A dúvida é um caminho, não o destino

As igrejas devem estar abertas a perguntas. Mas isso não exige que aceitem a dúvida perpétua.

Christianity Today February 29, 2024
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Getty / Lightstock / Unsplash

O que torna o cristianismo difícil?

Há muitas respostas possíveis para essa pergunta. A forma como você a responde revela muito não só sobre você — sobre seu temperamento, sua condição de vida, sua mente e seu coração —, mas também sobre o contexto em que vive. Cristãos que vivem em diferentes épocas e diferentes lugares responderiam essa pergunta de forma bem diferente.

Suponha, por exemplo, que você vivesse em Jerusalém, poucas décadas depois da crucificação de Jesus. O que tornaria o cristianismo difícil [no seu caso] não seria a crença no divino ou a grande distância que o separaria dos “tempos bíblicos”. Afinal, você vive nos tempos bíblicos, e todos acreditam no divino. Não, o que torna o cristianismo difícil no seu caso é o sufocante ardor da perseguição pela lei e da rejeição social. Confessar o nome de Cristo provavelmente piora sua vida de maneiras tangíveis: sua família pode renegá-lo; seu patrão pode abusar de você; seus amigos podem ridicularizá-lo. As autoridades podem levá-lo para interrogatório, se acharem que você parece alguém que promove a desordem.

Ou suponha que você seja uma freira que vive em um convento medieval. Você viverá toda a sua vida ali, e nunca vai se casar, ter filhos ou ter sua própria casa. Está comprometida com Deus até a morte. Você é o que as pessoas mais tarde chamarão de “mística”, embora esse termo seja um tanto árido para quem tem visões que muitas vezes se experimentam como sofrimento: vislumbres extáticos do fogo consumidor que é o Senhor vivo. O que torna o cristianismo difícil [no seu caso]? Você certamente não se pergunta sobre a existência de Deus — pois viu Deus com seus próprios olhos. Fama e riqueza também não são fontes de tentação para você; sua vida está escondida do mundo. Mas, mesmo assim, ela não é nada fácil. A fé continua sendo difícil.

Ou imagine que você seja outra pessoa, em outro lugar: você é um padre, responsável por uma paróquia rural, no início dos tempos modernos na Inglaterra. Você vive em uma época de agitação religiosa e política. A Reforma derrubou por terra antigos padrões de culto e expectativas de unidade. Enquanto guerras religiosas assolam o continente, a sua responsabilidade, decididamente nada espetacular, é um simples vilarejo de famílias de agricultores. O que torna o cristianismo difícil no seu caso? Esse conflito de fundo pode ser parte do problema, mas algo muito mais próximo é a rotina que entorpece, esse cotidiano rotineiro do tempo, das colheitas, dos casamentos, das gestações, das doenças, dos funerais — Advento, Natal, Quaresma, Páscoa — entra ano, sai ano; lavar, enxaguar, e repetir tudo de novo.

Se eu fizesse essa mesma pergunta a meus amigos ou a meus alunos na universidade, nos Estados Unidos de hoje, acho que sei o que eles diriam: o que torna o cristianismo difícil no tempo e no lugar em que vivemos é a dúvida.

Dúvida sobre a existência de Deus; sobre a ressurreição de Jesus; sobre os milagres; sobre os anjos, os demônios e os dons do Espírito Santo; sobre os textos bíblicos ou a história por trás deles ou sobre a igreja que os legou a nós; dúvida sobre a credibilidade de todos os itens anteriores. E todas essas dúvidas estão à beira de um enorme abismo entre o “antigamente” e o “aqui e o agora”: opressão e escravidão; superstição versus liberdade; direitos humanos e ciência. Devemos de fato aceitar sem questionar a fé de nossos ancestrais, quando somos muito melhores do que eles em tantos aspectos — como tendemos a pensar?

Não estou descrevendo ateus, apóstatas ou “exevangélicos” aqui. É deste modo que muitos cristãos comuns se sentem. Ou, pelo menos, é nestas águas que eles nadam, este é o pensamento incômodo que trazem no fundo da mente, esta é a fonte semiconsciente da inércia que sentem, quando o alarme toca no domingo de manhã. Os cristãos americanos não enfrentam o Coliseu, mas essa pressão emocional e intelectual é bem real. As dúvidas se acumulam.

E não ajuda o fato de a dúvida estar na moda. A dúvida é sexy, e não apenas na cultura em geral. Não consigo contar o número de vezes que um pastor ou professor cristão me disse que a dúvida é um sinal de maturidade espiritual. Que fé sem dúvidas é algo superficial, uma mera fase de lua de mel. Que a dúvida é o outro lado da fé, uma espécie de amiga da fidelidade. Que a existência de dúvida é um sinal de uma mente teológica saudável, e sua ausência significa… — bem, você mesmo pode completar esta frase.

O grupo favorável à dúvida acerta em cheio em duas coisas importantes. Primeira, eles querem espaço para fazer perguntas honestas. Segunda, eles querem remover o estigma da dúvida.

Eles querem que a igreja seja um lugar onde a dúvida não seja uma patologia, onde a experiência da dúvida não seja um fracasso moral, onde a dúvida gerada por perguntas ou as perguntas geradas pela dúvida sejam bem-vindas, acompanhadas e exploradas. Uma igreja como essa seria conhecida por uma cultura de hospitalidade espiritual. Os crentes comuns poderiam dizer em voz alta o que realmente lhes tira o sono à noite, em vez de ficarem calados por medo de julgamento ou rejeição.

Todos nós deveríamos querer essas mesmas coisas. Onde as igrejas erraram, os pastores devem corrigir o erro. Não queremos que as crianças e os jovens pensem que perguntar é algo ruim, e muito menos que pensem que seguir a Jesus significa acreditar em coisas impossíveis antes mesmo do café da manhã.

Em que ponto, então, os defensores da dúvida erram? Vejo que eles erram em quatro pontos.

Primeiro, os defensores da dúvida universalizam uma experiência que é particular. É verdade que as dúvidas não são falsos problemas passíveis de serem facilmente resolvidos com um pouquinho de treinamento espiritual. Mas será que acreditar em um Deus invisível ou na concepção virginal de Jesus é o que torna o cristianismo difícil para todos, em todos os lugares, sempre? Quando lemos a literatura cristã que elogia a dúvida ficamos com essa impressão.

Mas se olharmos para a história da igreja, como fiz pouco acima, fica evidente que o que torna o cristianismo difícil depende do contexto. A exposição à vida e aos escritos de outros discípulos ao longo dos séculos, que viveram em épocas, lugares e culturas muito diferentes, coloca nossos desafios em perspectiva. Eles são com tanta frequência pessoais, e não gerais; paroquiais, e não cósmicos. Eles não são inevitáveis ou inalteráveis. O cristianismo é bem maior do que o Cinturão da Bíblia ou o Ocidente secular.

Segundo ponto: esses defensores tendem a descrever a dúvida não como um mero desafio universal, mas como uma característica necessária da fé madura. Temos em ação aqui uma mescla de viés de seleção com classismo: Os que duvidam são, em geral, pessoas tipicamente abastadas e intelectualizadas, com diploma universitário, que trabalham em laptops. Nada disso é ruim; eu mesmo me encaixo nesse perfil.

Mas nem todos se encaixam, e nossa experiência de fé não é universal. Essa tendência de lutar contra a dúvida não é um componente essencial do conhecimento de Deus, um desafio que todo cristão sério deve enfrentar. Simplesmente não é verdade que a maturidade fiel é sempre marcada pela dúvida. Será que Moisés algum dia se perguntou se Deus é real? Será que Paulo duvidou de sua visão do Senhor ressuscitado? E quanto a Juliana de Norwich, nossa freira não hipotética? Será que a fé singela e confiante de tantos de nossos anciãos espirituais — das proverbiais senhorinhas que ocupam os bancos das igrejas — precisa realmente ser “problematizada”, antes de ser digna do nosso respeito? A pergunta responde a si mesma.

Terceiro ponto: os defensores vão longe demais ao fazer da dúvida uma virtude. A dúvida não é pecado, mas isso não significa que seja desejável. Deus pode usá-la para o bem; ela pode muito bem ser um passo crucial na jornada de uma pessoa com Cristo. Mas não precisamos valorizá-la nem celebrá-la. Em suma, a dúvida não deve ser elogiada nem culpada. Na maioria dos casos, ela é um espinho na carne.

Na melhor das hipóteses, a dúvida é uma escada a ser escalada. Mas as escadas não são fins em si mesmas. Nós as usamos para chegar a algum lugar, para concluir algum trabalho. Permanecer para sempre em dúvida perpétua é como construir uma casa sobre uma escada — algo tecnicamente possível, mas longe do ideal. Se alguém recomendasse uma escada como solução para resolver sua necessidade de uma casa, você certamente questionaria essa recomendação.

Por fim, o quarto ponto: os defensores da dúvida descaracterizam a natureza das perguntas. Perguntas não são o mesmo que dúvidas. Tomás de Aquino fez milhares de perguntas em sua curta vida. Somente as Confissões de Agostinho contêm mais de 700 perguntas. Ora, e o que mais é um catecismo senão perguntas seguidas de respostas? Mas aí está o problema. A dúvida começa com uma perda de confiança ou de credibilidade; perguntas não começam assim. Meus filhos me fazem perguntas todos os dias, não porque duvidam de mim, mas porque confiam em mim.

Por essa razão, os santos e os místicos adoram perguntas, inclusive as que não podem ser respondidas nesta vida. As perguntas surgem da nossa confiança em Deus e fomentam essa confiança. As perguntas fazem crescer a fé.

Disferenciar perguntas de dúvidas não significa elogiar as primeiras ao se estigmatizar de novo as segundas. Significa esclarecer para os crentes que, embora a dúvida muitas vezes nos leve às perguntas, as perguntas nem sempre (nem mesmo normalmente) nos levam a ter dúvidas. Essa é uma boa notícia para os ansiosos entre nós. Pergunte à vontade, a igreja deveria dizer. O Senhor agradece suas perguntas.

O que, então, torna o cristianismo difícil? Existe uma resposta para isso, que se aplique a todos nós? De fato, acredito que exista.

O que torna o cristianismo difícil é a fé, embora não no sentido que muitos de nós esperamos. Para muitos cristãos criados na igreja, significa certeza mental e emocional e, portanto, a vida cristã é definida como acreditar o máximo que puder em coisas difíceis. Segundo esse modelo, quando uma pergunta, como uma fera selvagem, tentar entrar em sua barraca, você tem apenas duas opções: expulsá-la — de alguma forma crendo com ainda mais afinco — ou aceitar que sua fé é fraudulenta e desistir dela. Ter fé significa que preciso me esforçar para acreditar em coisas estranhas que pessoas “modernas” em uma era “científica” acham não críveis. Com uma alternativa como essa, não é de se admirar que a dúvida pareça atraente!

Mas ter fé não é manter com desespero a certeza interior. A fé é traduzida com a mesma precisão (talvez até com mais precisão) por fidelidade. Ter fé é manter a fé, manter a fidelidade a Deus, confiar nele e, por sua vez, tornar-se digno de confiança. O que é universalmente difícil no fato de ser um cristão é ser fiel ao Senhor, em qualquer circunstância.

Quer vivamos em tempos de perseguição ou sozinhos em um convento, em uma época de divisão e guerra ou em uma época de ceticismo e riqueza, na maré alta da cristandade medieval ou sob o domínio islâmico no Irã moderno, o chamado de Cristo é exatamente o mesmo. Em todas as circunstâncias, Cristo nos convida a tomar nossa cruz e a segui-lo até o Calvário (Lucas 9.23). Em outras palavras, somos chamados para morrer.

Às vezes, nossas mortes são literais; às vezes, são religiosas; às vezes, são sociais, financeiras ou familiares. Às vezes, são todas essas e muitas mais (Gálatas 2.20). Em todos os casos, apesar de todas as diferenças superficiais, tomamos sobre nós o mesmo jugo. Cristo nos promete que esse jugo é suave e o seu fardo é leve — e é mesmo (Mateus 11.30). Mas esse morrer para si mesmo que ele exige é uma crucificação diária, que tira da carne o poder de nos manter sob seu domínio.

A dúvida pode fazer parte dessa luta. É uma luta real, para a vida inteira e comum a todos nós. A luta, porém, não é a questão. A questão é para onde estamos indo. É quem estamos seguindo. A questão é que a cruz não é o destino final; que a morte não é o fim (1Coríntios 15.26, 55-57). Não estamos condenados a lutar, a sofrer e a nos questionar para sempre. Quando sairmos do túmulo, deixaremos tudo isso para trás. Como vestes mortuárias, todas as dúvidas que antes nos atormentavam acabarão empilhadas no chão. E livres de todo fardo, caminharemos para a vida.

Brad East é professor associado de teologia na Abilene Christian University. É autor de quatro livros, entre eles The Church: A Guide to the People of God (A Igreja: Um Guia para o Povo de Deus) e Letters to a Future Saint: Foundations of Faith for the Spiritually Hungry (Cartas para um Futuro Santo: Fundamentos da fé para os que têm fome espiritual).

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“Lembrem-se” do sofrimento na Ucrânia

Diante de um mundo indiferente, os cristãos deveriam ser conhecidos por encorajar aqueles que sofrem.

Christianity Today February 28, 2024
Diego Fedele / Getty

A essa altura, dois anos após o início do conflito, muitos já se esqueceram da Ucrânia. Como geralmente acontece depois de uma crise global, com o passar do tempo acabamos ficando indiferentes, irritados ou voltando a atenção para outras notícias. Evidentemente surgiram outros conflitos internacionais mais recentes, que também merecem nossa atenção e nossas orações.

No início de 2022, a Ucrânia começou a receber ampla atenção mundial, durante a invasão pela Rússia; porém, grande parte da ajuda inicial diminuiu desde então. Não apenas o apoio financeiro, material e moral de forma geral foi bastante reduzido, mas, em certos círculos, a Ucrânia se tornou um peão político para alguns — especialmente com a rápida aproximação das eleições presidenciais dos EUA.

Em 2014, quando o conflito no leste da Ucrânia começou, há uma década, a comunidade global sabia que a Rússia provavelmente estava se preparando para ações mais agressivas. Mas nada poderia ter me preparado para a manhã de 24 de fevereiro de 2022, quando fiquei profundamente abalado com as imagens de explosões e de veículos blindados que começaram a encher os noticiários e a Internet.

Sou pastor em Lynchburg, na Virgínia, mas nasci na Ucrânia e tenho muitos amigos e parentes que ainda moram lá. Quando o choque inicial diminuiu e consegui me comunicar com meus entes queridos, algo foi despertado em mim. No segundo mês da invasão russa, quando milhões de pessoas estavam lutando para deixar a Ucrânia, viajei para lá para incentivar e servir as pessoas afetadas pelo conflito.

Visitei a Ucrânia por quatro vezes, nos últimos dois anos, e testemunhei em primeira mão a devastação contínua provocada pela guerra. Em minhas viagens mais recentes, fiquei com o coração partido ao encontrar irmãos e irmãs [das igrejas ucranianas] que se sentiam negligenciados ou esquecidos pela igreja global.

Nos dias de hoje, com nosso limitado span de atenção e com tantas crises globais em andamento, é difícil fazer nosso coração se concentrar em histórias individuais de devastação. No entanto, acredito ser vital para nós, como crentes, que nos lembremos constantemente do sofrimento de nossos irmãos em Cristo — e cultivemos essa lembrança como uma prática habitual em nossa vida agitada e cheia de distrações.

Sempre que penso na Ucrânia, não consigo tirar da mente as palavras de Hebreus 13.3. O autor implora aos seguidores de Jesus Cristo que “lembrem-se dos que estão na prisão, como se aprisionados com eles; dos que estão sendo maltratados, como se fossem vocês mesmos que o estivessem sofrendo no corpo” (grifo acrescentado).

Como cidadãos do reino de Deus, somos chamados a dar atenção especial às necessidades dos mais vulneráveis entre nós (Provérbios 31.8-9, 1João 3.17-18, Tiago 1.27). Estamos conectados em um só corpo, o corpo de Cristo (1Coríntios 12.12), e nossas igrejas locais são expressões em escala menor de uma igreja global projetada para funcionar em união. Assim como jamais ignoraríamos uma parte de nosso próprio corpo, se ela estivesse sofrendo, o corpo de Cristo — a igreja — funciona de maneira semelhante. Como Paulo diz: “Se um membro sofre, todos os outros sofrem com ele” (1Coríntios 12. 26). Negligenciar ou esquecer um membro que está sofrendo pode causar danos ao corpo inteiro.

Somos chamados a compartilhar os fardos uns dos outros, permitindo que nos sintamos pressionados por sua dor. Fazer isso reflete o caráter de Jesus, que entrou no tempo e no espaço para se juntar a nós, em nossas aflições mortais. As Escrituras nos asseguram que nosso Salvador é “um homem de dores e experimentado no sofrimento” (Isaías 53.3), que conheceu a tristeza e sabe o que é padecer (Mateus 26.38, Hebreus 5.7). E, por causa disso, ele sabe como ajudar aqueles que estão sofrendo (Hebreus. 2.18). Quanto mais compartilharmos com os que sofrem as nossas orações sinceras, a nossa presença e os nossos recursos, mais nos comportaremos como Jesus.

Mais do que isso, o fato de continuarmos a nos lembrar do sofrimento dos outros nos prepara para possíveis sofrimentos nossos no futuro. Ninguém quer sofrer, mas é garantido que passaremos por isso em algum momento da vida, pois as Escrituras garantem que “aqui no mundo vocês terão aflições” (João 16.33). Não há pessoa, comunidade ou nação que seja imune a conflitos e tragédias. Nossos colegas cristãos que estão em lugares como a Ucrânia podem nos ensinar sobre resiliência e coragem — e sobre o poder do evangelho em meio à calamidade e ao sofrimento. Precisamos deles tanto quanto eles precisam de nós!

Por fim, mas igualmente importante, podemos usar nossas vozes e compartilhar nossos recursos. Temos a tendência de ser grandes embaixadores das coisas que amamos e, instintivamente, queremos compartilhá-las com outras pessoas. Muitas vezes, mal posso esperar para contar às pessoas sobre algum novo restaurante ou filme de que gostei. Se realmente amamos nossos irmãos e irmãs que sofrem, por que não contaríamos aos outros sobre a situação difícil que eles enfrentam?

Isso inclui dar visibilidade a vozes e histórias dos necessitados, bem como reunir e compartilhar com eles os nossos recursos — entre os quais estão parcerias com organizações locais para suprir necessidades vitais, como alimento, água e suprimentos médicos. Deus pode usar os diferentes recursos que temos em nossas vidas, bem como nossas esferas de influência, para atender a necessidades específicas que eles têm. Por exemplo, criei a The Renewal Initiative para conectar pessoas e recursos com indivíduos vulneráveis espalhados pelo mundo todo; nesta primavera, estamos fazendo uma parceria com um grupo de profissionais de saúde mental, para que ofereçam encorajamento e apoio aos trabalhadores humanitários na Ucrânia.

Uma das maneiras de cumprirmos a “lei de Cristo” é carregando os fardos uns dos outros (Gálatas 6.2), mas não podemos compartilhar esse fardo sozinhos — nem devemos. Nenhum indivíduo isoladamente poderia atender a todas as necessidades daqueles que estão sofrendo. Nenhuma organização isoladamente tem todos os recursos necessários para cuidar dos necessitados. Mas, quando indivíduos e organizações se unem, o fardo fica mais leve e muitas necessidades podem ser atendidas. Para sermos sustentáveis, precisamos de outras pessoas que nos ajudem a suportar o fardo de continuar a lembrar daqueles que estão sofrendo.

Talvez, porém, nossa arma mais poderosa seja levar esse fardo perante o Senhor em oração. Nunca subestime o poder da oração nem o modo que o Espírito Santo pode usar nossas orações específicas para abençoar e encorajar os necessitados. Nem todos podem ir e servir na Ucrânia, mas todos nós podemos abrir espaço em nossa dinâmica espiritual para orar por nossos irmãos e nossas irmãs da Ucrânia e de outras comunidades vulneráveis em todo o mundo.

Gostaria que você pudesse ver a expressão no rosto das pessoas da Ucrânia, quando digo a elas que meus amigos no Ocidente estão orando por elas. A resposta delas geralmente é: “Muito obrigado! Por favor, agradeça a todos por orarem por nós e peça a eles que não parem de orar”.

Em uma de minhas primeiras viagens de volta à Ucrânia, conheci um pastor que ficou para servir sua igreja durante a invasão inicial da Rússia, mesmo depois de mais de 60% de sua congregação ter deixado a área. Centenas de refugiados vieram de outras partes da Ucrânia e precisavam de cuidados especiais. E, no entanto, uma das coisas que ele disse, e que sempre levarei comigo, é que ele não se sentiu sozinho em seus esforços, por causa das orações contínuas dos santos em todo o mundo.

No segundo aniversário da invasão em grande escala promovida pela Rússia, continuemos a nos lembrar de nossos irmãos e de nossas irmãs da Ucrânia. Esse ato de obediência os abençoará e enriquecerá nossa caminhada espiritual. Pois, ao nos aproximarmos do sofrimento dos outros, nosso coração pode se expandir, de modo a refletir melhor o amor de Deus pelo mundo como um todo. Jesus ainda está agindo em meio ao sofrimento de homens, mulheres e crianças na Ucrânia, e podemos participar dessa obra quando continuamos a nos lembrar deles.

Andrew Moroz é um pastor americano de ascendência ucraniana, fundador da The Renewal Initiative.

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‘Vidas Passadas’ e o poder de dizer não à cultura

Muitos filmes sacrificam a fidelidade em nome do amor e do destino. Este drama aponta outro caminho.

“Vidas Passadas”, estrelando Teo Yoo, Greta Lee e John Magaro.

“Vidas Passadas”, estrelando Teo Yoo, Greta Lee e John Magaro.

Christianity Today February 28, 2024
Cortesia de A24

No ano passado, assisti ao filme “Diário de uma Paixão” pela primeira vez. Durante quase 25 anos, ele foi o epítome do romance Hollywoodiano, com suas imagens de Allie (Rachel McAdams) segurando o rosto de Noah (Ryan Gosling), enquanto eles se beijam apaixonadamente sob a chuva, servindo de símbolo da cultura pop para o amor e o destino.

“Diário de uma Paixão” também é uma história de infidelidade. A narrativa se alterna entre o presente — no qual Noah, já idoso, conforta Allie, que sofre de Alzheimer — e os anos 1940, quando Allie trai e, por fim, abandona seu noivo, para retomar seu relacionamento com Noah, depois de anos separados. Nas cenas que retratam o presente, Noah simboliza a fidelidade, apesar das dificuldades; na parte inicial da linha do tempo deles, porém, a infidelidade de Allie é apresentada como o ponto alto do romance.

“Vidas Passadas”, filme de 2023 indicado a cinco Globos de Ouro e ao Oscar, que concorre inclusive a melhor filme, é subversivo em sua forma de mostrar até que ponto essa perspectiva volúvel tem permeado nosso imaginário sobre a vida e amor. Nora (Greta Lee) aparece deitada na cama, ao lado de Arthur (John Magaro), seu marido, enquanto este processa seus sentimentos sobre a visita iminente do primeiro amor de sua esposa, HaeSung (TeoYoo):

Arthur: Não paro de pensar sobre o quanto esta história é boa.

Nora: Minha história com HaeSung?

Arthur: Sim, eu simplesmente não consigo competir [com ela].

Nora: O que você quer dizer com isso?

Arthur: Namoradinhos de infância que se reencontram 20 anos depois e finalmente percebem que foram feitos um para o outro.

Nora: Nós não fomos feitos um para o outro.

Arthur: Na história, eu seria o marido americano, branco e malvado, que fica no caminho do destino.

“Eu sou o cara que você abandona”, Arthur reitera mais tarde, “quando o seu amor do passado vem para te levar embora.”

A confissão de Arthur certamente ecoa a narrativa interior de muitos que assistiram ao filme: fomos condicionados a esperar a rejeição dos limites exemplificada em “Diário de uma Paixão”. Conhecemos personagens com vidas estabelecidas e, então, acompanhamos com aprovação à medida que eles rompem compromissos para ampliar suas próprias possibilidades e encontrar paz, iluminação ou até mesmo seu destino pessoal. Quando os relacionamentos dos nossos heróis se transformam em danos colaterais, ao longo de suas jornadas, podemos até achar isso doloroso, mas aceitamos como algo necessário.

“Vidas Passadas” não aceita esse dano colateral. O filme questiona se podemos construir uma vida mais plena de sentido e mais bela, quando aceitamos nossa finitude, mantemos compromissos e reduzimos nossas possibilidades. Para cristãos, obviamente, a resposta é sim.

Assim como todos nós, Nora vive uma vida moldada por uma combinação de escolhas feitas por outras pessoas e por ela mesma. Quando era estudante do ensino fundamental e crescia em Seul, ela viveu uma doce paixão, que era correspondida, por HaeSung, seu colega de classe. Mas quando sua família imigrou para o Canadá, o relacionamento deles teve um fim abrupto.

Nora reconecta-se com HaeSung pela primeira vez quando era uma jovem adulta, e estava correndo atrás do seu sonho de se tornar escritora em Nova York. Embora aspectos dessa dinâmica aparentemente encantem Nora, ela acaba pedindo para eles darem um tempo no relacionamento. Ela deseja seguir com sua vida em Nova York, e é evidente que esse relacionamento por telefone e vídeo chamadas é uma distração. Embora ela assegure a HaeSung que esse tempo não durará para sempre, Nora logo segue em frente, se apaixona e se casa com Arthur.

Anos depois, quando HaeSung anuncia sua visita a Nova York, Nora já construiu uma carreira de sucesso como dramaturga, está casada e feliz. Todavia, enquanto Arthur se abala — e “Vidas Passadas” vai retratando HaeSung de forma suficientemente simpática a ponto de que, talvez, possamos esperar que se repita o mesmo padrão de “Diário de Uma Paixão”— Nora não hesita.

“Esta é minha vida”, ela assegura Arthur, “e eu a estou vivendo com você.” Ela parece entender intuitivamente o que os cientistas comportamentais documentaram: que limitar nossas escolhas pode nos proporcionar uma vida mais satisfatória.

A aceitação de limites e da autonegação, por parte de Nora, é contracultural e também lembra um tema bíblico, que tem início na criação, com as instruções de Deus a Adão e Eva sobre a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2—3). Imediatamente depois de terem violado o único mandamento de Deus para eles, vemos os primeiros seres humanos começarem a lutar com as próprias identidades, perdendo sua intimidade com Deus. Eles ganharam opções, sim, mas a um custo muito alto.

Esse padrão de desafiar os limites de Deus — e depois se arrepender — se repete ao longo do Antigo Testamento, desde os israelitas implorando a Deus por um rei (1Samuel 8) até os homens israelitas tomando para si esposas estrangeiras (Esdras 10). Aqueles que não seguem esse padrão prosperam, como quando Daniel, Sadraque, Mesaque e Abednego se sobressaem, ao recusarem a dieta real e opulenta da Babilônia (Daniel 1).

A recusa em ultrapassar os limites salutares em nossas vidas não é algo que acontece por acaso. “Se você não vai se deixar levar pelos caminhos da Babilônia, precisa decidir não fazer isso”, ensina Beth Moore. Ela continua:

“Decidir” significa tomar antecipadamente uma decisão, uma decisão [sobre algo] que você já respondeu, uma decisão de não tomar essa decisão… no momento da decisão. A decisão já foi tomada de antemão. Isso está resolvido. Eu já sei de antemão que não vou fazer isso. … São tantas as coisas e as tentações que nos chegam no calor do momento, e clamamos a Deus, e ele diz que prometeu sempre nos dar uma saída.

Mas decidir é quando dizemos: “Há certas coisas sobre as quais eu já tomei uma decisão antecipadamente”.

“É aqui que chegamos”. “Aqui é onde eu devo estar,” Nora diz ao seu marido em crise. Ela já tinha se decidido a ser fiel, a respeitar os limites do casamento que escolhera. Talvez, para Nora, seu casamento com Arthur nunca esteja em questão. Mas aqueles de nós que foram criados sob lemas como “E se?” e “Você deve seguir o seu coração” tendem a questionar nossa lealdade às escolhas que fizemos.

Um dos elementos mais significativos de “Vidas Passadas”, portanto, é a maneira como o filme dá aos espectadores uma palavra sobre decisões que envolvam destino. No primeiro encontro de Nora com Arthur, ela conta a ele sobre o conceito coreano de inyeon. É algo como providência ou destino, segundo ela explica, que vem de supostas conexões em vidas passadas.

Nesse ponto, Nora brinca que o conceito é uma mera forma de sedução coreana, e beija Arthur. Mas ela, mais tarde, usa o conceito para gentilmente rejeitar HaeSung. Enquanto eles trocam gracejos em um coreano entusiasmado num bar, pouco antes de ele deixar Nova York, a câmera dá um close em seus perfis; a iluminação fraca e a maneira como eles se inclinam um para o outro sugerindo que eles ainda podem optar pela infidelidade de “Diário de uma Paixão”.

Mas Nora não está deixando seu marido; ela está rejeitando seu amor de infância. Ela usa o inyeon, apropriando-se da linguagem do destino e invertendo-a, para dizer que, embora HaeSung possa sentir uma bela conexão [entre eles], investir nesse relacionamento não é para ela.

“Vidas Passadas” descreve o inyeon como um conceito budista, o que pode limitar sua aplicação a cristãos. No entanto, há algo de válido no fato de Nora usar o conceito para reconhecer que a sua ligação com HaeSung não anula seu compromisso com Arthur. Para os cristãos, pode ser um lembrete de que nossa determinação em rejeitar a infidelidade faz parte de uma história maior — que não é do destino, mas sim de Deus, o autor de nossas vidas.

Morgan Lee é editora-chefe global da revista Christianity Today.

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Books

O que as pesquisas dizem sobre as cinco linguagens do amor

Até mesmo Gary Chapman esclarece que a questão não é escolher uma única linguagem do amor.

Christianity Today February 27, 2024
RgStudio / Getty Images

Quando Katie Frugé e Lafayette, seu marido, decidiram se casar, em 2007, tinham 21 anos e não estavam conscientes de que havia muita coisa que ainda não sabiam.

“Éramos jovens demais para nos casarmos e jovens demais para de fato nos importarmos”, disse Frugé, que hoje é diretora do Center for Cultural Engagement [Centro para Engajamento Cultural] da Convenção Geral Batista do Texas.

Em busca de orientação, o jovem casal recorreu à obra The Five Love Languages [As cinco linguagens do amor], um livro bem conhecido de Gary Chapman, autor e pastor da Carolina do Norte. Publicado pela primeira vez em 1992, o livro explora diferentes maneiras de as pessoas expressarem o amor — palavras de afirmação; toque físico; tempo de qualidade; atos de serviço e presentes —, na esperança de ajudar casais a encontrarem a felicidade.

O livro afirma que compreender a linguagem do amor um do outro pode ajudar a criar casamentos saudáveis. Frugé se lembra de ter pensado que o livro era a chave para um futuro brilhante.

“Pensamos que bastava aprendermos as linguagens do amor um do outro e tudo ficaria bem”, disse ela. “Nunca mais teremos brigas e ambos nos sentiremos plenamente satisfeitos o tempo todo.”

A vida de casada, no entanto, mostrou-se um pouco mais complicada do que isso.

Frugé disse que, 17 anos depois, ela e o marido ainda estão casados e felizes, mas enfrentaram muitos problemas, entre eles várias crises relacionadas à saúde — “Atravessamos aquela parte [sobre a promessa de estarmos juntos] ‘na saúde e na doença’ ”, disse ela. E precisaram de mais amor ao longo do caminho do que uma simples fórmula poderia proporcionar.

“Quando sou diagnosticada com câncer, o que preciso não é que meu marido saia e compre um presente para mim”, disse ela.

Uma vez que se popularizou principalmente nos círculos cristãos evangélicos, as Cinco Linguagens do Amor explodiram e se tornaram um fenômeno da cultura pop. O aplicativo de namoro Bumble oferece um teste com esse tema; o conceito também foi apresentado no programa The Bachelorette [A Solteira] e nos principais meios de comunicação, enquanto o perfil Five Love Languages [Cinco Linguagens do Amor] no TikTok já atraiu dezenas de milhões de visualizações. Chapman vendeu mais de 20 milhões de exemplares de seus livros e criou uma indústria informal de conferências, livros relacionados ao tema e um teste on-line já respondido dezenas de milhões de vezes.

Toda essa atenção levou pesquisadores — como Emily Impett, professora de psicologia e diretora do Laboratório de Relacionamentos e Bem-Estar da Universidade de Toronto, Mississauga — a perguntarem se as alegações das Cinco Linguagens do Amor resistem ao escrutínio científico e, talvez tão importante quanto isso, a descobrirem: O que os acadêmicos podem aprender com a popularidade da obra de Chapman?

Um novo artigo publicado na revista “Current Directions in Psychological Science” [Rumos Atuais na Ciência da Psicologia] sugere que a teoria de Chapman sobre como o amor funciona não é tão convincente assim. Para o artigo, Impett e dois colegas analisaram uma série de estudos que tentaram testar três ideias principais sobre as Cinco Linguagens do Amor: as alegações de que as pessoas têm uma linguagem do amor principal; de que existem cinco linguagens do amor e de que as pessoas são mais felizes quando têm um parceiro que fala a sua linguagem do amor principal.

Segundo Impett e seus colegas, os estudos não sustentam essa teoria.

Por exemplo, as pessoas escolherão uma linguagem preferida, se forem forçadas a fazê-lo em um teste. No entanto, os pesquisadores descobriram que, se perguntadas sobre cada uma das cinco linguagens do amor de forma individual, as pessoas dão uma nota alta para cada uma delas. Os pesquisadores também descobriram que algumas ideias importantes, como apoiar os objetivos do parceiro ou do cônjuge, não se encaixam no modelo das cinco linguagens do amor e que pessoas que têm as mesmas linguagens do amor não são mais felizes do que outros casais.

“O amor não se assemelha a uma linguagem que alguém precisa aprender a falar, mas pode ser entendido de forma mais apropriada como uma dieta equilibrada, na qual as pessoas precisam de uma gama completa de nutrientes essenciais para cultivar um amor duradouro”, escreveram Impett e seus colegas.

Eles sugeriram que o livro de Chapman de fato atendeu a uma necessidade dos casais, pois “oferece aos parceiros uma oportunidade de refletir, discutir e responder às necessidades um do outro”.

Em um e-mail posterior, Impett disse que ler o livro sobre as linguagens do amor — que inclui exemplos de como praticar a demonstração de amor de diferentes maneiras — é muito mais útil do que responder ao questionário on-line. Isso se deve, em parte, ao fato de que o foco em descobrir a principal linguagem do amor de um parceiro pode ser muito restritivo e acaba colocando as pessoas em uma caixa.

Já, ao contrário disso, “todos os comportamentos que Chapman identificou são importantes” disse ela ao Religion News Service [Serviço de Notícias Religiosas] em um e-mail.

“Não estamos sugerindo que as pessoas sejam necessariamente multilíngues (hábeis em todos os cinco comportamentos), mas que deveriam aprender a ser, pois os cinco comportamentos que Chapman identifica são coisas realmente importantes que as pessoas podem fazer para manter seus relacionamentos.”

Chapman concorda com esse ponto.

O autor, hoje com 86 anos, que recentemente deixou o cargo, após 50 anos integrando a equipe da Calvary Baptist Church, em Winston-Salem, na Carolina do Norte, disse que todas as linguagens do amor são importantes.

“Não resta a menor dúvida de que o que faz uma pessoa se sentir amada não necessariamente faz outra pessoa se sentir amada”, disse ele em uma entrevista. “Mas não quero dizer [com isso] que você só deve falar a principal linguagem do amor da pessoa.”

Chapman, que ainda viaja e se apresenta em conferências sobre casamento e outros eventos, disse que ficou surpreso com algumas das descobertas do artigo, mas que aprecia o fato de os pesquisadores levarem seu trabalho a sério. Quanto mais pesquisas, disse ele, melhor.

Ele disse que continua a se surpreender com a popularidade do conceito das linguagens do amor. Chapman desenvolveu o conceito para o livro, enquanto aconselhava casais com problemas em sua igreja. Esses casais, segundo ele, muitas vezes não sabiam mais o que fazer, pois cada parceiro achava que estava agindo de forma amorosa, mas o outro não se sentia amado.

Como um exímio contador de histórias, Chapman lembrou-se de um marido que dizia que preparava o jantar na maioria das noites, compartilhava as tarefas domésticas e o trabalho com a área externa da casa, e fazia tudo o que podia para sustentar a família. Mas a esposa se sentia distante [dele], porque ele estava tão ocupado ajudando em casa que eles nunca tinham tempo para conversar.

Analisando suas anotações de aconselhamento, Chapman começou a procurar por padrões e acabou chegando às cinco linguagens do amor.

“É um conceito simples”, disse ele. “Mas eu sabia, por causa dos meus aconselhamentos e do meu trabalho com casais, que ele ajudaria as pessoas, se elas pudessem entender esse conceito. Em todos os meus textos, tentei falar de forma clara sobre esse conceito, para que as pessoas pudessem entendê-lo facilmente.”

Os pesquisadores dizem que podem aprender algo com essa abordagem.

Em seu artigo sobre as linguagens do amor, eles disseram que o livro de Chapman se conectou com as pessoas porque usa “metáforas intuitivas, que podem repercutir nas pessoas e transmitir uma mensagem de fácil digestão, livre de jargões científicos”.

Impett também disse que o foco em encontrar uma linguagem do amor principal pode ofuscar o motivo pelo qual tantas pessoas consideram o livro de Chapman útil. O livro, disse ela em um e-mail, “faz com que as pessoas identifiquem quaisquer necessidades em seu relacionamento que não estão sendo atendidas no momento (áreas de melhoria) e abre canais de comunicação para atender a essas necessidades”.

Chapman, que está casado há 62 anos, disse que esse é o ponto. Ele disse que o amor começa com a emoção, mas é sustentado pela atitude correta e por ações que colocam seu cônjuge ou parceiro amoroso em primeiro lugar.

Essa atitude correta, segundo ele, pode ser resumida da seguinte forma: “Quero fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo (ou ajudá-la) a se tornar a pessoa que você quer ser. Quero fazer tudo o que for bom para você”.

Meleah Smith, de Chattanooga, Tennessee, que orienta “marcas e bandas” na área de marketing, disse que o conceito das cinco linguagens do amor nunca a atraiu muito. Ela sabe que o livro funcionou para outras pessoas, mas, para ela, é simplista demais, disse a mulher de 40 e poucos anos, que se descreveu como uma “solteira de carteirinha”.

Smith — que ajuda a administrar a banda de seu irmão — disse que tem muito amor em sua vida, de amigos, da sua igreja e de sua família, mas [não tem] nenhum relacionamento amoroso. Ela disse que as linguagens do amor podem ser simplistas demais às vezes — levando as pessoas a se sentirem tentadas a evitar o trabalho árduo de conhecer alguém e de prestar atenção no outro.

“Se eu tiver que lhe dar uma lista de coisas que você precisa fazer por mim, talvez não sejamos um bom casal”, disse ela.

Após 17 anos de casamento, Frugé deu alguns conselhos para quem usa as cinco linguagens do amor. Lembre-se de que as pessoas precisam de todos os tipos de amor, e não de um tipo apenas. Preste atenção nelas — em vez de correr para encontrar todas as respostas em um livro.

Às vezes, as respostas de que você precisa estão bem na sua frente.

“Relacionamentos prósperos ocorrem quando você tem um parceiro que entende e conhece o outro, enxerga a sua necessidade naquele momento e a atende.”

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Books

Por que os evangélicos não têm medo de serem superados pelos “sem igreja”?

Líderes acreditam que Cristo ainda oferece as respostas que os “sem igreja” estão procurando, mesmo que estejam afastados por causa de suas experiências religiosas.

Christianity Today February 26, 2024
Priscilla Du Preez / Unsplash

Nota da edição da CT em Português: esse artigo tem como base uma pesquisa feita nos Estados Unidos para o contexto americano, mas acreditamos que essas informações podem ser importantes para a igreja de língua portuguesa.

Com 28% dos americanos dizendo que não pertencem a uma tradição religiosa, os “sem igreja” [ou pessoas não filiadas a uma religião] hoje superam qualquer grupo religioso nos EUA, de acordo com um estudo do Pew Research Center divulgado no mês passado.

O afastamento da igreja, segundo as pesquisas do Pew, é alimentado não apenas pelo ceticismo secular, mas também por percepções negativas sobre instituições e líderes cristãos. Para os protestantes evangélicos — que são atualmente 24% do país — a tendência pode parecer uma derrota. Ou uma imensa oportunidade.

Os líderes evangélicos reconhecem os fatores que estão levando as pessoas a se afastarem da fé: ambientes cristãos em que sentem que suas perguntas não são bem-vindas; mágoa e desconfiança em relação a escândalos na igreja; e mudanças sociais que tornam as crenças ortodoxas menos aceitáveis culturalmente, para citar apenas alguns dos fatores.

Mas eles ainda dizem que a igreja não deve se sentir ameaçada pelas tendências de desfiliação e de desconstrução, nem temer a ascensão dos “sem igreja”.

“Temos uma oportunidade de alcançá-los, voltando ao centro de nossa fé e da nossa mensagem", disse a teóloga Katie McCoy, diretora do ministério de mulheres da Texas Baptists. “O evangelho ainda é o evangelho. Não importam as tendências culturais; as pessoas ainda estão em busca de tudo o que Jesus oferece.”

A maioria dos sem igreja não são ateus nem agnósticos. Mais de 60% dos que não são filiados a nenhuma igreja consideram que “não têm uma religião em particular”. Os americanos desse grupo geralmente foram criados como cristãos; 83% ainda acreditam em Deus ou em algum poder superior, e 59% dizem que sua espiritualidade é uma parte importante de suas vidas.

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“Eles querem olhar para além de si mesmos, mas desconfiam de organizações, inclusive da igreja”, disse Mark Teasdale, professor de evangelismo do Seminário Teológico Evangélico Garrett, que citou um declínio geral da confiança nas instituições do país. “O problema é que isso os deixa solitários e sem um senso de propósito, pois eles se isolam da comunidade […] Isso leva à ansiedade, e não há uma noção real de como resolver o problema.”

Os americanos que não têm uma religião em particular são os que menos se envolvem em todos os setores. “É menos provável que votem, é menos provável que tenham se voluntariado ultimamente, são menos satisfeitos com suas comunidades locais e menos satisfeitos com suas vidas sociais”, escreveram os pesquisadores do Pew.

“Como os laços relacionais são menos fortes, as pessoas tentam preencher esse vazio”, disse McCoy, que escreve sobre questões de gênero, sexualidade e relacionamentos e tem visto a política identitária tomar o lugar da formação cristã.

As pessoas que não pertencem à igreja também estão buscando uma forma própria de conexão espiritual, à medida que tendências da Nova Era — como carregar cristais, fazer limpeza com sálvia e acreditar em curas energéticas — tornam-se mais comuns. Os americanos que se enquadram na categoria dos que “não têm uma religião em particular” têm maior probabilidade do que qualquer outro grupo de usar cristais (20%), joias (19%), tatuagens ou piercings (14%) com fins espirituais, bem como de acreditar que objetos e lugares podem ter energias espirituais, segundo o Pew.

Então, por que eles não estão recorrendo à religião? Entre os sem igreja, cerca de 30% não veem necessidade disso. Mais da metade (55%) afirma não gostar de organizações religiosas ou ter tido experiências ruins com pessoas religiosas.

As mulheres e os mais jovens têm maior probabilidade de dizer que abandonaram a fé devido a interações anteriores com pessoas religiosas.

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Em comparação com o restante da população, os “sem igreja” são mais jovens; a maioria tem menos de 50 anos. Mas a Geração Z não está abordando a fé exatamente da mesma forma que os céticos das gerações anteriores. A apologista Mary Jo Sharp notou que os adolescentes e os jovens de 20 e poucos anos de hoje tendem a enquadrar questões da teodiceia com base na forma como veem os cristãos vivendo a fé que professam.

Por exemplo, a tradicional questão do mal se transforma em algo como “Se Deus é bom, por que os cristãos se comportam tão mal?”, disse Sharp, fundadora da Confident Christianity (Cristianismo Confiante) e professora da Houston Christian University. “A hipocrisia dos fiéis cristãos se tornou uma das preocupações apologéticas mais frequentes deles.”

Vários líderes falaram à CT sobre como a Geração Z adota uma abordagem mais holística para a fé, buscando por suas implicações na política, nas questões sociais e na vida cotidiana.

E para que os não filiados de todas as idades confiem na igreja e vejam seu valor, será necessário que os cristãos trabalhem para combater algumas das percepções negativas.

“Mostramos que nos preocupamos com o bem comum, especialmente de formas físicas, porque eles conseguem apreciar isso”, disse Teasdale. “E mostramos que realmente nos preocupamos com aquilo com que eles se preocupam; nós vamos ao encontro deles em sua ansiedade e solidão. A melhor maneira de fazermos isso é oferecendo nossos relacionamentos.”

Sharp também disse que, em vez de apenas trazer as pessoas para a igreja, os cristãos “agora precisam pensar em enfatizar o envolvimento da igreja local […] de formas que demonstrem visivelmente seu compromisso com os dois maiores mandamentos: em síntese, amar a Deus e amar os outros como a nós mesmos”.

Os “sem igreja” foram ambivalentes quanto ao fato de a fé realmente incentivar as pessoas a tratarem bem os outros — 45% dos participantes do estudo do Pew disseram que isso não acontece. Em comparação com ateus e agnósticos, os não filiados, que não são de nenhuma religião em particular, têm uma visão melhor da religião, mas metade deles ainda disse acreditar que a religião faz “bem e mal em doses iguais”.

Mais de um quarto dos “sem igreja” associa “superstição e raciocínio ilógico” à religião. Eric Hernandez, apologista da Texas Baptists especializado em alcançar as gerações mais jovens, enfatiza a importância de a igreja ser um espaço seguro para perguntas e para um engajamento intelectual.

Hernandez disse que eventos de perguntas e respostas no estado têm atraído membros da comunidade desigrejados e não filiados. “Estamos vendo mais pessoas assinalarem a opção ‘sem igreja’”. Ele está animado para responder as perguntas dessas pessoas sobre ciência e fé ou para corrigir o que pode ser uma visão distorcida ou incompleta do cristianismo.

Mesmo que as pessoas digam que foram criadas na igreja, “não tenho certeza se elas entendem [o cristianismo]”, disse ele. “Queremos ter certeza se o Deus que elas estão rejeitando é o Deus da visão bíblica.”

Erik Thoennes, da Talbot School of Theology da Biola University, disse que o aumento da desfiliação também pode oferecer um “efeito esclarecedor” proveitoso, que vem com “uma dificuldade maior de ser cristão de forma pública”.

Em vez de sentirem a pressão de apelar para os não filiados ou para a próxima geração, Thoennes tem visto seus alunos da Geração Z serem desestimulados por tentativas de “vender” a igreja ou torná-la descolada. Eles ainda estão fazendo perguntas e se debatendo, mas estão em busca de uma expressão de fé autêntica e genuína.

Portanto, Thoennes, pastor da Grace Evangelical Free Church em La Mirada, Califórnia, está se apoiando no alicerce sobre o qual a igreja sempre foi construída: o poder e a beleza de Cristo. Mais pessoas podem estar perdidas e em busca, mas os cristãos acreditam que a igreja ainda tem a resposta.

“Não preciso estar por dentro das últimas tendências para garantir que não ocorra um desigrejamento em minha igreja”, disse ele. “A coisa é simples: Mantenha o foco em Jesus.”

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Em meio à batalha, parem de lutar

Com tanta coisa em jogo, como podemos seguir a instrução do salmista?

Christianity Today February 25, 2024
Óleo sobre painel: Hometown Hills, Caroline Greb, 5 x 7”, 2021

“Parem de lutar! Saibam que eu sou Deus! Serei exaltado entre as nações, serei exaltado na terra.” Salmos 46.10

Em uma noite úmida e quente, no verão passado, sentei-me na varanda dos fundos, no escuro, e fiquei olhando para um vaso com um cacto todo desengonçado. Esse Epiphyllum oxypetalum, popularmente conhecido como “Rainha da Noite”, foi um presente de um amigo jardineiro já idoso. Ele me garantiu que a planta daria flores noturnas espetaculares, ainda que durassem pouco. “E é muito fácil cuidar dessa planta”, garantiu ele. “Certa vez, meu cacto deu de sete a oito flores.”

E, no entanto, cinco anos depois, eu só tinha visto brotar uma única flor sem viço, que pendia entre os caules recortados como um balão vazio. Não foi por falta de tentativas. Eu regava o cacto regularmente, mas não com excessiva frequência. Ajustei a posição do vaso para que recebesse luz solar indireta. Adubei a terra e fiz a poda. Eu trouxe o vaso para dentro de casa logo antes que as temperaturas externas caíssem. Suas hastes cresceram rapidamente em todas as direções. Mas os botões de flor prometidos para o final do verão nunca apareceram.

Então, na última primavera, enquanto minha família se debatia entre sucessivas ondas de perdas traumáticas, coloquei a planta no canto da varanda da frente e me dediquei a cuidar de outras necessidades mais urgentes. E foi assim que, naquela noite de final de verão, para minha total surpresa, encontrei dois botões repolhudos, envoltos em sépalas rosadas e retorcidas, prontos para florescer.

A conhecida instrução de Salmos 46.10, “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus”, é um refrão bem popular. Aparece em adesivos colados nos para-choques dos carros, em placas escritas à mão e em conteúdo compartilhado nas mídias sociais. Nós invocamos esse versículo como um incentivo para diminuir nosso ritmo frenético e confiar em Deus para cuidar de nós. Mas a tradução da versão CSB oferece uma visão um pouco diferente: “Parem de lutar e saibam que eu sou Deus”.

O Salmo 46 começa descrevendo um contexto de agitação cataclísmica. Ao declarar que Deus é nosso refúgio, nossa fortaleza e nosso auxílio, o salmista se apega a essa verdade “embora a terra trema e os montes afundem no coração do mar, embora estrondem as suas águas turbulentas e os montes sejam sacudidos pela sua fúria” (v. 2-3). O texto apresenta imagens de destruição e de conflitos violentos que abalam o mundo, tanto de desastres naturais quanto de caos político.

Na terceira e última seção do salmo, o salmista descreve a intervenção de Deus por meio de imagens de guerra: “Ele dá fim às guerras até os confins da terra; quebra o arco e despedaça a lança; destrói os escudos com fogo” (v. 9). Levando em conta todo o salmo, parece que o versículo 10 não está nos dizendo para simplesmente fazer uma pausa na agitação da vida. Em vez disso, é uma ordem, que contraria o nosso instinto, para pararmos de lutar desesperadamente por nossa própria segurança e sobrevivência

No ano passado, o mundo da minha família parecia, de fato, estar afundando nas profundezas do mar. Tudo em nossas vidas foi abalado pela morte repentina de dois jovens amigos e pelas consequências desses traumas. Todos os dias eu lutava desesperadamente para encontrar segurança e proteger meus filhos da escuridão que ameaçava puxá-los para baixo. Eu tremia e me enfurecia, e sentia a profunda necessidade de um refúgio.

Com tanta coisa em jogo, como eu poderia seguir a ordem do salmista e parar de lutar? E, no entanto, Salmos 46.10 insiste que o meio de uma batalha é justamente o momento de se parar de lutar. A ordem é acompanhada de um chamado à contemplação: “sabei que eu sou Deus”.

Deus não promete manter tragédias e turbulências longe de nós — nem precisaríamos de uma fortaleza, se fosse esse o caso. Em vez disso, ele promete ser a torre forte que nos mantém seguros em meio a batalhas ardentes e a águas revoltas. Seguros nesse conhecimento, não precisamos mais desferir socos no ar, nem arranhar, nem lutar por conta própria.

A Quaresma não nega a realidade que nos aperta o coração, que nos exaure até os ossos e nos dá um aperto no peito. O que ela nos pede é que paremos de lutar — não porque estamos desistindo, mas porque estamos escolhendo dar testemunho da promessa de Deus a seus filhos.

Naquela noite abafada de verão, sentei-me em silêncio e fiquei observando as sépalas rosadas do meu cacto se arquearem para cima e para trás, depois se estenderem como raios de sol ao redor das pétalas macias que desabrochavam. No escuro da noite, as flores pálidas brilhavam como estrelas, guiando-me de volta ao Deus que diz: “Parem de lutar”.

Para refletir:



Em quais contextos você já ouviu Salmos 46.10 e a ordem “aquietai-vos”? Como a tradução da versão CSB — “parem de lutar” — muda a sua compreensão desse versículo?

Em que área da sua vida você sente que está lutando? Que tal seria parar de lutar por conta própria? Quais as promessas de Deus que podem ir ao seu encontro em sua atitude de parar de lutar?

A Dra. Elissa é autora e professora associada de Arte e História da Arte no Covenant College, em Lookout Mountain, na Geórgia.

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Books

Macetando o Apocalipse ou o testemunho cristão?

À medida que as igrejas evangélicas continuam a se multiplicar, os líderes pedem bom senso sobre quando e como testemunhar.

Multidão celebrando o Carnaval no Brasil.

Multidão celebrando o Carnaval no Brasil.

Christianity Today February 24, 2024
Edits by CT / AP Images

Há duas semanas, quando a TV mostrou ao vivo um diálogo entre duas estrelas pop brasileiras, é provável que poucos tenham imaginado que essa conversa daria início a um debate sobre o fim dos tempos.

Em 11 de fevereiro, em pleno Carnaval, Baby do Brasil se juntou à veterana Ivete Sangalo em um trio elétrico, um caminhão equipado com um potente sistema de som, que percorre as ruas seguido por foliões. Nas ruas de Salvador, cidade de quase três milhões de habitantes no Nordeste do Brasil, as duas se cumprimentaram e trocaram breves elogios sobre suas carreiras.

Então, Baby do Brasil pegou o microfone e disse:

“Todos atentos porque nós entramos em apocalipse”, disse ela. “O arrebatamento tem tudo para acontecer entre cinco e dez anos. Procure o Senhor enquanto é possível achá-lo”.

Ivete Sangalo, que aparentemente não havia previsto que sua colega se aventuraria a falar de escatologia, fez uma piada grosseira.

“Eu não vou deixar isso acontecer porque não tem apocalipse certo quando a gente maceta o apocalipse”, disse ela, fazendo uma alusão à sua nova música, “Macetando”.

Baby do Brasil replicou pedindo a ela que cantasse “Minha Pequena Eva”, um sucesso de Ivete dos anos 90, que fala de um casal que se isola em uma nave espacial, quando começa uma guerra atômica na Terra.

“Vou cantar ‘Macetando’ porque Deus está mandando”, respondeu Ivete.

E enquanto Baby do Brasil gritava “Ô, glória”, Ivete começou a cantar.

A constrangedora troca de palavras logo viralizou, gerando muitos comentários, inúmeros memes e um âncora de um programa de TV que até mesmo disse: “Vamos ser felizes antes do apocalipse”. Desdenhada por muitos brasileiros (um tweet descreveu a troca de palavras como “palhaçadas de um crente”), a referência ao Arrebatamento também dividiu os evangélicos, pois alguns deles consideraram as palavras de Baby corajosas e outros, inadequadas.

“Talvez você pense que Carnaval não é lugar de crente, também concordo. Mas ela é uma profissional da música, e no meio do seu trabalho, da sua profissão, ela obedece a Jesus, ela é sal da terra e luz do mundo", escreveu Pedro Barreto, pastor sênior da Comunidade Batista do Rio, no Instagram.

Em apenas alguns minutos, disse ele, esse tipo de comunicação poderia alcançar “mais gente do que eu alcancei em meus 20 anos de ministério”.

Em contrapartida, o YouTuber cristão Zé Bruno escreveu no X que “Baby do Brasil foi infeliz no que disse e quando disse. Este episódio é um exemplo de falta de sabedoria e bom senso.”

Provavelmente, acrescentou ele, Ivete não entendeu todo o discurso como teológico, mas “como algo ruim, que provoca medo. É assim no imaginário popular.”

Como indica o número crescente de igrejas, os evangélicos em geral têm sido bem-sucedidos em compartilhar o evangelho no Brasil. Mas, como sugere o comentário de Barreto, alguns acreditam que a igreja prega com muita frequência para seus pares, raramente se aventurando a alcançar os que estão além deles.

Por exemplo, os evangélicos geralmente evitam o Carnaval. Enquanto as ruas ficam lotadas de pessoas dançando e brincando, as igrejas organizam retiros e cultos especiais destinados a manter seus membros longe de cenas que, em sua maioria, consideram imorais. Como resultado, mesmo o movimento evangélico tendo crescido significativamente nas últimas décadas, sua influência na época do ano mais conhecida do país continua insignificante.

Mas será que existe um momento apropriado para abordar em praça pública questões teológicas complexas?

“Depende muito das lentes hermenêuticas que usamos para interpretar o que o Senhor espera de nós”, disse Marcos Amado, fundador do Martureo Centro de Reflexão Missiológica, um centro ministerial que treina missionários. “Devemos pregar a tempo e fora de tempo, como nos diz 2Timóteo 4.2. Mas o que isso significa hoje?”

Segundo Amado, alguns dirão que o dever é pregar, portanto, as consequências e os frutos dependem de Deus. Outros equilibrariam essa posição com 1Pedro 3.15-16, que exorta os cristãos a falarem com mansidão e respeito.

“Na minha opinião, não há, biblicamente falando, momento inapropriado para testemunhar de Jesus”, disse ele. “O que há são formas e assuntos inapropriados, dependendo do momento e das circunstâncias.”

A zombaria e o escárnio generalizados sobre os comentários de Baby do Brasil sugerem que a sociedade brasileira — a maior população de católicos do mundo há tempos — ainda está tentando entender os evangélicos, um grupo que chegou a representar 6,5% dos brasileiros até 1980. Os evangélicos brasileiros não podem agir como agem os evangélicos nos Estados Unidos, onde são figuras públicas com autoridade que podem pressupor certo nível de conhecimento público sobre a Bíblia e a teologia cristã, devido à longa história protestante do povo americano.

Hoje, cerca de um terço da população brasileira de 203 milhões de habitantes é evangélica, e essa mudança nos números deve levar a uma reflexão sobre o aumento do escrutínio público que eles estão recebendo, diz o teólogo pentecostal Gutierres Fernandes Siqueira. Por exemplo, embora a ideia do Arrebatamento provavelmente seja amplamente aceita pela maioria dos evangélicos brasileiros, 60% dos quais são pentecostais, a teologia do pré-milenismo está longe de ser a corrente principal.

“Um dos problemas com o crescimento é que muita gente se sente à vontade para discutir em público temas que antes ficavam restritos a grupos de estudo bíblico”, disse Fernandes.

Isso não significa que Deus não esteja presente nessas iniciativas. “Em minha jornada de fé, tenho visto Deus usar as situações mais inusitadas para tocar o coração de alguém”, disse Amado. “Mas, em circunstâncias normais, questões desse tipo devem ser abordadas depois que outros conceitos cristãos básicos já tiverem sido apresentados, e em um momento em que se possa interagir, fazer perguntas e obter respostas.”

“Creio que haveria formas e temas bíblicos mais adequados para o momento [do Carnaval] do que o Arrebatamento, que facilmente acaba sendo motivo de chacota, quando não há as condições adequadas para explicar o assunto de forma apropriada”, disse ele.

As igrejas deveriam estar mais bem preparadas e prontas para aproveitar essas oportunidades, acrescenta Fernandes. Ele recomenda que as igrejas treinem especialistas em questões polêmicas como o fim dos tempos ou a evolução. Quando os cristãos estiverem preparados, eles poderão não apenas aproveitar as oportunidades, mas também buscar espaços para compartilhar suas convicções.

“Veja, por exemplo, o debate sobre sexualidade”, disse Fernandes. “Evangélicos vão debatendo nas redes sociais, mas você não vê muitos de nós em congressos de saúde pública, onde poderíamos fazer diferença.”

Em vez de especialistas apresentando com mais frequência suas opiniões ponderadas ao público em geral, Fernandes acha que há muitos cristãos desinformados compartilhando suas opiniões polêmicas nas mídias sociais.

“O problema é que hoje nós só temos esses ativistas”, disse ele.

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Sofrimento e submissão no Getsêmani

Mesmo enquanto lutava, Jesus estava decidido sobre o que queria acima de tudo.

Christianity Today February 23, 2024
Zilber42 / Getty Images

Indo um pouco mais adiante, prostrou-se com o rosto em terra e orou: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”. (Mateus 26.39)

Quando cantamos o antigo hino “I Am Thine, O Lord” [Sou teu, Senhor], Fanny Crosby nos fornece palavras para expressar o que queremos dizer a Deus em nossos melhores dias:

Que minha alma olhe para o alto com esperança inabalável, E minha vontade se perca na Tua.

Certamente, essa é uma aspiração digna — que nossos desejos sejam tão conformes à vontade de Deus que se tornem indistinguíveis dos dele. No entanto, muitas vezes nossos desejos entram em conflito com os de Deus. Quando dizemos “Seja feita a tua vontade”, como parte da Oração do Senhor, na congregação dos santos, no domingo passado, estávamos falando sério… ou, pelo menos, pretendíamos falar sério. Mas, naquele momento, era uma noção meio vaga. Hoje nos sentimos um pouco ofendidos pelo que Deus parece estar exigindo de nós. A sua vontade — que exige abnegação — entrou em conflito com a nossa vontade, que está voltada para a autopreservação. Começamos a nos perguntar se realmente é possível que nossa vontade se perca na de Deus.

É nesse ponto da luta para nos submetermos que encontramos companheirismo, esperança e ajuda olhando para a cena que ocorre no Getsêmani, o jardim no Monte das Oliveiras cujo nome significa “prensa de azeite”. Ao olharmos para a escuridão daquela noite, podemos ver que Jesus está sendo esmagado como uma azeitona em uma prensa, a ponto de seu suor escorrer como gotas de sangue. Podemos ver que ele está triste e perturbado. Em seguida, ouvimos Jesus dizer aos discípulos que trouxe consigo: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal” (Mateus 26.38).

Esse é o mesmo Jesus que já ouvimos dar ordem para que a tempestade se acalmasse, expulsar demônios de um homem e fazer afirmações ousadas sobre ser o caminho, a verdade e a vida. Estamos acostumados a ouvi-lo falar com força e convicção. Mas, nessa noite, o que ouvimos são soluços de fragilidade.

Lembro-me de ter lido que Jesus estava “tomado de tristeza a ponto de morrer”, cerca de meio ano após a morte da minha filha de seis meses, Hope, que havia nascido com um raro distúrbio metabólico. Naquele dia, escrevi duas palavras ao lado desse versículo em minha Bíblia: Jesus entende. Jesus entende como é sentir uma tristeza tão pesada que parece que [a tristeza] está nos esmagando e tirando a vida da gente.

Também lemos: “Indo um pouco mais adiante, prostrou-se com o rosto em terra e orou: ‘Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice’” (Mateus 26.39).

Que cálice é esse? Jeremias 25 fala de um cálice nas mãos de Deus que está cheio do vinho da sua ira contra o pecado. Esse era o cálice que estava sendo entregue a Jesus, para que dele bebesse. Na eternidade passada, Cristo fez uma aliança com o Pai para beber desse cálice. Foi para isso que ele veio ao mundo. No entanto, aqui no jardim do Getsêmani, há uma luta bem humana entre obedecer ao Pai e evitar a cruz. De alguma forma, saber que Jesus lutou com o plano que o Pai tinha para sua vida e sua morte, mesmo enquanto procurava se submeter a ele, é algo que me ajuda, porque eu também já lutei com o plano do Pai para minha vida, mesmo enquanto procurava me submeter a ele. Talvez você também tenha lutado.

Temos a tendência de pensar que, se formos bons o suficiente, se formos piedosos o bastante, se conseguirmos que um número suficiente de pessoas ore pelo que quer que estejamos desesperados para ver Deus fazer, então, o Senhor estará inclinado a dizer “sim” para as nossas orações — e seremos capazes de torcer a vontade de Deus para o resultado que determinamos ser o melhor. Mas é evidente que bondade e piedade não obrigam Deus a dizer “sim” para as nossas orações. Se já existiu alguém que merecia que suas orações fossem respondidas com um “sim”, esse alguém foi Jesus. Mas a súplica do Filho obediente ao seu Pai amoroso é recebida com silêncio — aparentemente um “não” tácito de Deus. O Pai disse “não” a Jesus para que pudesse dizer “sim” a você e a mim, por toda a eternidade. Jesus bebeu do cálice da ira até a última gota, para que você e eu pudéssemos beber do cálice da salvação para sempre, no grande Jardim que está por vir.

Embora Jesus estivesse lutando, quando disse ao Pai o que queria, ele estava decidido sobre o que queria acima de tudo. Vemos isso no versículo 39: Jesus disse: “contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”. E, depois de pedir pela segunda vez, ele disse: “Meu Pai, se não for possível afastar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (versículo 42).

Jesus foi capaz de submeter algo que ele queria em prol de algo que ele queria ainda mais. Ele tinha um desejo maior, o qual superava e atropelava seu desejo de evitar o sofrimento do julgamento de Deus; e esse desejo maior era cumprir o propósito e o plano de Deus.

Essa é a esperança que encontramos, ao captar esse vislumbre do Getsêmani. Aqui descobrimos que é realmente possível superar nossos próprios desejos, e submetê-los em alegre rendição. Quando nos unimos a Jesus pela fé, sua perspectiva começa a moldar a nossa, seu poder começa a fluir em nós e por meio de nós. Descobrimos que, por meio de seu Espírito, ele está de fato mudando o que queremos. Começamos a desfrutar de força e descanso interior — de uma firme confiança no fato de que tudo o que Deus nos pede para suportar tem um propósito. Começamos a acreditar verdadeiramente que a alegria de nos rendermos à sua vontade valerá a pena, custe o que custar. Confiamos que, à medida que nossa vontade se perder na vontade de Deus, não saíremos perdendo.

Quando trazemos nossos desejos e os colocamos diante do Pai, descobrimos cada vez mais que podemos dizer, junto com Jesus, capacitados por seu Espírito: “que seja feita a tua vontade, não a minha”. E ele nos dá a graça de que precisamos para dizer isso, não com os dentes cerrados, mas com as mãos abertas.

Nancy Guthrie é autora, palestrante, professora da Bíblia e apresentadora do podcast Help Me Teach the Bible (Ajude-me a ensinar a Bíblia). Seu livro mais recente é Even Better Than Eden: Nine Ways the Bible's Story Changes Everything About Your Story [Melhor ainda do que o Éden: nove maneiras pelas quais a história da Bíblia muda tudo sobre sua história].

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Como a igreja pode ajudar na cura de mulheres negras

Ser uma “mulher negra forte” era minha medalha de honra, até que isso quase me matou.

Christianity Today February 23, 2024
Gary Parker / Getty / Edits by CT

Nota da edição da CT em português: este artigo foi escrito com base na realidade norte-americana, mas acreditamos que ele também tem algo a dizer para cristãos que vivem em países de língua portuguesa.

Há muitas questões preocupantes e urgentes que interessam aos cristãos negros nos Estados Unidos, como garantir que a vida dos negros seja importante em nossas igrejas, alcançar jovens negros com o evangelho, discipular a próxima geração de líderes de igreja negros, combater o nacionalismo cristão [majoritariamente] branco e identificar maneiras pelas quais a igreja pode lidar com o impacto das desigualdades raciais em nosso país.

Mas uma preocupação em minha própria vida, como mulher cristã negra, é examinar de que modo a igreja pode ajudar as mulheres negras a removerem essa capa prejudicial de “mulher negra forte”. Viver de acordo com essa narrativa pode gerar resultados destrutivos e fatais para a saúde física e mental dessas mulheres. Se somarmos a esses resultados negativos o estigma associado aos transtornos de saúde mental, como a ansiedade e a depressão, o que teremos são muitas mulheres negras escondendo seus verdadeiros problemas, por medo de serem estigmatizadas.

No entanto, a igreja está em uma posição privilegiada para ajudar as mulheres negras a buscarem apoio terapêutico e teológico, à medida que enfrentarmos nossos desafios de saúde mental e os tratarmos.

Os pesquisadores identificam consistentemente três características associadas ao estereótipo da mulher negra forte: contenção emocional, independência e autossacrifício. A força é uma medalha de honra que as mulheres negras usam há gerações.

Essa narrativa provavelmente surgiu das experiências pessoais e culturais das mulheres negras (por exemplo, durante os séculos de escravidão baseada na raça, em que mantivemos a estrutura familiar, enquanto suportávamos abusos e torturas) e das demandas sociais sobre essas mulheres (por exemplo, lutar contra a discriminação racial e de gênero no período Jim Crow [um conjunto de leis no sul dos Estados Unidos que promoviam a segregação] e ajudar na luta do movimento dos direitos civis). Nós aceitamos ser fortes por medo de parecermos fracas.

Por muitos e muitos anos, aceitei a ideologia da mulher negra forte. Ela era capaz de “trazer o bacon para casa e fritá-lo na frigideira” [ditado norte-americano que fala que a mulher pode dar conta de todas as áreas da vida. Ficou muito popular por aparecer em uma música que era cantada em um comercial de perfume.] Ela não precisava pedir ajuda a ninguém, porque podia dar conta de fazer tudo — era bem-sucedida como esposa, mãe, profissional, líder de ministério, voluntária e amiga. Contava com a “magia da garota negra” e inspirava todos os que estavam em sua esfera de influência. Eu queria ser essa mulher negra forte, então, eu me tornei essa mulher. E como muitas de minhas antepassadas, eu usava minha força como uma medalha de honra.

Infelizmente, essa narrativa de força não me permitia expressar minhas vulnerabilidades ou falhas. Em vez disso, eu ignorava minhas dificuldades legítimas com a saúde mental para passar uma imagem de força para os outros. Eu acreditava na mentira de que não podia expressar abertamente minhas lutas com a depressão e a ansiedade. Escondia meus problemas de saúde mental em um esforço para manter a fachada de uma mulher que tinha tudo sob controle.

Assim como eu, as mulheres negras que aderem à ideologia da mulher negra forte podem enfrentar intensos desafios de saúde mental. Por exemplo, uma pesquisa recente revelou que a depressão pode se manifestar de forma diferente nas mulheres negras. De acordo com o estudo, em vez de relatar sentimentos de tristeza e de desesperança, as mulheres negras relatam autocríticas, autoculpa e irritabilidade como características da depressão.

As descobertas desse estudo se alinham com minhas experiências pessoais. Eu não acreditava que pudesse me dar ao luxo, como mulher negra, de me sentir triste ou desesperançosa — especialmente em minha vida pública — porque essas realidades falam de fraqueza, não de força. Consequentemente, eu recorria a críticas e culpava a mim mesma pelos problemas da minha vida, o que apenas exacerbava minha depressão e ansiedade.

Alinhar minha vida a essa ideologia estava me matando — literalmente. Eu procurava personificar a mulher negra forte à custa de minha saúde mental e física. Viver segundo essa narrativa de ser uma mulher que podia reprimir suas emoções, enquanto realizava tarefas de forma independente, em benefício de outras pessoas, fosse em casa, no trabalho, na igreja ou na comunidade, era algo prejudicial e perigoso para mim.

Mais de um médico me esclareceu sobre a importância de cuidar da minha saúde mental, que estava tendo um impacto direto sobre a minha saúde física. Ao longo dos vários anos vivendo a vida de uma mulher negra forte, recebi diversos diagnósticos de doenças que poderiam vir a acabar com a minha vida, se eu não controlasse meus problemas de saúde mental.

Em 2015 e 2016, enfrentei um período de depressão severa. A autoculpa era constante. Eu simplesmente não conseguia me livrar dos sentimentos de exaustão e de derrota. Eu criticava a mim mesma porque tinha dificuldade de desempenhar meu papel normalmente. Colocava um sorriso falso no rosto quando estava em público, e continuava a servir em minha igreja e a participar ativamente do ministério, mantendo meus problemas de saúde mental só para mim. Eu sabia que havia um estigma sobre a questão dos transtornos mentais em muitas igrejas e, sinceramente, não sabia como minha família da igreja reagiria, se descobrisse que eu estava lutando contra a depressão e a ideação suicida.

Certo dia, em 2016, quando alguém na igreja me perguntou como eu estava, eu não quis mais ser forte. Respondi: “Estou lutando contra a depressão”. Não foi fácil admitir que estava lutando, mas eu estava cansada de fingir — estava cansada de tentar aparentar ser algo que não era. Eu não estava bem, e percebi que isso era normal.

Para minha surpresa, minha honestidade e minha vulnerabilidade naquele dia abriram a porta para minha cura. Eis o motivo: minha família da igreja não me envergonhou nem me evitou — em vez disso, eles me abraçaram e me apoiaram, quando mais precisei deles. Meu pastor e os presbíteros se uniram a mim e me incentivaram a buscar assistência espiritual e psicológica. Estremeço só de pensar no que poderia ter acontecido, se eu não tivesse recebido o amor e o apoio deles.

Ao permitir que eu tirasse a capa de mulher negra forte, minha comunidade me deu a chance de viver, de me curar e de ver meu valor, que ia muito além daquela busca irreal e doentia por força. E eles continuam a fazer isso, quando enfrento contratempos em minha jornada de saúde mental.

Acredito que as igrejas, com os devidos treinamento e recursos, podem ser uma fonte de comunidade e de apoio para as mulheres negras — e para todas as mulheres — que precisarem remover essa capa de força e substituí-la pela bênção da empatia e da compaixão.

De acordo com a National Alliance on Mental Illness (NAMI) [Aliança Nacional de Saúde Mental], a cada ano, 1 em cada 5 adultos sofre de algum transtorno mental e 1 em cada 20 adultos sofre de transtorno mental severo. Essas estatísticas revelam uma realidade surpreendente — é bem provável que nossas igrejas estejam repletas de pessoas que estão lutando contra transtornos mentais. Mesmo quando professamos Jesus Cristo como nosso Senhor e Salvador, ainda enfrentamos ansiedade, depressão e uma infinidade de outros desafios psicológicos, pois vivemos em um mundo caído.

Quero propor algumas maneiras através das quais as igrejas podem ajudar mulheres negras que estão lutando contra problemas de saúde mental resultantes da adesão a essa narrativa da mulher forte.

1. Ensinem e preguem sobre a realidade dos transtornos de saúde mental — que não há problema em não se estar bem

A Bíblia está repleta de exemplos de pessoas que enfrentam problemas de saúde mental:

  • Caim “se enfureceu e o seu rosto se transtornou”, quando Deus aceitou Abel e sua oferta, mas não aceitou Caim e sua oferta (Gênesis 4.3-5). Caim ficou abatido — tanto assim que acabou assassinando seu irmão (Gênesis 4.8).
  • Após anos de esterilidade, Ana, “com a alma amargurada, chorou muito e orou ao Senhor”, pedindo um filho (1Samuel 1.10).
  • No Salmo 143, o rei Davi expressou sua angústia: “Venha depressa, Senhor, e responda-me, pois minha depressão se aprofunda. Não se afaste de mim, ou morrerei” (v. 7, NLT).
  • Jesus disse que sua alma estava “profundamente triste, numa tristeza mortal”, enquanto orava no Jardim do Getsêmani, antes de sua crucificação (Mateus 26.38).

Esses exemplos oferecem um lembrete importante: nosso espírito às vezes fica perturbado e devastado pelas situações que enfrentamos, pois vivemos em um mundo cheio de pecado. A prevalência de ansiedade, depressão, ideação suicida e outros desafios na vida de personagens bíblicos espelha a realidade desses desafios em nossa sociedade e nas igrejas de hoje.

Ao encarar como normal as questões de saúde mental, as igrejas permitirão que as mulheres negras se sintam menos isoladas e mais à vontade para reconhecerem as próprias dificuldades que enfrentam.

2. Enfatizem a comunidade como algo essencial para a vida cristã

Em Gênesis 2.18 e em Romanos 12.4-5, aprendemos sobre a importância da comunidade. Deus nos criou para a comunidade — para vivermos a vida juntos, e não isolados.Se uma mulher souber que pode contar com a comunidade de sua igreja para ajudá-la, quando estiver enfrentando dificuldades, ela terá mais condições de lidar com seus problemas de saúde mental.

Ao permitir que eu expressasse de forma honesta as dificuldades que tinha com minha saúde mental, e ao me mostrar que não há problema em não se estar bem, minha igreja salvou minha vida. Não me senti tão sozinha. As igrejas podem se colocar à disposição daqueles que talvez não estejam conseguindo orar, buscar ou adorar a Deus por si mesmos. As igrejas têm a oportunidade de literalmente salvar vidas.

3. Ofereçam empatia e compaixão às mulheres negras que falarem de seus problemas com a saúde mental

A igreja desempenhou um papel importante em meu processo de cura, ao permitir que eu expressasse minhas vulnerabilidades e ao me oferecer empatia e compaixão. Acredito que a igreja pode atuar como uma parte importante do processo de cura para muitas de minhas irmãs, as quais também precisam se recusar a tomar parte nessa narrativa da mulher negra forte.

Uma das maneiras pelas quais os líderes da igreja podem demonstrar empatia e compaixão é falando abertamente sobre seus próprios problemas de saúde mental. Outra forma é abraçar prontamente, em vez de evitar, uma mulher que fale de suas dificuldades com a saúde mental. As igrejas podem proporcionar um ambiente seguro para as mulheres tirarem suas capas de super-heroínas, oferecendo-lhes incentivo e apoio.

4. Invistam tempo e recursos para apoiar mulheres que estejam enfrentando lutas na área de saúde mental

Por fim, as igrejas podem oferecer recursos psicológicos presenciais e on-line a seus membros. Não estou sugerindo que as igrejas devam assumir a responsabilidade de fornecer serviços de saúde mental; no entanto, elas podem se preparar para oferecer prontamente referências de profissionais e listas de recursos aos membros que estejam enfrentando questões de saúde mental.

As igrejas que tiverem capacidade ministerial e recursos financeiros podem oferecer treinamento sobre os fundamentos da saúde mental a seus líderes — tanto líderes ministeriais quanto os que atuam administrativamente. Além disso, os líderes que fazem aconselhamento espiritual com membros da igreja devem receber um treinamento mais abrangente, para reconhecer problemas de saúde mental. Esse investimento pode salvar vidas.

As igrejas estão em uma posição sem igual para dar às mulheres negras permissão para abandonarem a narrativa da mulher negra forte e trocá-la pela realidade de que não há problema em não se estar bem. Por meio da comunidade, da empatia e da compaixão, a igreja pode ajudar as mulheres a encontrarem a verdadeira cura e sua verdadeira identidade em Cristo.

T. K. Floyd Foutz é uma advogada que se tornou professora de Bíblia. Além de ser mentora e palestrante, ela ministra estudos bíblicos on-line e em sua igreja local, em San Antonio.

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Books

Mike Bickle é acusado de abusar de uma menina de 14 anos, antes da fundação da IHOP

O ministério de oração sediado em Kansas City pediu desculpas e clamou por arrependimento, depois que outra vítima se manifestou.

Mike Bickle, fundador da IHOPKC.

Mike Bickle, fundador da IHOPKC.

Christianity Today February 19, 2024
Shane Keyser / Kansas City Star / Tribune News Service via Getty Images

Diante do surgimento de novas acusações contra seu fundador, Mike Bickle, a International House of Prayer Kansas City (IHOPKC) cancelou a transmissão ao vivo da sala de oração — que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana —, e cujo formato é característico da IHOP.

Na noite de quinta-feira (08/02), a tela da transmissão dizia: “A IHOPKC está entrando em um período de oração e arrependimento”. No dia anterior, o Kansas City Star publicou a história de uma mulher que disse ter sido abusada por Bickle aos 14 anos de idade, nos anos 80, quando ela era babá da família dele e ele era pastor em St. Louis.

A IHOPKC divulgou uma declaração condenando as ações “predatórias e abusivas” de Bickle, apoiando suas vítimas e pedindo desculpas por sua resposta inicial de permitir que ele se defendesse, quando as acusações surgiram, no ano passado.

O ministério cortou relações com Bickle em dezembro, mas isso não impediu que outras revelações e preocupações surgissem em torno da IHOPKC e de sua liderança.

Em um relatório de sete páginas, divulgado na semana passada, a empresa de investigação contratada pela IHOPKC para analisar as acusações de abuso contra Bickle concluiu:

Com base em todas as evidências confiáveis, incluindo o próprio reconhecimento [de Bickle] de ter feito contato com as duas Jane Does há mais de vinte anos, é mais provável que [Bickle] tenha adotado um comportamento inadequado, incluindo contato sexual e má conduta clerical, e caracterizando abuso de poder de uma pessoa em uma posição de confiança e liderança.

Os dois casos que Bickle reconhece — um deles como “comportamento inadequado”, que inclui duas ocorrências envolvendo beijo e outro que ele descreve como “contato sexual consensual, em que ela me tocou, mas eu não a toquei” — ocorreram em 1999 e 2002-2003.

O relatório não é exaustivo; ao menos duas das supostas vítimas de Bickle não participaram dos termos da investigação e estão pedindo que se faça uma investigação “verdadeiramente independente por terceiros”.

O relatório também não incluiu o último relato da ex-babá, Tammy Woods, que acabou de quebrar seu silêncio de 43 anos, a fim de denunciar o abuso à sua família, ao seu pastor e à polícia.

Woods disse ao Kansas City Star que conheceu Bickle na igreja, e o relacionamento entre eles cresceu de uma mentoria amigável e de incentivo espiritual para uma expressão de sentimentos um pelo outro. A amiga de infância e a irmã mais nova de Wood também contaram que o pastor tinha um vínculo estranhamente próximo com ela, quando a jovem entrou no ensino médio.

Woods disse que quando tinha 14 anos e Bickle tinha 25, eles se beijaram em segredo e progrediram para carícias e toques sexuais. Ela disse ao jornal: “Ele moveu minha mão para tocá-lo sexualmente. E ele também me tocou”.

Woods, hoje com 57 anos, contou um detalhe que outras vítimas também compartilharam: Bickle lhe disse que acreditava que sua esposa morreria e que eles poderiam ficar juntos.

De acordo com Woods, Bickle “se angustiava com sua falha” e pedia desculpas, depois de passar dos limites com ela fisicamente, e ela prometeu guardar o segredo dele até o túmulo, quando ele se mudou de St. Louis para Kansas City, em 1983.

Eles mantiveram contato intermitente ao longo dos anos, encontrando-se algumas vezes em ambientes ministeriais, segundo ela. Woods, que mora em Michigan, trocou mensagens de texto com Bickle, depois que as acusações vieram a público, em outubro, e quando ele fez uma declaração, em dezembro. Ela relata que ele lhe disse: “Eu sei que você disse ao longo dos anos que me perdoou, mas eu só quero dizer isso novamente. Por favor, me perdoe. Eu não tinha noção de nada. Eu poderia ter ido para a cadeia”.

Bickle não respondeu publicamente ao relato de Woods.

O grupo que apresentou as acusações — formado por ex-líderes da IHOPKC que procuraram Bickle e seu ministério com as denúncias, no fim de 2023 — defendeu sua preocupação, depois que algumas mulheres que se autodenominam “jamais seremos uma Jane Doe” se manifestaram contra sua inclusão no grupo inicial de acusações, e disseram que não eram vítimas de Bickle.

Em um vídeo desse grupo, os integrantes Dean Briggs e John Chisholm explicaram que se demitiram da liderança da IHOPKC em setembro, por causa de outro incidente: o tratamento indevido que foi dado pelo ministério a um suposto envolvimento amoroso entre o filho de Mike Bickle e a esposa de um funcionário da IHOPKC. Eles citaram um testemunho de 50 páginas, dado pelo marido da mulher, que, segundo eles, foi apresentado aos principais líderes.

Outras pessoas deixaram o ministério em meio às contínuas revelações sobre Bickle, entre elas o antigo diretor-executivo da IHOPKC, Stuart Greaves, e o ex-presidente da Universidade IHOP, David Silker.

Eric Volz, responsável pelas comunicações sobre a crise e que estava gerenciando a resposta pública da IHOPKC, concluiu seu trabalho para o ministério na semana passada. Na quarta-feira, ele disse que nem ele “nem a IHOP” estavam cientes das acusações de Woods.

Boz Tchividjian, advogado e ativista contra casos de abusos, que está representando pelo menos uma das vítimas de Bickle, criticou a resposta do ministério.

“Os líderes da IHOPKC deveriam escrever um livro sobre as medidas que as comunidades cristãs tóxicas podem tomar para falhar miseravelmente em proteger aqueles com menos poder e, ao mesmo tempo, marginalizar e difamar outros que trazem luz à escuridão”, escreveu ele no Threads. “Tudo começa com uma liderança que abraça a arrogância e a ignorância”.

O escândalo frustrou ex-membros da IHOP que dizem ter vivenciado uma cultura doentia no ministério e que estão orando por mais transparência e responsabilização. Nas últimas semanas, líderes carismáticos que estiveram próximos ao movimento também se manifestaram sobre o escândalo.

Lou Engle, fundador do ministério de oração TheCall [O Chamado], passou cinco anos na IHOP e fundou a Justice House of Prayer [Casa de Oração Justiça], em Washington, D.C. Ele divulgou uma declaração na terça-feira, dizendo que acredita no grupo que apresentou as acusações e em “Jane Doe”, que está orando por uma confissão completa de Bickle e que deseja ver uma investigação independente por mútuo acordo.

Clamando por “extrema contrição”, Engle escreveu que Deus está de olho “na tolerância da frouxidão moral e da imoralidade sexual — e especialmente nos abusos cometidos pelo clero na igreja” e que os líderes precisam ouvir o clamor de “milhares de mulheres […] que foram feridas por líderes no corpo de Cristo”.

Há duas semanas, Jeremiah Johnson, que se autodenomina profeta, compartilhou um sonho em que ele dizia a Bickle que este estava sendo exposto e que o movimento se deslocaria de Kansas City para as nações. Ele pediu a seus seguidores que orassem pela situação na IHOPKC, pelo futuro do movimento de oração e por verdade e arrependimento.

O evangelista Matt Brown, que estava entre os muitos que sintonizavam a transmissão ao vivo da oração da IHOP, disse que estava enojado com as acusações contra Bickle e com sua confissão parcial.

“Não tenho a menor ideia de como explicar de que maneira alguém que se dedicou tanto a um movimento de oração pode manipular e abusar secretamente daqueles que estão sob seus cuidados ministeriais. Isso é absolutamente errado e maligno”, disse Brown, fundador do ministério Think Eternity [Pense na Eternidade].

Tenho a sensação de que haverá muitos “órfãos” no movimento de oração. Eu oro por cura e consolo para aqueles de quem ele abusou, pela exposição de tudo que tenha sido feito e por misericórdia para muitas pessoas de oração que também ficaram confusas e arrasadas.”

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