History

A coisa mais perigosa que Lutero fez

E outros fatos sobre a tradução da Bíblia que transformaram o mundo.

Christian History October 29, 2024
Sean Gallup / Getty Images

In this series

No início da Reforma, a principal Bíblia disponível era a Vulgata Latina, a Bíblia que Jerônimo havia produzido originalmente em latim, em 380 d.C. — embora, até a época da Reforma, ela já tivesse sofrido corrupções textuais significativas. Ela incluía uma tradução do Antigo Testamento hebraico e do Novo Testamento grego, além de Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Siraque, Baruque, algumas adições ao Livro de Daniel e 1 e 2Macabeus.

A Bíblia não era um livro com o qual o público em geral estivesse familiarizado. Não era um livro que a maioria dos indivíduos ou das famílias pudesse ter. Havia Bíblias de púlpito, que geralmente ficavam acorrentadas ao púlpito; havia manuscritos de Bíblias em mosteiros; havia Bíblias de propriedade de reis e da elite social. Mas a Bíblia não era um livro que muitos possuíssem.

Além disso, era raro encontrar uma Bíblia traduzida na língua do povo. Na época de Lutero, havia uma série de versões para o alemão e uma versão em francês, publicada já em 1473. Mas a Bíblia Latina ainda era de longe a principal Bíblia disponível. A elite social bem-educada sabia ler latim, embora o cidadão comum de países como Inglaterra, França, Alemanha, Itália ou Espanha soubesse apenas trechos da missa em latim. E, de fato, eles com bastante frequência deturpavam os trechos que sabiam. Se você quiser ter uma boa ideia da miserabilidade da instrução bíblica do público em geral, nessa época, leia os Contos da Cantuária, escritos por Chaucer entre 1387 e 1400 em inglês médio. Confusões e mal-entendidos em torno da Bíblia são abundantes nas histórias de Chaucer.

A Vulgata Latina foi a Bíblia que Lutero estudou primeiro, mas ele logo percebeu suas deficiências, ao se aprofundar no texto grego e ter seus insights revolucionários. Isso levou Lutero a outra percepção: se as coisas realmente deveriam mudar, isso não aconteceria apenas debatendo teologia com outras almas eruditas. A Bíblia precisava ser disponibilizada no vernáculo (neste caso, em alemão) e precisava estar disponível em larga escala. Na minha opinião, a coisa mais perigosa que Lutero fez na vida não foi pregar as 95 Teses na porta daquela igreja. Foi traduzir a Bíblia para o alemão comum e encorajar sua ampla disseminação.

A “heresia” de Lutero

Em 1522, Lutero havia traduzido todo o Novo Testamento, tendo completado a tradução da Bíblia inteira em 1534 — a qual, naquela época, incluía o que veio a ser chamado de Apócrifos (aqueles livros extras do judaísmo intertestamentário). Lutero continuou revisando seu trabalho nos anos seguintes, pois percebeu quão grande agente de mudança era a Bíblia traduzida.

Ele não traduziu diretamente da Vulgata Latina, o que, para alguns, era equivalente à heresia. Lutero havia aprendido grego da maneira usual, na escola de latim em Magdeburg, para que pudesse traduzir obras gregas para o latim. Há histórias, provavelmente verdadeiras, de que Lutero fez incursões em cidades e vilas próximas apenas para ouvir as pessoas falarem, a fim de que sua tradução, particularmente a do Novo Testamento, ficasse o mais próxima possível do uso contemporâneo corrente. Esta não era para ser uma Bíblia feita pela elite e direcionada à elite.

Philip Schaff, o grande historiador da igreja, assim se pronunciou a respeito: “O fruto mais rico do lazer de Lutero em Wartburg [castelo], e a obra mais importante e útil de toda a sua vida, é a tradução do Novo Testamento, por meio da qual ele trouxe o ensino e o exemplo de Cristo e dos Apóstolos para a mente e os corações dos alemães em uma reprodução realista… Ele fez da Bíblia o livro do povo na igreja, na escola e em casa.”

Este ato de Lutero abriu a caixa de Pandora, no que diz respeito a traduções da Bíblia, e já não era mais possível fechar a caixa depois desse feito. Desnecessário dizer que isso preocupou oficiais da igreja de todos os escalões, pois eles não tinham mais um controle estrito da Palavra de Deus.

Precursores e seguidores

No entanto, pouco se fala dos precursores de Lutero na tradução da Bíblia para o vernáculo. Por exemplo, a equipe que trabalho com John Wycliffe precedeu Lutero em uns bons 140 anos na tradução da Bíblia para o inglês médio, entre 1382 e 1395. O próprio Wycliffe não foi o único responsável pela tradução; sabe-se que outros, como Nicholas de Hereford, são conhecidos por terem feito parte da tradução. A diferença entre o trabalho da equipe de Wycliffe e o de Lutero é que nenhuma crítica textual estava envolvida; a equipe de Wycliffe trabalhou diretamente com a Vulgata Latina.

Além disso, Wycliffe incluiu não apenas o que veio a ser conhecido como Apócrifos, mas também acrescentou como bônus 2Esdras e uma obra do século 2,Epístola de Paulo aos Laodicenses.

Assim como no caso dos esforços de Lutero, o trabalho de Wycliffe não foi autorizado por nenhuma autoridade eclesiástica ou da realeza, mas se tornou imensamente popular. E as consequências foram severas. Henrique IV e seu arcebispo, Thomas Arundel, trabalharam duro para reprimir esse trabalho, e a Convocação de Oxford de 1408 votou que nenhuma nova tradução da Bíblia deveria ser feita, por ninguém, sem aprovação oficial. Wycliffe, no entanto, havia riscado um fósforo, e não havia como apagar o fogo.

Talvez a história mais pungente dessa época seja a de William Tyndale. Tyndale viveu de 1494 a 1536 e foi martirizado por traduzir a Bíblia para o inglês. Tyndale, assim como Lutero, traduziu diretamente do hebraico e do grego, exceto, provavelmente, no que diz respeito a referências cruzadas e verificação. Na verdade, ele só terminou o Novo Testamento, e, até sua morte, completou cerca de metade de sua tradução do Antigo Testamento. Sua versão foi a primeira Bíblia em inglês produzida em massa.

Tyndale originalmente pediu permissão ao Bispo Tunstall, de Londres, para produzir sua tradução, mas foi informado de que era proibido — na verdade, que o ato seria considerado herético — e, então, Tyndale foi para o continente europeu para fazer o trabalho. Uma edição parcial foi impressa em 1525 (apenas três anos depois da de Lutero), em Colônia, mas espiões entregaram Tyndale às autoridades e, ironicamente, ele fugiu para Worms, a mesma cidade onde Lutero foi levado à corte e julgado. De lá, a edição completa do Novo Testamento de Tyndale foi publicada em 1526.

Como Alister McGrath mais tarde observaria, a Versão King James (KJV), ou Versão Autorizada, do início dos anos 1600 (sendo que várias edições incluem uma versão de de 1611) não foi uma tradução original da Bíblia para o inglês, mas sim uma apropriação em larga escala da tradução de Tyndale, com alguma ajuda da Bíblia de Genebra e de outras traduções. Muitas das frases memoráveis ​​na King James — “com a pele dos meus dentes”, “acaso sou eu o guardião do meu irmão?”, “o espírito está pronto, mas a carne é fraca”, “tornam-se lei para si mesmos”, e assim por diante — são frases que Tyndale cunhou. Ele tinha um dom notável para transformar expressões bíblicas em algo que fosse memorável em inglês.

Mas, mesmo a Versão Autorizada não foi a primeira tradução autorizada da Bíblia para o inglês. Esse prêmio vai para a “Grande Bíblia” de 1539, autorizada por Henrique VIII. Henrique queria que essa Bíblia fosse lida em todas as igrejas anglicanas, e Miles Coverdale produziu a tradução. Coverdale simplesmente copiou a versão de Tyndale, eliminando algumas características questionáveis, e completou a tradução de Tyndale do Antigo Testamento e dos Apócrifos. Observe, no entanto, que Coverdale usou a Vulgata e a tradução de Lutero para fazer esta versão, e não os originais em hebraico ou grego.

Por esta e várias razões, muitos dos movimentos protestantes emergentes no continente europeu  e na Grã-Bretanha não ficaram felizes com a Grande Bíblia. A Bíblia de Genebra tinha uma linguagem mais vívida e vigorosa e se tornou rapidamente mais popular do que a Grande Bíblia. Foi a Bíblia escolhida por William Shakespeare, Oliver Cromwell, John Bunyan, John Donne e os peregrinos, quando eles vieram para a Nova Inglaterra. Foi ela, e não a KJV, a Bíblia que os acompanhou no Mayflower.

A Bíblia de Genebra era popular não apenas por ter sido produzida em massa, para o público em geral, mas também porque tinha anotações, guias de estudo, referências cruzadas com versículos relevantes de outras partes da Bíblia e introduções para cada livro com um resumo do conteúdo, mapas, tabelas, ilustrações e até índices. Em suma, foi a primeira Bíblia de estudo em inglês e, como já sabemos, ela precedeu a KJV em meio século. Não é de surpreender que, por ser uma Bíblia produzida sob a égide da Genebra de João Calvino, as notas fossem calvinistas quanto ao conteúdo e dissidentes (pois discordavam da Igreja da Inglaterra) quanto ao caráter. Essa foi uma das razões pelas quais os reis da Inglaterra produziram “a Versão Autorizada”. Eles precisavam de uma Bíblia que não questionasse Dieu et mon droit (que significa “Deus e meu direito”, o lema do monarca que sugeria sua soberania).

E quanto aos apócrifos?

É digno de nota que a Bíblia de Genebra foi a primeira a fazer uma tradução do Antigo Testamento para o inglês inteiramente a partir do texto hebraico. Como suas predecessoras, ela incluiu os Apócrifos. De fato, a Bíblia King James de 1611 também incorporou os Apócrifos, inclusive a História de Susana, a História da Destruição de Bel e do Dragão (ambas adições a Daniel) e a Oração de Manassés.

Em suma, nenhuma das principais traduções da Bíblia que surgiram durante as Reformas alemã, suíça ou inglesa produziu uma Bíblia com apenas 66 livros. É verdade que, além dos 66 livros, os outros 7 (ou mais) eram vistos como deuterocanônicos, daí o termo apocrypha; mas, mesmo assim, eles ainda eram vistos como conteúdo que tinha alguma autoridade.

Então, quando e onde a Bíblia protestante de 66 livros apareceu? Essa prática não foi padronizada até 1825, quando a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, essencialmente lançou um desafio e disse: “Esses 66 livros e nenhum outro”. Mas esta não era a Bíblia de Lutero, de Calvino, de Knox ou mesmo dos Wesleys, que usaram a Versão Autorizada. Os protestantes há muito tratavam os livros extras como, na melhor das hipóteses, deuterocanônicos. Alguns até os chamavam de não canônicos, e havia alguns precedentes de impressão de uma Bíblia sem esses livros. Por exemplo, houve uma edição minoritária da Grande Bíblia, posterior a 1549, que não incluía os Apócrifos, e uma edição de 1575 da Bíblia do Bispo que também deixou de fora esses livros. As impressões de 1599 e 1640 da Bíblia de Genebra também os deixaram de fora. Mas, de qualquer forma, esses livros não eram tratados como canônicos por muitos protestantes.

O ato mais influente de Lutero

Lutero não poderia ter imaginado, em 1517, que seu ato mais influente durante a Reforma Alemã, o ato que tocaria mais vidas e mais afetaria o movimento protestante emergente não seriam seus comentários de Gálatas ou de Romanos, seus tratados teológicos como “A escravidão da vontade”, nem mesmo sua insistência na justificação pela graça somente pela fé. Não, a maior pedra que ele atirou no lago eclesiástico, que produziu não apenas as maiores ondulações, mas de fato verdadeiras ondas, foi a produção da Bíblia de Lutero. Mas ele não foi um pioneiro solitário. Ele e William Tyndale merecem igual reconhecimento como os verdadeiros pioneiros da produção de traduções da Bíblia das línguas originais para a língua do povo, para que as pessoas pudessem lê-la, estudá-la, aprendê-la, serem inspiradas e moldadas por ela. A Bíblia do povo, pelo povo e especialmente para o povo não existia realmente antes de Lutero e de Tyndale.

Hoje, se levarmos em conta apenas a língua inglesa, há mais de 900 traduções ou paráfrases do Novo Testamento, parciais ou de todo ele. Novecentas! Nenhum dos primeiros reformadores poderia ter imaginado isso, nem poderia ter imaginado que muitas pessoas teriam suas Bíblias, não apenas nos púlpitos e nos bancos, mas teriam suas próprias Bíblias em suas próprias casas. O gênio que saiu da lâmpada, no início da Reforma Alemã, acabou sendo o Espírito Santo, que faz novas todas as coisas. Isso inclui traduções sempre novas da Bíblia, à medida que nos aproximamos cada vez mais do texto original inspirado do Antigo e do Novo Testamentos, conforme encontramos mais manuscritos, fazemos o árduo trabalho de crítica textual e fazemos traduções baseadas em nossos primeiros e melhores testemunhos dos textos hebraico, aramaico e grego.

Quando a Bíblia de Lutero foi produzida, com base no trabalho de Erasmo no Novo Testamento grego, havia apenas um punhado de manuscritos gregos que Erasmo podia consultar, e eles nem eram tão antigos. Quando a KJV foi produzida, em 1611, havia o mesmo problema tanto em relação ao Antigo Testamento quanto ao Novo Testamento.

Hoje, temos mais de 5.000 manuscritos do Novo Testamento grego, a maioria dos quais foi descoberta nos últimos 150 anos, e alguns destes remontam ao segundo e ao terceiro séculos d.C. Temos as descobertas no Mar Morto e em outros lugares que nos forneceram manuscritos mais de 1.000 anos mais próximos dos textos originais do Antigo Testamento do que o texto massorético (a base tradicional para o texto do Antigo Testamento), e mais próximos do que estávamos em 1900. Deus, em sua providência, está nos atraindo para mais perto de si mesmo ao nos atrair, na era atual, para mais perto do texto original inspirado.

O apelo da sola Scriptura pode ecoar hoje com um som menos oco do que no passado, pois sabemos hoje que as decisões tomadas pelos líderes da igreja, no quarto século, para reconhecer os 27 livros do Novo Testamento e os 39 livros do Antigo (mais alguns), foram as decisões certas. O cânone foi fechado quando se reconheceu que o que precisávamos em nossas Bíblias eram os livros escritos pelas testemunhas oculares originais, ou seus colaboradores e colegas, no caso do Novo Testamento, e aqueles escritos dentro do contexto da transmissão das sagradas tradições judaicas da Lei, dos Profetas e dos Escritos, que remontavam a Moisés, aos Cronistas e aos grandes Profetas da antiguidade.

Embora devamos nossos textos de partida aos antigos dignitários que registraram coisas entre a época de Moisés e a de João de Patmos, devemos nossas Bíblias no vernáculo aos nossos antepassados ​​protestantes — Lutero, Tyndale, Calvino e outros. Talvez hoje, ao celebrarmos mais um aniversário da Reforma Alemã, seja hora de dizer que, sem o protestantismo, é possível que não tivéssemos Bíblias nas mãos de tantos cristãos e em tantos idiomas. O trabalho de levar a Bíblia até o povo, que foi iniciado por Lutero, Tyndale e Wycliffe, não acabou. Ainda há lugares onde a Bíblia é ilegal ou onde nenhuma tradução no idioma local está disponível. Mas, graças a Deus, o trabalho pode continuar, porque o clamor semper reformanda ainda soa verdadeiro hoje.

Ben Witherington III é professor de interpretação do Novo Testamento no Seminário Teológico de Asbury. Ele é autor de muitos livros, mais recentemente, A Week in the Fall of Jerusalem (IVP Academic).

Theology

O nacionalismo cristão e sua consciência pesada

Em vez do controle mundano da sociedade, Cristo clama por corações renovados.

Christianity Today October 22, 2024
Illustration by James Walton

Muitos de nós presumimos que o nacionalismo cristão promete um roteiro que conduz a uma Nova Jerusalém ou a uma Nova Roma ou a uma Nova Constantinopla. Isso é compreensível, dada a retórica triunfal e bélica dos aspirantes a teocratas. Mas e se o roteiro de fato não nos conduzir a nenhum desses lugares?

E se essa nova face do nacionalismo cristão não quiser nos levar à cidade fulgurante de Cotton Mather, reedificada sobre o monte na Colônia da Baía de Massachusetts, mas apenas para uma noite de cupom duplo no Hotel Bellagio, em Las Vegas?

O jornalista Jonathan V. Last observou, há alguns anos, quando estava hospedado em um resort e cassino em Las Vegas, o quanto ficou momentaneamente comovido com o compromisso do hotel em ajudar seus hóspedes a salvarem o planeta. Last observou o cartão, sobre a pia do banheiro, que pedia aos hóspedes que economizassem água usando a mesma toalha várias vezes. Sobre a mesa de cabeceira, ele viu outro cartão que pedia aos hóspedes que protegessem os recursos naturais optando por não trocar a roupa de cama.

Então, ele olhou para a frente do hotel, onde duas fontes gigantes estavam “jorrando água preciosa na aridez do ar desértico”. Foi nesse momento, segundo ele escreveu, que “me ocorreu que a … preocupação [do hotel] com o meio ambiente poderia ser simplesmente uma tentativa de economizar em custos de lavanderia”.

Uma aposta [desse tipo] em um hotel de Las Vegas não é assim tão alta, mas é uma barganha que revela um impulso da natureza humana caída de forma que todas as partes envolvidas saiam ganhando. Os hóspedes sentem que estão fazendo algo virtuoso, e a casa economiza uns tostões. É um microcosmo de algo que Martinho Lutero identificou como o jogo psicológico que estava por trás de Johann Tetzel e de outros que vendiam indulgências para os cristãos medievais.

Dar dinheiro ajudava a aliviar a consciência daqueles que estavam com medo do purgatório, ao mesmo tempo em que ajudava a arrecadar dinheiro para a construção da Basílica de São Pedro em Roma. Os vendedores ambulantes de indulgências podiam dizer a si mesmos que estavam envolvidos na missão de salvar almas, e não no ramo da arrecadação de fundos sem fins lucrativos ou no ramo imobiliário comercial. E os compradores de indulgências podiam se tranquilizar com a penitência, algo que era, e ainda é, muito mais fácil do que o arrependimento.

Dar uma moeda é mais fácil do que carregar uma cruz. A contrição, a confissão e a rendição genuínas são realidades espirituais, internas e intangíveis que exigem que confiemos o perdão à promessa de um Deus invisível. Já as indulgências, por outro lado, vêm acompanhadas de recibos.

Para Lutero, a crise em tudo isso não estava apenas no fato de que a igreja era corrupta, mas em algo mais importante do que isso, ou seja, no fato de que a garantia comprada com esse tipo de indulgência na verdade impedia as pessoas de verem o que realmente é capaz de superar o pecado e limpar a culpa — a fé pessoal em Cristo, e nele crucificado.

“Os cristãos devem ser ensinados que, se o Papa soubesse das exigências dos pregadores do perdão, ele preferiria que a igreja de São Pedro fosse reduzida a cinzas, do que vê-la ser construída com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas”, Lutero afirmou na sua 50ª. tese.

Faça parte do nosso canal no WhatsApp.

Em nossa época, as indulgências se parecem mais com a agenda verde de um hotel do que com a construção da Basílica de São Pedro. O novo nacionalismo cristão — assim como as velhas igrejas estatais que definham na Europa e os antigos e secularizados evangelhos sociais do protestantismo histórico — define o cristianismo em termos de reforma de estruturas externas, em vez de regeneração de psiquês internas. Ao contrário dos antigos liberalismos teológicos, porém, os nacionalistas cristãos de hoje buscam solidariedade não na mitigação concreta do sofrimento humano, mas em marcadores de limites, sobretudo simbólicos, como demonstrar a dose certa de uma ofensa teatral com ultrajes da guerra cultural, ter o tipo certo de inimigos, “lacrar os liberais”.

A consciência incomodada do nacionalismo cristão finge que nosso problema é o oposto do que Jesus nos disse: que, ao reivindicar direito sobre um jardim, podemos colher frutos de árvores doentes (Mateus 7.15-20), que, ao controlar o que está fora de nós, podemos renovar o que está dentro (Mateus 12.33-37).

Esta é uma mensagem popular, em todas as épocas; evangelhos da prosperidade e religiões de fertilidade sempre o são. Uma religião extrínseca permite que as pessoas reivindiquem o cristianismo sem seguir a Cristo, e permite que guerreiros culturais despidos de poder, sem uma oração nos lábios e viciados em pornografia se convençam de que estão marchando rumo ao céu. Ao amenizar nossa culpa com nossas escolhas políticas, podemos nos convencer de que o que encontramos em nossa nova Betel é a escada de Jacó para o céu, quando, na verdade, é apenas o bezerro de ouro de Jeroboão (1Reis 12.25-31).

Após a queda da União Soviética, Philip Yancey, colunista de longa data aqui na CT, junto com outros cristãos, encontrou-se com comunistas desiludidos do regime, entre eles os propagandistas do jornal Pravda do Kremlin. O experimento bolchevique, é claro, havia subjugado a ética pessoal, e mais ainda a fé pessoal à causa coletiva — ao suposto “paraíso dos trabalhadores” do futuro, que justificaria cada mentira contada, cada dissidente exilado, cada vida aniquilada ao longo do caminho.

O que Yancey achou mais pungente não foi apenas o fato de que o comunismo soviético havia fracassado, mas a maneira particular como fracassou. Conforme ele refletiu:

Os seres humanos sonham com sistemas tão perfeitos que ninguém precise ser bom, escreveu T. S. Eliot, alguém que viu muitos de seus amigos abraçarem o sonho do marxismo. “Mas o que o homem é vai projetar sua sombra sobre o que o homem finge ser”. O que ouvimos dos líderes soviéticos, da KGB e agora do Pravda foi que a União Soviética acabou com o pior dos dois mundos: com uma sociedade muito longe de ser perfeita e com um povo que havia se esquecido de como ser bom.

Não deveríamos fingir que não somos capazes de enxergar a mesma coisa que vimos no império soviético sem alma, de homens ocos, nesse nacionalismo cristão distópico, politizado e sem vida. Que fim trágico seria acabar com uma sociedade tão depravada quanto sempre foi e com um povo que se esqueceu de como ser salvo.

O caminho a seguir é o mesmo de sempre. Como Lutero disse em sua Disputa de Heidelberg, “O teólogo da glória chama o mal de bem e o bem de mal. O teólogo da cruz chama a coisa do que ela é.” Às vezes, isso significa pregar algumas palavras na porta de um castelo. Às vezes, isso pode significar abrir mão de bens e familiares. Toda a vida cristã trata do arrependimento. Esse arrependimento deve ser sobre renovar nossas mentes e nossos corações, e não apenas sobre lavar consciências que não estão mais sujeitas à Palavra de Deus.

Hoje, como sempre, todo dia é dia da Reforma.

Russell Moore é o editor-chefe da CT.

News

Evangélicos libaneses ajudam muçulmanos deslocados pela guerra entre Hezbollah-Israel

Apesar dos riscos de segurança e dos recursos limitados, as igrejas têm trabalhado duro para atender a população xiita, que não está acostumada a experimentar o amor cristão.

Mulheres xiitas e seus filhos, que fugiram do sul do Líbano para se abrigar em Beirute.

Mulheres xiitas e seus filhos, que fugiram do sul do Líbano para se abrigar em Beirute.

Christianity Today October 22, 2024
Marwan Naamani / AP Images

No dia 23 de setembro, Mustafa colocou sua família de cinco pessoas em uma pequena motocicleta e, saindo de Tiro, dirigiu por sete horas rumo ao norte, até uma aldeia nas montanhas libanesas, ziguezagueando lentamente por um engarrafamento de filas de veículos. Algumas das pessoas que estavam nos carros — como a família de seis pessoas de seu irmão Hussein — levariam dois dias a mais para chegar ao mesmo destino.

Essa viagem normalmente leva duas horas.

Mustafa, e milhares como ele, estavam fugindo freneticamente das bombas israelenses destinadas ao Hezbollah, a milícia xiita que o governo dos EUA classifica como uma organização terrorista. Até aquele momento, ele e seu irmão tinham trabalhado no campo, em uma fazenda fora da cidade, e vivido em um apartamento espartano de dois quartos fornecido por seus empregadores.

A CT concordou em omitir seus sobrenomes por razões de segurança. Mustafa é um cristão originário de Afrin, uma área curda no noroeste da Síria. Questionado se compartilhava da fé de seu irmão, Hussein disse: “Ainda não”.

Seu país natal não reconhece convertidos do islamismo. E embora o Líbano seja a única nação árabe a conceder liberdade de conversão, Tiro é uma cidade xiita socialmente conservadora que vive sob a influência política do Hezbollah.

Este foi o segundo deslocamento de Mustafa. Em 2013, ele e seu irmão fugiram da guerra civil síria. Nos últimos cinco anos, porém, à medida que os índices de pobreza triplicaram no Líbano, os muçulmanos sunitas nominais encontraram apoio de um ministério cristão local que oferecia ajuda.

Dezoito meses atrás, Mustafa professou sua fé em Cristo.

“Eu sigo Jesus”, disse Mustafa. “Ele me salvou”.

Quando Israel começou a invadir o Líbano por terra, emitiu ordens de evacuação para aldeias muçulmanas e cristãs no Sul do país. Mas a grande maioria dos deslocados vem de áreas xiitas suspeitas de abrigar depósitos de armas e túneis subterrâneos — cujos xiitas residentes podem ou não se alinhar à ideologia islâmica do Hezbollah.

De acordo com uma pesquisa realizada no início de 2024, enquanto 78% dos xiitas têm uma visão positiva do papel da milícia nos assuntos regionais, apenas 39% disseram que se alinhavam mais ao Hezbollah do que a outros partidos políticos do Líbano, em contraste com 37% dos xiitas que não se sentem próximos de nenhum partido específico.

Apenas 6% dos cristãos disseram ter “muita confiança” na milícia xiita.

Em meio a essas realidades, os cristãos estão ansiosos — e cautelosos — para ajudar. Compromissos com o Evangelho e a solidariedade nacional exigem hospitalidade. O retraimento sectário encoraja a suspeita. E a campanha de bombardeios de Israel gera o medo de que quem acolher os deslocados possa, consequentemente, transformar-se em alvo.

Apesar disso, muitos estão ajudando os deslocados.

Mustafa e Hussein encontraram abrigo em alojamentos oferecidos por uma igreja evangélica situada na aldeia onde buscaram refúgio, que é habitada por muçulmanos e cristãos. Um tapete de plástico cobria metade do piso de cimento da porção da área reservada que lhes fora destinada, e colchões bem finos estavam escorados nas paredes. Cobertores e travesseiros espalhados pelo recinto eram evidências da noite de sono agitada de seus filhos.

“Esta é a nossa mensagem: mostrar o amor em ação, enquanto levamos as pessoas a Cristo”, disse o pastor da igreja. (A CT está lhe concedendo o benefício do anonimato devido à situação política incerta no Líbano). “À medida que recebem, nós os ensinamos a dar.”

Sua congregação atualmente abriga cerca de 100 pessoas, que foram deslocadas de suas casas no sul e no Vale de Bekaa, no Líbano. Mais da metade dessas pessoas vieram da Síria; o restante é principalmente de xiitas libaneses. O pastor afirma que 60% [dos abrigados] são crentes em Jesus. Outros, como Hussein, são parentes desses crentes ou são muçulmanos que já eram intimamente ligados a igrejas em sua área de origem.

Todos se juntaram para preparar 500 sanduíches de atum para distribuir no local.

Não só palavras

O conflito atual entre Hezbollah e Israel começou no ano passado, em 8 de outubro, um dia depois que o Hamas, a partir de Gaza, invadiu e matou aproximadamente 1.200 israelenses e fez 250 reféns. A milícia libanesa iniciou o que chamou de “frente de apoio” ao Hamas, lançando mísseis que fizeram 80.000 israelenses fugirem de vilas localizadas perto da fronteira.

Um número semelhante de libaneses também fugiu da retaliação de Israel e, por 11 meses, os dois lados mantiveram uma troca de mísseis relativamente contida, visando evitar um conflito maior e talvez regional com o Irã, que está por trás do Hamas e do Hezbollah, os quais atuam como forças aliadas intermediárias.

Esse status quo se manteve, apesar das mortes de 12 crianças drusas, atingidas por um míssil do Hezbollah nas Colinas de Golã, e do aumento dos ataques de Israel a líderes de milícias dentro do Líbano, da Síria e do Irã. As negociações lideradas pelos EUA para acalmar ou cessar os combates não conseguiram superar a insistência do Hezbollah em um cessar-fogo simultâneo em Gaza. Em 17 de setembro, Israel incluiu o retorno dos cidadãos do Norte para suas casas como uma meta oficial de guerra.

Horas depois, um ataque orquestrado por meio da explosão de pagers e, no dia seguinte, de rádios de comunicação — com amplas suspeitas de ter sido conduzido por Israel, apesar de este negar oficialmente sua participação — matou dezenas e feriu milhares de membros da milícia e de pessoal médico afiliado, no Líbano e na Síria. Seis dias depois, a campanha de bombardeio começou. Autoridades israelenses teriam declarado que sua estratégia era de “desescalada através da escalada”.

O Líbano estima que os combates deslocaram 1,2 milhão de seus 6 milhões de residentes. Mais de 950 escolas públicas, armazéns e outras instalações agora servem como abrigos. Noventa por cento dos deslocados, dos quais quase a metade são crianças, não conseguem suprir suas necessidades básicas.

O pastor da aldeia nas montanhas, mencionado no início do artigo, obteve autorização do município, governado por muçulmanos, para fornecer ajuda, juntamente com vários outros grupos de ajuda humanitária que atuam em coordenação com um ministério local, e que é administrado por um ancião da igreja.

Um coordenador de assistência local, que é membro da comunidade muçulmana drusa heterodoxa, disse que “a igreja é sempre a primeira” a fornecer ajuda, enquanto alguns outros grupos “dizem que estão ajudando, mas tudo não passa de conversa”.

Com as salas de aula por todo o país lotadas de famílias em busca de refúgio, porém, ele lamenta que seus três filhos não tenham uma escola para frequentar.

O último conflito entre Israel e o Hezbollah, em 2006, fez com que 900.000 pessoas deixassem suas casas. Naquela época, igrejas e cidadãos de todas as seitas se uniram para ajudar, mas hoje os recursos são muito menores.

Muitos estão relutantes em alugar seus apartamentos para xiitas deslocados, com medo de que estes, que estão em busca de refúgio, não possam — ou não queiram — continuar a pagar. A hiperinflação e uma desvalorização monetária de 98% já fizeram com que muitos libaneses tivessem que se virar para conseguir o sustento diário. O impasse político manteve a nação sem um presidente por dois anos, enquanto o primeiro-ministro atua em caráter interino.

De quem é a culpa?

Muitas pessoas culpam o Hezbollah.

“Sou contra os xiitas na política, mas, do ponto de vista humano, não podemos nos recusar a ajudá-los”, disse o coordenador de assistência druso. “Sofremos com a Síria; sofremos com o Irã. Talvez estejamos esperando a ajuda dos Estados Unidos.”

Diplomatas americanos e franceses tentaram intermediar um cessar-fogo de três semanas no Líbano, e o ministro das Relações Exteriores libanês declarou que o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, havia concordado. Dias depois, um ataque aéreo israelense, que usou bombas destruidoras de bunkers, arrasou quatro prédios residenciais e matou Nasrallah em seus aposentos subterrâneos. Autoridades dos EUA negaram ter conhecimento da anuência de Nasrallah [sobre o cessar-fogo].

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu supostamente teria concordado com as negociações de cessar-fogo, mas depois voltou atrás. Israel declarou que sua guerra é contra o Hezbollah, não contra o Líbano. Netanyahu, dirigindo-se aos libaneses, fez referência à campanha contra o Hamas.

“Vocês têm a oportunidade de salvar o Líbano antes que ele caia no abismo de uma longa guerra, que levará à destruição e ao sofrimento, como tem acontecido em Gaza”, afirmou. “Libertem seu país do Hezbollah para que esta guerra possa acabar.”

O Líbano há muito tempo apoia oficialmente a implementação da resolução 1701 da ONU, adotada para encerrar a guerra de 2006. Ela pede o desarmamento de todas as milícias e a retirada do Hezbollah além do Rio Litani, cerca de 30 quilômetros ao norte da fronteira israelense. Mas, em 2008, o esforço do Líbano para desmantelar a rede de comunicação privada da milícia falhou, após demonstração de força armada do Hezbollah em Beirute.

Os Estados Unidos estariam agora supostamente pressionando os políticos libaneses para que elejam um presidente, que, segundo um acordo não escrito, mas em vigor a cerca de 80 anos, deve ser um cristão maronita. Membros do parlamento libanês, cujos assentos se dividem igualmente entre muçulmanos e cristãos, elegem o chefe de Estado.

Os cristãos, porém, estão divididos em dois partidos políticos principais e outros menores, alguns dos quais se aliam ao Hezbollah como entidade política, a fim de ganhar apoio do eleitorado xiita. Antes da escalada israelense, os principais políticos xiitas obstruíram reiteradamente a conclusão do processo de votação para o presidente cristão, insistindo em um candidato que fosse simpático à causa do Hezbollah.

Mas os líderes do dois principais partidos cristãos, conhecidos por suas ambições presidenciais, têm falhado em trabalhar de forma conjunta e consistente para representar sua comunidade.

“Eu culpo os líderes cristãos — eles trabalham por seus próprios interesses, não pelos interesses do nosso país”, disse aquele pastor da igreja na aldeia que fica nas montanhas. “Se você cede um espaço que é seu para os outros, não pode culpá-los quando eles o tomam.”

Em 2000, o Hezbollah conquistou amplo apoio social, até mesmo de muitos cristãos, ao obrigar Israel a encerrar sua ocupação de 18 anos no Sul do Líbano, originalmente destinada a impor uma zona-tampão contra incursões de militantes palestinos. Desde então, a milícia perdeu o apoio muçulmano sunita, ao entrar na guerra civil na Síria em favor de Bashar al-Assad, o que foi publicamente confirmado em 2013. Cristãos comuns se juntaram a muitos nesse desencanto com o Hezbollah, quando este se aliou a líderes sectários contra a revolução popular de 2019, que deu início aos últimos cinco anos de declínio econômico.

O apoio da milícia ao Hamas provocou uma onde de cartazes com os dizeres “Não queremos guerra” por toda Beirute.

Oferecendo o amor cristão

“Estamos com raiva. Sem fazer nenhuma consulta ao governo, o Hezbollah arrastou o Líbano para a guerra”, disse Joseph Kassab, presidente do Supremo Concílio da Comunidade Evangélica na Síria e no Líbano, que disse que nenhuma paz duradoura pode vir por meio da violência. “Muitos cristãos acham que Israel não se prende a quaisquer restrições na guerra, e a milícia errou em provocar seu inimigo.”

Os ventos da mudança estão soprando, no entanto, disse Jihad Haddad, pastor da True Vine Church em Zahle, uma cidade cristã no Vale de Bekaa, fazendo um trocadilho com um provérbio chinês: Alguns constroem muros para resistir ao vento; mas moinhos de vento poderiam ser mais úteis para o ministério. Como os cristãos não têm voz política no conflito atual, ele está direcionando seus esforços para apoiar os deslocados.

O centro de assistência na igreja já distribuía 2.000 cestas básicas por mês, antes da escalada atual, com muitos alimentos que eram cultivados nas terras da própria igreja. Para cuidar dos muitos que agora estão abrigados em escolas, a igreja adaptou as cestas para que forneçam alimentos que não precisam ser cozidos. Os deslocados também enfrentam escassez de cobertores, mas nada mais resta nos depósitos da igreja.

Haddad vê esperança no horizonte, mas não é fácil. O Líbano, disse ele, está preso entre o “martelo” de Israel e a “bigorna” do Hezbollah. Mísseis atingiram uma área a cerca de um quilômetro e meio de sua casa e, na outra direção, a cerca de um quilômetro e meio da igreja.

Percepções do que acontece em Gaza criam um medo pungente.

“Somos muito cautelosos em acolher famílias que não conhecemos”, disse Haddad. “Onde encontra militantes, Israel os bombardeia.”

O povo de Zahle, segundo ele, verifica cuidadosamente se há afiliação dos xiitas ao Hezbollah. A True Vine forneceu abrigo em apartamentos da igreja para 17 famílias ligadas à congregação, à medida que fiéis e outros buscam abrigo entre os cristãos que, conforme esperam, seja seguro. Mas Haddad também teme que, se a igreja ficar sobrecarregada por abrigar todos aqueles que buscam refúgio, ela não poderá fornecer serviços e ajuda a todos.

A ajuda vinda de igrejas de todas as denominações tem causado uma forte impressão.

“Se não houvesse cristãos no Líbano, já teríamos sido devorados”, afirmou Mohamed al-Hajj Hassan, um sheike xiita conhecido por sua oposição ao Hezbollah, em um videoclipe amplamente compartilhado de sua entrevista na televisão. “Foram eles que nos protegeram e ajudaram aqueles que estão vagando pelas ruas. Foram eles que acolheram nossas mulheres e crianças.”

Os cristãos poderiam ter ficado do lado de Israel, segundo ele. Os xiitas devem agora “reexaminar nossa consciência e pensar se não podemos ter prejudicado nossos parceiros dentro de nosso próprio país.”

Volunteers supported by Thimar prepare meals for the displaced
Voluntários apoiados por Thimar preparam refeições para os deslocados.

Tal apreço e reconhecimento, no entanto, não tornam mais fácil para os evangélicos abrirem as portas de suas instituições, disse Nabil Costa, chefe da Associação de Escolas Evangélicas no Líbano. Suas 35 escolas atendem 20.000 alunos, grupo que é composto por uma mescla de cristãos e muçulmanos. O governo do Líbano obrigou uma escola adventista do sétimo dia, em um bairro xiita no centro de Beirute, a fornecer abrigo para os deslocados.

Costa disse que os evangélicos estarão dispostos a abrir suas escolas, assim que o governo decidir que todas as instalações escolares privadas são necessárias para ajudar. Isso pode incluir a discussão de como cooperar com o ministério da educação para fornecer instrução suplementar para crianças de escolas públicas que foram forçadas a deixar suas salas de aula.

A guerra deslocou 40% dos 1,25 milhão de alunos do Líbano.

Faça parte do nosso canal no Whatsapp.

Costa também dirige a Thimar, uma organização batista local de serviço social que supervisiona a Escola Batista de Beirute (BBS), e que negociou com o governo para transformar seu campus em um centro de distribuição para os deslocados. Localizada a cerca de cinco quilômetros ao norte da área densamente povoada de Dahiyeh, em Beirute, onde Nasrallah foi morto, a vizinhança da escola não está atualmente ameaçada por ataques aéreos israelenses. Mas, em meio a ecos dos ferozes bombardeios regulares, a BBS auxilia sete instituições públicas e privadas próximas que hospedam os deslocados, fornecendo 700 refeições diárias. Uma ajuda adicional também é fornecida às igrejas nas montanhas.

“Não temos o direito de rejeitar refugiados”, disse Costa. Mas ele alertou o governo: “Não tirem vantagem do nosso amor cristão”.

É hora de abrirmos nossos corações

Alguns, mesmo entre os próprios deslocados, estão oferecendo amor espontaneamente.

Na segunda-feira, 23 de setembro, Laya Yamout acordou às 6h30, ao som dos ataques aéreos israelenses. Enfermeira registrada que trabalha na Horizons International, ela também é voluntária na Tyre Church, fundada por seu falecido pai, há 14 anos, como uma igreja na cidade xiita. Ela já havia restringido seu deslocamento local, pois ataques de drones de precisão miravam militantes do Hezbollah que dirigiam motocicletas. Melhor não ser pega perto de um deles, disse Yamout, caso eles errem o alvo.

Mas o ataque desse dia parecia diferente. Quatro horas depois, Yamout estava visitando um paciente idoso com demência, quando outra explosão aconteceu nas proximidades. Ela correu para casa, fez as malas e, com seu cachorro a seu lado, dirigiu cerca de 89 quilômetros. As 50 pessoas em sua congregação — quase todas crentes em Jesus de origem muçulmana — acabaram encontrando uma rota de fuga para locais dispersos, abrigando-se em escolas, igrejas ou com familiares. Uma delas voltou para o Iraque.

Yamout ficou na casa de uma amiga, em um bairro cristão da capital.

“Sinceramente, é mais seguro”, ela disse. “Não quero ter que fugir de novo.”

Na manhã seguinte, Yamout se ofereceu como voluntária em uma clínica ligada a uma grande igreja curda em Beirute. Na quarta-feira, ela voltou para Tiro com outras duas pessoas, esperando voluntariar-se na Cruz Vermelha.

Depois de levar sete horas para chegar a Beirute dois dias antes, levou pouco mais de uma hora para voltar para casa, em meio a um cenário “apocalíptico” de carros abandonados na beira da estrada e meia dúzia de prédios em chamas à direita e à esquerda.

Ela quase deu meia-volta logo que chegou. Tiro parecia uma cidade-fantasma, sem água, sem eletricidade e sem sinal de celular. As ruas estavam praticamente vazias, exceto por militantes do Hezbollah, mas ela não ficou com medo daquele cenário.

Seu pai fora preso duas vezes por evangelizar, e o imóvel da igreja sofreu vandalismos repetidamente. Mas, ao longo dos anos, disse Yamout, a Tyre Church conquistou o respeito relutante da comunidade, e a rua em que a igreja fica se tornou popularmente conhecida como “Rua da igreja”.

No entanto, não era seguro permanecer ali. Dois fiéis dormiram na praia, com medo de que seus apartamentos fossem atingidos [por bombardeios]. Yamout encheu uma van de 15 passageiros para retornar à capital com famílias da igreja que não tinham conseguido encontrar transporte dias antes para algum local seguro.

Na quinta-feira, ela estava de volta atendendo em uma clínica, em uma cidade cristã que fica a aproximadamente 80,4 quilômetros ao norte de Beirute, e que recebeu muitas pessoas deslocadas do Vale de Bekaa. Em média, ela atendia 150 pessoas por dia.

“Agora é hora de abrirmos nossos corações”, disse Yamout. “Podemos nunca mais ter essa chance.”

O Líbano tem conteúdo cristão transmitido por ondas do rádio e igrejas por todo o país, mas há muitas aldeias libanesas de todas as seitas que se isolam de outras comunidades. Mas xiitas do Sul, que normalmente conhecem poucos cristãos, agora se encontram abrigados em áreas cristãs. Eles estão profundamente traumatizados, disse Yamout, mas seus rostos se iluminam com um sorriso, quando ela lhes conta que também é de Tiro e dedica um tempo para ouvir suas histórias.

Em cada escola, Yamout trabalha com a igreja local para acompanhar qualquer um que mostre abertura ao evangelho. Ela defende cautela ao oferecer hospitalidade, pois alguns membros da milícia provavelmente se infiltrarão nesses locais. Mas enquanto a maioria deles agora está lutando contra a invasão terrestre de Israel na fronteira, os crentes podem mostrar amor às esposas e aos filhos dos militantes. Ao lado deles estão milhares de xiitas libaneses, sem qualquer relação com o Hezbollah, que estão conhecendo cristãos pela primeira vez.

Enquanto isso, naquela igreja que fica na aldeia nas montanhas — onde Mustafa, Hussein e outros “ainda não” cristãos estão se abrigando —, eles e suas famílias comem em volta de longas mesas de plástico, montadas no estacionamento da igreja. Mustafa espera voltar para Tiro, mas não para sua cidade natal na Síria — é muito perigoso lá. Apesar das incertezas de uma residência temporária por tempo indefinido, ele está em paz no Líbano.

“Não sabemos o que fazer a seguir”, ele disse. “Só Deus sabe, e nós confiamos nele.”

News

Mais cristãos estão assistindo à pornografia. Menos cristãos acham que pornografia é pecado.

A igreja precisa de iniciativas para alcançar os fiéis que dizem assistir à pornografia online [e não veem problema nisso].

Christianity Today October 19, 2024
Illustration by Christianity Today / Source Images: Getty

O consumo de pornografia continuou a crescer ao longo da última década, especialmente entre os jovens que são expostos a imagens explícitas mais cedo do que nunca. No entanto, a maioria dos americanos hoje não vê a pornografia como algo nocivo para a sociedade, e muitos cristãos dizem que não estão preocupados com seus efeitos.

É o que diz um novo relatório divulgado recentemente por Barna e Pure Desire, um ministério para pessoas com vícios em pornografia.

Pesquisadores descobriram que 61% dos americanos dizem que assistem à pornografia pelo menos ocasionalmente, número acima dos 55% da pesquisa de 2015 do Barna sobre o mesmo tópico. Além disso, mais mulheres estão assistindo à pornografia do que no passado (44% atualmente contra 39% nove anos atrás).

Na igreja, os pastores de hoje estão mais propensos a falar de um histórico pessoal de consumo de pornografia (67% atualmente contra 57% nove anos atrás). Quase 1 em cada 5 pastores afirma lutar contra a pornografia. E entre cristãos que participaram de cultos no último mês, mais da metade diz que assiste à pornografia pelo menos ocasionalmente.

“O consumo de pornografia não está mais confinado a uma demografia ou a uma subcultura específicas”, disse o relatório. “Ele atinge todos os segmentos da sociedade (de jovens a idosos) sem levar em conta gênero, status social ou crenças religiosas.”

Os novos dados se alinham com outras pesquisas que mostram aumentos drásticos na quantidade de pornografia online criada e consumida nos últimos anos.

Um estudo recente sugeriu que, a cada minuto, 2,5 milhões de pessoas assistem à pornografia online, cujo consumo aumentou em 91% desde 2000. A maior disponibilidade, a facilidade de acesso à pornografia na internet e até mesmo o isolamento social exacerbado pelos lockdowns da pandemia da COVID-19 são vistos como os principais fatores que contribuíram para o aumento.

Alguns esforços de instituições confessionais para conter o crescimento da indústria pornográfica online têm defendido restrições legais, inclusive pressionando para que sejam aprovadas leis que exijam verificação de idade e regulamentações mais rígidas para aqueles que criam os dispositivos tecnológicos. Outros ministérios têm se concentrado em ajudar indivíduos a superar o vício em pornografia.

Líderes do Barna e da Pure Desire disseram que esperam que sua pesquisa ressalte a difusão da pornografia e incentive mais pastores e pessoas envolvidas nos ministérios da igreja a priorizarem o apoio àqueles que estão lutando [contra esse mal]. Mas as estatísticas podem revelar um obstáculo ainda maior: muitas pessoas, entre elas muitos cristãos, não veem nenhum problema em consumir esse tipo de conteúdo.

“Mais de três em cada cinco cristãos (62%) dizem ao Barna que concordam que uma pessoa possa assistir à pornografia regularmente e viver uma vida sexualmente saudável”, diz o relatório. Isso fica apenas quatro pontos percentuais abaixo da parcela de todos os adultos dos EUA que não consideram prejudicial assistir à pornografia (66%).

Além disso, 49% dos cristãos praticantes que admitem assistir à pornografia dizem que estão “confortáveis ​​com a quantidade de pornografia” que consomem.

“Simplesmente essa não é uma questão preocupante para eles… não há nenhum senso de urgência [sobre isso]”, disse Sean McDowell, professor da Universidade Biola e apresentador do podcast Think Biblically. “Acho que este é um exemplo de como as pessoas estão se inspirando muito mais na cultura e nas ideias que nos cercam do que nas Escrituras e em sua visão de mundo cristã.”

No entanto, no estudo, os entrevistados que disseram usar pornografia com certa regularidade foram muito mais propensos a relatar que frequentemente se sentiam ansiosos, críticos de si mesmos, facilmente sobrecarregados e deprimidos.

“Há, em geral, uma correlação direta entre quanto mais pornografia você assiste menos saudável você é mental, emocional e relacionalmente”, disse Nick Stumbo, diretor-executivo da Pure Desire. “Não podemos aceitar sem nos preocupar um comportamento que está minando nossa saúde mental, emocional e relacional.”

Uma pesquisa recente do Institute for Family Studies/YouGov [Instituto para Estudos sobre a Família/YouGov] relatou descobertas semelhantes que correlacionam o consumo de pornografia com solidão e depressão. Seus pesquisadores sinalizaram que o vício generalizado em pornografia é um problema de saúde pública, observando como os sites pornográficos “usam técnicas semelhantes às plataformas de mídia social, como rolagem infinita, reprodução automática e conteúdo personalizado, para manter os usuários engajados” e como os usuários frequentes buscam vídeos mais extremos à medida que ficam dessensibilizados.

O relatório do Barna inclui uma série de perguntas focadas em “trauma de traição” ou o impacto que o consumo de pornografia tem sobre os cônjuges ou outras pessoas importantes na vida do usuário.

As diferenças entre homens e mulheres são gritantes. As mulheres tinham pelo menos o dobro da probabilidade de dizer que o consumo de pornografia por seu parceiro prejudicou o relacionamento deles de alguma forma. A principal preocupação de 44%  das mulheres era que seu parceiro não se sentisse mais atraído por elas. No entanto, a mesma parcela de homens — 44% — relatou não se preocupar com o consumo de pornografia por suas parceiras.

Depois, há ainda o impacto que a pornografia tem sobre os jovens. O relatório mostrou que 39% dos adultos da Geração Z assistem à pornografia diariamente ou semanalmente. Além disso, mais da metade dos jovens da geração Y e dos adultos da Geração Z (uma faixa que vai dos 18 aos 37 anos) dizem já terem enviado nudes [fotografias e vídeos sem roupa] de si mesmos para outra pessoa, e três quartos dizem ter recebido esse tipo de conteúdo, descobriu o Barna Research Group.

Outros estudos recentes indicaram que as crianças estão vendo pornografia muito mais cedo do que as crianças das gerações anteriores — a idade média para a primeira exposição das crianças à pornografia hoje em dia é 12 anos.

Stumbo disse que a Pure Desire está desenvolvendo programas de treinamento para pais que estão procurando maneiras de falar sobre pornografia com seus filhos. Mas mesmo essa estratégia enfrenta obstáculos: o estudo do Barna perguntou aos entrevistados quem ou o que teve o maior impacto na visão que eles têm sobre sexo e comportamento sexual. As respostas “Minha mãe” e “meu pai” ficaram abaixo de “meus amigos”, “televisão ou filmes”, “pesquisa na internet” e da própria pornografia.

“Se você realmente quer ajudar seus adolescentes, uma das melhores coisas que pode fazer é abordar sua própria história e sua própria fragilidade em sua sexualidade”, ele disse. “Quanto mais saudável você ficar nesse aspecto da vida, mais poderá ajudar os adolescentes a ficarem também.”

McDowell disse que é importante que as igrejas ofereçam recursos para pessoas que lutam contra a pornografia, mesmo que estas afirmem não ver problema nisso. A pesquisa descobriu que 83% dos adultos com histórico de consumo de pornografia não têm ninguém em suas vidas que os ajudem a evitá-la.

“Eu suspeito que aqueles que são cristãos e não veem problema com a questão da pornografia acharam os argumentos contra ela pouco convincentes”, ele disse. “Muitas vezes há mágoa, vidas quebradas, há ansiedade, há… estressores subjacentes e má teologia impedindo as pessoas de conseguir a ajuda de que precisam.”

Ele recomenda que, além de ensinar sobre sexualidade saudável no púlpito, cada igreja deve ter um grupo de apoio para pessoas que lutam contra qualquer tipo de vício, seja de natureza sexual ou não.

Juli Slattery, psicóloga e fundadora da Authentic Intimacy [Intimidade Autêntica], concorda que oferecer uma comunidade segura para pessoas que lutam contra a pornografia é fundamental. Ela contribuiu com um dos especialistas que opinaram sobre as descobertas do relatório.

“Você pode dizer às pessoas ‘Deus diz para não vermos pornografia’”, escreveu Slattery. “Mas se você não fornecer as ferramentas e uma comunidade para que elas tratem das questões mais profundas, muitas pessoas vão se sentir realmente de mãos atadas, incapazes de lutar. [Muitos cristãos] não entendem o que está sendo perdido quando a sexualidade é afetada [por práticas imorais], porque eles veem a sexualidade mais como uma ética comportamental, e não como um campo de batalha profundamente espiritual.”

Stumbo, da Pure Desire, disse que, nos últimos anos, notou um interesse cada vez menor das igrejas em acolher ministérios de recuperação do vício em pornografia, após um boom de conscientização e interesse que ocorreu no início dos anos 2000.

A ascensão da internet levou à fundação de vários ministérios de recuperação do vício em pornografia, entre eles o Covenant Eyes [Olhos da Aliança] — que oferece um software para ajudar as pessoas a evitar a pornografia online — e o XXXchurch. A questão continuou a atrair atenção nos anos que se seguiram, especialmente após o lançamento dos smartphones.

A pesquisa anterior do Barna sobre o consumo de pornografia, “The Porn Phenomenon” [O fenômeno da pornografia], foi publicada em 2016. Na época, “parecia ser um período em que essa bolha estourou e as igrejas estavam dizendo: ‘temos que fazer algo em relação à pornografia’”, disse Stumbo. Dois anos antes, a Pure Desire tinha lançado sua popular Conquer Series [Série Conquista], um material em vídeo que oferece um passo a passo para a recuperação do vício em pornografia, que já foi visto por mais de 2 milhões de homens em mais de 100 países.

“A Pure Desire cresceu muito naqueles dois anos”, disse Stumbo. Na mesma época, em 2016, a Covenant Eyes ampliou sua missão e começou a fazer parcerias com outros ministérios, para aumentar a conscientização sobre a pornografia na igreja. Um ano antes, os cristãos fundaram o Protect Young Eyes [Proteja os Olhos dos Jovens], um ministério para ajudar escolas e famílias a criarem políticas para uso de tecnologia que fossem seguras para crianças.

Stumbo disse que o foco na questão [da pornografia] esmoreceu um pouco desde então: “Quando olhamos para trás… acho que a igreja meio que deixou essa luta de lado”.

A apatia que se percebe por parte da igreja em relação à pornografia pode inadvertidamente reforçar outro mito comum: a pesquisa do Barna Group mostrou que 66% dos adultos acreditam que “com força de vontade suficiente, uma pessoa pode superar o vício em pornografia por conta própria”.

Como qualquer vício, no entanto, o primeiro passo para a recuperação é a pessoa admitir que tem um problema. Se quase dois terços dos cristãos acreditam que é possível assistir à pornografia regularmente e ainda assim levar uma vida saudável, esse primeiro passo pode ser o mais difícil.

A normalização moral do consumo de pornografia pode ter uma pequena vantagem: o CEO do Barna Group, David Kinnaman, disse que os entrevistados da pesquisa estão muito mais dispostos a serem abertos e honestos sobre seus hábitos pornográficos do que costumavam ser — uma tendência que ajuda os pesquisadores da área de ciências sociais a captarem a extensão do problema. Ele comparou essa abertura à crescente abertura dos millennials e da geração Z sobre suas lutas com a saúde mental.

“Esse tipo de coisa costumava ser mais difícil de perguntar”, disse Kinnaman. “É realmente notável como as pessoas são honestas [sobre esse assunto]… especialmente online.”

Kinnaman disse que espera que o estudo convença os pastores a tratar das lutas de suas congregações com a pornografia em todas as áreas do discipulado. Isso significa ensinar do púlpito uma visão bíblica da integridade sexual e promover uma verdadeira comunidade entre pequenos grupos, onde as pessoas possam encontrar uma alternativa aos “roteiros internos” que lhes permitem racionalizar seus pecados.

Mas sua preocupação é que o problema não vai embora tão cedo. Segundo Kinnaman, toda pesquisa leva os pesquisadores a começarem a fazer um brainstorming sobre as perguntas que farão da próxima vez, e esta pesquisa não é uma exceção.

“Se achamos que estamos vivendo na era da pornografia hoje”, disse ele, “espere só até a inteligência artificial [se estabelecer].”

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no Facebook, Twitter, Instagram ou Whatsapp.

Culture

A arte não precisa ser cristã para ser “boa”

Os cristãos tendem a julgar a cultura pop e como ela afeta a nossa fé, mas o que realmente importa é nossa própria conformidade com Cristo.

An old TV with a fuzzy screen and an antenna made from a fork and knife.
Christianity Today October 17, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Getty

Dos programas de televisão indicados ao Emmy deste ano, meu marido e eu assistimos a todos os episódios de The Crown, um pouco de Abbott Elementary e alguns episódios de Only Murders in the Building. Quando tínhamos uma assinatura do Hulu — plataforma de streaming —, assistimos à primeira temporada de The Bear e várias temporadas de What We Do in the Shadows. (Desde então, cancelamos nossa assinatura, então, infelizmente, não assistimos à Reservation Dogs).

Pergunte-me o que gostei ou não gostei em qualquer uma dessas séries, e eu posso lhe dizer: os diálogos, os cenários, os figurinos, o ritmo. Mas você pode não concordar com meus vereditos. Acho extraordinariamente engraçado What We Do in the Shadows, uma série sobre vampiros que vivem em Staten Island — uma região de Nova York. E engraçado a ponto de rir alto. Mas e Ted Lasso, que é uma série sobre um time de futebol? Três anos atrás, a série conquistou o Emmy. Tenho amigos que adoram essa série. Mas eu assisti, e me desculpe … Ted Lasso simplesmente não é para mim.

É uma questão de gosto. Como diz o ditado, gosto não se discute — mas os cristãos certamente estão inclinados a tentar discutir. Somos instruídos a voltar nossos pensamentos para “tudo o que for verdadeiro, tudo o que for digno de respeito, tudo o que for justo, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, em tudo o que houver alguma virtude ou algo de louvor” (Filipenses 4.8). Sendo assim, quais pinturas, obras literárias, séries, novelas e filmes se enquadram [nesses critérios]?

Acho que essa é a pergunta errada a se fazer. Como editora de cultura da CT, frequentemente encontro escritores tentando discutir seus álbuns pop favoritos ou filmes de sucesso a partir dessa perspectiva. “Não se preocupe”, eles argumentam, “isso é conteúdo cristão!Ou ao menos contém temas cristãos. O filme menciona jardins, água e vinho. A música fala de amor e esperança de maneiras que repercutem com as Escrituras. Os cristãos podem gostar desse programa de TV e assisti-lo, porque ele não apenas é de boa qualidade, mas também é verdadeiro, digno de respeito, justo, puro, amável e de boa fama.

Esse tipo de análise geralmente não leva a nada. Tende a parecer algo forçado — tolo, na melhor das hipóteses, ou desonesto, na pior delas. E, no entanto, entendo seu apelo. Não queremos que as obras de arte que admiramos sejam contrárias às reivindicações da nossa fé. Queremos seguir a prescrição de Paulo de “pensar nas coisas do alto”, de modo que procuramos encontrar esse caráter “elevado” em seriados e músicas pop (Colossenses 3.2). Temos medo de voltar a um fundamentalismo reflexivo que vê a música, a literatura ou o cinema “mundanos” como algo inerentemente perigoso.

Mas a verdade é que o melhor da música, o melhor da literatura e o melhor do cinema fazem referência à nossa fé, de certa forma. Essas obras contam histórias, e o cristianismo conta a grande história que está por trás de todas elas. Na medida em que as obras de arte contam a verdade sobre a natureza humana e o mundo em que vivemos, seremos capazes de encontrar os fios que tecem a trama dessa conexão — ainda que essa conexão nos diga algo extremamente simples como, por exemplo, “o pecado é real”.

O evangelho de Jesus dá sentido ao sacrifício e tipifica o amor, e distingue a vida da morte. Agora, assim como no princípio, temos o Verbo, a Palavra, sustentando a comédia e a tragédia, o absurdo e a futilidade, o sofrimento e a alegria. Nesse sentido, toda obra de arte é aquele altar ateniense de Atos 17, dedicado a um Deus com bastante frequência desconhecido.

Contudo, a possibilidade de um programa de televisão nos fazer pensar sobre o que é nobre e puro muitas vezes tem menos a ver com o programa em si e mais a ver conosco como espectadores. Para Paulo, o altar ao Deus desconhecido foi a base para um sermão que apontava para o Deus que ele, Paulo, conheceu em Cristo Jesus. No entanto, para milhares de atenienses que diariamente viam aquela obra, essa conexão era impensável.

Assim, reformulo a minha pergunta anterior da seguinte maneira: quais pinturas, obras literárias, séries, novelas e filmes se enquadram [nesses critérios de Filipenses 4.8] em relação a mim?

Quais obras de arte podem inspirar cada um de nós — com nossas respectivas sensibilidades estéticas únicas, com as preferências pessoais que Deus nos deu por determinadas piadas, com nossos pecados recorrentes — a refletir sobre o que é admirável e justo?

Colocar a questão dessa forma não desconsidera as diretrizes de Filipenses 4.8. Alguns filmes, músicas ou textos — como aqueles que contêm violência totalmente gratuita ou sexualidade pornográfica — nunca ajudarão nenhum de nós a meditar sobre as coisas do alto. A arte não é como carne sacrificada a ídolos (1Coríntios 8.4-8); não é tudo neutro para o cristão. Nem tudo deve estar disponível à mesa.

No entanto, essa abordagem abre espaço para a personalidade, a flexibilidade e, sim, para o gosto [de cada um]. Eu me deleitei com a série premiada Breaking Bad e com Better Call Saul, a pré-sequência derivada de Breaking Bad. Essas séries são violentas, mas não me levaram à tentação da fúria. Após assistir a cada episódio, passei dias meditando sobre boas intenções e motivos subjacentes e o quanto somos suscetíveis a explicações inconsistentes para o nosso próprio comportamento.

Mas Baby Reindeer [Bebê Rena] eu não tive estômago para assistir. Seu retrato da fragilidade humana se alinhava com meu entendimento da realidade corrompida pelo pecado. Mas as representações de violência sexual da série me deixaram enjoada; elas ficavam na minha cabeça muito tempo depois de eu ter desligado a TV. O programa me parecia sombrio; fazia com que eu me sentisse sombria. Decidi não terminar de assistir à série.

O contrário pode ter sido verdade em relação a outro crente: essa pessoa pode ter gostado de Baby Reindeer, mas não de Breaking Bad. Nesse sentido, a arte é como aquela carne sacrificada a ídolos: o que é uma pedra de tropeço para um de nós não será para o outro (1Coríntios 8.9-13).

Isso torna a tarefa do crítico cristão ao mesmo tempo mais difícil e mais interessante. Nosso trabalho não é justificar nosso gosto em termos de cultura, mas sim explicar o que vemos, a partir de um ponto de vista voltado para Cristo. Não devemos dizer: “esta arte tem ares cristãos”. Devemos afirmar: “aqui está o que eu percebi, como cristão, ao apreciar esta obra”.

Não precisamos tentar forçar os artefatos culturais dentro de uma forma composta por um conjunto de parâmetros que eles nunca foram feitos para atender, ajustando a classificação de modo que os nossos favoritos sejam aprovados. Em vez disso, o que devemos fazer é nos achegar a esses artefatos como pessoas transformadas, com mentes renovadas e vermos o que eles têm a nos oferecer.

Não é dessa forma que a maioria de nós pensa sobre gosto hoje em dia, sejamos nós cristãos ou não, mas isso remete a uma tradição mais antiga. Houve um tempo em que os filósofos pensavam no gosto não em termos de “qual banda você gosta, quais livros você lê, quais roupas você veste”, explicou o escritor Kyle Chayka em uma entrevista recente com o crítico Ezra Klein. Em vez disso, eles entendiam o gosto “como uma experiência humana mais fundamental, como uma capacidade moral, uma maneira de julgar o que está ao seu redor e avaliar o que é bom e… quase torná-lo parte de você”.

Desenvolver o gosto dessa forma exigirá uma confiança, nascida da santificação e informada pelo Espírito, sobre o que é bom e digno de nossa atenção. Também exigirá humildade sobre a nossa própria capacidade de enxergar o que é bom, sobre nossos discursos autolisonjeiros a respeito do que gostamos e não gostamos, e sobre o fato de que nossas mentes sempre podem mudar, talvez em razão da visão de outro crente.

É assim que eu, como crítica cultural cristã, espero que meu gosto pessoal atue: como um guia que aponta para o que é amável, virtuoso e louvável. Como algo que auxilia a minha fé. Como um meio de encontrar Deus em uma pincelada, em um diálogo que me faz rir, em uma verdade bem escrita.

Kate Lucky é editora sênior de cultura e engajamento da Christianity Today.

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no FacebookTwitterInstagram ou Whatsapp.

Theology

A igreja ainda importa? 

Devoção privada, serviço comunitário e entretenimento não são os motivos pelos quais as comunidades cristãs locais devem existir.

Christianity Today October 16, 2024
Photo-illustration by Mitchell McCleary

Quem faz perguntas erradas receberá respostas erradas. Contudo, na teologia, a disciplina que ensino, talvez o erro mais comum seja conseguir a resposta certa para a pergunta errada.

Talvez seja injusto chamar os costumeiros debates sobre cosmologia, teodiceia e milagres de “perguntas erradas”. Na medida em que são feitas de boa fé, tais perguntas podem gerar insights. Com frequência, porém, elas encorajam os seres humanos a continuarem fazendo e respondendo perguntas humanas sobre Deus.

Como disse Tomás de Aquino, a teologia propriamente dita deve provocar homens e mulheres a pensarem segundo Deus — procurando falar de Deus como Deus é e buscando as “riquezas insondáveis ​​de Cristo” (Efésios 3.8, ESV).

Isto é, a teologia nada mais é do que se familiarizar, através das Escrituras e da adoração da igreja, com o Deus que só pode ser conhecido através de um reflexo obscuro, como em espelho (1Coríntios 13.12).

Buscar o conhecimento de Deus e da fé cristã através das lentes da incognoscibilidade de Deus não é o ponto de partida mais confortável ou comum. Para uns soa como uma manobra para se esquivar [da questão] e para outros é como se eu estivesse sugerindo que sua fé é incerta. E para outros ainda parece uma postura muito relaxada, preguiçosa até, quando temos milhares e milhares de palavras escritas sobre a doutrina cristã que nos fazem questionar: Será que não seria melhor tentarmos resolver todos os potenciais problemas da fé cristã?

Minha resposta é que o objetivo da teologia cristã, ao menos para mim, é a crença cristã, e não uma conclusão sobre o que pode ser dito ou o que pode ser questionado. Plena compreensão e crença não são a mesma coisa.

No final do Evangelho de João, o Jesus ressuscitado aparece aos discípulos. Eles tinham voltado ao mar de Tiberíades para pescar. Este fato por si só é pungente. Eles eram pescadores que foram chamados a deixar sua profissão para seguir o Senhor, aquele que salvaria Israel. Eles o seguiram, abandonando seu sustento nesse meio tempo, mas essa fidelidade parecia haver terminado com a morte daquele a quem amavam.

Este tempo entre a morte de Cristo e a Ascensão é uma pausa dramática, cheia de expectativa na tradição cristã. Cristo morreu, Cristo ressuscitou — no entanto, o que isso significa para os discípulos ainda não fora totalmente revelado. Há uma questão, neste ponto, sobre o que significava o ressuscitado em seu meio: Por meio de qual poder ou agência eles levarão adiante a mensagem de Cristo?

E, assim, eles voltaram à sua antiga profissão — a pesca — e passaram a noite toda no mar. Mas não pegaram nada. Você pode imaginar a tristeza ou até mesmo o desespero de uma noite dessas. Eles viram seu Senhor morrer, e, com ele, viram morrer suas esperanças pela restauração de Israel. Alguns deles o viram ressuscitado, mas, mesmo assim, o Cristo ressuscitado esteve com eles apenas brevemente, e de uma forma bem diferente. E agora suas tentativas de voltar à sua antiga fonte de sustento também se frustraram. Que mensagem eles proclamarão? O que eles podem oferecer ao mundo? Como eles se alimentarão? Todas essas perguntas estão, por enquanto, sem resposta.

Você pode imaginar a confusão deles. Eles acreditavam que o Senhor era o Messias prometido. Na época dos discípulos, os judeus acreditavam que o Messias voltaria e inauguraria um reino terrestre messiânico. Eles acreditavam que isso teria ramificações políticas imediatas para suas vidas no Império Romano. Quando, em vez disso, Jesus foi crucificado como um inimigo do Estado, essa estrutura dos discípulos desabou. Os ecos dessa tristeza podem ser ouvidos nas palavras daqueles homens na estrada para Emaús: “Nós esperávamos que era ele que ia trazer a redenção a Israel” (Lucas 24.21)

Nós esperávamos.

A decepção nessa declaração é semelhante a uma gravidez, é como alguém que está prestes a dar à luz ao sentimento de perda e até mesmo de pesar. Certamente, a questão é que a morte de Cristo havia frustrado as expectativas de muitos que esperavam que sua vida inauguraria uma nova teocracia, um novo reino de Deus na terra. Mas a pergunta deles — Como pode aquele que morreu salvar Israel? — era, naquele momento, a pergunta errada.

Uma pergunta que encontro com certa regularidade hoje em dia é por que a igreja local importa. E penso que essa também é a pergunta errada.

Cristãos descontentes querem saber por que devem frequentar a igreja, quando ela já acobertou tantos danos. Pastores e líderes querem saber como explicar aos outros, especialmente aos jovens adultos, qual é o bem que a igreja tem a oferecer.

Estamos em um caldeirão no qual borbulham respostas erradas sobre a igreja. Dois anos de fechamento de igrejas devido à pandemia levaram muitas congregações a migrar seus cultos para o universo online. Os cultos da igreja eram transmitidos ao vivo e acessados ​​nas salas de estar das pessoas. A Santa Ceia às vezes era tomada na mesa da cozinha ou nem era. A música era transmitida virtualmente. E os cristãos se reuniam — ou não — com sua família imediata para adorar.

Seria equivocado sugerir que tais arranjos não são adoração. De fato, o salmista diz “Os céus declaram a glória de Deus”, e o próprio Senhor diz “Onde dois ou três se reúnem em meu nome, aí estou eu” (Salmos 19.1; Mateus 18.20). A percepção de que Deus pode ser encontrado em salas de estar, na natureza e até mesmo na TV não está errada. Toda a tradição cristã insiste que Deus não é impedido por nada e pode estar perto das pessoas por meio da matéria — mesmo quando transmitida por pacotes de dados para uma tela. Deus de fato habita com seu povo, que se reune nos lares ao redor do mundo.

No entanto, também seria incorreto chamar tal presença de “igreja”. A igreja não é a presença orientadora e consoladora de Deus no coração de alguém, nem mesmo é o consolo e a exortação bem reais que podem surgir quando um grupo de cristãos se reúne para orar. Tampouco é igreja a reunião ocasional de cristãos pelo mundo todo, nos lares ou ao redor de uma mesa, para cantar e estudar.

Na Bíblia, a preocupação de Deus, ao criar a igreja, não é formar pessoas, mas formar um povo. Abraão foi chamado para ser uma bênção para as nações; Davi foi chamado para ser um rei de Israel, e não simplesmente um homem segundo o coração de Deus; e os juízes condenaram o pecado dos líderes de Israel para que a nação pudesse ser conduzida à santidade.

Este padrão em que Deus fala, instrui e corrige indivíduos distintos para servir a um povo santo é a história da obra de Deus entre o povo de Deus. Todos os tipos de ajuntamentos cristãos e de reuniões de cristãos podem ser vias para a obra graciosa de Deus entre seu povo, embora nem todas essas reuniões sejam “igreja”.

A principal tentação ao definir igreja é, em vez de definir, articular seus fins. A pergunta errada que estamos inclinados a fazer sobre a igreja é por que ela importa. Mas pode ser que ela não “importe” do jeito que esperamos.

No minuto em que perguntamos por que a igreja “importa”, somos tentados a identificar seus benefícios concretos ou sua contribuição para a sociedade. O sociólogo da religião Peter Berger argumenta, na obra The Sacred Canopy [O dossel sagrado], que as religiões são hoje oferecidas no mercado de experiências entre as quais os indivíduos podem escolher. Se Berger estiver certo, as religiões estão entre as muitas opções que os americanos e outros povos em sociedades igualmente secularizadas podem escolher para aliviar suas consciências, acalmar sua ansiedade ou gerar efeitos morais. Essas coisas seriam vistas como propósitos da igreja. Mas a alma é uma realidade notavelmente ineficiente e, à medida que seu cuidado se torna opcional, a prioridade de seu cuidado diminui.

Se a igreja funciona em uma espécie de mercado, ela, portanto, deve se anunciar [nesse mercado] como algo que as pessoas possam querer. Uma vez que ela faz isso, torna-se muito difícil imaginar a igreja (ou qualquer religião) como algo diferente de um bem que produz resultados que as pessoas podem escolher.

Também se torna muito difícil para os líderes religiosos não se comportarem como se estivessem comercializando esses resultados para os indivíduos. Talvez a igreja esteja cheia de pessoas mais morais do que outras organizações sociais. Talvez sua música seja melhor. Talvez seus líderes sejam bem jovens e descolados.

Mas o que acontece quando a igreja não é mais moral, mais divertida ou mais atraente? O que acontece quando ela exibe profunda pecaminosidade e formas ultrapassadas de adoração e as pessoas se cansam umas das outras? Outras opções, e melhores, geralmente estão disponíveis para indivíduos, se o que eles estão procurando é boa companhia ou entretenimento.

Às vezes, as igrejas tentam demonstrar o quanto elas importam acrescentando algo de bom a uma comunidade ou abordando alguma dificuldade. O problema aqui não é que o serviço voluntário seja ruim; ele é, evidentemente, um verdadeiro fruto do evangelho. O problema é que se o objetivo da igreja for visto como transformação social, então se voluntariar para a United Way pode ser tão eficaz quanto ser voluntário na igreja, se não mais.

Se o produto da igreja for identificado como benefício social, seria sensato um cristão decidir fazer trabalho voluntário nas terças-feiras à noite e tomar um brunch nos domingos, em vez de ir à igreja. Afinal, a United Way tem resultados mais claros, e o café deles também pode ser melhor.

Servir a comunidade local e abordar questões de injustiça é uma vocação grande e importante. Mas você não precisa de Jesus para fazer isso.

Se o sucesso for medido pelo crescimento, a igreja está indo muito mal. As igrejas estão encolhendo, e a frequência às igrejas — especialmente entre jovens adultos — diminuiu significativamente.

E quem poderia culpá-los? Se o sucesso está em manter um conjunto de valores, muitos percebem que líderes e membros da igreja violam esses valores reiteradamente. Dissemos à nossa sociedade que a igreja deve ser uma força para o bem no mundo e que os cristãos devem ser pessoas moralmente superiores. A Bíblia diz que os cristãos serão identificados por seu amor (João 13.35).

Até mesmo os líderes da igreja parecem decepcionados com a igreja. Uma proporção alta e crescente de pastores está relatando esgotamento significativo e, depois de administrar as pressões dos últimos anos, estão falando em imenso estresse, solidão, divisões políticas, desesperança e conflito sobre o futuro de suas igrejas.

Se nem a igreja nem seus líderes são os melhores em qualquer das coisas que fazem, pode parecer que a igreja raramente é necessária — que ela é redundante. Quando perguntamos que benefício social a igreja pode fornecer, ou como podemos nos promover para o mundo, estamos fazendo as perguntas erradas.

Há mais de 30 anos, Stanley Hauerwas e William H. Willimon escreveram um livro intitulado Resident Aliens [Alienígenas residentes]. A preocupação deles era que a igreja estava perdendo a oportunidade de uma nova aventura, uma aventura como cristãos radicalmente peculiares vivendo no exílio.

Os autores disseram que, como o cristianismo era, pela leitura deles, uma parte tão importante da experiência americana, tornou-se difícil discernir o que havia de singularmente cristão na igreja. As igrejas faziam exortações para que seus membros fossem “boas pessoas”, não mentissem, não sonegassem impostos e ajudassem seus próximos quando estes estivessem em dificuldades. Mas nenhuma dessas exortações exigia que a pessoa cresse na Ressurreição.

O que Deus chamou, no entanto, não foi um povo moral ou poderoso, mas sim um povo peculiar. Ora, é verdade que em parte a peculiaridade da igreja deve se mostrar em uma certa moralidade. Mas a moralidade em si não é particularmente peculiar. O que torna a igreja peculiar é sua consciência de si mesma como um povo chamado por Deus para ser seu representante na terra, um povo que se destaca por práticas difíceis e incômodas como perdão, hospitalidade, humildade e arrependimento. Ela é marcada dessa forma por sua reunião comunitária, no batismo e na Ceia, para lembrar a morte do Senhor e proclamá-la até que ele volte.

Uma igreja peculiar é aquela que percebe que existe para dar testemunho de outro mundo, um mundo em que a Ascensão não é só tristeza, mas sim um convite para viver um novo momento, quando o Filho está de fato sentado à direita do Pai. Seu testemunho desse outro reino, uma comunidade no céu (Filipenses 3.20-21), é o que justifica sua existência.

Isso não quer dizer que as igrejas devam se tornar comunidades com preocupações somente internas, isoladas das demais comunidades. A igreja tem uma ética social implícita, como Hauerwas discute, e é guiada pelo chamado de Jesus a imitá-lo no amor ao próximo e na preocupação sacrificial.

Mas essa comunidade remodelada da igreja é formada a partir de sua adoração, que dá testemunho de outro mundo onde o Senhor é Rei. Os autores concluem: “A igreja, como aqueles que foram chamados por Deus, encarna uma alternativa social que o mundo não pode, em seus próprios termos, conhecer.”

Conversei com minha amiga Sarah Hinlicky Wilson, uma pastora luterana americana que serve no Japão. Sarah é teóloga formada, pastora e expatriada. Servir no Japão lhe deu uma visão privilegiada dos desafios do ministério da igreja em um contexto secular. Wilson diz que a América é “ignorantemente cristã”. Há um consenso cultural em torno de que cuidar dos pobres é bom (embora ainda persistam as diferenças sobre como fazê-lo), em torno de valorizar os fracos e marginalizados, e há um amplo consenso de que toda a vida é valiosa — ou seja, há um consenso em torno de conceitos cristãos não compartilhados por todas as sociedades.

“O Japão não é pós-cristão”, diz Wilson. “Ele nunca foi cristão.” Ela diz que os pobres e os indigentes com frequência podem contar inteiramente com a ajuda dos serviços governamentais. “A partir daquilo que consigo perceber do Japão, todas as necessidades diaconais básicas já foram atendidas há muito tempo.”

Mas ela aponta para sinais de miséria espiritual em uma sociedade consumista: “Parece-me que as pessoas são solitárias, têm tão poucos relacionamentos significativos, [e] nenhum relacionamento sério com qualquer poder superior”, diz Wilson. “As pessoas precisam é de Deus.” E isso é algo que somente a igreja pode lhes dar.

Isso não torna a evangelização uma tarefa fácil no Japão. De fato, a crise de solidão do Japão precedeu a dos Estados Unidos. O isolamento dos indivíduos, a falta de laços familiares e a obsessão pelo trabalho são uma epidemia.

“Mas é difícil fazê-los considerar a igreja ou até mesmo enxergar o problema”, diz Wilson, tão negligenciada é a ideia do cuidado espiritual.

Se nos Estados Unidos as igrejas se sentem desafiadas a provar seu valor para uma cultura preocupada com necessidades sociais e materiais, no Japão o desafio de Wilson é demonstrar o valor do espírito humano. Ela está respondendo à pergunta certa. Não estou dizendo que as necessidades espirituais sejam as únicas necessidades que as pessoas têm. A questão é que as necessidades espirituais são aquelas que somente a igreja pode suprir. Nas palavras de Wilson: “Como você convence as pessoas de que tudo o que você tem a oferecer é o evangelho?”.

As observações dela se sintonizam bem com as preocupações de Willimon e Hauerwas. Em ambos os países, a atenção das pessoas é desviada das realidades espirituais. A igreja, com sua “ alegação de criação da realidade”, não nega que os desafios do mundo sejam urgentes, que o mal seja real ou que esteja ganhando cada vez mais terreno. Ela não se retira do mundo, nem é ignorante ou não se engaja politicamente. Mas diz que o Senhor é Rei, enquanto as nações se enfurecem e os povos conspiram em vão (Salmos 2.1).

Não estou dizendo que as necessidades espirituais sejam as únicas necessidades que as pessoas têm. A questão é que as necessidades espirituais são aquelas que somente a igreja pode suprir.

Em The Great Passion [A Grande Paixão], Eberhard Busch registrou um episódio na vida de Karl Barth, quando uma bomba explodiu no telhado de uma igreja, durante um culto. Apesar da explosão, eles continuaram cantando o “Magnificat”. Barth elogiou isso, dizendo que a igreja tinha suas prioridades claras.

Muitas vezes me perguntam se não estou “pedindo demais” quando insisto que o culto da igreja forme pessoas dessa forma rigorosa. Mas me parece que esse tipo de exigência é a única coisa que, em última análise, torna o cristianismo crível. Se for verdade, vale a pena apostar sua vida nisso. Se não for, é melhor você escolher outra coisa qualquer.

Quando a igreja se preocupa em se defender do mundo, ela acaba se tornando incoerente. A única maneira de ser igreja é falando a linguagem peculiar da paz, do perdão, do arrependimento e da ressurreição.

Quando não fazemos nosso trabalho, a igreja se torna compreensível para o mundo, mas perde sua missão. Deixa de ser peculiar, mesmo que agora seja coerente com uma cultura que é tudo, menos cristã. Precisamos desse atrito, dessa pergunta impossível de como a igreja funciona, dessa perplexidade sobre o que a igreja faz, porque o que ela faz é frequentemente inconcebível para aqueles estão do lado de fora.

A igreja hoje corre o risco de meramente restabelecer resultados e políticas sociais que desfrutam do favor do mundo. E continuará girando sua engrenagem para anunciar e recrutar pessoas cuja expectativa é ingressar no conselho de alguma organização local sem fins lucrativos. A menos que se lembre de sua tarefa — que é dar continuidade à adoração a Deus — ela perderá sua identidade por completo.

Devemos resistir à tentação de fazer as perguntas erradas sobre a igreja. Devemos nos recusar a justificar a existência da igreja citando qual benefício oferecemos, qual é nossa contribuição ou se podemos prometer que nosso povo resistirá à tentação ou se negará a fazer mal uso do poder ou nunca prejudicará uns aos outros.

A igreja importa porque somente nela a verdade sobre o mundo é falada — porque somente nela o Senhor é proclamado como Rei.

Às vezes, pastores locais me perguntam o que podem fazer para atrair jovens para sua igreja. Digo a eles que não existem boas ideias para esse objetivo; na verdade, até mesmo o simples fato de fazerem essa pergunta significa que eles entenderiam mal minha resposta.

O único que levará as pessoas à igreja é o Espírito. A igreja deve se ocupar em deixar claras as fronteiras do mundo sendo um povo chamado pelo Espírito.

Como Emmanuel Célestin Suhard escreveu: “Ser uma testemunha não consiste em se envolver em propaganda, nem mesmo em instigar as pessoas, mas sim em ser um mistério vivo. Significa viver de tal forma que a vida de alguém não faria sentido se Deus não existisse.” Significa ser peculiar diante de um mundo que está procurando a próxima solução ou a próxima medida paliativa — significa cantar uma cântico de louvor, enquanto o perigo se aproxima.

Os discípulos tinham chegado ao fim de uma longa noite de pesca no mar de Tiberíades. E não tinham pescado nada. Jesus foi ao encontro deles, embora não o tenham reconhecido a princípio.

Lancem a rede do lado direito do barco, disse Jesus. Eles assim fizeram e pegaram uma quantidade enorme de peixes. Jesus tinha feito uma fogueira na praia e lhes preparou o café da manhã (João 21.1-14).

Neste momento, o que importava não era como acontecera a Ressurreição ou por que estavam tristes ou o que se sucederia. O que importava era serem alimentados por Cristo, como amigos dele.

Naquele momento, os discípulos não fizeram a pergunta errada. Em vez disso, eles comeram e deram testemunho daquele cujas obras, se fossem todas registradas, nem mesmo no mundo inteiro haveria espaço suficiente para os livros que seriam escritos. (v. 25)

Eles pescaram porque seguiram os comandos de Jesus. Esta é a única justificativa para a igreja que vale a pena dar.

Kirsten Sanders (PhD, Emory University) é teóloga e fundadora do Kinisi Theology Collective.

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no Facebook, Twitter, Instagram ou Whatsapp.

Ideas

Em tempos de polarização, Jesus ordena: “Guarde a espada!”

Guest Writer

Jesus usou seus momentos finais com os discípulos para curar a orelha de um oponente — e modelar o caminho do amor.

Christianity Today October 16, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: WikiMedia Commons

Nota da edição em português: este artigo foi escrito como comentário ao atentado ao candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, em julho de 2024. Mesmo tendo como pano de fundo o cenário estadunidense, acreditamos que o artigo traz reflexões importantes também para o público brasileiro.

Nas narrativas do Evangelho, um destacamento de soldados veio prender Jesus, antes da crucificação. Tentando detê-los, o apóstolo Pedro levantou a espada para defender seu Mestre do perigo, mas errou o alvo, atingindo um dos soldados — ironicamente — na orelha. Jesus respondeu [ao ato] usando um de seus últimos momentos de cunho pessoal com seus seguidores, para ensiná-los sobre os perigos da violência política e religiosa.

Jesus repreendeu Pedro com uma frase muito citada: “Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão” (Mateus 26.52). Conforme Jesus ensinou, violência só gera mais violência, criando uma espiral que pode tragar indivíduos, movimentos e, às vezes, até mesmo repúblicas.

Mas Jesus fez mais do que emitir um enunciado de conteúdo político. Ele curou o soldado que viera até ele para lhe fazer mal (Lucas 22.51).

Este mesmo soldado e seus companheiros beligerantes prosseguiriam com a prisão, e Jesus se tornaria vítima de tortura e morte patrocinadas pelo Estado. A cura, portanto, não foi um esclarecimento sobre a política do soldado. Jesus não o curou porque acreditava que as ações contra ele mesmo fossem justas. A cura foi um reconhecimento da humanidade de seu inimigo, pois há momentos em que devemos deixar de lado a política e ver que nossos oponentes são gente como a gente, são seres igualmente portadores da imagem de Deus.

Após a tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump, nos encontramos em um momento como esse. Independentemente de nossa filiação partidária, a atitude apropriada é lamentar o ataque, lamentar a morte daquele pai que estava na multidão e morreu defendendo sua família e orar por todos os que foram afetados por esse ato injustificável de violência.

Para os cristãos, porém, orar é a parte fácil. Já ser honesto sobre o estado da nossa nação é mais difícil.

É desonesto de nossa parte fingir que isso era inimaginável. Já vimos muita morte neste país para agir como se algo estivesse além da compreensão: sofremos com homens armados atirando em crianças nas escolas e em fiéis nas igrejas e sinagogas; em pessoas em casas noturnas, supermercados e câmpus de universidades; e em jovens negros que saíram para fazer atividade física. Perdemos o direito de fingir que é impensável que alguém mire [uma arma] em um político. Há um ódio perigoso borbulhando por todos os cantos do país e, na Pensilvânia, ele transbordou para a campanha eleitoral, com resultados trágicos.

A violência política também está presente há muito tempo em nossa retórica. Nosso discurso nas mídias sociais é uma terra devastada. A guerra civil apresenta-se sempre como pano de fundo constante das discussões, pois vemos concidadãos que discordam de nós como pessoas totalmente malignas. Aprendemos a ver nossos adversários políticos como uma massa uniforme de desajustados que ameaçam tudo aquilo que prezamos — como um perigo para a república.

Não me entenda mal. Existem altos riscos na política. Existem ideias políticas perigosas. Existem entre a população alguns que querem minar a democracia. As políticas têm consequências no mundo real, e agora não é hora de fingir o contrário.

Mas nem toda opinião divergente chega a esse nível. Nossos amigos e vizinhos que discordam de nós são muito mais do que apenas uma soma de todas as piores ideias existentes no lado oposto ao nosso. No entanto, nos tornamos estranhos uns para os outros e, nessa separação, a discórdia floresceu. É fácil denunciar a violência quando ela finalmente vem à tona; é mais difícil admitir que ela está ao nosso redor já há algum tempo, crescendo nas lacunas criadas por nossa alienação.

Não é fácil apontar quando começou o medo que hoje sinto por nosso país. Lembro-me de um primeiro sinal dele, enquanto assistia à posse do ex-presidente Barack Obama, em 2009. Meu filho, agora adolescente, era um bebê na época, mas eu o acordei e o coloquei na frente da televisão. Eu queria poder lhe contar [no futuro] que assistimos juntos à posse do primeiro presidente negro da nossa nação. Eu estava cheio de esperança, mas também com medo de que ele pudesse ser assassinado.

Quando Obama saiu do carro para caminhar pela Pennsylvania Avenue, fiquei pensando: Volte para aquele automóvel. O lado de fora não é seguro. Voltei a sentir esse mesmo medo quando ouvi pela primeira vez a notícia da tentativa de assassinato de Trump. As coisas não estão seguras neste país, e há muito tempo. Cada eleição parece mais tensa, mais divisiva e até mais perigosa.

Existe um caminho para sairmos dessa espiral mortal? Sim. Devemos renunciar à violência que põe em risco todo o tecido social. Jesus estava certo no Getsêmani, quando descreveu o ódio e o assassinato como um contágio social que se espalha de pessoa para pessoa. É tolice pensar que uma doença que infecta toda a realidade que vivemos juntos não chegará às nossas eleições. Uma nação que não pode proteger suas crianças em idade escolar não pode proteger seus candidatos à presidência. Uma nação que não pode controlar seu ódio virtual não controlará seu ódio em carne e osso.

Palavras nem sempre são violência. Violência é violência, mas “o homem bom tira coisas boas do bom tesouro que está em seu coração, e o homem mau tira coisas más do mal que está em seu coração, porque a sua boca fala do que está cheio o coração” (Lucas 6.45).

Devemos começar a agir como um povo capaz de promover eleições livres e transparentes, enraizadas em princípios e em argumentos respeitosos e de boa-fé. Todos os candidatos devem conduzir o restante de suas campanhas com o objetivo de restaurar a confiança pública. Toda eleição é importante, mas os últimos meses desta corrida eleitoral em particular podem dar o tom para as próximas décadas.

Trump, o presidente Joe Biden [que, na época do atentado, era o candidato democrata] e quaisquer outros candidatos de outros partidos devem participar de outro debate nas próximas semanas, para darem aos Estados Unidos a chance de vê-los apresentar sua visão para o país. Eles devem mostrar seus planos para a nação e defender por que merecem nossos votos. Chega de debates sobre quem é melhor no golfe. O futuro da república está em jogo.

Todo americano que se importa com o futuro da democracia deveria votar, seja em um desses dois candidatos ou em um candidato de um terceiro partido. Um comparecimento recorde às urnas reafirmaria nosso compromisso com os princípios que prezamos. Mesmo neste estágio avançado, seria uma promessa de [tentar] encontrar um caminho melhor.

Faça parte do nosso canal no WhatsApp.

Pedro não foi o único crente da igreja primitiva que usou de violência. Paulo, que escreveu um quarto do Novo Testamento, esteve envolvido no assassinato do primeiro mártir cristão, Estêvão (Atos 7). A mudança de coração de Paulo ocorreu quando ele estava a caminho para prender mais daqueles que, na época, eram seus oponentes. Seu encontro com Jesus o fez rejeitar a violência como meio de conseguir o que queria, e ele passou o resto de sua vida viajando pelo Império Romano para mudar vidas sem a ajuda de armas humanas. Ele nunca converteu uma única pessoa sequer pelo poder da espada. Em vez disso, ele usou argumentos. Precisamos fazer nosso país argumentar com civilidade novamente, usando os dados, a razão — e o amor.

Em uma das passagens mais famosas de Paulo, 1Coríntios 13, ele descreveu o amor como algo que é paciente, bondoso, que não é egoísta nem orgulhoso, que não se ira facilmente. Ele falou de um amor que não guarda rancor dos erros. Ele o chamou de a maior de todas as virtudes, e tinha em mente o amor que poderíamos mostrar uns aos outros como cristãos (Gálatas 6.10, João 13.35).

O amor pelos outros continua sendo um elemento central dos ensinamentos cristãos (Lucas 10.25-37). Dada a atmosfera de ódio sempre crescente, faríamos bem em recuperar esse amor como um princípio operacional dentro da igreja e permitir que ele transbordasse para o mundo. Esse pode ser o nosso testemunho mais crucial neste momento.

Esau McCaulley (@esaumccaulley) é o autor de How Far to the Promised Land: One Black Family’s Story of Hope and Survival in the American South [O quanto falta para chegar na Terra Prometida? A história de esperança e sobrevivência de uma família negra no sul dos Estados Unidos] e do livro infantil Andy Johnson and the March for Justice [Andy Johnson e a marcha por justiça]. Ele é professor associado de Novo Testamento e teologia pública no Wheaton College.

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no FacebookTwitterInstagram ou Whatsapp.

Ideas

A ONU é um campo missionário

O que aprendi representando minha organização cristã para diplomatas de 193 países.

Christianity Today October 11, 2024

Eu mostro meu crachá de acesso da Organização das Nações Unidas (ONU) para o policial, e ele me acena para passar pela barreira de segurança. Ao me aproximar da praça, vejo atiradores de elite com rifles no telhado e ouço uma dúzia de línguas diferentes. Limusines pretas estão por toda parte, enquanto presidentes e primeiros-ministros se reúnem na cidade de Nova York, preparando seus discursos para a Assembleia Geral da ONU, que teve início no começo de setembro.

Já se passaram cinco anos desde que me tornei representante do Comitê Central Menonita (MCC) na ONU e tive acesso, pela primeira vez, a esta comunidade de políticos, trabalhadores humanitários e ativistas de todo o mundo. Observei as ineficiências desta burocracia — seus desafios em agir de forma decidida e enfática. Vi muitas pressões internas por políticas às quais me oponho fundamentalmente, por causa das minhas convicções cristãs.

Mas, por meio do meu papel no MCC, também percebi que meu local de trabalho é um campo missionário, no qual tenho oportunidades diárias de ser um discípulo de Cristo para o mundo do poder político. Por exemplo, conheço uma embaixadora da ONU no Conselho de Segurança que disse a um pequeno grupo de agências cristãs que nós a inspiramos a ser fiel à sua própria fé cristã, enquanto ela transitava pelos desafios da violência em Israel e na Palestina.

Eu vi o embaixador da Albânia na ONU, enquanto servia no Conselho de Segurança, dizer a um grupo de 40 estudantes universitários cristãos que sua vocação era continuar expondo ao mundo as mentiras da Rússia sobre a invasão militar da Ucrânia e que, um dia, documentar a verdade teria seu valor. Parei diante de uma estátua no prédio da ONU, dedicada a Michael “MJ” Sharp, um ex-funcionário do MCC que mais tarde serviu na ONU. Depois de anos trabalhando com mentores congoleses locais, MJ e sua colega da ONU, Zaida Catalán, da Suécia, foram emboscados e executados por um grupo armado na República Democrática do Congo (RD Congo), sendo que seu intérprete e três motoristas [que estavam com eles] até hoje são dados como desaparecidos.

Mais de 6.000 agências não governamentais solicitaram e receberam status consultivo da ONU, o que lhes permite que se envolvam oficialmente com diplomatas e funcionários da organização, entrem no complexo e participem de atividades. Por meio da Caritas, a igreja católica tem presença aqui, assim como as igrejas anglicana, metodista e presbiteriana. Contudo, dentre as mais proeminentes agências evangélicas internacionais dos EUA — entre elas Compassion International, Hope International, International Justice Mission, Samaritan’s Purse e World Relief —, apenas a World Vision tem um escritório na ONU e presença diária em Nova York, como o MCC.

Mas e se os seguidores de Cristo vissem essa comunidade de 5.000 funcionários do corpo diplomático e 8.000 funcionários da ONU como um grupo de povos não alcançados? E se eles percebessem que influenciar o poder político nos salões da ONU teria um impacto descomunal, em termos de compaixão e de justiça, sobre as pessoas a quem tantos cristãos servem em ministérios internacionais? E se fizéssemos amizade e fôssemos inspirados aqui pelos servidores públicos de religiões e de nações as mais diversas, que são exemplos de coragem moral?

Uma voz rara para o poder político

Em vários dos 45 países onde o MCC tem ministérios de ajuda humanitária, desenvolvimento comunitário e pacificação, ficou claro que o poder político muitas vezes é um obstáculo para a nossa missão.

O golpe militar de 2021 em Mianmar fez com que muitos de nossos parceiros cristãos locais fugissem, escapando para salvar suas vidas e tentando ajudar os outros, enquanto eles mesmos se deslocavam internamente. Quando as gangues no Haiti assumiram o controle, após o colapso do governo, tornou-se quase impossível levar adiante os programas de saúde e agricultura. Treze anos de guerra na Síria devastaram o país, geraram milhões de refugiados e prejudicaram dramaticamente as vidas e o trabalho de parceiros da igreja.

Para os ministérios cristãos que trabalham pelo mundo inteiro, são os parceiros locais, aqueles que vivem em lugares de sofrimento e esperança, que sabem o que está acontecendo em tempo real no lugar e que têm experiência para [as possíveis] soluções. Esse conhecimento encarnacional pode se tornar precioso e persuasivo nos corredores da ONU.

Após o golpe militar em Mianmar, nós, trabalhando com um órgão da ONU, fornecemos um canal seguro para um parceiro documentar um relato em primeira mão de um ataque com armas químicas contra civis. Em reuniões com diplomatas dos EUA, testemunhamos como a proibição de 2017 de viagens de cidadãos norte-americanos para a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) prejudicou agências humanitárias e interrompeu nossos 25 anos de trabalho naquele país. Trabalhando com outras agências, persuadimos os EUA a conceder vistos temporários de viagem que permitiram que as equipes entrassem na Coreia do Norte e garantissem que kits de comida e água potável chegassem aos hospitais infantis.

Em uma reunião com um embaixador de uma influente nação europeia, minha colega Victoria Alexander, de 26 anos, compartilhou como nossos parceiros em Gaza enfrentaram obstáculos significativos para levar alimentos e suprimentos domésticos para as famílias, mesmo quando eles mesmos estavam fugindo de bombas e sofrendo a perda de entes queridos. Victoria também compartilhou como nossa equipe dos EUA em Jerusalém foi forçada a sair, quando o governo israelense interrompeu as renovações de visto para trabalhadores humanitários.

“Informação é a moeda da ONU”, disse-me um diplomata cristão de uma nação ocidental. “Grupos cristãos têm um nível de conexão e de confiança com a comunidade e com a igreja local que muitos diplomatas de elite desses países não têm. Isso dá credibilidade [a essas] organizações.”

Aprendendo o engajamento político saudável

Em Christianity in the Twentieth Century [Cristianismo no Século 20], o historiador Brian Stanley argumenta que a omissão das igrejas em se posicionar publicamente na Alemanha, durante a ascensão do nazismo, e em Ruanda, antes do genocídio de 1994, nos lembram que “o discurso profético eficaz depende de um equilíbrio paradoxal entre manter o acesso às fontes de poder político e preservar uma distância suficiente dessas fontes que lhe permita resguardar sua independência moral”.

Infelizmente, os cristãos ainda lutam contra a tentação de controlar o poder político ou de se afastar dele. No entanto, como os grupos cristãos não têm representantes políticos na ONU, e como os diplomatas da ONU não têm obrigação de nos ouvir, estar na ONU ajuda os cristãos a aprenderem a ser uma minoria cujo poder moral está na persuasão e na construção de relacionamentos. Nós nos engajamos não para tomar o poder, mas para dar testemunho dos valores do reino de Deus. Além disso, ter uma audiência composta por todas as nações do mundo nos pressiona a pensar e a falar de uma forma que vá além dos interesses de qualquer nação específica, e baseada em nossos relacionamentos com os impotentes e os negligenciados do mundo todo.

Em uma época em que a política é frequentemente tomada por gritos e ira, uma via para um engajamento saudável é o caminho da persuasão silenciosa. Quando um grupo de colegas do ministério visitou nosso escritório da ONU, em Nova York, nesta primavera, nós nos reunimos com um diplomata dos EUA. Durante o almoço, contei a ele sobre os desafios que o MCC estava enfrentando em Gaza e na Península Coreana, e sobre o dano que acreditávamos que certas políticas dos EUA estavam causando às pessoas que viviam nesses locais. Ele ouviu pacientemente. Depois que o diplomata foi embora, Clair Good, que trabalha com desenvolvimento comunitário e serviu pelo MCC na República Democrática do Congo e no Quênia, disse: “Chris, você trouxe algumas questões bem difíceis para ele, mas durante um almoço muito agradável e mostrando interesse nele como pessoa. Isso nos ajudou a ver como as relações de respeito importam em nosso trabalho de engajar o mundo político.”

Outros momentos pedem que nos posicionemos publicamente de maneiras inesperadas. Na primavera passada, o MCC e outros grupos carregaram cartazes que diziam “uma peregrinação de luto por todos os traumas, todas as vidas perdidas e todo o sofrimento no conflito Palestina-Israel”, e caminharam em silêncio, dando 25 voltas ao redor dos quarteirões da ONU, para representar as 25 milhas da Faixa de Gaza. No ano passado, no 70º aniversário do armistício da Guerra da Coreia, 50 diplomatas da ONU compareceram ao nosso culto de lembrança e paz. Se não fosse por esse evento, organizado pelo MCC e outros grupos religiosos, nenhum evento da ONU teria marcado os 70 anos da divisão do povo coreano — que permanece até os dias de hoje.

Aquele mesmo diplomata cristão de uma nação ocidental me disse que as negociações na ONU são longas e frustrantes, e o progresso é lento. “Mas trago uma visão cristã de que todos são bem-vindos à mesa e devem ouvir aqueles que estão na pior das situações. E isso também vale para aquelas pessoas de quem discordo profundamente.”

Todo ano, realizamos um seminário da ONU para estudantes universitários cristãos do Canadá e dos EUA. Apesar de tentarmos ao máximo sermos honestos sobre os limites e fracassos da ONU, os alunos saem daqui com mais esperança, falando sobre embaixadores e diplomatas que tiveram a oportunidade de conhecer e que exaltam a vocação política.

Faça parte do nosso canal no WhatsApp.

Crescendo nas virtudes da pacificação bíblica

Conforme foi popularizado pela série de livros Deixados para Trás, muitos evangélicos dos EUA historicamente expressaram uma profunda suspeita de um “governo mundial único”, o qual representa uma ameaça secular à independência nacional, à liberdade religiosa e ao governo de Cristo. Às vezes, a ONU é retratada como o centro dessa ameaça.

Mas fique tranquilo, pois, na maioria dos dias, que são marcados por amargas batalhas no Conselho de Segurança entre os EUA e a China, a ONU está mais para “Nações Divididas” do que para “Nações Unidas”. Os parceiros do MCC na República Democrática do Congo e em Mianmar sempre me lembram que, em seus países, a ONU é conhecida como “Unidos por Nada”. E como aquele diplomata cristão de uma nação ocidental me disse: “A ONU é uma instituição imensa. E essa enorme burocracia tem a tendência de pensar que dinheiro pode resolver problemas. Não há aqui um esforço suficiente de autoanálise sobre os fracassos da ONU, desde o Haiti ao Afeganistão”.

Não deveria ser surpreendente descobrir que o bom, o mau e a feiúra do nosso mundo estão plenamente representados em Nova York, na Assembleia Geral, ou que a ONU é limitada em seu poder — pois toda a humanidade está aqui, criada à imagem de Deus e afastada de Deus, caída e frágil. Sim, aqui há coragem moral e excelência. Mas também há desperdício, timidez e autoridades poderosas que protelam, mentem, obstruem e abusam.

No entanto, essa turbulência moral é mais um motivo para os discípulos de Cristo estarem presentes.

“É o único recinto no mundo onde você vê ucranianos falando com russos, israelenses com palestinos, americanos com iranianos”, disse uma diplomata de Nova York, que não pode ser identificada por causa de aspectos sensíveis relacionados ao seu trabalho. As manchetes dos jornais falam das questões em que as nações discordam. “Mas não podemos evitar uns aos outros aqui”, disse ela. “Temos que sentar e ouvir um ao outro, deixar nossas diferenças de lado para encontrar áreas em que concordamos, que vão de água potável à inteligência artificial. Tenho o WhatsApp de diplomatas de outros países com os quais não temos boas relações diplomáticas. Mesmo quando discordamos, conversamos por mensagens de texto.”

Em uma época em que evitamos cada vez mais aqueles de quem discordamos, e até nos mudamos para igrejas e guetos de bairro de “pessoas como nós”, estar diariamente cara a cara com amigos e inimigos, nas ruas e corredores da ONU, pode gerar frustração e raiva. Mas esse contexto pode se tornar um terreno para crescermos nas virtudes da pacificação bíblica.

O teólogo Stanley Hauerwas acredita que a ONU é uma comunidade de diálogo imprescindível, da qual os cristãos não deveriam querer abrir mão.

“A ONU não vai impedir a guerra, mas fornece um lugar para adiar guerras, e isso não deve ser descartado”, ele me disse. “É bom termos diplomatas comprometidos em tornar a guerra menos provável e que, depois, ficam frustrados quando seus esforços não funcionam. Mas a nossa esperança é que essa frustração seja uma fonte de energia que gerasse resultados depois de um tempo. Porque a paz leva tempo, e você tem que aprender a ter paciência. Porque você tem de ouvir a pessoas que despreza.”

Até os confins da Terra

Quando saio da Assembleia Geral da ONU e passo pelas 193 bandeiras do lado de fora, aproximo-me do prédio do Church Center [Centro Eclesiástico], onde trabalho, e vejo a obra de arte na capela que sedia cultos cristãos semanais abertos a todos. A obra de arte, feita na parede do prédio, é em parte uma escultura, em parte um vitral. Chamada de Busca do Homem pela Paz, ela apresenta formas humanas distribuídas ao redor de uma estrutura grande, que lembra o formato de um olho e olha tanto para dentro do santuário quanto para fora, do outro lado da rua, para a ONU. Vejo esse olho como algo que representa os olhos do Senhor.

Toda vez que passo por lá, essa obra de arte me lembra que o nosso Deus vivo, o Senhor de todas as nações, mantém um olho tanto nos poderes que falam do outro lado da rua quanto na igreja, nos incitando a sermos testemunhas, entre os poderosos, do Senhor de todo o poder que “garante justiça aos pobres e defende a causa dos necessitados” (Salmos 140.12).

Em Atos, Jesus enviou seus discípulos aos “confins da terra” (Atos 1.8). Em nosso tempo, todos os dias, membros de todos os “confins da terra” se reúnem na ONU. Um dia eles voltarão para suas casas, espalhando-se de volta por todas as nações. Dentro das paredes da ONU, na cidade de Nova York, o testemunho cristão pode alcançar o mundo inteiro.

Chris Rice é diretor do Comitê Central Menonita do Escritório das Nações Unidas, na cidade de Nova York; foi anteriormente diretor cofundador do Duke Divinity School Center for Reconciliation [Centro de Reconciliação da Duke Divinity School]. Seu último livro é From Pandemic to Renewal: Practices for a World Shaken by Crisis [Da pandemia ao renovo: práticas para um mundo abalado pela crise], publicado pela InterVarsity Press.

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no FacebookTwitterInstagram ou Whatsapp.

Ideas

Uso de smartphones na infância: a igreja deve lutar pela saúde mental dos pequeninos

Os cristãos lutaram por leis para proteger as crianças durante a Revolução Industrial. Podemos fazer isso de novo na era dos smartphones.

Christianity Today October 10, 2024
Edição da CT / Source Images: Library of Congress / Pexels

À medida que voltam às aulas [pois o ano escolar norte-americano começa depois das férias de julho], muitas crianças americanas chegarão nas escolas com smartphones nas mãos. A idade média em que as crianças nos Estados Unidos ganham seu primeiro celular é de apenas 11 anos, e a maioria das escolas públicas proíbe o uso dos aparelhos em salas de aula apenas para fins não acadêmicos — e até mesmo essa medida requer esforço para ser aplicada.

Sabemos que isso é um problema. Pesquisas de acadêmicos como Jonathan Haidt e Jean Twenge continuam a mostrar que os jovens norte-americanos estão vivendo uma crise de saúde mental, e há evidências convincentes de que a infância vivida em frente às telas dos celulares é a principal causa desse problema. E a igreja não é uma exceção aqui; se você trabalhou em ministérios de jovens recentemente, entende os desafios que vêm com uma sala cheia de adolescentes que estão cronicamente conectados online. Se você próprio for jovem, entende o quão fortemente o uso da tecnologia está ligado à questão do pertencimento, e o quanto pode ser difícil desviar sua atenção do seu próprio celular, por medo de estar perdendo alguma coisa.

Os cristãos já começaram a considerar como as igrejas podem encorajar o uso mais seguro das mídias sociais no ministério e como podem abordar o uso da tecnologia como uma questão de discipulado. Mas quero recomendar outra resposta que tem uma longa história na igreja: o envolvimento cristão em políticas públicas.

Se acreditamos que o evangelho tem o poder de falar a todas as áreas da nossa vida, devemos reconhecer que isso inclui nossa vida digital, e não apenas individualmente, mas também como comunidade: como famílias e congregações, sim, mas também na política. O envolvimento cristão em políticas públicas — que diz respeito ao modo como seguimos a Deus enquanto povo arraigado em um determinado tempo e espaço e em uma comunidade política — pode ser parte de como amamos e servimos a Deus e ao próximo em nossa era digital.

Eu entendo por que alguns cristãos são cautelosos em se envolver na política e no governo, seja por razões teológicas ou históricas ou simplesmente por causa do ceticismo quanto à capacidade de o governo fazer algo produtivo. Mas se tivermos a oportunidade de defender políticas públicas que promovam segurança e prosperidade para nós e nossos próximos, devemos exercer com boa mordomia essa responsabilidade, como os servos na parábola dos talentos, em Mateus 25. E, de vez em quando, teremos o dever de assumir o papel de defensores daqueles que não podem defender a si mesmos.

Isso significa particularmente crianças e adolescentes cujas famílias não têm o conhecimento, os recursos ou os meios necessários para fazer da limitação do tempo de tela uma prioridade. Crianças de famílias de baixa renda têm duas a três vezes mais probabilidade do que seus pares de desenvolver transtornos de saúde mental, e algumas pesquisas mostram que elas também têm mais probabilidade de passar muito tempo online. Escolas sem smartphones forneceriam pelo menos uma certa trégua das redes sociais intencionalmente viciantes.

Então, como a igreja historicamente se envolveu nesse engajamento político para o bem de nossos próximos? Cristãos que transitaram pelas rápidas mudanças tecnológicas, econômicas e sociais da Revolução Industrial fornecem exemplos com os quais podemos aprender muito hoje.

A mudança de economia agrária para economia industrial, tanto nos EUA quanto no Reino Unido, trouxe consigo novas conveniências e oportunidades, mas também novos perigos para as crianças. Isso lhe soa familiar? Pode ser que seja difícil para nós imaginarmos hoje em dia, mas aquela foi uma época em que a escolaridade não era obrigatória e na qual não havia regulamentação para questões de segurança. As crianças frequentemente trabalhavam ao lado dos pais ou de outros adultos nos campos ou nas fábricas.

Sem as leis trabalhistas com que hoje contamos, as crianças às vezes trabalhavam 16 horas por dia ou mais. Elas tinham poucas pausas na jornada de trabalho. Ferimentos eram comuns, e as crianças não eram alvo de nenhum cuidado especial. Até mesmo a prostituição infantil era encontrada em muitos locais de trabalho, como a historiadora Penelope Carson escreveu em seu texto para Christian History, e não havia “regulamentos de segurança nem multas financeiras, além de espancamentos serem impostos para penalizar os mais mínimos deslizes ou contravenções. Acidentes e mortes eram muito comuns”. Os órfãos eram particularmente vulneráveis, pois não tinham tutores para intervir em seu favor.

Mas alguns cristãos intervieram, e desempenharam um papel fundamental na aprovação de leis para regulamentar o trabalho infantil em ambos os lados do Atlântico. Richard Oastler, um metodista devoto e abolicionista do século 19, começou a trabalhar pela conscientização pública tão logo soube como as crianças eram tratadas nas fábricas britânicas. Então, ele buscou soluções legais para garantir a proteção infantil. Os métodos e a retórica por vezes radicais de Oastler o colocaram em apuros mais de uma vez, mas sua preocupação com os pobres e as vítimas da injustiça ajudou na aprovação dos Factory Acts [Leis das Fábricas] do Reino Unido de 1833 e 1847, que limitavam as horas de trabalho para mulheres e crianças.

Décadas depois, nos EUA, um sacerdote episcopal chamado Edgar Gardner Murphy estava preocupado com o bem-estar das crianças que trabalhavam nas fábricas. Durante anos, ele defendeu uma legislação que encurtaria as horas trabalhadas por elas, aumentaria o limite de idade para as crianças que trabalhavam em fábricas e minas e proibiria o trabalho noturno. Entendendo que as reformas eram essenciais para proteger as crianças dos empregadores e, às vezes, de seus próprios pais, ele fundou o National Child Labor Committee (NCLC) [Comitê Nacional de Trabalho Infantil], em 1904, para disseminar a conscientização e promover soluções políticas.

Apenas dois anos após o estabelecimento do NCLC, as conversas sobre a reforma das leis sobre trabalho infantil foram passadas de nível estadual para nível federal, e o comitê conseguiu destacar tanto a injustiça do trabalho infantil quanto os benefícios que a escola pública proporcionaria. Muitos pais e empregadores estavam satisfeitos com o status quo, mas as fotografias tiradas por Lewis W. Hine expuseram a difícil situação das crianças que trabalhavam em fábricas e minas, motivando ações legislativas.

Os smartphones não oferecem os mesmos perigos físicos das primeiras minas industriais ou fábricas de algodão, mas seu risco para as crianças é real. Portanto, é responsabilidade dos cristãos intervir em favor de crianças vulneráveis, defendendo melhores políticas públicas para uso da tecnologia em escolas públicas ou privadas.

Claro, não há garantia de que nossa luta terá sucesso. A história e pesquisas atuais sugerem que, apesar de nossos melhores esforços, as propostas para proteger as crianças do mundo online têm uma grande chance de fracasso. Muitos pais — e certamente muitas crianças — prefeririam manter o status quo, ou seja, deixar tudo como está. Mas essa possibilidade não deve nos desencorajar de lutar.

Em um discurso na Conferência Internacional Cristã de Política, em 1977, o senador Mark Hatfield, do Oregon, listou muitos projetos de lei que ele defendeu ou nos quais votou por causa de sua fé cristã. “Acontece que”, ele continuou, “cada uma dessas propostas foi derrotada. No entanto, eu confio que em cada caso foi dado um testemunho dos objetivos que nos moveriam na direção do reino — como eu o concebo.” Mesmo que não tenhamos as políticas que queremos, ainda assim podemos praticar esse tipo de testemunho fiel em praça pública. Ainda podemos dar testemunho da esperança que temos em Cristo, confiando que Deus fará justiça.

Em nível prático, os cristãos — e especialmente os pastores e outros líderes da igreja — devem construir relacionamento com membros do conselho escolar, autoridades estaduais e municipais e até mesmo membros do Congresso que possam moldar as políticas para uso de tecnologia em nossas escolas. Podemos mostrar para esses líderes — assim como Oastler fez com os responsáveis por formular as políticas britânicas há dois séculos — que temos o dever e a capacidade de proteger melhor jovens e famílias vulneráveis ​​em nossas comunidades. Afinal, temos o dever de verdadeiramente amar nossos próximos.

Emily Crouch é uma profissional que trabalha nas áreas de políticas públicas e comunicações; ela vive e trabalha em Alexandria, Virgínia. Emily lidera o programa para estudantes universitários e a bolsa para desenvolvimento de liderança congressista em início de carreira no Center for Public Justice [Centro para Justiça Pública].

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no FacebookTwitterInstagram ou Whatsapp.

Culture

Deus também quer comunhão em torno da mesa

Cada vez mais pessoas comem sozinhas. Mas, na vida cristã, alimento e comunidade são realidades que se entrelaçam.

Ceia em Emaús de Matthias Stom

Christianity Today October 8, 2024
WikiMedia Commons

Naquele dia, quando o garçom trouxe o chá da tarde tão aguardado, não imaginei que, décadas depois, eu ainda sofreria ao me lembrar daquele momento.

Eu tinha 21 anos e estava curtindo “de verdade” meu primeiro recesso de primavera, passando uma semana em Londres e acumulando dívidas [para pagar mais tarde]. Depois de anos devorando castos romances ambientados na Inglaterra, aprendi que a Harrods [loja luxuosa de departamento] era o melhor lugar para experimentar as glórias dos scones [espécie de bolinho típico do chá da tarde britânico] com clotted cream [produto típico inglês, uma variação do requeijão, servido tradicionalmente com scones e geleia] e sanduíches minúsculos, todos servidos em reluzentes xícaras e pratos de porcelana e, claro, regados a muito chá quente. Assim, na minha primeira viagem transatlântica, me pareceu justo desfrutar das regalias do meu cartão de crédito em um belíssimo chá da tarde na Harrods. Sozinha.

À medida que comecei a olhar em volta do salão naquele dia, percebi que tinha cometido um erro grave. Nem mesmo os scones macios ou a perdição do clotted cream conseguiram equilibrar o gosto amargo do arrependimento. Na verdade, eles pioravam essa sensação. A cada coisa com que eu me deliciava, mais intensamente sentia a falta de alguém com quem compartilhar meu prazer.

Quando eu estava fazendo pesquisa de campo para meu livro sobre a vida de solteiro, alguém me disse que comer sozinho pode ser pior do que dormir sozinho. Comer sozinho é certamente um problema para pessoas que vivem sozinhas. Mas, com os horários do século 21 para trabalhar, praticar esportes e outras realidades estruturais, mesmo as pessoas que, em tese, teriam companhia garantida para comer, alguém como um cônjuge, os filhos ou um colega de quarto, muitas vezes fazem refeições solitárias. E mesmo quando compartilhamos a mesa, alergias e restrições alimentares podem criar outras formas de nos separar. Essa mudança modificou até mesmo o design de apartamentos e casas, eliminando das plantas as salas de jantar, à medida que se tornaram um espaço obsoleto.

Às vezes, a solidão de uma refeição sozinho pode parecer bem-vinda. Talvez uma pessoa introvertida, esgotada por um dia repleto de reuniões, não queira nada mais do que um tempo sozinha para relaxar. E para alguns pais que vivem na correria, uma xícara de café em paz — uma espécie de recompensa por acordar antes do resto da família — pode parecer um consolo raro e precioso.

Para os cristãos, porém, a questão de como e com quem comemos envolve mais do que meramente nossas preferências pessoais. Qual é o propósito de Deus para nossas refeições?

As Escrituras trazem um número surpreendente de histórias em torno da refeição. Em preparação para a sua libertação da escravidão, Deus faz os israelitas comerem uma refeição especial de Páscoa à base de cordeiro, pão sem fermento e ervas amargas, a qual os judeus praticantes continuam a reencenar anualmente, até os dias de hoje. Mais tarde, Jesus ressignificou essa refeição com o pão e o vinho da Ceia.

Jesus também usou a comida para fazer conexões com marginalizados e pecadores. Ele usou uma refeição para consertar o distanciamento causado pela traição de Pedro, fritando peixe para um café da manhã na praia. E foi somente em volta da mesa que a dupla a caminho de Emaús finalmente o reconheceu.

A comida desempenhou ainda um papel fundamental em ajudar a igreja primitiva a compreender o alcance da visão que Deus tinha para seu povo. Como Willie James Jennings escreve em seu comentário sobre Atos, “comer os animais que estavam associados a determinado povo era entrar no espaço de vida daquele povo”.

Isso dá grande significado à visão repetitiva que Pedro teve, que o chamava a comer alimentos proibidos anteriormente. Jennings escreve:

Não está sendo dito a Pedro que possua, mas sim que entre, que se torne, por meio do comer [aqueles alimentos], parte de algo do qual ele não se imaginava parte, antes de comer aquilo. Esse novo comer surge de outro convite a comer, oferecido por seu salvador e amigo: “Este é o meu corpo, que é dado por vocês”.

Nem toda igreja incorpora essa diversidade que reflete em sua plenitude o corpo de Cristo. Mas, até o ponto em que a incorporamos, a comida é uma das melhores maneiras de nos conectarmos por meio de nossa identidade compartilhada de filhos de Deus. Todos nós precisamos do lembrete encarnado da graça na Santa Ceia. Outras refeições compartilhadas, como almoços em grupo após o culto ou um momento para um cafezinho, apontam tanto para nossa dependência comum de Deus para a vida neste mundo quanto para o banquete que nos espera no céu.

E seja alimentando os famintos e marginalizados ou preparando refeições para os doentes e cansados, reconhecemos duas verdades: nossas vidas são interligadas, e o que fazemos pelos “menores” em nosso meio toca o coração de Jesus. Como o saudoso bispo ortodoxo David Mahaffey me disse: “Para mim, Deus nos deu o alimento como uma forma de comunhão com ele”.

E o que tudo isso significa para as muitas refeições que fazemos sozinhos? Elas estão intrinsecamente aquém do bom propósito de Deus para o sustento?

Uma das minhas coisas favoritas sobre a Bíblia é o quanto da vida ela contém: nela encontramos todos os tipos de pessoas, todos os tipos de situações.

No Livro de 1Reis, Deus envia Elias para o oriente, para Querite, um lugar supostamente remoto, onde ele é instruído a se esconder até novo aviso. O autor dá poucos detalhes sobre este período, exceto pelo milagre do sustento que Deus provê em um cenário de crescente fome. Corvos, aves mais conhecidas por tomar comida, levam alimento até o profeta.

Talvez, por causa das aves, eu nunca tenha pensado que essas refeições em si foram solitárias. No entanto, Elias deve ter passado um dia após o outro comendo sem a companhia de seres humanos. (A propósito, Adão também teria comido “sozinho”, até que Deus criou Eva).

Quero tomar o cuidado de não fornecer detalhes que os autores bíblicos não forneceram. Mas algumas coisas me impressionam a respeito das refeições solitárias desses homens. Primeiro, elas envolvem uma comunhão implícita com Deus. Refeições à parte, o pouco que sabemos sobre os períodos de solidão de Adão e de Elias sugere um forte relacionamento com o Senhor. E isso certamente se estendia às suas refeições também. Na verdade, por causa da presença de Deus, talvez eles nem se sentissem realmente sozinhos.

Segundo, ambos receberam provisão direta de Deus — água e a comida trazida pelos corvos, no caso de Elias, e frutas, no caso de Adão. Nessas circunstâncias, minha expectativa é de que ambos regularmente davam graças pelo alimento. Com que frequência e quão bem nós fazemos o mesmo? Quando engolimos uma torrada às pressas, enquanto dirigimos ou quando comendo as sobras da última refeição, assistindo à televisão no sofá — em circunstâncias assim fica muito fácil mergulhar direto no ato sem praticamente nenhuma palavra de agradecimento.

Por fim, me impressiona o fato de que esses dois homens comeram sozinhos durante períodos de preparação. Como Priscilla Shirer destaca, em seu estudo sobre Elias, Deus usou o tempo em Querite para preparar Elias para a comunhão inesperada em Sarepta e para o eventual confronto com Acabe. As refeições de Adão sozinho ocorreram durante um tempo de aprendizado sobre o trabalho que Deus lhe dera, e colaboraram para que ele pouco a pouco viesse a perceber que precisava de companhia humana. Inclusive, vale ressaltar que essas refeições de Adão ocorreram antes da Queda!

Sendo assim, talvez as refeições que fazemos sozinhos ainda possam honrar o propósito de Deus. Mas como? Talvez precisemos desacelerar um pouco para notar o visual, os sons, os aromas, as sensações e os sabores do alimento. (Isso também pode ajudar com a ansiedade e o estresse.) Em vez de nos distrairmos com o YouTube ou as mídias sociais durante as refeições, talvez possamos reconhecer e acolher a presença de Deus conosco. E possamos agradecer sinceramente por aqueles cujas mãos prepararam e nos entregaram o alimento, e por aqueles que o plantaram, cultivaram e colheram, bem como por Aquele que providenciou a chuva.

Mas também devemos procurar comer com outras pessoas, sempre que for possível.

Escrevo isso como alguém que hoje faz muitas refeições sozinha, sentada à minha mesa de jantar dobrável, na cadeira que fica de frente para a janela. Graças a uma entrevista para um livro que precisei fazer com um norueguês, que às vezes pagava contas enquanto comia — e odiava isso — eu me esforço para evitar trabalhar durante o jantar. Nas minhas melhores noites, eu como enquanto leio ou ouço um audiolivro. Nas piores, eu rolo o feed das rede sociais no meu celular, enquanto como.

Pouco tempo atrás, eu compartilhava um lanche, já tarde da noite, com um amigo que veio [à minha casa] para pegar alguma coisa. Quase sempre comemos algo juntos durante suas visitas, geralmente alguma sopa que eu fiz. Depois de umas poucas colheradas de sopa, ele me perguntou: “Como foi seu dia?”

Depois de anos vivendo em comunidade, estou há vários meses morando no segundo imóvel que aluguei sozinha em cerca de 20 anos. Só de ouvir a pergunta singela do meu amigo, meus ombros relaxaram e a tensão se dissipou. De repente, eu me vi de volta à mesa de jantar com minha família, nos meus anos de ensino fundamental e médio.

Nos dias de semana, o jantar era, em geral, a única refeição que fazíamos com meu pai. Então, ele usava nossos jantares para ajudar nós seis a nos conectarmos. Um por um, ele fazia perguntas a cada um de nós, enquanto compartilhávamos os pontos “altos” e “baixos” do nosso dia. Este foi um dos rituais mais formativos, do ponto de vista emocional, da minha criação. Tinha um ritual de limpeza estruturado (um rodízio de tarefas noturnas, cuidadosamente acompanhadas pelo calendário) e limites claros para discordar de forma limitada das regras da família (cada um de nós podia escolher um prato que não quisesse comer do cardápio rotativo das receitas que a mamãe fazia).

Com nossos jantares de sexta-feira à noite, à base de hambúrgueres caseiros e batatas fritas, aprendemos a celebrar o comum. Às vezes, nossos pais até compravam uma garrafa de dois litros de refrigerante, embora eu não fizesse a conexão entre o refrigerante comprado e o dia do pagamento do salário deles até me tornar adulta.

A hospitalidade sacraliza o cotidiano. Enquanto aplicativos ajudam alguns a encontrar companhia para refeições em restaurantes, comer em casa traz uma vulnerabilidade extra, que aprofunda as conexões e acomoda os orçamentos mais variados. Adoro que um amigo, que mora perto de mim, tenha começado a me enviar mensagens de texto sempre que faz muitas batatas ou muito chili (o que, geralmente, leva a um convite para jantar de última hora). Outros amigos sabem que podem ter que me ajudar a tirar uma porção de coisas que fui deixando em cima da cadeira da mesa de jantar ou que pode ser que eu sirva as sobras de outra refeição. Depois de meses de visitas como essa, uma amiga casada finalmente me convidou para almoçar na casa dela — nossa primeira refeição lá, em anos de amizade.

Compartilhar comida pode exigir vulnerabilidade e flexibilidade. Mas, uma vez que você supera o risco ou o desconforto inicial, uma conexão mais profunda geralmente se estabelece, e a solidão diminui.

No verão passado, morei por um breve período com um casal que muitas vezes só se encontrava no fim do dia. Antes de sair para seu trabalho de barman, o marido preparava o jantar numa panela de pressão elétrica e o deixava pronto para a esposa comer, quando ela chegasse em casa do trabalho como cabeleireira. Uma noite, ele fez um guisado picante; em outra noite, peixe ensopado. Mesmo quando ele chegava tarde em casa, e mesmo que ela já tivesse comido o que ele tinha deixado preparado, eles frequentemente se sentavam à mesa e conversavam sobre o seu dia, compartilhando alguma comida ou bebida.

Quando me mudei para a casa do casal, eles estavam ansiosos para abraçar a vida em comunidade, mas duvidavam que pudéssemos comer juntos. Eu cozinhava pratos muito diferentes dos deles, e ambos tinham várias alergias alimentares. Mas, como eles frequentemente adoravam o cheiro da minha comida, fiz uma lista de suas restrições alimentares para poder adaptar minhas receitas à dieta deles. À medida que fomos nos acostumando a viver juntos, tentei encontrar receitas que todos nós pudéssemos comer, ou fiz pequenos ajustes para que se encaixasse na dieta deles. Comemos pimentões recheados com folhas de repolho; no aniversário dele, fiz a receita do bolo de maçã da minha família sem ovos e com farinha sem glúten. No final dos meus quatro meses lá, eles estavam tentando me incluir em seus planos detalhados de refeições semanais.

Foi preciso que todos nós entrássemos num acordo. Mas, olhando para trás, parece que todas as vezes em que nós três nos sentimos mais conectados envolveram comida, a cozinha ou as duas coisas. Quer algum de nós reconheça isso ou não, o plano de Deus para a comida parece continuar se confirmando. Talvez seja por isso que Jesus com muita frequência descreva a vida celestial como uma grande banquete, um tema que João mais tarde aborda em suas alusões à ceia das bodas do Cordeiro.

Apocalipse termina com a promessa do alimento restaurada, afinal. Em seu capítulo final, a árvore da vida, cujo fruto fez com que Deus banisse os seres humanos do Éden, reaparece (Gênesis 3.22, Apocalipse 22.2). Somente quando Deus retoma o ato de compartilhar esse alimento com os seres humanos é que a Bíblia declara que já não haverá maldição nenhuma, e que Deus e os seres humanos estarão tão próximos que “eles verão a sua face”.

Anna Broadway é autora de Solo Planet: How Singles Help the Church Recover Our Calling [Planeta solo: como solteiros ajudam a igreja a recuperar nosso chamado] e Sexless in the City: A Memoir of Reluctant Chastity [Sem sexo na cidade: memórias de uma castidade relutante].

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no FacebookTwitterInstagram ou Whatsapp.

Apple PodcastsDown ArrowDown ArrowDown Arrowarrow_left_altLeft ArrowLeft ArrowRight ArrowRight ArrowRight Arrowarrow_up_altUp ArrowUp ArrowAvailable at Amazoncaret-downCloseCloseEmailEmailExpandExpandExternalExternalFacebookfacebook-squareGiftGiftGooglegoogleGoogle KeephamburgerInstagraminstagram-squareLinkLinklinkedin-squareListenListenListenChristianity TodayCT Creative Studio Logologo_orgMegaphoneMenuMenupausePinterestPlayPlayPocketPodcastRSSRSSSaveSaveSaveSearchSearchsearchSpotifyStitcherTelegramTable of ContentsTable of Contentstwitter-squareWhatsAppXYouTubeYouTube