As Olimpíadas têm tudo a ver com fracasso

O sonho olímpico inspira milhões de pessoas a perseguirem objetivos que nunca alcançarão. Veja por que isso é uma coisa boa.

Christianity Today August 18, 2021
Dean Mouhtaropoulos / Getty Images

Ainda me lembro de como me senti quando assisti a uma Olimpíada pela primeira vez. O ano era 1984 e as Olimpíadas foram realizadas em Los Angeles. Famílias ao redor do mundo se reuniram em torno de suas televisões, enquanto histórias de luta e vitória inundavam suas salas de estar.

Eu tinha oito anos e estava extasiado. O revezamento da tocha olímpica, a cerimônia de abertura, as realizações extraordinárias de Carl Lewis e Edwin Moses e Mary Lou Retton, e a sucessão de cerimônias de medalhas em que a bandeira americana foi desfraldada, atletas em lágrimas cantando nosso hino nacional — tudo me cativou. O mais cativante de tudo foi a equipe masculina de ginástica ter conquistado a medalha de ouro. Minha alma estava enlevada.

Talvez você já tenha observado, de um píer, uma gaivota sobrevoando o oceano. Quando o vento está bom, o pássaro só precisa esticar as asas, e é elevado pelas correntes do ar. Essa é a sensação. Era um sonho, um anseio e uma fuga da alma ao mesmo tempo.

Esse anseio colocou as rodas da minha vida em movimento. Isso me inspirou a começar uma carreira na ginástica. Enchia minha mente de imagens brilhantes, quando me deitava para dormir. E me sustentou por incontáveis horas de treinamento e uma série de ferimentos excruciantes. Levou-me por todo o país e até mesmo pelos oceanos afora, quando me tornei campeão nacional júnior e membro da seleção nacional. Isso até me levou para uma faculdade que eu jamais poderia pagar de outra forma, e a um campeonato da NCAA, no meu primeiro ano na Universidade de Stanford.

E então, tudo desabou. Poucos meses antes das seletivas olímpicas de 1996, caí da barra horizontal e quebrei o pescoço. Em um piscar de olhos, minha carreira na ginástica terminou em fracasso e com uma sentença vitalícia de danos à coluna e dor crônica.

Como uma pessoa de fé, acredito que a história está repleta dos propósitos de Deus. O universo é rico em intenções e permeado de significados. Como o salmista escreve: “Todos os dias ordenados para mim foram escritos no teu livro, antes que um deles viesse a existir” (Salmos 139.16). O que levanta a questão: qual era o ponto? Qual era o propósito daquelas milhares de horas de treinamento e sofrimento, se era apenas para terminar em lesões e decepção? Onde estava o significado daquilo ?

A mesma pergunta me veio à mente, enquanto assistia às Olimpíadas de Tóquio pela televisão. Mais uma vez, vimos histórias de vitória em face de probabilidades impossíveis. No entanto, vimos mais histórias de fracasso. Muitos atletas veem suas histórias perderem o rumo. Lesões e circunstâncias intervêm. Os atletas que deveriam vencer, e até mesmo dominar, ficam aquém do esperado. E se parece cruel chamar esses fatos de “fracassos”, então, talvez não tenhamos reconhecido o que um “fracasso amigo” pode ser.

As Olimpíadas, na verdade, têm tudo a ver com fracasso. Elas certamente inspiram grandes doses de fracasso.

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A grande maioria dos atletas que vai às Olimpíadas não ganhará nenhuma medalha, muito menos uma medalha de ouro. Muitos dos que ganham uma medalha de ouro em um evento também ficarão aquém do desempenhado esperado em outros. Então, é claro, a esmagadora maioria dos que se esforçam para entrar na equipe olímpica já de início fracassa.

Veja a ginástica feminina. Só na América, milhões de meninas participam da ginástica, e dezenas de milhares competem a cada ano. A cada quatro anos, no máximo seis farão parte da equipe olímpica. Se um milhão de meninas assistirem Simone Biles ou Suni Lee e se inscreverem em aulas de ginástica, com sonhos olímpicos em seus corações, talvez 999.999 delas não conseguirão realizar esse sonho.

Claro, há vitórias menores ao longo do caminho. Mas, mesmo aquela ginasta em um milhão que realiza seu sonho de entrar para a equipe olímpica ficará intimamente familiarizada com o fracasso. Aprender novas habilidades e novas rotinas requer inúmeras falhas ao longo do caminho. Até mesmo uma ginasta com tanto domínio quanto Biles irá passar por uma sucessão aparentemente interminável de fracassos — e então, quando chegar às Olimpíadas, sua história provavelmente será complexa. Cada ginasta da equipe dos Estados Unidos suportou sua cota de sucessos e fracassos. Jade Carey estava chorando uma noite e coberta de ouro em outra.

A questão não é criticar os atletas. A questão é que o fracasso é essencial para a vida do atleta. O sonho olímpico inspira dezenas, talvez centenas de milhões, em todo o mundo, a perseguir sonhos que nunca alcançarão — no entanto, ao se empenharem por esses sonhos, se tiverem sorte, esses atletas se tornam mais aquilo que deveriam ser.

Perguntei a vários atletas olímpicos sobre suas experiências. Uma coisa em que eles concordam é que nunca se tratou realmente dos Jogos Olímpicos em si. A questão toda era as pessoas que eles se tornaram na busca por excelência. Era, em grande medida, sobre o que o fracasso fez deles. A vitória, quando chegou, foi traiçoeira. Ameaçou desfazer o que o fracasso construíra. A vitória é mais perigosa para a alma; a derrota, mais instrutiva.

Não se trata de dizer simplesmente que o fracasso nos torna mais fortes, como diz a máxima secular. Nem sempre é assim. Alguns fracassos são tão devastadores ou tão completos que pode ser difícil encontrar um arco de redenção. Alguns fracassos nos tornam mais amargos do que melhores.

Quando estamos dispostos a aprender com suas lições, entretanto, o fracasso pode ser a melhor coisa que já nos aconteceu. A Bíblia está repleta de histórias de fracasso. Abraão e Moisés poderiam ter se tornado exemplos de fé, se não tivessem falhado? Davi poderia ter escrito seus salmos? O pregador, em Eclesiastes, tentou encontrar sentido nas conquistas do mundo, e somos abençoados pela sabedoria que ele adquiriu com seus fracassos. Pedro e Paulo teriam se tornado instrumentos maleáveis nas mãos de Deus, se não tivessem sido humilhados por seus fracassos?

Em retrospecto, posso ver isso. O fracasso — os que suportei ao longo do caminho, bem como o fracasso por não fazer parte da equipe olímpica, devido a uma lesão — foi algo que me moldou tão profundamente que mal sei quem seria sem ele. Ele me mostrou o meu fim. Ele me ensinou compaixão. Ele me mostrou meus muitos pecados e falhas. Ele me mostrou minha necessidade de uma força que vai além da minha. Lançou luz sobre a graça de Deus. Em alguns aspectos, o sonho olímpico desempenha um papel semelhante ao da Lei (Rm 3.20; 7.7). Como um ideal de perfeição, inspira esforço, fracasso e, por fim, o reconhecimento de nossas próprias deficiências e de nossa total dependência de Deus.

Tal como acontece com outros atletas, aqueles que participam das Olimpíadas e os que não conseguem chegar lá, o propósito da minha carreira na ginástica nunca foi alcançar alguns momentos esplendorosos de glória com uma medalha de ouro, mas me preparar para o resto da minha vida. Nunca se tratou de me tornar um campeão. Tratava-se de me tornar um instrumento.

Depois que minha carreira terminou, uma ginasta mais velha me disse: “Você aprendeu a se destacar em uma coisa. Agora, pegue tudo o que você aprendeu e se destaque em outra coisa”. Pareceu-me um conselho útil, e talvez fosse o que eu precisava ouvir na época. Mas eu ainda não estava pronto para deixar para trás o culto à vitória.

Hoje, 25 anos depois, com a perspectiva que o tempo nos proporciona, eu colocaria isso de outra forma. Aos atletas, bem como a todos nós que experimentamos o fracasso e a decepção, eu diria o seguinte: você aprendeu a falhar, [mas] estando em comunhão com Deus. Agora, vá e falhe novamente, e receba seu fracasso como um amigo. Pois o fracasso irá refiná-lo, se você permitir. Ele o moldará cada vez mais à semelhança de Cristo. E, ao se tornar semelhante a Cristo, você se torna um instrumento para sua glória e para o bem do mundo.

Timothy Dalrymple é presidente e CEO da Christianity Today. Siga-o no Twitter @TimDalrymple_.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Entidades cristãs criticam a evacuação desastrosa do Afeganistão

A World Relief se junta a cinco outros grupos de reassentamento de refugiados para lamentar o impacto “devastador” dos problemas com o processo de Visto Especial para Imigrante, de responsabilidade do Departamento de Estado.

Americanos foram evacuados da embaixada dos Estados Unidos em Kabul, capital do Afeganistão, enquanto insurgentes do Talibã rompiam com a linha de defesa da cidade no dia 15 de agosto.

Americanos foram evacuados da embaixada dos Estados Unidos em Kabul, capital do Afeganistão, enquanto insurgentes do Talibã rompiam com a linha de defesa da cidade no dia 15 de agosto.

Christianity Today August 17, 2021
Image: Rahmat Gul / AP

Enquanto a maioria dos americanos absorvia o choque da tomada total do Afeganistão pelo Talibã, no fim de semana, funcionários do Serviço Luterano de Imigração e Refugiados (LIRS) acompanhavam resignados a rápida deterioração da situação, sabendo que poderia ter sido diferente.

Em maio, líderes do LIRS, uma das várias agências religiosas contratadas pelo governo dos EUA para reassentar refugiados nos Estados Unidos, enviaram uma carta ao governo Biden solicitando a remoção de civis afegãos (e suas famílias) que trabalharam com os EUA, antes da retirada planejada de suas tropas.

Qualquer pessoa familiarizada com o “labirinto burocrático” que é o processo para o Visto Especial para Imigrante (SIV) dos Estados Unidos sabia que o Escritório de Vistos do Departamento de Estado não seria ágil o suficiente para atender à necessidade urgente de evacuações, disse Krish O’Mara Vignarajah, presidente e CEO do LIRS.

“Há meses estamos gritando a plenos pulmões que precisávamos levar esses aliados para Guam ou outro território dos Estados Unidos”, disse Vignarajah.

A Casa Branca não respondeu imediatamente aos pedidos de comentários da nossa reportagem.

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Os Estados Unidos começaram a evacuar afegãos nos estágios finais do processo para o Visto Especial para Imigrante, cerca de um mês atrás, antes de cancelar voos adicionais saindo de Cabul, por causa de questões de segurança, de acordo com Jenny Yang, vice-presidente sênior de defesa e política da World Relief, outra das organizações religiosas que têm trabalhado em parceria com o governo dos EUA para o reassentamento de refugiados.

Em junho, a maioria dessas organizações — entre elas LIRS, World Relief, Church World Service (CWS), a Igreja Episcopal (que reassenta refugiados por meio dos Ministérios Episcopais de Migração) e HIAS (fundada como Sociedade de Ajuda ao Imigrante Hebraico) — pressionou o presidente Joe Biden para que implementasse planos para evacuar afegãos que trabalhavam como tradutores, soldados, consultores culturais, funcionários da embaixadas e outros que trabalharam com as forças armadas americanas, com a mídia ou em organizações sem fins lucrativos e aliados, autorizando tantos vistos para imigrante quantos necessários para tornar isso possível.

Mas, como o Talibã invadiu o palácio presidencial em Cabul, neste fim de semana, duas décadas depois de ter sido expulso da capital afegã por militares dos EUA, muitos dos que permanecem no país temem ser alvos do Talibã se descobrirem que cooperaram os Estados Unidos.

Não é apenas “devastador” testemunhar o que está acontecendo, disse Yang, mas também “decepcionante ver quantas pessoas foram deixadas em situação extremamente vulnerável, por causa da rápida tomada do controle do Afeganistão pelo Talibã e da capacidade limitada que temos, como governo, para conseguir evacuar nossos aliados”.

Ela disse que cerca de 18.000 afegãos ainda estão no meio do processo de visto para imigrantes.

Até agora, cerca de 2.000 afegãos qualificados para esses vistos e suas famílias foram evacuados por meio da Operação de Resgate dos Aliados dos Estados Unidos, disse Biden, na tarde de segunda-feira (16 de agosto).

Em seu discurso à nação, o presidente disse estar ciente das preocupações pelo fato de que os EUA não começaram a evacuar civis afegãos antes.

“Parte da resposta é que alguns dos afegãos não queriam partir mais cedo, pois ainda tinham esperanças em relação a seu país. E em parte foi porque o governo afegão e seus apoiadores nos desencorajaram a organizar um êxodo em massa, para evitar que desencadeássemos uma crise de confiança,” segundo eles disseram, explicou ele.

Posteriormente, em um e-mail enviado para a nossa reportagem, Vignarajah, do LIRS, classificou a alegação de que os afegãos não queriam deixar o país como “enganosa, na melhor das hipóteses”.

“Temos tido contato com inúmeros destinatários do visto para imigrantes que estavam desesperados para deixar o Afeganistão há meses, e não puderam, devido a recursos financeiros insuficientes e acesso inadequado a voos intermediados por organizações internacionais”, disse ela.

Mark Hetfield, presidente da HIAS, expressou frustração semelhante com a explicação de Biden.

“Ele está culpando a vítima”, disse Hetfield à nossa reportagem por mensagem de texto, na segunda-feira. “A maioria dos candidatos a vistos para imigrantes não conseguiu superar a corrida de obstáculos burocráticos de 14 etapas para o visto. O processo parece ter sido projetado para manter as pessoas fora dos Estados Unidos, não para resgatá-las. E o [governo dos EUA] teve muito tempo para implantar sistemas que facilitassem o reassentamento de refugiados sem provocar um êxodo. Eles não fizeram esse esforço e isso é imperdoável. ”

Em uma entrevista separada, Hetfield disse que estava “revoltado” com a situação em Cabul e sugeriu que havia muitos culpados.

“Isso deveria ter sido planejado há 20 anos”, disse ele. “Foram três administrações sucessivas — e depois uma quarta — que não conseguiram colocar em prática um plano para resgatar as pessoas que são vulneráveis devido a sua associação com as forças aliadas. Isso para mim é revoltante e doloroso”.

Mesmo assim, o presidente da HIAS ressaltou que não acha que a administração Biden deveria ter “se apressado” para a retirada das tropas, sem primeiro desenvolver um plano robusto de evacuação dos refugiados. Além disso, ele argumentou que mesmo com a Casa Branca tomando medidas para ajudar os refugiados afegãos nas últimas semanas, seus esforços foram atormentados por obstáculos.

Funcionários do Departamento de Estado anunciaram, no início de agosto, que a agência ampliaria o acesso dos afegãos aos EUA, para além das restrições do programa SIV, disse ele, criando uma designação de “prioridade 2” ou “P2” que poderia — ao menos no papel — incluir milhares de afegãos que trabalharam para projetos financiados pelos EUA, por organizações não governamentais e meios de comunicação baseados nos EUA. Mas o programa não oferece voos de evacuação: para acessá-lo, os candidatos devem deixar o Afeganistão por conta própria, antes de solicitar o status de refugiado nos EUA, um processo que pode levar de 12 a 14 meses.

Hetfield disse que sair do Afeganistão já era um desafio há duas semanas e, mesmo que os refugiados conseguissem, eles poderiam desembarcar no Irã — uma nação que recebeu muitos refugiados afegãos ao longo dos anos, mas onde os EUA não têm capacidade para processar os requerimentos de vistos.

“Era impraticável quando foi apresentado — e impraticável é uma palavra gentil para descrever isso — mas agora é impossível”, disse ele.

Erol Kekic, vice-presidente sênior do programa de imigração e refugiados do CWS, concorda. Ele equiparou o programa a “dizer a alguém que há outra saída, mas vai demorar uma eternidade para você chegar lá”.

Kekic acrescentou que é importante manter o programa P2 em funcionamento, mas que isso representa poucas “oportunidades realistas” para aqueles que buscam uma passagem para sair do Afeganistão e ir para os Estados Unidos.

Os desafios continuam para as comunidades religiosas que desejam ajudar também: alguns locais do CWS ficaram “sobrecarregados” com imigrantes que chegaram todos de uma vez, em parte porque o aparato de reassentamento de refugiados dos EUA foi dizimado sob a administração anterior de Trump, disse ele.

Ainda assim, o apoio aos refugiados entre essas comunidades é robusto, de acordo com Kekic.

Bill Canny, diretor executivo do escritório de Migração e Serviço aos Refugiados da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, disse que seu grupo já ajudou a reassentar cerca de 1.000 afegãos com visto nos Estados Unidos, este ano.

Além disso, representantes de seu grupo, e do LIRS, CWS, entre outros, passaram as últimas semanas ajudando refugiados afegãos em Fort Lee, na Virgínia, oferecendo assistências jurídica e médica. A World Relief tem intensificado seus esforços para receber os afegãos que chegam em seus escritórios em Sacramento, Seattle e em outros lugares.

E o Bethany Christian Services, que reassenta refugiados em todo o país em parceria com várias agências religiosas, disse em um comunicado por escrito que está “pronto e apto” para receber mais refugiados afegãos e destinatários de visto.

Enquanto isso, os aviões pararam abruptamente de chegar a Fort Lee no fim de semana e, embora parte do trabalho de processamento de vistos tenha sido transferido para Cabul, grupos de refugiados dizem não ter certeza de quando os voos para Fort Lee serão retomados.

Biden disse que a missão dos EUA agora é tirar seu povo e seus aliados do Afeganistão o mais rápido e seguro possível, concluindo a retirada militar do país e sua guerra mais longa.

Mas Canny disse: “Não está claro quem conseguirá sair — e com qual status, se conseguir — visto que a embaixada está fechada. Ainda estamos de plantão em Fort Lee para esperar, se Deus quiser, a chegada de mais voos”.

Jesus se preocupa com suas teorias da conspiração

Ao compreender o mundo das Escrituras, podemos entender como abordar as conspirações de hoje.

Christianity Today August 17, 2021
Getty Images / WikiMedia Commons / NASA

Não é de surpreender que conspirações começaram a circular assim que Jeffrey Epstein foi encontrado morto, por suposto suicídio, em uma prisão de Manhattan, numa manhã de agosto. Epstein, financista rico e bem relacionado, acusado por várias denúncias de tráfico sexual, provavelmente sabia de sujeiras sobre os Clinton, alguns pensaram. E eles, provavelmente, tiveram algo a ver com a sua morte.

A história circulou no Twitter, com a ajuda do então presidente Donald Trump, uma vez que ele próprio a retuitou. O fato de ser uma das falsas acusações de hoje mais fáceis de desmascarar não fez a menor diferença. “As teorias da conspiração não são movidas por fatos”, escreveu Abby Ohlheiser, jornalista do Washington Post na época. “Elas são movidas por atenção.”

Ver o mundo através das lentes de uma conspiração promove um sentimento de empoderamento que pode ser inebriante. Não é difícil entender o poder emocional de acreditar que desmascaramos uma sociedade secreta, que enxergamos o “Deep State” [Estado Profundo] pelo que ele é, controlando nosso governo e tudo mais. Por isso, conforme sugerem as pesquisas, posso entender como a maioria dos cidadãos russos não acredita que a América foi à lua. Posso entender até aquela história antiga, que ganhou ares de nova, e fez com que alguns americanos questionassem a forma arredondada da Terra. As ideias têm um verniz de “razoabilidade”.

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As teorias da conspiração provavelmente existem desde que o ser humano raciocina. Mas elas estão aparentemente se espalhando mais rápido, à medida que o pós-modernismo passou para um estágio que alguns filósofos de hoje chamam de “supermodernismo”. O supermodernismo é fruto dessa avalanche de informações. É retratado por meio de pessoas que desistem de questionar o que é verdade e quem tem o direito de contar a narrativa mestra correta. Por causa da proliferação de dados e fontes, os adeptos do supermodernismo só se preocupam com a questão de em quem podem confiar para guiá-los através desse pântano diário de informações.

O pensamento conspiratório se injeta bem neste ponto. Quem vai me guiar? A resposta do conspirador: eu vou! Eu, o sabe-tudo, levantarei a ponta desta lona [que recobre] o Estado Profundo ou a Ciência Profunda ,e revelarei a você todo o seu funcionamento interno secreto. Você não é “gado”. Você é um pensador independente que pode enxergar as coisas por si mesmo. Essa é a promessa chamativa da conspiração.

Até mesmo Jesus teve de lidar com teorias da conspiração. Ele alertou reiteradamente seus seguidores que as pessoas viriam e importunariam a igreja com conspirações sobre o seu retorno (Lc 17.22-23). Os mercenários pensarão que descobriram tudo. “Olhe aqui! Olhe ali!”, eles dirão. Os contadores de fábulas alegarão ser capazes de remover a lona da história para proclamar a volta de Jesus. Jesus instruiu categoricamente seus discípulos: “Não deem ouvidos a eles!”

A igreja primitiva sofreu com teorias da conspiração sobre a natureza de suas reuniões de adoração secretas. Em um Império Romano hostil, essas teorias frequentemente levaram à perseguição e ao assassinato de cristãos. E as conspirações ainda hoje alimentam a violência contra cristãos em contextos tumultuados, como a Índia, bem como a violência contra outros grupos religiosos, como os ataques alimentados pelas redes sociais contra muçulmanos, no Sri Lanka.

O mundo do pensamento das Escrituras

Os autores bíblicos argumentam que existem maneiras melhores e piores de alcançar conhecimento, e alertam contra crenças recalcitrantes que não podem ser mudadas por evidências. As Escrituras retratam um Deus que argumenta com seu povo e um povo com quem se deve argumentar. Ao compreender e viver dentro desse rigoroso mundo do pensamento das Escrituras, deveríamos ficar naturalmente vacinados contra o consumo ingênuo de teorias da conspiração.

Pela mesma razão, à medida que o analfabetismo bíblico se espalha, devemos esperar ver mais confusão em torno do significado da vida cristã. Embora os americanos relatem benefícios positivos com a leitura das Escrituras, o título do artigo feito a partir de uma pesquisa da LifeWay, em 2017, diz tudo: “Os americanos gostam da Bíblia, mas não a leem de fato. ”O que é ainda pior, menos de um quarto dos americanos está interagindo com as Escrituras com o vigor necessário para compreender seu pensamento profundamente estruturado, de acordo com um estudo recente da American Bible Society. Com a perda de engajamento com a Bíblia vem o enfraquecimento no conhecimento bíblico.

As confusões decorrentes de tais perdas incluirão as suspeitas habituais: cristãos lançando-se em chamados não confirmados para o ministério, a incapacidade de distinguir indicadores culturais de princípios bíblicos, e até mesmo a propagação de conspirações em nome do dever cristão de buscar a verdade. Também pode incluir suspeitas incomuns. A obra magistral de Brent Strawn, The Old Testament is dying, narra esse analfabetismo desde a Europa do século 19 até hoje, com afirmações sérias como esta: “Os nazistas conseguiram obter sucesso entre os grupos de cristãos alemães, em parte, por causa do difundido analfabetismo bíblico — e aqui devo ser específico: [o analfabetismo relacionado ao] Antigo Testamento.”

Ao compreender e viver dentro do rigoroso mundo do pensamento das Escrituras, deveríamos ficar naturalmente vacinados contra o consumo ingênuo de teorias da conspiração.

Quando questionados sobre a promoção de conspirações, muitos cristãos modernos podem responder: “Mas onde na Bíblia está dito para não acreditar em conspirações?”

Para responder a essa pergunta, devemos buscar entender o “mundo intelectual” da Bíblia. Este mundo vai além das palavras literais dos autores bíblicos e incluiu as ideias consistentes e coerentes que sustentam todo o seu pensamento. É o que Deus, por meio de seus profetas, está tentando nos mostrar, não apenas nos dizer. Esse mundo intelectual, por exemplo, conecta o cuidado aos vulneráveis com o ensino do “olho por olho”, transformando o princípio da justiça em algo que resiste a ser reduzido a mera justiça retributiva .

O mundo intelectual da Bíblia é encontrado pela instrução que vai além das palavras e histórias, de modo a alcançar os padrões de pensamento das Escrituras. É uma instrução que, com o tempo, pode avaliar com segurança: eis o que acho que os autores bíblicos diriam sobre o transumanismo, a viabilidade da democracia, a legalização das drogas e muito mais. Muitas vezes posso prever o que minha esposa vai pensar sobre algum assunto, mas não porque memorizei muito do que ela diz. O conhecimento que tenho de seu mundo do pensamento vem do fato de encarnar uma vida com ela e de atravessar todo tipo de situações complexas e conflitantes que criamos para nós mesmos. E os profetas nos convidam a viver e a aprender da mesma forma.

As conspirações da Bíblia

Ao longo do ministério de Jesus, muitos de seus contemporâneos pensaram equivocadamente que haviam descoberto por que ele veio e o que estava prestes a fazer. Seus discípulos tinham suas próprias teorias distorcidas, mesmo depois de sua morte e ressurreição (At 1.6). Eles pareciam pensar que todas as peças contribuíam para uma agenda, nem tão oculta assim, que visava restaurar o reino a Israel.

A resposta de Jesus é assustadora: “Não lhes compete saber” (At 1.7). Jesus não lhes deu a conspiração correta; em vez disso, ele os repreendeu sobre o que eles podiam e não podiam saber. Essas restrições devem ser instrutivas para a forma de pensarmos em geral, mas especificamente sobre a forma de pensarmos sobre a proliferação de conspirações com que deparamos. Isso é o que significa entrar no mundo intelectual da Bíblia.

Antes de morrer, Jesus advertiu severamente seus discípulos contra aceitar as várias teorias da conspiração que viriam. “Vocês ouvirão falar de guerras e rumores de guerras”, disse ele (Mt 24.6). Mas seu conselho é revelador: “Cuidado para que ninguém os engane. Porque muitos virão em meu nome […] e enganarão a muitos ”(Mt 24.4-5).

Na verdade, Jesus foi fundo nas instruções bíblicas sobre como pensar a respeito dessas ideias. Deus deixa claro que não devemos domesticar nossa compreensão do mundo, transformando-a nos tipos de ideias que achamos que funcionam melhor. Em vez disso, somos responsáveis pelo que Deus nos mostra. “As coisas ocultas pertencem a Javé nosso Deus, mas as reveladas a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta instrução” (Dt 29.29, tradução do autor).

O escritor do Eclesiastes vai ainda mais longe. Ele é um homem com tempo, meios, intelecto e zelo para descobrir todo o sistema que dirige o universo — ou para ver o que está atrás da cortina, por assim dizer. Apesar disso, ele se restringe ao que é possível entender: “Mesmo que o homem sábio afirme entender, ele não consegue encontrar” (8.17, ESV). Ele foi feliz em ser reticente sobre afirmar que podia ver por trás da conspiração: “Não conheceis a obra de Deus”, diz ele no versículo 11.5, e acrescenta mais adiante: “Cuidado com tudo o que vá além disso. Não há limite para se fazer muitos livros, e estudar muito deixa o corpo cansado” (12.12).

A própria Escritura nos orienta sobre como lê-la. Ao reduzir a Bíblia a oráculos moralistas ou a regras a serem observadas, deixamos de ser moldados intelectual ou espiritualmente. Conspirações são frutos de hábitos teológicos, para o bem ou para o mal. São tentativas de ver a partir da perspectiva de Deus ou de “pensar as verdades de Deus segundo ele”, como disse certa vez o teólogo Louis Berkhof. Deus ocasionalmente nos convida a ver as coisas de sua perspectiva, mas, na maioria das vezes, os profetas — incluindo Jesus — suplicam que vejamos o que Deus está tentando nos mostrar.

Ver é crer

Apesar da linha de abertura de Hebreus 11 e de seu apelo comumente interpretado para termos “convicção das coisas que não são vistas” (uma tradução melhor poderia ser “a prova das coisas que não vistas”), os autores bíblicos parecem entender que as crenças devem resistir a desafios por evidências. Essa é a espinha dorsal, e nada dramática, do que eles chamam de “confiança” (muitas vezes traduzida por “fé”, que tem um significado decididamente diferente no inglês moderno).

Lembre-se de que Deus regularmente fornece evidências, quando as pessoas lhe pedem para ser convencidas. Quando Abrão perguntou: “Como posso saber?”, Deus respondeu com um pacto e as palavras “sabendo disso” (Gn 15.8,13, tradução do autor). Quando Moisés desafiou a Deus com a certeza de que os hebreus não ouviriam sua voz, Deus respondeu com sinais e maravilhas que convenceram Moisés, depois Arão, depois os anciãos, depois Israel e muitos dos egípcios (Êx 4.1-9, 28-31; 9.20).

O mesmo vale para Israel no Egito (Êx 14.30-31), os filhos de Israel que conquistariam Canaã (Js 1-4), o juiz Gideão (Jz 6.11-40), o povo de Israel a respeito do profeta Samuel (1Sm 3.19-21), o Israel do Segundo Templo na Galileia Romana (Mt 4.23), os judeus na Diáspora (At 17.1-15) e os gentios no Império Romano (At 16).

Ao longo das Escrituras, Deus raramente, ou mesmo nunca, puxa a cortina para revelar toda a circunstância conspirada de alguma realidade presente. Em vez disso, Deus oferece evidências para convencer as pessoas de que ele e seus profetas são confiáveis e bons. Só então ele pede a essas mesmas pessoas que confiem nele, a fim de que se tornem o tipo de pessoa que ele usará para abençoar todas as famílias da terra. Em suma, Deus pede uma “fé” focada no futuro, enraizada na prova empírica do que ele já fez.

Ao longo das Escrituras, Deus raramente, ou mesmo nunca, puxa a cortina para revelar toda a circunstância conspirada de alguma realidade presente. Em vez disso, Deus oferece evidências para convencer as pessoas de que ele e seus profetas são confiáveis e bons.

Hoje, as melhores discussões sobre como saber algo com precisão geralmente acontecem no campo da ciência ou em outras áreas de aprendizado de alta performance. Mas as Escrituras falam muito sobre como fomos designados para conhecer nosso mundo — desde o conhecimento no Jardim do Éden (Gn 2-3) até a compreensão dos mistérios do reino de Deus (Mc 4.11).

Os autores bíblicos encharcaram seus relatos com métodos e descrições de erros, todos eles preocupados com questões sobre como podemos saber, como a confiança é conquistada e advertências sobre o pensamento ingênuo de que descobrimos o que está acontecendo por trás da cortina. Deixar de entender as esferas conceituais da Bíblia, mesmo para os discípulos de Jesus, sempre levou a uma compreensão tênue ou ingênua de nosso próprio mundo hoje.

Os cristãos têm a oportunidade de reinvestir na vida intelectual da igreja perguntando, em comunhão com outros crentes: Quem tem nos levado a compreender a natureza da realidade? De que modo sou pecaminosamente tentado em relação a certas explicações? E o mais importante: minhas crenças tornaram-se resistentes às evidências ou à argumentação? Se Deus está disposto a usar evidências, a fim de estabelecer sua própria credibilidade e argumentar com seu povo, então devemos ao menos estar dispostos a considerá-las.

As conspirações certas

Os autores da Bíblia não eram ingênuos — eles sabiam que algumas conspirações, evidentemente, revelaram-se verdadeiras. Mas as Escrituras demonstram um interesse notável em orientar sobre como devemos chegar à verdade.

O que Deus fez, quando ouviu falar de uma conspiração em toda a cidade para explorar e agredir estrangeiros? Ele foi e investigou. Quando Deus ouviu um relato de injustiça, a Bíblia descreve que ele enviou mensageiros (anjos) para determinar se aquilo era verdade (Gn 18.21).

A título de esclarecimento, não precisamos fazer suposições quanto a Deus precisar “ver por si mesmo” para saber. Antes, os autores bíblicos se sentiam à vontade para retratar Deus investigando o assunto pessoalmente como uma boa maneira de buscar justiça.

Deus esperava o mesmo de Israel. Suas instruções a Israel exigiam que eles confirmassem os relatos de violação da lei. Se há relatos sobre idolatria em alguma aldeia israelita, Deuteronômio exige: “Vocês devem inquirir, sondar e investigar a fundo. E se for verdade e se ficar comprovado […]” (13.14, NIV).

Na verdade, há uma área em particular em que a Bíblia nos instiga a investigar acobertamentos e conspirações: onde quer que haja injustiças contra populações vulneráveis. Muitas conspirações comuns desse tipo se ocultam pelos cantos sombrios de nossas comunidades, sob a forma de crianças exploradas, homens e mulheres vítimas do tráfico humano, minorias e imigrantes perseguidos e idosos esquecidos. O abuso de poder contra “viúvas, órfãos e estrangeiros” dos dias de hoje não faz distinção por país nem por status socioeconômico.

À medida que investigamos conspirações perniciosas como essas, Deus nos usará para ajudar outros a verem seu reino. É aí que reside a boa conspiração que devemos espalhar: o reino chegou, e ainda está chegando, nas vidas comuns das pessoas negligenciadas em nossas comunidades. Mas isso também significa que há outras conspirações — menores — que irão competir e nos desviar do ponto em que Deus está tentando concentrar nossos esforços.

Se estivermos ocupados trabalhando na missão do reino vindouro, não teremos muito tempo nem energia para teorias da conspiração chamativas — e fingir que podemos levantar a cortina da história e discernir os sinais exatos da vinda do rei parece algo leviano, na melhor das hipóteses. A mãe e o pai de Provérbios 1-9 não ensinam seus filhos a discernirem os sinais conspiratórios dos tempos. Em vez disso, eles suplicam: Ouça, meu filho, inclina o ouvido.

Dru Johnson é o diretor do Center for Hebraic Thought e ensina estudos bíblicos e teologia no The King’s College, em Nova York. Seus livros recentes incluem Human Rites: The Power of Rituals, Habits, and Sacraments (Eerdmans) e Scripture’s Knowing (Cascade).

Traduzido por Mariana Albuquerque

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John Stott gostaria que parássemos, estudássemos e lutássemos

Como seu assistente acadêmico, vi como sua labuta incansável pela reflexão diligente resultava em um cristianismo bíblico equilibrado.

John Stott no Hookses, em Wales, em meados de 1999.

John Stott no Hookses, em Wales, em meados de 1999.

Christianity Today August 9, 2021
John W. Yates III

Era uma tarde extremamente fria de janeiro e a chuva batia nas janelas, quando John Stott deixou o escritório. Era hora do chá e uma grande chaleira estava sendo preparada no pequeno balcão da cozinha do The Hermitage, os aposentos aconchegantes do tio John, que ficavam em um dos velhos prédios da fazenda, em Hookses, seu refúgio rural no País de Gales.

“Oh, JY”, John disse para mim, cansado, esfregando as têmporas, “Eu tenho um caso terrível de DM”. Essa sigla significa dor mental. Era sua maneira de descrever como se sentia, quando tinha de lutar com um projeto difícil de colocar no papel ou com um problema aparentemente insolúvel, e era uma frase que eu conhecia bem, depois de 18 meses trabalhando como assistente acadêmico dele.

Entre 1977 e 2007, 14 jovens — a maioria deles americanos — serviram ao tio John (como o chamávamos) nessa posição. Nosso trabalho era algo tão abrangente quanto a própria vida de John, que era encantadoramente multifacetada.

Durante meus anos como seu assistente acadêmico, concluí pesquisas para vários livros; cuidei de tarefas dos mais variados tipos; e servi como guarda-costas, motorista e companheiro de viagem, além de cozinhar, limpar e servir à mesa. Como trabalhávamos em parceria com Frances Whitehead, sua incomparável secretária, John se referia a nós como “o feliz triunvirato”.

Frances estava em Londres, naquela tarde fria de janeiro, enquanto John e eu estávamos em Hookses. John passou o dia trabalhando na revisão de uma nova edição de sua conhecida obra, Issues facing Christians today . Exceto por uma pequena pausa para o almoço e sua habitual soneca da tarde, ele estava em sua escrivaninha desde as 5h30 daquela manhã. Após uma pausa de 15 minutos para o chá, ele voltaria para escrivaninha, onde ficaria até as 19 horas. Não admira que ele estivesse cansado.

Durante o chá, discutimos o progresso que ele havia feito naquele dia e a situação da minha pesquisa sobre o capítulo no qual ele trabalharia no dia seguinte. Também gostávamos de biscoitos amanteigados (conhecidos por serem um tratamento eficaz para DM). Ao se levantar para voltar ao trabalho, ele alisou os tufos de cabelo branco nas têmporas, que havia esfregado, e disse:

“JY, há certas tarefas que não podem ser feitas sem uma terrível dor mental. Elas raramente são divertidas, mas sempre valem a pena”.

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Na comemoração do centenário do nascimento de John Sttot, eu me vi refletindo sobre a dor mental. John foi um comunicador indiscutivelmente brilhante, conhecido pela clareza e concisão de pensamento. Mas mesmo seus dons naturais não o livraram da labuta exigida pelo estudo diligente nem do esforço exigido para entender a Palavra de Deus e aplicá-la no mundo moderno.

Outra sigla favorita de John era BBC. Ele gostava de explicar que ela não significava British Broadcasting Corporation, mas sim balanced biblical Christianity [cristianismo bíblico equilibrado]. John não tinha medo de assumir uma postura impopular, se as Escrituras assim o exigissem. Mas nunca se apressava em dar sua opinião. Na busca por um cristianismo bíblico equilibrado, ele trabalhava incansavelmente para compreender todas as perspectivas sobre determinado assunto, antes de chegar a um julgamento cuidadosamente ponderado com base nas Escrituras.

Em uma época de frases de efeito e feeds no Twitter, muitos líderes cristãos andam tão ocupados tentando se manter atualizados, que poucos de nós paramos, estudamos e lutamos para ensinar o povo de Deus. Com muita frequência, tomamos partido e nos apegamos a esse lado, sem termos a disciplina de ouvir ou questionar nossas intuições. E, como resultado, a fina camada de verniz do nosso discipulado já está mostrando sinais de rachadura.

Neste mundo complexo e em constante mudança, não precisamos de mais comentários. Precisamos de mais dor mental. John estava disposto a suportar essa dor, não apenas no silêncio de seu escritório, mas também na companhia de outras pessoas. Ele compreendeu que o ministério da pregação e do ensino requer a labuta incansável da reflexão diligente.

***

A sala de estar da pequena casa nos arredores de Nairóbi, no Quênia, estava lotada com um grupo eclético de pessoas. Um arcebispo, um ornitólogo, um professor de seminário, jovens estudantes e alguns velhos amigos se reuniram para o café da manhã e uma conversa com o tio John.

Durante a maior parte da manhã, John foi bombardeado de perguntas sobre tópicos que iam desde observação de pássaros até interpretação bíblica. Durante o vai e vem da conversa, no entanto, John envolveu cada pessoa individualmente, ajudando-as a se abrirem e conhecendo aquelas que estava encontrando pela primeira vez. O trabalho do assistente acadêmico, durante essas reuniões, era ouvir, aprender os nomes de todos e anotar tudo cuidadosamente.

Naquela noite, antes de dormir, John e eu nos encontramos em seu quarto para repassar o dia e orar. Repassamos minhas anotações daquela manhã, fazendo uma lista cuidadosa dos livros que ele havia prometido enviar, uma carta de referência que concordou em escrever, uma pergunta de um amigo sobre a qual precisava pensar e um alicate especial (usado em anilhas de pássaros) que ele se ofereceu para procurar na Inglaterra e enviar para o Quênia. Durante aquela viagem de três semanas à África Oriental, houve inúmeras reuniões como esta, muitas das quais resultaram em compromissos pessoais de John.

Após um retorno noturno a Londres, uma semana depois, John acordou cedo na manhã seguinte já ditando cartas e instruções. Quando Frances chegou ao escritório, ela já tinha 15 cartas para digitar e eu, uma longa lista de livros para empacotar e itens especiais para comprar. Aquele alicate usado em anilha de pássaros me fez andar por toda Londres.

John era um inglês tímido e reservado, mas extremamente generoso com as amizades. Ele tinha uma preocupação especial com os que não tinham recursos e privilégios, e uma afeição permanente por jovens cristãos. Ele se corresponderia por meses com um jovem estudante de Burundi com a mesma facilidade com que o faria com o arcebispo do Quênia.

E ele iria persistir nessas amizades ao longo dos anos, deliciando-se quando elas alcançavam a próxima geração. Essa era a história de meu relacionamento com John, que conheci pela primeira vez quando ainda era menino e ele, um pregador visitante frequente na igreja de meu pai.

A capacidade de liderança de John era extraordinária. O impacto de seu trabalho é sentido em todo o mundo hoje e continuará a ser sentido por muitas décadas. Sua influência, no entanto, vai muito além das instituições que fundou e dos movimentos que moldou. Sua influência é ainda mais forte nos relacionamentos que ele fomentou.

Durante essa longa temporada de isolamento e separação causados pela pandemia, sempre pensei na capacidade do tio John para relacionamentos pessoais e seu compromisso irrestrito com todos os tipos de pessoas, independentemente das barreiras sociais, culturais ou raciais. Em virtude da generosidade e da dedicação às amizades, ele criou uma densa comunidade ao seu redor de pessoas surpreendentemente diferentes, enraizadas na graça de Cristo. É uma imagem maravilhosa do que a igreja pode ser para um mundo atormentado por divisão e indiferença.

***

A conferência da International Fellowship of Evangelical Students em Marburg, Alemanha, atraiu estudantes de todos os cantos da Europa e da ex-União Soviética. John foi o principal professor que ensinou a Bíblia, durante a reunião de quatro dias, falando todas as manhãs por quase uma hora, com tradução simultânea oferecida em mais de uma dúzia de idiomas diferentes, por meio de fones de ouvido.

Os tradutores eram todos voluntários, estudantes com pouca experiência que corajosamente se apresentaram para ajudar. Reconhecendo o desafio que seria para eles traduzir com rapidez, John se ofereceu para se encontrar com esses estudantes todas as tardes, a fim de repassar sua palestra para o dia seguinte.

Essas sessões da tarde se tornaram o ponto alto da semana para alunos e professores. Os ávidos tradutores pediam definições e esclarecimentos, muitas vezes rindo do inglês idiomático de John e, ocasionalmente, do seu indecifrável sotaque de classe alta. John ficou maravilhado com a energia e a dedicação deles e, com a maior alegria, esforçou-se para ter certeza de que estivessem tão preparados quanto ele. Quando falava pelas manhãs, ele diminuía o ritmo e fazia pausas após frases difíceis, a fim de dar tempo que seus novos discípulos o alcançassem.

Todas as noites, o outro orador principal, um famoso evangelista, inspirava a grande multidão de estudantes com histórias fascinantes e uma energia incrível. As pessoas da plateia que entendiam inglês ficavam maravilhadas. Os tradutores, no entanto, eram deixados para trás e a seco, e os ouvintes que não entendiam inglês ficavam confusos, tentando acompanhar a palestra. Essas palestras foram um “tour de force” (algo que exige muito esforço), compreendidas por menos da metade dos presentes.

Embora muitos líderes sejam conhecidos por seus egos, John é corretamente lembrado por sua humildade. Uma das marcas dessa humildade era sua profunda sensibilidade às necessidades dos outros e seu compromisso incansável em cuidar dessas necessidades. Sem se deixar distrair por preocupações consigo mesmo, ele tinha energia mental e emocional para cuidar das pessoas ao seu redor.

Enquanto alguns líderes buscam ver vislumbres de si mesmos nos olhos dos outros, John olhava nos olhos dos outros como janelas, e não como espelhos, procurando captar seus corações e mentes.

Na manhã final daquela conferência de Páscoa, John insistiu que os jovens tradutores saíssem de suas cabines à prova de som e se juntassem a ele no palco, para receberem o agradecimento de seus colegas. Foi o ponto alto da semana, durante o qual John se retirou silenciosamente dos holofotes.

Neste centenário do seu nascimento, oro para que Deus dê à igreja mais líderes como John Stott: líderes que entendam o valor da dor mental, que sejam generosos na amizade com as pessoas e humildes a ponto de não apenas compartilhar os holofotes, mas de sair inteiramente debaixo de seu brilho caloroso, a fim de transmitir o legado da liderança piedosa para a próxima geração.

John Yates é reitor da Igreja Anglicana da Santíssima Trindade em Raleigh, Carolina do Norte. Ele atuou como assistente acadêmico de John Stott de 1996 a 1999.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Os críticos de Simone Biles não reconhecem sua história de abuso físico

Alguns veem a ginasta olímpica como uma atleta que só pensa em si mesma. Mas sua saída da competição é um exemplo de como honrar nosso corpo, em vez de desprezá-lo.

Christianity Today July 31, 2021
Image: Picture Alliance / Contributor / Getty Images

As Olimpíadas sempre trazem surpresas, e essa primeira semana de competição em Tóquio não foi exceção. Na terça-feira, Simone Biles, capitã da equipe olímpica de ginástica feminina dos EUA e a ginasta americana mais condecorada de todos os tempos, retirou-se da disputa por equipes após atuações atípicas tanto no salto quanto no solo.

Na quarta-feira, Biles também se afastou da competição individual geral, citando como justificativa a necessidade de cuidar de sua saúde mental. Com uma chance quase garantida de dominar as competições, a escolha de Biles modela algo raro tanto nas competições esportivas quanto na cultura em geral: a humildade e a coragem de dizer “Basta”.

Embora muitos tenham apoiado a decisão de Biles, outros viram sua escolha como um fracasso. Vozes conservadoras da mídia, como Charlie Kirk , Matt Walsh e Jenna Ellis a consideraram uma desistente, equiparando seu foco em “saúde mental” à leniência ou à falta de força emocional. Eles chegaram a acusá-la de falhar com sua equipe e até mesmo com seu país. Outros relembraram o corajoso salto de Kerri Strug, em 1996, no qual esta encarou uma segunda tentativa, mesmo com uma evidente lesão, e acabou levando seu time ao ouro.

Afinal, o objetivo dos esportes competitivos não é levar o corpo humano a seus limites — ou mesmo além do que acreditamos serem seus limites? Até o apóstolo Paulo invoca a metáfora de submeter o corpo a uma disciplina rigorosa, escrevendo em 1Coríntios 9 que “Todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso, […] Mas esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não seja desqualificado para o prêmio”(v. 25-27).

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Embora sejamos chamados a disciplinar nosso ser físico (e também espiritual), levar o corpo humano aos seus limites não significa que limites não existam. Precisamos ter sabedoria e humildade para respeitar nossas limitações.

Mas você não saberia disso se estivesse seguindo as orientações da cultura mais ampla defendida pela Federação de Ginática dos EUA (USAG). Por décadas, a USAG negou obstinadamente esses limites, optando por tratar os atletas como seres descartáveis, fazendo-os passar fome e forçando corpos jovens a um ponto de ruptura, para depois deixá-los de lado, quando não fossem mais úteis para o objetivo da equipe.

Na verdade, foi dentro dessa cultura tão abusiva que Strug conquistou seu agora famoso segundo salto. Foi dentro dessa mesma cultura que as treinadoras da USAG, Bela e Marta Karolyi, administraram seu famoso “rancho” — um centro de treinamento oficial fechado após acusações de abuso. Foi essa mesma cultura que entregou ginastas vulneráveis e feridas ao médico e pedófilo Larry Nassar. E essa mesma cultura encobriu os abusos de Nassar, permitindo que ele continuasse a abusar de centenas de outras jovens ginastas, incluindo a própria Biles.

Demorou décadas, mas a vontade e a capacidade de Biles de dizer não a essa cultura representa uma mudança radical. Como Dominique Moceanu, a ex-atleta olímpica e companheira de equipe de Strug, tuitou: “A decisão [de Biles] demonstra que temos uma palavra a dizer sobre nossa saúde — uma palavra que ‘NUNCA senti que eu tinha o direito de dizer como atleta olímpica”.

Nos mesmos jogos olímpicos que garantiram a Strug um lugar na história, Dominique Moceanu, então com 14 anos, bateu com a cabeça na trave de equilíbrio e caiu. Em vez de ser avaliada imediatamente por um médico, ela continuou na competição. Enquanto isso, a própria lesão de Strug no salto encerraria sua carreira na ginástica aos 18 anos.

Essas histórias contrastam com a de Oksana Chusovitina, a ginasta do Uzbequistão que foi celebrada esta semana pela longevidade de sua carreira. Chusovitina finalmente se aposentou, aos 46 anos, depois de competir em impressionantes oito Olimpíadas. Ela começou em 1992 — cinco anos antes de Biles nascer. E embora os comentaristas possam atribuir sua longevidade a seu amor e compromisso com a ginástica, eu me pergunto se a resposta não é muito mais simples. Talvez as ginastas desfrutassem de carreiras mais longas se não fossem abusadas a ponto de não poderem mais competir.

Isso, eu diria, é o que os críticos de Biles não estão reconhecendo. Logo após sua saída, a realidade de sua história ficou ainda mais clara, uma história que é muito mais sombria do que seus detratores sugerem.

Ao citar a necessidade de se concentrar em sua “saúde mental”, Biles mencionou que estava sofrendo com “um pouco de twisties”, o que significa um colapso na conexão mente-corpo que é essencial para o desempenho de habilidades complexas. Os “twisties”, ou perda de noção de espaço, fazem com que o atleta perca a noção de sua posição no ar e podem levar a lesões graves. É também um fenômeno que pode ser provocado por estresse e trauma extremos — o tipo de sofrimento que a própria Biles suportou.

“O problema com a expressão ‘saúde mental’ é o fato de ser uma abstração que permite passar por cima do que aconteceu e, de certa forma, ainda está acontecendo com Simone Biles”, escreve Sally Jenkins, colunista do Washington Post. “Até hoje, os oficiais olímpicos americanos continuam a traí-la. Eles negam que tenham o dever legal de proteger tanto ela quanto outras atletas do estuprador e pedófilo Larry Nassar, e continuam a se esquivar da responsabilidade com manobras judiciais. O abuso é um fato atual para ela”.

Usemos o devido nome: Simone Biles é uma atleta que compete sob os efeitos combinados de traumas mentais, emocionais, sexuais e físicos. O fato de sua conexão mente-corpo ter escolhido este exato momento para falhar não deveria surpreender ninguém.

Mas como atleta experiente e mulher madura que é, Biles também sabe o perigo que uma mente desorientada representa. Em vez de seguir em frente, ela teve a coragem de rejeitar essa cultura que quer vencer a qualquer preço, e disse: “Chega”.

Realmente condenável é o fato de quantos de nós ainda confundirmos sua humildade e coragem com humilhação, autopreservação egoísta ou idolatria do bem-estar pessoal. Nenhum de nós pode saber os motivos de Biles. Frequentemente, nem mesmo entendemos plenamente os nossos motivos. Mas o que podemos observar é como ela respondeu às limitações humanas em uma cultura que regularmente abusava delas. Quando enfrentarmos dilemas semelhantes — seja no emprego, no ministério ou nos relacionamentos — nós também poderemos ter a humildade de abraçar nossa própria fragilidade humana e a coragem de falar a verdade sobre ela.

A encarnação de Cristo nos dá um modelo de como honrar o próprio corpo que tantas vezes desprezamos. No final, o que tornou nossa salvação possível foi a disposição de Cristo de aceitar as limitações da carne humana — com sua fragilidade, seus males, sua desorientação. Não devemos nos surpreender, portanto, que o fato de aceitar nossos próprios limites também leve à liberdade e à vida.

Paulo diz em Filipenses 4.13: “Tudo posso naquele que me fortalece”. Essa frase é frequentemente invocada para celebrar o triunfo da vontade, mas podemos aprender a interpretá-la sob outra luz. Pois, no versículo posterior, Paulo escreve o seguinte: “Apesar disso, vocês fizeram bem em participar de minhas tribulações”.

Se a humildade nos ensina a aceitar nossos limites, a coragem nos liberta para compartilhá-los com os outros. Em troca, conseguimos quebrar ciclos de abuso e receber os cuidados de que precisamos. Na quarta-feira à noite, após aquilo que os críticos consideraram ter sido o seu maior fracasso, Biles twittou : “As incontáveis demonstrações [de] amor [e] apoio que recebi me fizeram perceber que sou mais do que minhas conquistas e habilidades na ginástica, algo em que nunca acreditei de verdade antes.”

Que todos nós possamos perceber o mesmo.

Hannah Anderson é autora de Made for More, All That’s Good, e Humble Roots: How Humility Grounds and Nourishes Your Soul.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Se seu filho deixar a igreja, não se desespere. Mas aja rapidamente.

Há uma janela de oportunidade para trazer os jovens de volta, depois que eles deixam a religião institucionalizada, diz a socióloga Melinda Lundquist Denton.

Christianity Today July 28, 2021
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Tuyon Vo / Annie Theby / Milo Bauman / Unsplash

Quase duas décadas atrás, um pequeno grupo de sociólogos embarcou em um projeto de pesquisa longitudinal chamado Estudo Nacional sobre Juventude e Religião (NSYR, em inglês). Promovido pela University of North Carolina em Chapel Hill e pela University of Notre Dame, os pesquisadores do NSYR acompanharam a vida de fé de jovens dos Estados Unidos por um período de dez anos, desde o início da adolescência até a entrada na idade adulta. Suas descobertas foram relatadas em três livros: Soul Searching, Souls in Transition e A Faith of their Own.

A grande conclusão desse projeto gigantesco está no livro Back Pocket God: Religion and Spirituality in the Lives of Emerging Adults, escrito em coautoria por Melinda Lundquist Denton, professora associada de Sociologia da Universidade do Texas em San Antonio, e Richard Flory, diretor sênior de pesquisa e avaliação no Centro de Religião e Cultura Cívica da University of Southern California.

A CT falou com Lundquist Denton sobre a queda dramática na frequência à igreja entre os jovens adultos e o que isso significa para o discipulado que está sendo feito nas casas, nas salas de aula e nos templos.

(Clique aqui para uma entrevista semelhante, feita com Christian Smith, coautor de Handing Down the Faith.)

Antes de entrarmos em detalhes, gostaria de saber sua opinião pessoal. Ao relembrar esses anos de pesquisa, qual é o seu sentimento preponderante em relação ao futuro da igreja?

Não estudamos congregações, não olhamos para igrejas. Olhamos para os indivíduos e sua conexão — ou não — com as igrejas. Dito isso, podemos dizer que aprendemos algumas lições sobre o assunto conversando com pessoas de todo esse grupo de jovens. De modo geral, penso que, se esse grupo de jovens for representativo, então, com o passar do tempo, o compromisso vitalício com as organizações religiosas será algo cada vez mais escasso. Realmente creio que a igreja terá de lutar para manter as gerações futuras. Não penso que isso seja novidade para ninguém.

Não, não é. Mas você viu isso de perto.

Não creio que seja nem mesmo uma questão de “Oh, basta ser relevante para compreender esta geração”. Creio que os relacionamentos dentro das instituições estão mudando como um todo, e os jovens adultos não veem a igreja acompanhar o rumo que a vida deles está tomando. Portanto, há muitas questões que se cruzam, sobre as quais poderíamos falar.

Vamos falar sobre o que você chama de categoria “comprometida” de jovens adultos. Como, exatamente, esse grupo se destacou?

No âmbito religioso, fazemos uma distinção entre pessoas que são constantemente comprometidas e cuja religião faz parte de sua vida e pessoas que são apenas marginalmente ligadas à religião. E, entre as constantemente comprometidas, existem dois subgrupos. Há um grupo bem pequeno, para quem a religião é o que chamamos de motor de sua vida. É a força motriz de sua vida; tudo o que eles fazem é baseado em sua fé, e ela é parte do que motiva suas escolhas de vida, carreira, decisões na formação educacional. É um grupo bem pequeno de pessoas. Encontramos alguns deles, mas não muitos.

Melinda DentonIllustration by Mallory Rentsch / Source Images: Portrait Courtesy of
Melinda Denton

E há o grupo de jovens religiosos constantemente comprometidos para quem a religião faz parte de um pacote mais amplo. Para estes, a religião não é o que conduz, mas sim o que complementa todo o restante da vida deles. Seu raciocínio segue esta linha: “Eu tenho emprego, formação, minha família e uma religião, e todas essas coisas se encaixam nesta versão de uma vida feliz”.

A religião é importante na medida em que é uma parte significativa desse pacote mais amplo da vida deles. Tornou-se algo incorporado à rotina. Portanto, esses jovens estão dispostos a permanecer comprometidos. Eles frequentam a igreja regularmente e a fé faz parte de sua identidade. Mas eles têm uma percepção diferente sobre o papel que a fé desempenha em relação ao restante de sua vida.

Nas pesquisas, os dois grupos aparecem como religiosamente comprometidos. Ambos vão à igreja semirregularmente e acreditam em Deus. Eles parecem iguais nas pesquisas, mas em nossas entrevistas identificamos essa diferença entre os que são rotineiramente comprometidos com a religião, como um dos muitos aspectos de sua vida, e os altamente comprometidos — para quem a religião é de fato a força que move sua vida. Portanto, queríamos fazer essa distinção; mesmo que, com base nos dados da pesquisa, eles apareçam no mesmo grupo, há realmente essa diferença.

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Você concentra grande parte da obra Back Pocket God naqueles que não abandonaram a fé e podem de fato estar até aumentando seu compromisso. Conte-nos sobre isso — algo que você chama de “alta categoria estável”.

Há um grupo de jovens que são religiosos ou comprometidos com a fé. Eles ainda frequentam regularmente a igreja e a fé faz parte da sua identidade. Esse grupo parece se manter estável ao longo do tempo.

Quando dizemos que o compromisso está cada vez mais forte, existem duas explicações para isso. A primeira é o desgaste — a eliminação daqueles que estavam menos engajados religiosamente. Então, como grupo, eles parecem mais religiosos porque você eliminou os indivíduos menos religiosos desse grupo. Isso certamente é em parte o que está acontecendo: o grupo em si pode ser menor, mas é um núcleo comprometido.

Também parece haver evidências de que aqueles que permanecem nesse núcleo de fato comprometido se tornam mais e mais comprometidos. À medida que crescem e passam da adolescência para a idade adulta — e esse foi o título do segundo livro, A Faith of their Own [Uma fé própria] , eles passam pelo processo de assumir a fé como algo seu, decidindo: “Vou abraçar essa fé ou não?” Assim, com o passar do tempo, a religião se torna mais incorporada à sua vida.

Portanto, por essas duas razões, quando comparamos os protestantes evangélicos comprometidos da Onda 4 [a última fase do estudo] com os protestantes evangélicos comprometidos da Onda 1 [a primeira fase do estudo], vemos ligeiros aumentos em questões como importância de fé, crença em Deus e esse tipo de coisa.

Parece que há um esvaziamento no meio. Portanto, quando os cristãos nominais abandonam a igreja, aqueles que permanecem encontram-se no topo do engajamento religioso.

Sim. Não quero dar muita ênfase a isso, mas, em certo sentido, é o que acontece. Eu não diria que isso significa que essas pessoas estão empolgadíssimas com a fé. Algumas estão, mas creio que, como um todo, o nível caiu.

Esses jovens ainda estão no ponto alto; os que não saíram são comprometidos. Entre esse grupo, você tem um pequeno segmento para o qual a fé é a força motriz de sua vida. Essas pessoas estão se aprofundando e a fé tem se tornado cada vez mais o foco para elas.

Mas, para a maioria que ainda está na igreja, há um aspecto instrumental em seu compromisso religioso. O compromisso pode ser impulsionado pelo fervor religioso, mas mais frequentemente parece ser impulsionado pela ideia de que “esta é a vida que quero viver” ou “a fé facilita a vida que escolhi”. Para alguns, a religião faz parte desse pacote mais amplo de vida. Para eles isso está relacionado com viver o sonho americano, e a religião é apenas parte desse pacote. Mas, dito isso, por estarem comprometidos com o pacote, eles estão comprometidos com a fé.

Há um certo pragmatismo aí. E o nível está mais baixo. Então, os mais estáveis na fé estão operando abaixo do nível que esperaríamos encontrar talvez vinte ou trinta anos atrás. É isso mesmo?

Em termos de participação na religião organizada, essas expectativas são menores ao longo do tempo para esse grupo, com certeza. Em termos comparativos, simplesmente não há a expectativa de estar sempre na igreja ou de ser altamente ativo em uma congregação religiosa. Esse tipo de coisa.

Acabei de extrair uma citação do livro, que diz: “Relatos de gente que nunca comparece a cultos religiosos aumentaram 33 pontos percentuais em dez anos, de 18% da amostra, em 2003, para 51% da amostra, em 2013.” Essa é uma queda notável na frequência à igreja.

Correto. Quando olhamos para todas as outras métricas, não há esse grau de mudança. É na frequência que vemos a grande mudança. Eu mesmo, tendo seguido o estudo até o fim, quando vi aqueles 51%, fiz questão de refazer os cálculos, porque tinha certeza de que não estavam corretos. Eu pensei: “Isso é muita coisa”. Das pessoas entrevistadas, 51% nunca compareceram a cultos religiosos. Isso significa que basicamente metade de todos esses jovens nunca pôs os pés dentro de uma congregação religiosa. O que, por um lado, não é tão surpreendente, mas, por outro, é uma grande mudança, de 18% para 51% em dez anos. É dramático.

Isso é realmente dramático. As estatísticas refletem o esvaziamento do meio, mas a partir da outra extremidade do espectro.

Sim, é um grande aumento dos que nunca frequentam, e os que nunca frequentam estão vindo das categorias dos frequentadores esporádicos. O número de frequentadores semanais caiu quase pela metade, mas a maior mudança foi entre os que nunca frequentam.

Ao longo dos dez anos do estudo, você identificou alguma correlação entre a frequência à igreja e a importância que os jovens dão à fé na vida diária?

Sim, existe uma relação entre esses fatores; eles não são totalmente independentes um do outro. É enganoso pensar: “Tudo bem, os integrantes desta geração podem se afastar da religião institucionalizada, mas eles ainda terão uma vida espiritual interior vibrante”. Não terão. Isso não está acontecendo. Eles podem dizer em pesquisas que Deus é importante para eles, mas, na prática cotidiana, fazer parte de uma comunidade religiosa é importante para cultivar uma vida espiritual.

Práticas e perspectivas caminham juntas.

O que isso significa para líderes, pais e pastores?

Bem, talvez tenhamos de reimaginar como é a participação na igreja. Estamos passando da fase do “se você construir, eles virão”. Eles não estão aparecendo. E isso importa.

O outro lado da moeda é que existe uma janela de oportunidade. Esses jovens não se opõem a se engajar, não se opõem à fé, nem à religião. Há ceticismo em relação à igreja, mas não há tanta animosidade em relação a ela. Então, o que dissemos no caso dos que são jovens é: “Não desista de envolvê-los; eles estão dispostos a se comprometer.”

Não há esse grupo de jovens que diz: “Oh, a igreja, não quero ter nada a ver com ela”. Simplesmente, esse engajamento não está no topo de suas prioridades de vida. Portanto, mesmo quando eles não estão frequentando a igreja nem estão realmente envolvidos, há uma oportunidade de se engajarem novamente nesse nível. Não sei se isso faz algum sentido.

Sim, faz.

O que vemos é que as pessoas estão mudando para as categorias “nunca frequenta” ou “não é religioso”, mas isso não está acontecendo da noite para o dia. Então, há essa janela entre quando eles não estão mais participando regularmente, mas ainda estão abertos à religião.

Os jovens adultos que você estudou podem se dizer leais à fé. Mas será que conseguem articular crenças doutrinárias específicas?

Na verdade, não. Mas, para ser justo, os adultos também não conseguem.

Isso é verdade.

Dissemos desde o início: “Aqui estão todas as nossas descobertas, mas, por favor, entendam que não estamos implicando com esse grupo de pessoas”. Não pensamos que elas estão sozinhas nessa falta de articulação. A questão é que elas estão na faixa etária que estudamos.

Na primeira rodada do estudo, vimos a resistência de pessoas que disseram: “Bem, eles têm entre 13 e 17 anos, é claro que não são articulados”. Mas não parece que se trata de uma questão de capacidade cognitiva. Não parece ter a ver com a idade. À medida que ficam mais velhos, esses indivíduos não ficam mais articulados a respeito da sua fé.

Não parece ser algo que eles achem particularmente importante serem capazes de articular. Suas respostas lhes parecem ser boas o suficiente. De tempos em tempos, chegamos e cutucamos, insistimos e pedimos que se expliquem, mas, além de nós, ninguém está pedindo que expliquem sua fé. Portanto, não constatamos mudanças ao longo do tempo no que se refere à articulação da fé.

Uma vez que você está detectando essa incapacidade de articular as doutrinas, que medidas compensatórias você recomenda, se houver algumas?

Em parte depende do seu contexto. Não sei se a solução é diferente da que falamos há dez anos: conhecer as doutrinas da fé é como aprender uma segunda língua, é algo que você aprende por imersão. Então, se esse fenômeno não faz parte do que está ocorrendo em nossas congregações e em casa, com os pais; se os jovens não estão ouvindo essa “língua” regularmente, logo, não se trata de algo que se possa simplesmente ensinar em uma aula de catecismo ou como algo à parte.

É preciso fazer parte da cultura do grupo religioso para que seja assimilado. Não tenho certeza se é eficaz dizer: “Vamos promover um treinamento, vamos ter uma aula adicional, ou algo assim.” Isso precisa fazer parte da cultura da tradição religiosa. E por cultura me refiro à cultura da igreja, mas também à família — se seus pais estão falando sobre a fé no dia a dia do lar.

Seu colega Christian Smith cunhou um conceito que ficou conhecido como deísmo terapêutico moralista. Ele é mais predominante do que há dez anos?

Vimos esse fenômeno ocorrer na Onda 4 do estudo. Na verdade, nós o chamamos de “deísmo terapêutico moralista 2.0”. Em sua concepção original, a ideia é que Deus é um mordomo. Existe um ser divino lá fora e, quando eu precisar dele, posso tocar um sininho e requisitar seus serviços, pois o objetivo da vida é ser feliz. Mas, agora, houve uma mudança. A parte do deísmo diminuiu um pouco, e isso é referenciado no título do livro. Passamos de um Deus visto como mordomo divino para um Deus [que carrego] em meu bolso traseiro, e o papel de Deus tornou-se mais [o de um Deus] recrutado.

Então, penso que este pensamento ainda vigora: Deus foi reduzido ainda mais. Tornou-se alguém útil apenas para quando eu preciso dele. É uma perspectiva muito mais instrumental. Mas não creio que a mudança seja dramática. É apenas uma transformação do conceito original.

E a relação adjacente entre a igreja e a vida pública, entre a fé e a prática da fé na política?

Quando os jovens adultos falam sobre religião institucionalizada e a igreja, eu os ouço dizer: “Bem, elas caminham juntas no que se refere a todas as questões que são importantes para mim. E, na medida em que estão relacionadas, realmente não vejo como a religião muda as coisas — sendo que, em alguns casos, até torna as coisas piores. Posso ser uma boa pessoa, amar o meu próximo e acolher e aceitar os outros sem religião”.

Portanto, existe a sensação de que a religião está fora de alcance ou não é algo distinto. A pergunta é: como abordar as questões que são importantes para eles de uma forma que seja distinta, mas não alienante?

É um grande enigma sobre o qual líderes eclesiásticos e pais precisam pensar.

Sim. Temos de enfrentar duas questões difíceis: o que a igreja tem a oferecer que os jovens adultos não podem obter em nenhum outro lugar? E como podem aceitar o que a igreja tem a oferecer sem que isso os separe do mundo ao qual desejam estar engajados?

Traduzido por: Maurício Zágari

Anunciamos o Concurso Internacional de Artigos da Christianity Today

Compartilhe sua sabedoria, sua perspectiva e sua visão teológica. Nós vamos traduzir o texto vencedor.

Christianity Today July 26, 2021
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Nguyen Dang Hoang / Unsplash / WikiMedia Commons

No ano passado, publicamos mais de 500 traduções de artigos da Christianity Today em cerca de 14 idiomas. Estamos entusiasmados com o fato de tantos de nossos artigos e notícias terem tido repercussão em leitores de todo o mundo. Agora queremos trazer aos nossos leitores de língua inglesa a sabedoria, a perspectiva e a visão teológica dos leitores internacionais, em artigos escritos em sua própria língua.

Este ano, estamos realizando um concurso de artigos em português, bem como em espanhol, francês e bahasa indonésio. Você escreverá um artigo no seu idioma, e ele será julgado por três a cinco líderes cristãos e teólogos de locais que falem esse mesmo idioma. Os artigos vencedores serão traduzidos do português para o inglês e publicados no site da Christianity Today em ambas as línguas.

O artigo que você inscrever no concurso deve ser consistente do ponto de vista fático, ser bem pesquisado e — como nosso título sugere — ter a ver com o cristianismo de hoje. Estamos interessados em artigos bem escritos e bem fundamentados, que forneçam uma nova perspectiva e conectem a mensagem eterna do evangelho a tendências, cultura, eventos e notícias atuais. Por favor, não diga aos cristãos o que eles devem fazer; em vez disso, convide-os a refletir melhor sobre sua fé no que diz respeito a determinado evento ou assunto.

Estamos interessados em ler argumentos que sejam únicos, surpreendentes e que comuniquem uma perspectiva do Evangelho sobre determinado assunto que desarmará os leitores e despertará sua curiosidade. Os artigos escritos em primeira pessoa devem aplicar a experiência pessoal a um conceito mais amplo de fé e de verdade bíblica. Estamos mais interessados em histórias de cristãos que vivam sua fé de maneiras singulares, que impactem o mundo para melhor e comuniquem a verdade de forma profunda, matizada e desafiadora.

Seguem abaixo três temas sobre os quais você pode escrever:

Encarnação

Explique-nos o que você considera poderoso sobre a encarnação em 2021. Por exemplo:

O que os acontecimentos atuais fizeram você pensar de diferente sobre a encarnação de Cristo?

Como um estudo mais profundo da encarnação moldou seus relacionamentos?

Há alguma perspectiva sobre a encarnação que seja exclusiva de sua cultura ou de sua tradição e que possa servir como uma dádiva para a igreja global mais ampla?

Por que a encarnação de Cristo é importante no evangelismo — em particular no seu próprio contexto cultural nos dias de hoje?

Como uma experiência, um relacionamento ou um evento específico e singular de sua vida poderia atuar como uma janela para uma reflexão mais profunda sobre a encarnação?

Escreva sobre estas questões ou outra relacionada que achar interessante.

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Restauração e Reconciliação

Conte-nos sobre algo surpreendente que Deus esteja fazendo de novo em 2021 e como está realizando isso. Por exemplo:

Considerando a forte polarização política e o ressurgimento do discurso de ódio em muitos contextos do mundo, como você acha que os cristãos poderiam contribuir no desenvolvimento de um ministério de reconciliação que una as pessoas em nome de Jesus, em vez de separá-las?

O que o resto do mundo precisa saber sobre algo que você esteja vendo de perto e que está mudando/sendo restaurado/crescendo?

Existe algo em seu contexto que foi ferido pela igreja local? Como a igreja local está trabalhando para tratar dos danos que causou?

Como alguma passagem bíblica específica pode falar sobre restauração de uma forma que seja particularmente relevante para seu contexto cultural nos dias de hoje?

Sabe de algum exemplo impactante de restauração (relacionado a pessoas, grupos, eventos etc.) que possa transmitir verdades poderosas para a igreja em geral?

Existe algo que Deus não está restaurando e que esteja fazendo você perder a fé? Como está lutando contra isso?

Como o Espírito Santo anima a obra de restauração — e de que modo já testemunhou a obra do Espírito trazer cura e integridade ao que está quebrado?

Esperança

Diga-nos como é, para os cristãos, ter esperança nestes tempos em que vivemos. Por exemplo:

Há ocasiões em que os cristãos devem perder a esperança? Por quê?

O que, especificamente, lhe dá esperança em meio à escuridão? Como a esperança de fato se parece para um cristão em tempos de dificuldade?

Como a verdadeira esperança cristã difere de uma visão meramente sentimental e emocional da esperança?

O que os cristãos precisam a fim de ter credibilidade para chamar seus próximos não cristãos a terem esperança?

Como você entendia a esperança antes da pandemia? De que modo os eventos recentes mudaram o que pensava saber sobre o assunto?

Como é para a igreja ter esperança em conjunto, coletivamente?

Como você encontra esperança quando reflete e luta sobre a questão das mudanças climáticas?

Existe alguma história ou exemplo real em seu contexto que exemplifique uma esperança cristã robusta?

Informações para o envio

Por favor, envie seu artigo por e-mail para malbuquerque@christianitytoday.com até o fim de setembro de 2021.

No assunto do e-mail coloque: “Concurso de artigos da Christianity Today – [Seu nome e sobrenome]”

Cada artigo deve ser formatado separadamente em um documento digitado em espaço simples

Nomeie seu documento da seguinte maneira: Sobrenome, Nome — Título

Envie seu artigo como um link ou anexo.

Inclua seu nome completo e uma pequena biografia no e-mail (50 palavras ou menos)

Forneça o total de palavras de seu artigo

Detalhes

Os artigos enviados devem ter entre 1.200 e 1.500 palavras.

Você pode enviar mais de um artigo para julgamento. Podemos publicar mais de um artigo por pessoa que tenha sido submetido, mas apenas um artigo por pessoa estará entre os vencedores e os segundos classificados.

Não podemos aceitar inscrições atrasadas para o concurso, mas ainda assim iremos considerá-las para publicação.

Todo o conteúdo deve ser original.

Verifique a ortografia e a gramática. Forneça o link para quaisquer fontes externas.

Seu artigo será editado, antes da publicação, pelos editores da Christianity Today e o título pode ser alterado.

Prêmios

Teremos um vencedor por idioma.

O vencedor do concurso deste ano ganhará um prêmio de 250 dólares e uma assinatura de três anos da Christianity Today. Também terá seu artigo publicado no site da Christianity Today.

Se o artigo que enviou não vencer, ainda assim podemos publicá-lo. Ao enviar seu artigo, você concorda este que seja considerado pelos editores da Christianity Today para publicação futura.

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Pastores e pais de jovens divergem sobre o propósito central da igreja

O sociólogo Christian Smith diz que a maioria das mães e dos pais americanos veem o Corpo de Cristo como nada mais do que uma fonte de recursos para os filhos.

Christianity Today July 25, 2021
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Annie Spratt / Tuyen Vo / Unsplash / Mixetto / Getty Images

Pais cristãos de qualquer lugar aspiram “educar o filho no caminho em que deve andar” (Pv 22.6), mas, às vezes, ficam divididos entre “não provoque a ira de seus filhos” (Ef 6.4) e “Quem poupa a vara odeia seu filho” (Pv 13.24). Encontrar o equilíbrio na educação cristã dos filhos é difícil, por qualquer ângulo que se olhe.

A maneira que mães e pais religiosos equilibram a autonomia crescente de seus filhos com um discipulado robusto é o tema de um novo livro, “Handing Down the Faith: How Parents Pass Your Religion to the Next Generation” [Transmitindo a fé: como os pais passam sua religião para a próxima geração], de Christian Smith, professor de Sociologia da Universidade de Notre Dame, e Amy Adamczyk, professora de Sociologia do John Jay College of Criminal Justice da City University of New York (CUNY).

Lyman Stone, demógrafo especializado em fertilidade e família, conversou com Smith sobre como sua pesquisa se conecta com o Estudo Nacional sobre Juventude e Religião (NSYR), por que a fé dos jovens adultos tornou-se mais consumista do que nunca e como pais e pastores de jovens costumam se desencontrar em seus esforços para discipular a próxima geração de cristãos.

(Clique aqui para ver uma entrevista com Melinda Lundquist Denton, pesquisadora do NSYR e co-autora de “Back Pocket God”).

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Qual foi sua reação pessoal às descobertas da pesquisa?

Eu diria que começamos a entender a importância dos pais muito antes, quando estávamos estudando adolescentes no National Study of Youth and Religion, algo que teve início em 2000. Mas duas novas constatações nos surpreenderam muito.

A primeira surpresa ao conversar com pais religiosos dos Estados Unidos foi ver como todos eles falam sobre por que desejam criar seus filhos dentro da religião, qual é o valor de ser religioso e como desejam conduzir a educação religiosa dos filhos.

Na sociologia, há muita ênfase em diferença e diversidade, e esperávamos ouvir pais de tradições e classes sociais diferentes falar sobre a paternidade dos modos mais variados. Mas acabamos descobrindo que todos dizem basicamente as mesmas coisas. Até mesmo budistas, muçulmanos, hindus e mórmons têm uma maneira semelhante de entender a educação religiosa que pretendem dar aos filhos.

Christian SmithIllustration by Mallory Rentsch / Portrait Courtesy of Christian Smith
Christian Smith

A outra constatação, que não nos surpreendeu, mas ainda assim vale ressaltar, é que a maioria dos pais acha que o que realmente é importante ao criar os filhos na fé é o fato de que isso será bom para eles neste mundo. Há muito pouca referência à salvação ou à eternidade. O foco está muito neste mundo, pois os pais creem que a religiosidade fará os filhos mais felizes e os capacitará a fazer escolhas melhores. Portanto, penso que os pais religiosos têm uma lógica muito imanentemente orientada, e não transcendentemente orientada.

A outra grande surpresa foram as opiniões dos pais sobre suas congregações religiosas. A crença popular é que os leigos querem apenas despejar seus filhos na igreja e deixar que os pastores de jovens cuidem da religião. Mas descobrimos que os pais desejam apenas que a igreja seja amigável e proporcione um bom ambiente para os filhos, pois creem que é trabalho deles, pais, cuidar dos assuntos religiosos. Parece haver uma espécie de discrepância entre como o clero e os pastores de jovens pensam sobre o envolvimento dos pais e a maneira que os próprios pais descreveram esse envolvimento.

Qual é a conexão entre seu livro e o National Study of Youth and Religion?

Quando começamos o NSYR, não pensávamos nos pais. Esse não era o foco. Mas, ao longo do estudo, tornou-se muito clara a importância dos pais na formação dos filhos. Percebemos que aquilo que os pais estão fazendo com os adolescentes realmente importa mais do que a mídia, a escola ou os amigos. Vimos que, se realmente quiséssemos compreender esse fato, precisávamos fazer um estudo focado em pais religiosos.

No livro, você diz que uma parte central do seu argumento é que o conceito de religião mudou fundamentalmente de um “projeto de solidariedade comunitária” para um “acessório de identidade pessoal”. Você pode explicar brevemente o que isso significa?

Esta é a minha interpretação histórica de nossas descobertas, uma tentativa de extrair o melhor sentido teórico que consigo do que está acontecendo. A ideia de projeto de solidariedade comunitária é que, em uma época anterior da história americana, a religião teria sido muito mais uma experiência coletiva e comunitária. Teria sido algo que as pessoas tinham em comum e que seguia uma dinâmica muito mais social. Os pais não teriam tanto encargo para promover a religião, pois era algo que simplesmente fazia parte da vida da comunidade. Com o tempo, esse mundo se dissolveu.

Ainda existem bolsões aqui e ali, mas, na maior parte, a religião foi redefinida. É algo individualista que pode ou não fazer parte da identidade pessoal de alguém, junto com outras características — como carreira, orientação sexual ou hobbies. A fé religiosa pode ser uma parte dessa noção mais ampla de identidade individual. Você pode escolher seguir uma religião ou não. O resultado disso é muita pressão sobre os pais.

À medida que as congregações refletem sobre essa mudança, especialmente no contexto dos programas que oferecem, quais são as implicações?

Os pais estão olhando para as igrejas basicamente como fontes de recursos. Para eles, elas não são uma forma de viver em comunidade. Não são um conjunto de pessoas que incorporam uma forma de viver alternativa ou renovada. São apenas recursos. Minha sensação é que o clero entende isso até certo ponto.

Eu não desejo prescrever nada. Mas, se as congregações querem ser capazes de se conectar com a visão que os pais têm hoje e talvez levá-los a outro patamar de entendimento, precisam pensar sobre quais recursos os pais desejam. Mas eu odeio falar desse modo, pois soa como marketing.

Não entendi.

Embora [seja dessa forma], sim, há implicações. Eu diria que a maneira de pensar sobre isso em termos de fidelidade é mais ou menos assim: se o que os pais estão exigindo não é exatamente o que queremos oferecer, você não pode simplesmente ignorar os pais.

Então, como criar um ambiente que alcança as pessoas onde elas estão e as atrai para algo além disso, sem se tornar apenas um dispensário de recursos religiosos para as pessoas escolherem segundo lhes convém?

Essa questão tem grandes implicações teológicas.

Um tema importante em suas entrevistas é que muitos pais — ou mesmo a maioria deles — preferem usar métodos indiretos para transmitir aos filhos sua religião. Não tanto métodos do tipo “faça seu filho sentar-se e lhe dê um sermão sobre a fé”, mas, em vez disso, métodos como “mostrar a ele o que está acontecendo e, por osmose, ele vai aceitar a religião ao longo do caminho”.

Mas você descobriu que a frequência das conversas sobre religião entre pais e filhos teve forte impacto no sucesso dos pais em transmitirem aos filhos sua religião. O que você acha dessa incongruência? Os pais religiosos estão adotando uma estratégia ruim?

Não acho que seja uma incongruência muito grande. Em primeiro lugar, os pais mais bem-sucedidos estão apenas sendo eles mesmos. Eles não estão dizendo: “Oh, meu Deus, meu filho já tem 7 anos, é melhor eu começar algum tipo de ensino religioso”. Eles estão sendo autênticos, sendo apenas quem são. E parte de quem eles são é que pensam sobre as questões da vida à luz de sua fé religiosa.

Alguns deles fazem isso de forma mais intencional do que outros. Creio que aqueles que têm mais sucesso em transmitir sua fé aos filhos ou já são de início tão autenticamente religiosos ou são intencionais ao dizer: “Ei, precisamos prestar atenção a isso e não apenas deixar que aconteça”. Em outras palavras, existe uma maneira de fazer algo por osmose que, ainda assim, é intencional.

O que absolutamente não funciona (e que os pais não vão tentar fazer, de qualquer forma) é a abordagem de “faça seu filho sentar-se e lhe passe um sermão sobre o assunto de uma hora por semana”. Os pais estão preocupados demais com a possibilidade de seus filhos se tornarem rebeldes e, por isso, estão dispostos a fazer essa transmissão de princípios religiosos com luvas de pelica. Penso que os pais, em sua maioria, têm essa sensação de estarem preocupados em “exagerar”. Eles estão preocupados em insistir muito, em não ser muito diretos, mas, ainda assim, pressionam e estimulam o máximo que podem.

Vamos voltar ao que você disse sobre pais que tinham expectativas relativamente modestas em relação à sua congregação religiosa. Eles se viam como o ator principal na formação religiosa de seus filhos. Mas se os pastores de jovens, por exemplo, veem os pais como muito desinteressados e os pais se veem como muito engajados nesse processo, o que poderia explicar essa diferença de visões?

Em primeiro lugar, devo dizer, não fizemos uma etnografia dos pais. Não fomos até a igreja com alguém e pegamos seus filhos no grupo de jovens. Portanto, nos baseamos no que pais e adolescentes relatam em entrevistas e pesquisas. Mas minha percepção das coisas ao estudar o tema ao longo dos anos é que provavelmente se trata de uma combinação de fatores. Pode ser que os pastores de jovens queiram mais investimento direto dos pais, mas os pais simplesmente não queiram fazer isso dessa maneira.

Minha suspeita é que muitos pastores de jovens obtêm informações sobre os pais a partir do que os adolescentes falam. Eles não saem para tomar um café com os pais, por exemplo. Não estou dizendo que os adolescentes estejam mentindo, mas, obviamente, eles darão uma perspectiva própria sobre o que está acontecendo em casa.

E, provavelmente, parte disso são apenas expectativas. Se você é contratado como pastor de jovens, está disposto a fazer grandes coisas. Mas, então, se vê em uma situação em que as famílias já têm suas rotinas estabelecidas. E essa é, provavelmente, uma situação frustrante para um pastor de jovens, certo?

Talvez, de acordo com seu ponto anterior, o clero ou os pastores de jovens tenham em mente um tipo de religião diferente da que os pais têm, e realmente queiram que algo transcendente seja comunicado. E isso afeta aquele modelo cultural de criação de filhos que você descreveu — em que os pais veem a religião como uma espécie de formação moral para preparar os filhos para a jornada da vida e, além disso, como uma forma de construir a solidariedade familiar.

Além da formação moral, eu diria que a religião lhe dá uma espécie de base, um lugar para voltar quando as coisas vão mal.

Então, é uma questão moral, mas também psicológica, emocional, mental e relacional. O que, como prevejo que você esteja prestes a apontar, eu duvido que seja algo que os pastores aprenderam no seminário.

Como missionário e pai, acho esse panorama assustador para o futuro de meu filho. Para mim, é preocupante a ideia da religião como um script psicológico, emocional e moral desvinculado de questões existenciais ou fundamentalmente espirituais. O fato de a pesquisa ter descoberto isso surpreendeu você?

Em certo nível, sim. Eu esperava que houvesse mais uma mescla de todas essas coisas, pelo menos. Em outro nível, tendo estudado por décadas a religião nos Estados Unidos, não, não foi surpreendente. A religião nos Estados Unidos acabou por se tornar muito terapêutica, voltada para o consumo e para este mundo.

Você levantou anteriormente a questão da incongruência, mas eu diria que essa é a verdadeira incongruência. A questão não é tanto as diferenças de estratégia entre pais e pastores de jovens, mas o entendimento de para que serve a igreja. Penso que os principais atores envolvidos nas igrejas têm ideias muito diferentes sobre o que estão fazendo lá. O que é fascinante, do ponto de vista sociológico, é como essas pessoas podem levar adiante essa incongruência por anos a fio e não descobrir realmente as diferenças entre si — como se, na verdade, não percebessem: “Oh, temos realidades totalmente diferentes acontecendo aqui”.

Por curiosidade, fiz uma pesquisa com meus seguidores no Twitter para saber a opinião deles sobre alguns elementos do modelo cultural que você descreve.

Eles não são uma amostra representativa, mas descobri que a grande maioria discordava da ideia de que exclusividade na religião seja algo ruim ou que ser pai é basicamente ajudar os filhos a descobrir quem são. Você acredita que existam subgrupos significativos da população que possam estar resistindo conscientemente a esse modelo cultural que você identificou?

Sim, e eu diria duas coisas. Primeiro, os seguidores do Twitter de alguém que está fazendo doutorado em demografia, que é um missionário e escreve para a Christianity Today não são o perfil comum de pais religiosos americanos. Também acho que esse fato demonstra o último ponto que você levantou: é claro que existem grupos de pessoas que não se conformam a esse modelo cultural.

Mas ficamos completamente admirados com o quanto todos esses pais falam de maneira semelhante. Penso que é justo dizer que existe esse modelo dominante, embora ele não tenha transformado todos em robôs.

Existem claramente subgrupos da população que não acreditam nesse modelo cultural de criação de filhos. E, do ponto de vista desses subgrupos, pode parecer que o mundo está repleto dessas pessoas fiéis. Mas, quando você olha para uma amostra nacional, a vasta maioria ainda é o que descrevemos.

Isso faz todo sentido para mim. E por falar de subgrupos interessantes, eu gostaria que você discorresse sobre o capítulo a respeito de grupos religiosos de imigrantes, que é simplesmente fascinante, na minha opinião.

Estou particularmente orgulhoso desse capítulo. Eu não o escrevi, portanto posso dizer isso. Eu diria que, para muitos evangélicos, o mundo é composto de pessoas que fizeram faculdade e são majoritariamente brancas. Mas existe uma grande parte de pessoas que não se encaixa nessa descrição. Embora o evangelicalismo tenha se diversificado étnica e racialmente de alguma forma, vale a pena ter em mente que o mundo lá fora tem muito mais diversidade do que nossas experiências individuais podem expressar. A sociedade muda. É interessante pensar em como ser fiel ao se conectar com essas diferenças.

Então, qual é a grande lição para as pessoas de fé?

Esta não é uma conclusão nova, mas reforça o que já sabemos há algum tempo: a religião nos Estados Unidos realmente se transformou em uma realidade individualista e voltada para o consumo.

Parece-me que isso requer que adotemos um certo distanciamento, façamos uma reflexão e tenhamos conversas a esse respeito — conversas difíceis — sobre como fazer a ponte entre todos esses elementos e tensões diferentes, para que você não se torne um entreguista, mas também não se torne um sectário.

Traduzido por: Maurício Zágari

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Quando não nos importamos o suficiente para cuidar

À medida que amamos e consolamos os outros, o Consolador nos dá forças para o nosso cansaço (e também prudência).

Christianity Today July 22, 2021
Illustration by Rick Szuecs | Source image: Swetta / Getty / Tima Miroshnichenko / Pexels

Visitei um membro querido de minha igreja que morava em uma residência para idosos. Essa senhora teve um derrame e, embora isso não tenha diminuído em nada sua vivacidade, ela teve a memória prejudicada. Eu a encontrei no refeitório, almoçando com outros residentes. Ela felizmente me reconheceu como alguém familiar quando cheguei, mas lutou para lembrar meu nome.

A residente sentada a seu lado perguntou se eu era neto dela. E a senhora respondeu não da forma que a outra esperava, mas sim de uma forma que surpreendeu a mim e a sua companheira de mesa. Com um enorme sorriso no rosto e um brilho nos olhos, ela anunciou com entusiasmo, enquanto apontava para mim: “Este é o Senhor!” Naturalmente, a outra residente, um pouco surpresa, deu uma boa olhada em mim, antes de expressar descrença e desdém ao mesmo tempo. Minha amiga percebeu tudo isso, de modo que repetiu com gosto sua apresentação: “Este é o Senhor!”

No início, achei engraçado e fiquei surpreso demais para corrigi-la, mas assim que recuperei a compostura, rapidamente admiti que não, na verdade eu não era o Senhor, mas apenas um ministro de sua igreja. Minha confissão não conseguiu apagar o desdém do rosto da outra residente. Aparentemente, como pastor eu não havia causado tanta impressão quanto causara como Senhor. Ela voltou a atenção para sua tapioca, bastante desapontada.

Embora o cuidado pastoral possa despertar em nós um complexo de Messias, também pode causar irritação. O cuidado pastoral costuma ser uma interrupção. Como é de se esperar, o telefone toca nos momentos em que sentimos ter menos tempo [para atender], com sermões para preparar, estudos bíblicos para conduzir, equipe para treinar, programas para organizar e e-mails para responder. Devo parar tudo o que preciso fazer para ir ao hospital orar com os enfermos? Não posso interceder por eles do meu escritório? (Eu me sinto culpado até mesmo ao digitar essas palavras).

Lembro-me de um pastor de uma grande igreja que brincava, dizendo que, se alguma vez o vissem em um quarto de hospital, a pessoa que ele estivesse visitando devia estar gravemente doente. Em contrapartida, estagiei com um pastor que visitava os enfermos todas as tardes. Para ele, essa prioridade vinha da identificação de Jesus com os enfermos (Mt 25.36). Naquela época, os hospitais mantinham listas de quais pacientes frequentavam quais igrejas, tornando possível que os pastores chegassem sem avisar, para espanto de seus fiéis doentes. (Nada impressiona mais as pessoas do que uma pitada de onisciência!)

O cuidado é a pedra angular da nossa vocação. Então, por que devemos ser persuadidos a cuidar das pessoas? Pode ser porque o cuidado pastoral requer músculos espirituais que não exercitamos com tanta frequência. A maior parte do nosso trabalho tende a ser em outras direções, deixando o cuidado pastoral funcionar como uma espécie de sidecar (aquele assento para passageiro, de uma roda só, preso a lateral de uma motocicleta) em relação ao que parece ser o ministério mais importante. As igrejas maiores relegam o cuidado pastoral aos pastores associados e as igrejas menores, a capelães de hospitais, de instituições para cuidados paliativos, entre outras. Percebendo isso, nossos fiéis recorrem a serviços como esses, bem como a terapeutas, conselheiros e uma série de métodos de autocuidado do tipo “faça você mesmo”, tudo para não incomodar o pastor.

Há também uma aversão, típica de seres humanos saudáveis, a frequentar o mundo dos enfermos, feridos e moribundos. Nós, pastores, podemos pregar que a morte é o caminho para a ressurreição, mas preferimos passar tempo entre os vivos do que entre os que estão morrendo.

Os pastores há muito têm sido incumbidos de cuidar das almas, chamado que deve incluir corpos enfermos — ainda que por fim vá além deles. Todos os enfermos que Jesus curou mais tarde morreram. Dessa forma, a cura apontava para o céu; mas ainda não era o próprio céu. Os pedidos de oração da nossa igreja estão repletos de pessoas que sofrem angústia por dores físicas, mas devemos orar e tratar das dores espirituais também.

Isso não significa que todo sofrimento encontrará cura. Jesus deixou claro que segui-lo traria problemas. Cada um de nós deve carregar a própria cruz e experimentar o sofrimento como uma espécie de terrível graça de Deus. Como o pastor luterano Harold L. Senkbeil nos lembra em The Care of Souls: “Não temos nada para dar aos outros que nós mesmos não tenhamos recebido primeiro”.

Isso inclui cuidar de nós mesmos, uma vez que pastores — mesmo aqueles com complexo de Messias — não podem alcançar onipotência, assim como não podem fingir ser oniscientes. Precisamos reservar tempo para ler as Escrituras e orar, para fazer amigos e contar com sistemas de apoio, para tirar férias e diminuir o ritmo, e para repetir continuamente as palavras de João Batista: “Eu não sou o Messias” (João 1.20).

O autocuidado envolve limites. Nestes dias de escândalo envolvendo o clero e de desconfiança em relação a instituições, nos esquecemos de que as pessoas ainda colocam seus pastores em pedestais, os quais às vezes ficam ainda mais altos devido à decepção sofrida em outros contextos. Os limites protegem os pastores de serem equivocadamente adorados como heróis. E também protegem as pessoas da igreja de nossas próprias tentações ao heroísmo.

No papel de servos dedicados ao cuidado pastoral, nós o fazemos na condição de pecadores que necessitam da mesma graça. Não somos o Senhor, mas temos acesso ao seu Espírito — o Consolador supremo que nos ajudará e estará conosco para sempre.

Daniel Harrell serviu recentemente como editor-chefe da CT e tem ministrado como pastor por mais de três décadas.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Books

A maioria dos pastores concorda que a prática de abuso deveria bani-los do ministério

A má conduta cometida contra crianças ou adultos é vista como uma desqualificação permanente para o ministério em quase todas as denominações.

Christianity Today July 22, 2021
Zayne Grantham Design / Lightstock

Enquanto grupos e denominações cristãs debatem sobre a resposta adequada à má conduta sexual do clero, a maioria dos pastores acredita que aqueles que cometem tais crimes devem se retirar do ministério público permanentemente.

No recente encontro anual da Convenção Batista do Sul, o tema sobre abuso e violência de caráter sexual cometidos por pastores dominou grande parte da discussão e das tratativas, incluindo a aprovação de uma resolução que diz que “qualquer pessoa que tenha cometido abuso sexual fica permanentemente desqualificada para exercer o cargo de pastor”.

Um estudo da Lifeway Research de Nashville revelou que uma maioria significativa de pastores protestantes nos Estados Unidos compartilha dessa opinião, quer a vítima seja criança ou adulto.

“A maioria dos pastores atuais acredita que a função pastoral é incompatível com a prática de abuso ou violência de caráter sexual contra outra pessoa”, disse Scott McConnell, diretor executivo da Lifeway Research.

“Isso não significa que eles acreditem que esses comportamentos estejam além do perdão de Deus, embora uma grande maioria acredite que o abuso sexual seja uma desqualificação permanente para o exercício da liderança ministerial.”

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Abuso sexual contra crianças

Mais de 4 a cada 5 pastores protestantes (83%) dizem que se um pastor cometer abuso sexual contra crianças, essa pessoa deve se retirar permanentemente do ministério público. Para 2%, o tempo de afastamento deve ser de pelo menos 10 anos, enquanto 3% defendem um afastamento de pelo menos cinco anos e outros 3%, de pelo menos dois anos.

Poucos consideram apropriado um período de tempo mais curto: 1% defende pelo menos 1 ano e menos de 1%, de seis ou três meses. Outros 7% dizem que não têm certeza de quanto tempo esse afastamento deve ser.

Embora a maioria de todos os grupos demográficos de pastores apoie a saída permanente do ministério público por abuso sexual contra crianças, alguns grupos são menos favoráveis a isso do que outros. Pastores pentecostais (60%), pastores afro-americanos (67%), pastores sem diploma universitário (69%) e pastores com 65 anos ou mais (76%) estão entre os menos favoráveis a apoiar uma remoção permanente.

A Comissão de Penas dos Estados Unidos informou que 98,8% dos agressores por abuso sexual foram condenados à prisão, com uma sentença em média de quase 16 anos.

“O prazo de cinco anos ou menos, que 7% dos pastores sugerem ser apropriado, não cobre sequer a duração da típica sentença de prisão para criminosos condenados por abuso sexual”, disse McConnell. “Em contraste, um número de pastores 10 vezes maior do que esse não hesita em dizer que a desqualificação para o ministério deve ser permanente para um pastor que cometer abuso sexual contra crianças”.

Abuso sexual contra adultos

Uma maioria considerável de pastores protestantes (74%) também apoia o afastamento permanente do ministério público para qualquer pastor que cometer violência e abuso de caráter sexual contra qualquer membro adulto ou funcionários da congregação. Um a cada 20 diz que o tempo de afastamento deve ser de pelo menos 10 anos (5%), de pelo menos cinco anos (5%) e de pelo menos dois anos (5%).

Assim novamente, poucos pastores defendem períodos mais curtos, com 2% dizendo que deve ser pelo menos um ano; 1%, pelo menos seis meses e menos de 1%, pelo menos três meses. Menos de 1% diz que o pastor não precisa se afastar. Quase 1 a cada 10 (9%) afirma não ter certeza.

Os pastores pentecostais (44%) são o único grupo demográfico em que a maioria não apoia o afastamento permanente do ministério público para pastores que cometem abuso sexual com adultos que estejam sob seus cuidados e supervisão na igreja. Dados de outros grupos demográficos, entre os quais estão pastores afro-americanos (58%), pastores sem diploma universitário (63%) e pastores com 65 anos ou mais (69%), também apoiam menos o afastamento permanente do pastor.

“Quando alguém abusa sexualmente de um adulto, isso tanto é um pecado violento quanto um crime. É o oposto do amor, do cuidado e do respeito pelo outro que a Bíblia ensina”, disse McConnell. “O papel do pastor segue padrões incrivelmente elevados na Bíblia, incluindo o de que o bispo (pastor) daqueles [que são] da igreja seja irrepreensível e respeitável. Dezessete por cento dos pastores acredita que alguém possa se redimir sobre este assunto, se lhe for dado tempo suficiente".

Um estudo de 2019 da Lifeway Research descobriu que muitos fiéis protestantes acreditam que existam outros casos não revelados de pastores protestantes que abusaram sexualmente de crianças ou adolescentes (32%) ou de adultos (29%). Nesse mesmo estudo, 3 a cada 4 fiéis que frequentam a igreja (75%) dizem desejar uma investigação minuciosa dos fatos quando alguém acusa um pastor da própria igreja de má conduta sexual. Poucos (14%) afirmam que sua reação seria de querer que o ministro fosse protegido [da acusação].

Em comparação com sua perspectiva sobre o abuso, os pastores estão bem mais divididos sobre a resposta adequada ao adultério, de acordo com um estudo adicional da Lifeway Research, também de 2019. Embora uma clara maioria diga que os pastores que cometem abuso sexual contra crianças ou contra adultos devam se afastar permanentemente do ministério, apenas 27% acredita que a mesma consequência deveria ser aplicada a um pastor que cometesse adultério. Muitos (31%) não têm certeza.

“Embora o adultério implique uma relação consensual, não é uma distinção assim tão simples para aqueles que servem no papel de pastor, como é indicado pelos 31% que não tinham certeza na pesquisa anterior”, disse McConnell. “Para um pastor que ocupa uma posição de confiança e autoridade espiritual sobre aqueles em sua congregação, ter um relacionamento adúltero com um deles, no qual existe um desequilíbrio de poder, ainda constituiria abuso sexual.”

Para mais informações, veja o relatório completo da pesquisa.

Traduzido por: Tiago Hirayama

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