; elas a validaram em nome de Deus.

O nome Fálaris não é muito lembrado no século 21, mas, na antiguidade clássica, era infame. Tirano de Agrigentum, na ilha da Sicília, Fálaris é conhecido por ter implementado um terrível instrumento de tortura: um enorme touro de bronze, oco por dentro, sob o qual acendiam uma fogueira. Enquanto as vítimas eram forçadas a entrar no touro para serem assadas vivas, as narinas do touro transformavam os gritos dos moribundos em um gemido sonoro que enchia o palácio de música. Você pode ser convidado para uma festa, sem saber que seu entretenimento é fruto da agonia de outras pessoas.

As gerações de hoje podem dizer que não inventamos o touro da injustiça racial. Mas nós nos beneficiamos dele. A resiliência, a criatividade, a capacidade laboral e a fé indomável dos negos americanos, apesar de tudo o que sofreram, é milagrosa. Todos nós nos beneficiamos não apenas de seu trabalho, mas também de suas inovações e seu empreendedorismo, de sua arte e música, de seus filmes, poesias e livros, de seus hinos e pregações. A transformação do sofrimento negro em abundância econômica para os Estados Unidos, assim como seu brilhantismo, arte e paixão, enriqueceu nosso banquete no palácio. Talvez possamos dizer honestamente que não sabíamos o que nossos irmãos e irmãs estavam sofrendo. Agora nós sabemos. Portanto, há apenas uma coisa a fazer: mudar de atitude e tirar nossos irmãos e irmãs da barriga do touro.

Essas são realidades dolorosas em um mundo complexo. Os Estados Unidos têm sido uma força extraordinária para o bem, um poderoso defensor da democracia, dos direitos humanos e das oportunidades econômicas. Os ideais que o país defende tiraram centenas de milhões da pobreza e da opressão. Suas tecnologias, inovações e arte mudaram a vida de praticamente todas as pessoas no planeta. Da mesma forma, a igreja americana avançou a causa do evangelho de Jesus Cristo de inúmeras maneiras, desde o envio de missionários até a tradução da Bíblia, passando pelo apoio e pela equipe de ministérios que levam luz e vida a todos os cantos do mundo. E, no entanto, historicamente, e com frequência, o evangelicalismo americano tem permanecido silenciado, sendo cúmplice ou apologista da desigualdade racial. Como Alexander Solzhenitsyn escreveu: “A linha que separa o bem e o mal não passa pelos estados, nem pelas classes, nem pelos partidos políticos, mas, diretamente por todo coração humano, e por todos os corações humanos”.

E como devemos responder a tudo isso?

Duas narrativas bíblicas têm estado em nossa mente. A primeira (de Atos 10) diz respeito ao apóstolo Pedro, que acredita que, como judeu, ele não deve se associar com pessoas de outras nações. Judeus e gentios, ele pensa, devem permanecer divididos. No entanto, Deus lhe mostra, em uma visão, que ele não deve chamar de impuro o que Deus purificou. Pedro vai para a casa de um gentio chamado Cornélio, prega o evangelho e o Espírito Santo vem sobre as pessoas. Este é um momento decisivo na propagação do evangelho a não judeus, quando Pedro reconhece que o que ele achava justo era, na realidade, injusto.

Da mesma forma, é hora de os evangélicos brancos confessarem que não enxergamos o pecado do racismo com a gravidade e a seriedade que ele merece. A profunda tristeza e ira pela morte de George Floyd é mais que brutalidade policial. É sobre uma sociedade e uma cultura que permitiram o abuso e a opressão dos negros repetidas vezes. Fizemos parte dessa sociedade e cultura e, às vezes, fomos os últimos a ingressar na luta pela justiça racial. O histórico da Christianity Today a respeito desse assunto é misto. Os neo-evangélicos em geral acreditavam que era suficiente pregar a mensagem da salvação e confiar que a justiça surgiria naturalmente. Isso não aconteceu. O que pensávamos ser justo era injusto. Nos arrependemos do nosso pecado.

Mas esse arrependimento não é suficiente. A outra narrativa bíblica que vem à mente é a história de um coletor de impostos de Jericó. Zaqueu era um colaborador da autoridade romana dominante e, ao impor taxas extorsivas, ele saqueou a riqueza de seus vizinhos e enriqueceu. Jesus o encontrou e chocou a multidão ao seguir para sua casa. A salvação chegou à casa de Zaqueu naquele dia. Ele proclamou: “Olha, Senhor! Aqui e agora dou metade dos meus bens aos pobres, e se enganei alguém com alguma coisa, devolverei quatro vezes a quantia” (Lucas 19.8).

Zaqueu não havia idealizado pessoalmente o sistema injusto de tributação romana. Mas ele também não o havia denunciado; antes, havia participado e lucrado com ele. Então, Zaqueu não se arrependeu apenas de seus caminhos; ele fez restituição. Ele montou o que poderíamos chamar de “fundo Zaqueu” para restaurar o que pertencia a seus vizinhos. Estamos dispostos a fazer o mesmo? As vidas dos negros são importantes. Elas são tão importantes que Jesus sacrificou tudo por elas. Também estamos dispostos a sacrificar?

Os Estados Unidos talvez não estejam prontos para fazer reparações. Mas a história da injustiça racial exige resposta pessoal e corporativa. Talvez a igreja possa liderar o caminho da restituição bíblica. Estou ciente de um “fundo Zaqueu” em Atlanta, pelo qual os cristãos que acreditam que os negros americanos foram submetidos a quatro séculos de injustiça e roubo estão começando a fazer sua humilde parte para fazer a coisa certa. Um comitê majoritariamente de negros designa os fundos para apoiar seus líderes em ascensão na igreja e no mercado de trabalho. Ainda não será suficiente, mas será alguma coisa. E se houvesse "fundos Zaqueu" em todas as cidades e os crentes doassem sacrificialmente, para que nossos irmãos e irmãs pudessem ser restaurados e nossos vizinhos pudessem ver mais uma vez o amor cristão que venceu o mundo?

Temos esperança. Cremos no Deus que traz a cura onde há quebrantamento e que traz vida onde há morte. Acreditamos que o amor é mais forte que a morte. Temos servido em igrejas de todas as cores e temos visto o Espírito de Jesus em ação.

A noiva de Cristo é linda. Ela pode superar esta praga. Vamos todos fazer a nossa parte.

Timothy Dalrymple é presidente e CEO da Christianity Today.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Books

Tim Keller pede orações por ter câncer de pâncreas

O pastor e autor de Nova York anunciou seu diagnóstico no domingo passado e começa a quimioterapia na próxima semana.

Christianity Today June 12, 2020
Tim Keller

Tim Keller pediu orações nas mídias sociais aos seus seguidores, enquanto começa a quimioterapia para tratar um câncer de pâncreas.

O conhecido escritor e pastor anunciou a notícia de seu diagnóstico em uma postagem no Instagram e no Twitter, na manhã de domingo [7 de junho].

“Menos de três semanas atrás, eu não sabia que tinha câncer”, escreveu Keller. “Hoje vou para o Instituto Nacional do Câncer, no Instituto Nacional de Saúde (NIH), para exames adicionais, antes de iniciar a quimioterapia para o câncer de pâncreas, na próxima semana, em Nova York.”

Keller, de 69 anos, disse que sentiu a presença de Deus e se sentiu bem fisicamente ao passar por testes iniciais, biópsias e cirurgia. Ele vê o fato de os médicos terem detectado o câncer no estágio atual como uma intervenção providencial de Deus.

“Tenho excelentes médicos humanos, mas o mais importante é que o Grande Médico está cuidando de mim”, escreveu.

Keller deixou o cargo de pastor sênior da Redeemer Presbyterian Church, em Manhattan, em 2017, após 28 anos de ministério naquela congregação. Ele continua escrevendo, pregando e trabalhando junto à organização global de apoio à plantação de igrejas City To City, da Redeemer Presbyterian Church. Keller pediu orações para que ele pudesse continuar seu trabalho, apesar dos efeitos colaterais do tratamento.

Nas últimas semanas, Keller compartilhou sua série Gospel in Life, sobre evangelho e raça, e promoveu o Uncommon Ground, livro sobre o testemunho cristão em meio a divisões, que ele coeditou com John Inazu.

Keller foi diagnosticado com câncer de tireoide, em 2002, sobre o qual escreveu em seu livro Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento. Ele tem um conhecido no NIH: o diretor Francis Collins. Keller conversou no mês passado com Collins, cristão reconhecido e geneticista premiado, durante uma conversa on-line sobre fé em meio à pandemia de coronavírus. Collins liderou o NIH em meio a um esforço histórico de pesquisa em torno da imunoterapia contra o câncer, incluindo avanços para o tratamento do câncer de pâncreas, próstata e mama.

O câncer de pâncreas pode ser uma forma particularmente difícil de diagnosticar e agressiva, e representa cerca de 3% dos diagnósticos de câncer nos EUA e 7% de todas as mortes por câncer.

Na última década, outros líderes evangélicos, incluindo o teólogo Dallas Willard e o ex-presidente da InterVarsity Christian Fellowship, Steve Hayner, morreram após lutar contra o câncer de pâncreas.

Keller concluiu seu comunicado com uma referência a Hebreus 12.1–2: “Correndo a corrida diante de mim com alegria, porque, por mim, Jesus correu, com alegria, uma corrida infinitamente mais difícil”.

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Os pentecostais ainda fazem jus ao seu nome?

Mais de um quarto da igreja global se enquadra no novo e debatido rótulo: “Cristianismo capacitado pelo Espírito”.

Christianity Today June 4, 2020
Illustration by Rick Szuecs / Source images: Jantanee / Lightstock

"Você é pentecostal?"

Todd Johnson, codiretor do Centro para o Estudo do Cristianismo Global, do Seminário Teológico Gordon-Conwell, não conseguiu compreender bem os cristãos chineses que conheceu em uma conferência na África do Sul. Teologicamente, eles pareciam pentecostais, por isso, a pergunta.

Eles responderam: "Absolutamente, não".

"Vocês falam em línguas?" Johnson disse.

"Claro."

"Vocês acreditam no batismo com o Espírito Santo?"

"Claro."

“Vocês manifestam os dons do Espírito, como cura e profecia?”

"Claro."

Johnson disse que, nos Estados Unidos, essas eram algumas das marcas distintivas dos pentecostais. Mas, talvez, fosse diferente na China. Por que não usar o termo?

"Oh, há um pregador americano no rádio que é transmitido para a China", explicaram os cristãos chineses. "Ele é pentecostal e não somos como ele."

Rótulos podem ser complicados. Como você chama um pentecostal que não se chama de pentecostal? A pergunta soa como um enigma, mas é um desafio para os estudiosos. Eles lutaram por anos para estabelecer o melhor termo para o amplo e diversificado movimento de cristãos que enfatizam o relacionamento do crente com o Espírito Santo e falam sobre ser cheios do Espírito, batizados com o Espírito ou capacitados pelo Espírito.

Globalmente, o movimento inclui 644 milhões de pessoas, cerca de 26% de todos os cristãos, de acordo com um novo relatório do Centro para o Estudo do Cristianismo Global. O estudo foi realizado em colaboração com a Universidade Oral Roberts, cujo nome se refere a um dos mais famosos evangelistas pentecostais do século 20, a fim de ser compartilhado na conferência Empowered21, com 70 palestrantes como Bill Johnson, da Bethel, e George Wood, líder das Assembleias de Deus. A conferência, que originalmente seria em Jerusalém, está sendo realizada on-line desde domingo [31 de maio].

O relatório representa a primeira tentativa de uma análise demográfica abrangente desse grupo de cristãos em quase 20 anos. Essas descobertas serão amplamente citadas por estudiosos e jornalistas que procuram entender esses cristãos, especialmente porque afetam lugares como Catar, Camboja e Burkina Faso, onde seus números estão crescendo mais rapidamente, e países como Zimbábue, Brasil e Guatemala, onde, agora, representam mais da metade de todos os cristãos.

No debate sobre como chamar o movimento — que já foi apelidado de "pentecostalismo global", "pentecostal / carismático" e "renovacionista" — Todd Johnson e sua coautora e codiretora, Gina Zurlo, propõem outra opção: Cristianismo capacitado pelo Espírito.

"A nomenclatura tem sido um problema perene", disse Johnson à Christianity Today. “Uma das primeiras coisas que perguntamos é o que é comum a todos esses grupos. Acabou sendo o batismo com o Espírito Santo. As pessoas falam sobre serem cheias do Espírito Santo e o termo mais antigo é 'cheio do Espírito'. Mas muitos grupos enfatizaram o poder.”

Como os cristãos chineses observaram, o termo "pentecostal" está associado a igrejas americanas, disse Johnson, como as Assembleias de Deus e a Igreja de Deus em Cristo. O termo indica uma conexão com o reavivamento multirracial da rua Azusa, iniciado em Los Angeles, em 1906, onde o Los Angeles Times relatou que “uma nova seita de fanáticos está se alastrando” com uma “estranha babel de línguas”. O termo "carismático" está ligado a um movimento de renovação que começou nas décadas de 1960 e 1970, no qual os cristãos receberam o batismo com o Espírito Santo, mas permaneceram em suas denominações — especialmente igrejas anglicanas e católicas.

Mas existem muitos outros grupos que são independentes das principais denominações e desconectados da história americana da rua Azusa. Eles também enfatizam o poder do Espírito Santo e a importância da experiência do batismo com o Espírito, mas não são realmente “carismáticos” ou “pentecostais”.

“Perguntar a esses grupos: 'Você acredita no batismo com o Espírito Santo ou o pratica?' — foi uma atitude muito boa”, disse Johnson. "O que descobrimos no final é que a questão do batismo é algo em comum."

Nem todos os estudiosos estão convencidos do uso desse novo termo. Alguns até acham que um único nome não pode descrever um movimento tão diversificado.

"É difícil pregar gelatina na parede", disse Daniel Ramírez, professor de religião da Universidade de Pós-graduação Claremont e autor de Migrating Faith: Pentecostalism in the United States and Mexico in the Twentieth Century.

Ramírez disse que parte do poder do pentecostalismo sempre foi que as pessoas podem personalizá-lo. É uma linha infinitamente adaptável, portátil e regenerativa. Um mexicano indígena, por exemplo, recebeu o dom do Espírito Santo no avivamento da rua Azusa e um tradutor registrou que ele estava agradecendo às pessoas daquela igreja. Mas ele foi embora, disse Ramírez, e ninguém na rua Azusa tinha controle sobre sua teologia ou autoridade sobre como ele compartilharia essa experiência religiosa com outras pessoas.

"Isso faz parte do que torna o movimento interessante", disse Arlene Sánchez-Walsh, professora de estudos religiosos na Azusa Pacific University e autora de Pentecostals in America. “Ele foi diversificado desde o começo. Você procura um termo genérico que seja vago e amplo, e eu uso 'pentecostal' para colá-lo de volta às origens, mas depois quero que as pessoas pensem duas vezes sobre as origens do movimento. O pentecostalismo não começou em um só lugar, seja na rua Azusa, seja no avivamento do País de Gales, seja na Índia e, por isso, é sempre diversificado.”

Um único nome também pode sugerir que diferentes cristãos sejam mais intimamente associados do que realmente são, argumenta Anthea Butler, professora de estudos religiosos da Universidade da Pensilvânia e autora de Women in the Church of God in Christ.

Ao se agrupar pessoas por suas tradições e culturas, corre-se o risco de obscurecer as diferenças históricas e teológicas entre um grupo católico que fala em línguas, a Igreja Vineyard, que pratica a unção do riso, e a Igreja Celestial de Cristo, que enfatiza a pureza e a profecia.

“Você diz 'capacitado pelo Espírito' e um pentecostal antigo diria 'Bem, esse Espírito pode ser um demônio'”, disse Butler. “E ninguém vai convidar um padre católico para uma igreja carismática na Nigéria, a menos que seja para um exorcismo. Você não pode simplesmente comprimir as diferenças teológicas e achatar a história.”

A conferência Empowered21, que começou no último domingo de Pentecostes, adotou o rótulo de “capacitados pelo Espírito”. Parte da amplitude do movimento já se reflete na programação da conferência: evangélicos americanos, como o pastor de uma megaigreja Chris Hodges e o membro do conselho do Hobby Lobby Mart Green, dividem a plataforma virtual com Cindy Jacobs, parte da Nova Reforma Apostólica, e Todd White, Pregador da Word of Faith, além de líderes da Ásia e da África.

Qualquer termo aproximará algumas pessoas e criará uma barreira entre outras, de acordo com Cecil M. Robeck, professor de história da igreja no Fuller Theological Seminary. Robeck participa de diálogos ecumênicos desde 1984 e acha que o termo "cristão capacitado pelo Espírito" poderia ajudar alguns crentes a ver o que eles têm em comum. Mas também pode erguer muros onde eles não precisam existir.

"Eu me preocupo com o desenho de linhas", disse Robeck. “Quero saber: temos um futuro ecumênico juntos? Quero que as pessoas experimentem o Espírito Santo, mas não quero dizer que elas precisam passar por outro obstáculo para falar comigo.”

Johnson não se incomoda com as críticas. Ele não acha que "cristão capacitado pelo Espírito" é um termo perfeito, mas argumentará que "é tão bom quanto qualquer outro".

"Usamos 'renovacionista' por um tempo", disse Johnson, "mas decidimos que é um neologismo e pensamos: 'Bem, queremos usar algo mais natural.' […] Se você está tentando entender o que todos esses grupos têm em comum, a 'capacitação' não é uma má escolha, mas também não é a única.”

O novo estudo, intitulado Introdução ao Cristianismo Capacitado pelo Espírito, estará amplamente disponível em setembro. Ele prevê que, até 2050, o número de cristãos capacitados pelo Espírito crescerá para mais de 1 bilhão, o que representará cerca de 30% de todos os cristãos. Mas, enquanto quase um em cada três cristãos pratica o batismo com o Espírito, os estudiosos provavelmente ainda debatem como chamá-los.

"Essa discussão está sempre acontecendo", disse Nimi Wariboko, teólogo pentecostal da Universidade de Boston. “O que eles estão tentando identificar é o movimento do Espírito. Os americanos geralmente buscam um termo que lembre as pessoas da conexão com o Ocidente. Mas a essência não é de origem geográfica. A essência não é a história, não é a doutrina e também não são os números. É o Espírito. E o Espírito se move.”

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Uma nação em chamas precisa do fogo do Espírito

À medida que o racismo despedaça o país, a mensagem do Pentecostes pode ajudar a igreja a encontrar sua voz.

Christianity Today June 4, 2020
Alex Wong / Staff / Getty Images

[Read in English]

Neste fim de semana, igrejas ao redor do mundo se reuniram virtualmente para celebrar o Pentecostes, aquele momento milagroso em que línguas de fogo caíram sobre os seguidores de Cristo e o evangelho foi ouvido nas diversas línguas do mundo. Pentecostes é o milagre que segue outro milagre (a Ascensão), que ocorre logo após um episódio maravilhoso e fascinante (a Ressurreição).

Em contraste com os discípulos de Cristo, vivemos o Pentecostes este ano após um sofrimento, que veio depois de um trauma, no contexto de uma tragédia. Os protestos e tumultos de Minneapolis (e tantas outras cidades) seguem a morte de George Floyd, que foi sufocado até a morte enquanto algemado implorava por sua vida. Por nove minutos, um policial manteve o joelho no pescoço de Floyd enquanto o homem chamava por sua mãe. Isso ocorreu após os assassinatos de Breonna Taylor e Ahmaud Arbery . E tudo isso ocorre dentro do contexto mais amplo de uma pandemia global que já matou mais de 100.000 pessoas, apenas nos Estados Unidos. Parece mais que estamos ainda no meio dos 40 dias que precedem a Páscoa, mas de uma forma prolongada.

Alguns podem achar que estou trazendo política para os assuntos da igreja. Eles se perguntam por que não estou chateado com crimes de negros contra negros, ou com o colapso da família de raça negra, ou com abortos ou saques, ou qualquer outro tópico que nos ajude a evitar olhar para o problema em si. Esse "problema" é a história de 400 anos de trauma e opressão racial que ainda assola os negros neste e em outros países.

O que protestos, tumultos e brutalidade policial têm a ver com o Pentecostes e a passagem bíblica de Atos 2:1–21? A morte do Messias por nossos pecados tem alguma coisa a ver com a maneira como abordamos as chamas de Minneapolis? A igreja tem algo a dizer ou seremos discipulados pela mídia mais à direita, por um lado, ou pela mídia mais à esquerda, por outro? Como nosso país está dividido, o que as palavras das Escrituras significam agora?

Não existe outro mundo para falar sobre Jesus além desse mundo em que os homens negros podem ter seus pescoços pisados por nove minutos. Ou seja: A única maneira de responder a essas perguntas é olhar as palavras das Escrituras com as cidades em chamas, como um pano de fundo interpretativo.

Aqui está o que a Palavra de Deus nos diz.

Primeiro, o evangelho nos une.

Atos 2:1–21 começa com os seguidores de Jesus reunidos em um só lugar. É incrível pensar que em um determinado momento da história, todos os cristãos do mundo pudessem caber em uma única sala. Apesar do que os livros de história possam dizer, o cristianismo não é uma religião de terror patrocinada pelo Estado, criada por Constantino para manter a população sob controle. Começou humildemente com um grupo misturado e pouco organizado de 120 pessoas, na maioria de origem simples, que haviam encontrado o Deus vivo.

Entre elas, mulheres como Maria, a mãe de Jesus, originária de campos rurais, e pessoas como Mateus, o ex-cobrador de impostos. Os dois não poderiam ser mais diferentes. Mateus colaborou com os opressores de Israel e extorquiu dinheiro de pessoas para encher seus bolsos. Pessoas como Maria foram vítimas de tais atrocidades.

Que tipo de igreja tem espaço para oprimidos e ex-opressores? A igreja cristã. O que uniu aquela igreja primitiva? Suas convicções compartilhadas sobre Jesus.

O que nos une como igreja agora? Como seria essa unidade hoje para a família de George Floyd? O que significaria estarmos juntos com eles? O que significaria estar ao lado da comunidade negra nos Estados Unidos, que ao longo dos anos sofreu sequestros, escravidão, a injustiça da era Jim Crow e a repetição de sofrimentos contemporâneos que marcam nossas vidas agora?

Isso significaria que, como um ato de amor, a igreja diz: "Não deveria ser assim, e passarei minha vida ao seu lado testemunhando os valores que a tradição cristã coloca em sua vida como negro".

A igreja tem o poder de fazer essa afirmação, porque o mesmo Espírito desce sobre todos na sala. Não existe um Espírito Santo que permita às mulheres declarar a palavra de Deus e um outro apenas para os homens. Não existe um Espírito que dê determinadas palavras aos ricos e outras aos pobres. Não existe um Espírito Santo que nos permita falar com os povos africanos e um outro que nos permita falar com asiáticos ou europeus. O único Espírito envia o único evangelho a diversos povos da terra.

A obra do evangelho por meio do Espírito surge de nosso status comum a toda a humanidade de portadores da imagem divina. Todos caímos e precisamos da graça de Deus. Qualquer ideologia que funcional ou verbalmente negue esse status comum a todos é uma heresia. E quem não vê que a heresia do preconceito racial infecta alguns cristãos nesta terra, faz isso diante de fatos avassaladores.

Segundo, o evangelho nos move para fora.

O evangelho chamou os primeiros discípulos para fora de sua própria cultura, para falar e viver com pessoas muito diferentes deles. Todos no Pentecostes eram judeus, mas esse judaísmo havia sido transferido para as diversas línguas e comunidades do Império Romano. A primeira coisa que o evangelho fez foi reunir as pessoas sob o senhorio de Cristo.

Se o evangelho nos leva a um espaço compartilhado para ouvir sobre as poderosas obras de Deus, por que não estamos mais juntos? E o que significaria para o mundo observar e ver um cristianismo que é realmente unido, espiritualmente e de uma forma prática?

Os cristãos, que são negros como eu, podem lidar com pessoas que não têm motivos para nos apoiar. Podemos lidar com racistas seculares e incrédulos. O que é doloroso e desgastante é estarmos lutando pelo nosso direito de existir e depois descobrir que o inimigo é nosso irmão em Cristo. Como dizem os Salmos: “Se um inimigo me insultasse, eu poderia suportar; se um adversário se levantasse contra mim, eu poderia defender-me; mas logo você, meu colega, meu companheiro, meu amigo chegado, você, com quem eu partilhava agradável comunhão enquanto íamos com a multidão festiva para a casa de Deus!” (Sl 55:12–14, NVI).

Nossa vida em comunhão, se quisermos ficar juntos, não pode vir às custas de nossa liberdade. Não devemos ter que lutar contra nossos irmãos e irmãs para obtê-la.

Aqui, novamente, a história do Pentecostes fornece ensinamentos. Enquanto as nações estão sendo reunidas, há duas respostas: Um grupo diz com suas fortes palavras: "Eles estão bêbados" (At 2:13). O outro pergunta: "O que isso significa?" (At 2:12). Um grupo se recusa a reconhecer o que está acontecendo e aproveita sua experiência conhecida para descartar a obra de Deus. O outro faz uma pergunta mais profunda: o que Deus está fazendo no meio deles?

Pedro aborda o primeiro grupo com uma ou duas frases, mas leva mais tempo para abordar a questão do significado. Ele diz à multidão que eles estão experimentando o Espírito prometido em Joel 2:28–32. O profeta Joel afirma que quando Deus redime seu povo, ele redime homens e mulheres, jovens e velhos, ricos e pobres. Pedro quer lembrar à igreja primitiva que o dom universal do Espírito é um testemunho do poder salvador universal do evangelho.

Em outras palavras, a forma do Pentecostes, sejam mulheres, homens, ricos e pobres, declarando as poderosas obras de Deus, apoia a teologia do Pentecostes, e a ideia de que o evangelho é para todos.

Isso se aplicava à igreja primitiva. E isso também vale para a igreja americana do século XXI.

Hoje, algumas pessoas olham para as demandas dos negros por justiça e só conseguem uma explicação política. Esses críticos respondem dizendo: "Eles são apenas democratas tentando arruinar a igreja" ou "Eles são de fato liberais teológicos, adeptos do marxismo". Mas talvez essas sejam maneiras de evitar olhar para o problema real em si. O que as irmãs e irmãos negros, latinos e asiáticos realmente estão dizendo quando pedem justiça? O que isso significa? E o que Deus está fazendo? Ele está reunindo pessoas diferentes e depois nos movendo para novos espaços plenos do evangelho, pelo poder do Espírito Santo.

Terceiro, o evangelho nos dá esperança no reino vindouro.

Estou convencido de que a esperança para este país não se encontra em nenhuma eleição ou partido político. O voto é importante, mas nem o Partido Democrata nem o Partido Republicano nos salvarão. O que precisamos é de um cristianismo cheio do Espírito, grande o suficiente para reunir pessoas diferentes.

Essa unidade envolve duas coisas. Primeiro, temos que reconhecer que o problema não está apenas "lá fora". Está em nossos corações. O problema não é apenas o fato de que os racistas existem no mundo. O problema é que todos nós, de várias maneiras, vivemos em rebelião contra Deus e sua vontade. O evangelho exige uma decisão de cada um de nós sobre nossos próprios pecados. Uma das mensagens muitas vezes repetidas de Jesus foi: “Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo” (Mt 4:17).

Ele nos chama ao arrependimento individual pelos nossos pecados. Por quê? Porque o Reino de Deus está chegando. E aqui está o segundo ponto. Esse reino é descrito no primeiro sermão de Jesus, no qual ele proclamava boas novas para os pobres e liberdade para os cativos (Lc 4:16–21). Jesus veio para salvar pecadores, mas esses pecadores salvos agora testemunham em suas vidas a visão do reino de Deus. Sabemos que este reino está chegando porque Cristo ressuscitou. Pedro diz o seguinte: “Este Jesus, a quem vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2:36).

Quem controla o futuro? Quem desenrola a história de acordo com o seu propósito? Aquele que é o Leão e o Cordeiro ao mesmo tempo (Ap 5:5–6). Aquele que encarna a justiça e a misericórdia.

Nós, a igreja norte-americana, temos uma mensagem para um país e um mundo em chamas: há um Deus que te ama e morreu para que você o conheça. Esse amor é suficiente para reunir os povos divididos do mundo, mesmo quando todos os políticos e filósofos falham. Existe um Deus de justiça que vê e age em nome dos povos oprimidos do mundo, pessoas como George Floyd. Há um rei e um reino. E ele nos deu seu Espírito para torná-lo conhecido até os confins da terra.

Esau McCaulley é ministro na Igreja Anglicana na América do Norte, professor assistente do Novo Testamento no Wheaton College e autor do livro Reading While Black: African American Biblical Interpretation as an Exercise in Hope (IVP Academic).

Este artigo foi adaptado de um sermão pregado na Igreja Anglicana do Redentor em Greensboro, Carolina do Norte, em 31 de maio.

Speaking Out é uma coluna de opinião de convidados da Christianity Today e não representa necessariamente a opinião dos editores.

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George Floyd deixou um legado cristão em Houston

Como pessoa de paz, “Big Floyd” abriu oportunidades ministeriais em comunidades carentes.

Christianity Today June 2, 2020
Nijalon Dunn / Courtesy of Resurrection Houston

Os Estados Unidos conhecem George Floyd a partir de vários minutos de filmagens de celular, capturadas durante seus últimos momentos de vida. Mas, na região de Houston chamada "Third Ward", Floyd é conhecido pela forma como viveu por décadas — um mentor para uma geração de jovens e uma "pessoa de paz" que liderava ministérios na área.

Antes de se mudar para Minneapolis, em busca de uma oportunidade de emprego por meio de um programa de trabalho cristão, o homem de 46 anos passou quase toda a vida na Third Ward, localidade historicamente de pessoas negras, onde, segundo seus parceiros de ministério, era chamado de "Big Floyd" e considerado um "OG" — líder comunitário e mediador veterano.

Floyd falava sobre quebrar o ciclo de violência que viu entre os jovens e usou sua influência para trazer ministérios externos à área, a fim de promover discipulado e evangelismo, principalmente no projeto habitacional de Cuney Homes, conhecido localmente como "os tijolos".

“George Floyd era uma pessoa de paz, enviada pelo Senhor, que ajudou o evangelho a avançar em um lugar em que nunca morei”, disse Patrick PT Ngwolo, pastor da Resurrection Houston, que prestava serviços em Cuney.

"A base para alcançarmos essa região e as centenas de pessoas que alcançamos até agora foi construída pelo esforço de pessoas como Floyd", disse ele à Christianity Today.

Ngwolo e outros líderes conheceram Floyd em 2010. Ele era um convidado imponente, de 2 metros de altura, que apareceu em um show beneficente que organizaram para a Third Ward. Desde o início, Big Floyd deixou suas prioridades claras.

“Ele disse: 'Eu amo o que vocês estão fazendo. A vizinhança precisa, a comunidade precisa e, se vocês se interessam pelos negócios de Deus, então quero participar'”, relatou Corey Paul Davis, um artista de hip-hop cristão que congrega na Resurrection Houston. “Ele disse: 'O que você precisar, aonde quer que vá, diga que o Floyd disse que vocês são do bem. Eu estou com vocês.'”

A igreja expandiu seu envolvimento na área, realizando estudos bíblicos e ajudando com compras e o transporte a consultas médicas. Floyd não apenas forneceu acesso e proteção; ele ajudava a igreja a realizar cultos, torneios de basquete, churrascos e batismos comunitários.

“Ele ajudou a carregar a banheira do batismo, por acreditar que as pessoas tomariam uma decisão de fé e seriam batizadas bem ali, no meio da comunidade. Ele achou isso incrível”, disse Ronnie Lillard, que se apresenta com o nome de Reconcile. “O que ele dizia aos rapazes sempre mostrava que Deus supera a cultura de rua. Acho que ele queria ver os jovens largarem as armas e seguirem Jesus em vez de ficar pelas ruas.”

Mais de 50 pessoas foram mortas, nos últimos anos, no que as autoridades descrevem como uma guerra de gangues que se espalha pela Third Ward e pelo sudeste de Houston.

Por conta própria, pode ser difícil para pessoas de fora ganharem confiança ou, até, transitarem por ali em segurança. O “selo de aprovação”, concedido por alguém como Floyd, é crucial para o discipulado urbano, que, para ser eficaz, exige acesso, direção e contexto.

“Sua fé era preciosa para a Third Ward, região que foi radicalmente transformada pelo evangelho, e sua missão estava capacitando outros crentes a entrar e levar o evangelho adiante”, disse Nijalon Dunn, que foi batizado em Cuney. “Há coisas que Floyd fez por nós que nunca saberemos até o outro lado da eternidade. Houve momentos em que teríamos a Igreja nos Tijolos até as três horas da tarde e, às 16h30, pessoas começavam a dar tiros diretamente nas quadras de basquete.”

Dunn compartilhou fotos de Floyd em seu batismo e em jogos de basquete. O nome de usuário de Floyd nas redes sociais incluía o nome "BigFloyd4God".

Homenagens e orações de lamento de companheiros cristãos apareceram nas mídias sociais quando as notícias da morte de Floyd se espalharam. No Twitter, Davis descreveu Floyd como "a definição de 'Seja a mudança que deseja ver'" e compartilhou uma homenagem em vídeo que foi vista 1,1 milhão de vezes. O popular artista cristão de hip-hop Propaganda repostou as reflexões de outros artistas que conheciam Floyd, dizendo: "Ele era amigo dos meus amigos".

Floyd se mudou para Minnesota por volta de 2018, relatou sua família ao jornal Houston Chronicle. Ele se mudou para participar de um programa de discipulado e para buscar emprego, de acordo com pastor Ngwolo. "Um 'garoto dos tijolos' não sai da Third Ward e vai para Minnesota!" ele disse. Floyd disse a Dunn que tinha planos de voltar no próximo verão.

Apesar de que ele nunca conseguirá voltar para casa, será "imortalizado na comunidade da Third Ward para sempre", disse Lillard. “O mural com sua imagem estará nas paredes. Todo jovem em crescimento conhecerá George Floyd. As pessoas que o conheceram pessoalmente se lembrarão dele como uma luz do bem. Os caras das ruas olharão para ele e pensarão: 'Cara, se ele pode mudar de vida, eu posso mudar a minha'. ”

Líderes do ministério ouviram membros da comunidade Third Ward chamarem Floyd de irmão, tio ou mesmo pai, porque não tinham figuras masculinas mais velhas para servir como influência positiva.

Os presentes se reuniram na noite de terça-feira para uma vigília de oração no Emancipation Park, local histórico da Third Ward que já foi o único parque aberto para negros em Houston durante a era Jim Crow de segregação. Ngwolo se reunirá esta semana com pastores da área para lamentarem juntos.

O vídeo viral de Floyd pressionado contra o chão de asfalto por um policial de Minnesota se junta a uma quantidade devastadora de filmagens feitas por telefones celulares que mostram o uso da força por policiais contra homens negros. Os amigos de ministério de Floyd disseram que, quando chegou a notícia, eles não estavam prontos para assistir a outro vídeo do gênero tão pouco tempo após terem visto as imagens de Ahmaud Arbery sendo baleado enquanto corria na Geórgia e as de uma mulher ligando para o telefone de emergência da polícia por conta de um homem negro que estava observando pássaros no Central Park de Nova York. Mas, então, Lillard mandou uma mensagem de texto: Era Big Floyd.

Esse tipo de assassintato gera muita descrença entre eles. Afinal, eles também são homens negros. Apesar de sua inocência, sua fé e suas boas ações, eles têm suas próprias histórias de suspeita, humilhação e ameaça da parte das autoridades, disse Lillard à CT.

E, agora, eles foram obrigados a se lembrar de um homem que eles conheciam como um gigante gentil, uma inspiração para a vizinhança e uma força positiva de mudança. Mas eles também dizem que isso não deveria importar. Ele era um companheiro exemplar e isso deveria ter sido suficiente para mantê-lo longe do tratamento agressivo que viram no clipe viral. A família e os apoiadores de Floyd dizem que os policiais envolvidos — que foram demitidos do departamento — deveriam ser acusados de assassinato.

O pastor Ngwolo ainda está tentando digerir as notícias, mas um tema ao qual ele sempre volta é o derramamento de sangue inocente. Depois que o ego e a animosidade de Caim o levaram a matar Abel, as Escrituras nos dizem: “O Senhor disse: 'O que você fez? Eu escuto! O sangue de seu irmão clama por mim do chão'” (Gênesis 4.10).

“Se você avançar dois mil anos, há outro inocente sofredor cujo sangue falou de coisas melhores do que o de Abel. […] O sangue de Jesus diz que ele pode nos redimir nestes tempos sombrios e perigosos”, disse Ngwolo. “Tenho esperança porque, assim como Abel é um tipo de Cristo, também vejo meu irmão [Floyd] como um tipo de Cristo, apontando-nos para uma realidade maior. Deus realmente nos ouve. Ele ouve o grito de Floyd, mesmo do chão em que agora ele está. A vingança acontecerá — ou na cruz ou no dia do julgamento.”

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Para Dietrich Bonhoeffer, o dever cívico começou em casa

Como um passeio por seus aposentos particulares nos ajuda a entender melhor suas responsabilidades públicas – e as nossas.

Christianity Today May 28, 2020
Source: Axel Mauruszat / Wikimedia Commons

Laura Fabrycky, seu marido e os três filhos do casal se mudaram para Berlim, em 2016. De lá, ela assistiu, consternada, à eleição presidencial americana. “Algo parecia ter se rompido em nossa política tribal e hiperpolarizada que não poderia ser facilmente consertado”, ela escreve na introdução do livro "Keys to Bonhoeffer's Haus: Exploring the World and Wisdom of Dietrich Bonhoeffer". Embora seja improvável que seu livro conserte nossa dividida cena política, ele pode servir para unir e inspirar os cristãos que lutam para encontrar uma posição fiel em meio ao cenário atual.

Keys to Bonhoeffer's Haus: Exploring the World and Wisdom of Dietrich Bonhoeffer

Keys to Bonhoeffer's Haus: Exploring the World and Wisdom of Dietrich Bonhoeffer

Fortress Press

275 pages

$25.99

"Keys to Bonhoeffer's Haus" não é, em princípio, uma biografia, embora seja rica em informações biográficas. Fabrycky sabe do que está falando. Durante três anos, ela serviu como guia turístico voluntária na casa Bonhoeffer, enquanto mergulhava em estudos, entrevistas e investigações sobre a ética e os eventos que cercaram a ascensão e a queda da Alemanha nazista.

Na medida em que Fabrycky nos conduz pelos cômodos da espaçosa casa de Bonhoeffer, ela apresenta histórias sobre as tentativas de sua família de compreender aquela terra estrangeira. Em um capítulo, ela passa de uma pesquisa sobre a história da Alemanha e a evolução do conceito de cidadania para a visita de sua família ao Colonial Williamsburg, onde dois atores realizam um animado debate sobre liberdade religiosa. Ela nos leva ao treinamento árduo e obrigatório de sua filha para aprender a andar de bicicleta com segurança, a fim de analisar seu instinto de ceder ao autoritarismo. Nós a vemos lutando para amar um vizinho irritadiço que desaprova suas habilidades de jardinagem.

Em tudo isso, ela nos lembra a definição mais completa de política: "vida doméstica cívica", que, para ela, significa "o trabalho árduo e muitas vezes chato de viver uma vida comum" e a prática do amor ao próximo "expressa no preenchimento de buracos e na pavimentação de estradas, na coleta de lixo e em soluções para a poluição, no compromisso e na deliberação, na justiça e na restauração.” Mesmo em tempos de desordem social, não podemos evitar nossas responsabilidades domésticas.

O que, então, podemos aprender a respeito do cumprimento dessas responsabilidades no período de doença e ruptura política em que vivemos? O leitor encontrará advertências por toda parte. Quando Adolf Hitler chegou ao poder, a maioria da igreja protestante na Alemanha, como seus concidadãos, apoiou sua liderança carismática e as promessas de restaurar a economia e o status da Alemanha. Discordando, Bonhoeffer juntou-se a outros na fundação da "Igreja Confessante". Ele acreditava que a igreja estava em "status confessionis" – um estado de confissão, como uma testemunha em um tribunal que jurou dizer a verdade. Se a igreja alemã abandonou sua confissão de fé, a Igreja Confessante prometeu agir de acordo com as Escrituras.

Mas ler e até confessar as Escrituras é insuficiente, como Fabrycky nos lembra. Em meio ao fervor antissemita, os cristãos das duas igrejas consultavam, em oração, o "Die Losungen", uma leitura diária de passagens selecionadas do Antigo e do Novo Testamento. Bonhoeffer também. No entanto, "alguns ainda marchavam à luz das tochas, com os braços erguidos, sob a Hakenkreuz, a cruz retorcida, mais conhecida como suástica".

Quando Bonhoeffer se tornou um membro ativo da resistência, ele ingressou em uma vida de morte, de ars moriendi. A entrada de seu país em um estado de loucura despertou sua responsabilidade, como cidadão e como cristão, o que o levou a dar as costas para sua reputação, sua segurança e sua obediência a um governo conduzido pelo mal. Como Fabrycky observa astutamente, ele até deixou de lado a própria justiça, sabendo que a arte da espionagem envolvia mentir e enganar.

A condução de Fabrycky através dos cômodos da casa de Bonhoeffer leva, inevitavelmente, à pergunta que ela faz a si mesma e que devemos fazer, como leitores: eu teria ficado com a maioria dos cristãos alemães e permanecido cúmplice da agenda nazista, ou teria resistido, até morrer?

Não temos permissão para permanecer a uma distância segura dessa questão. Fabrycky deseja que seu tour nos leve de volta a nossas casas. Como cristãos, como nos comportaremos em casa, nestes nossos tempos difíceis? Fabrycky não nos diz. Seu trabalho, ela escreve, é ajudar-nos a lembrar – que é nossa "responsabilidade moral" – e pesar cuidadosamente o preço de nossa passividade e nosso silêncio.

Fabrycky conclui: “Vejo, à distância, que meu país está falhando em cumprir sua tarefa de cuidar da casa. Estamos falhando em realizar o que o cuidado doméstico cívico exige e estamos sofrendo por causa disso.” Eu queria que ela fosse além, emitindo um apelo mais firme a uma ação específica, aqui, em nossa terra. Talvez isso seja outro livro. Ou talvez não. Ela já nos deu, brilhantemente, chaves para alertar e informar nossa imaginação moral. É nosso trabalho usá-las.

Leslie Leyland Fields é a autora de "Your Story Matters: Finding, Writing, and Living the Truth of Your Life" (NavPress). Ela mora em Kodiak Island, no Alasca.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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