O alto preço da fama de Pilatos

Bilhões de pessoas conhecem o nome do governador romano. Mas ele não reconheceu o próprio filho de Deus que esteve diante dele.

“Eis o homem!”, por Antonio Ciseri.

“Eis o homem!”, por Antonio Ciseri.

Christianity Today March 27, 2024
Wikimedia Commons / Editada por CT

Faço parte da categoria aparentemente diminuta de homens que não se preocupam com o Império Romano. É provável que eu consiga descrever os principais acontecimentos dos reinados de três a cinco de seus imperadores, mas não muito mais do que isso. E suspeito que não estou sozinho, quando se trata de lembrar detalhes desse tipo. Com exceção de uns poucos desses líderes antigos, a maioria deles já desapareceu da imaginação do público. Eles lutaram, combateram, assassinaram e planejaram seu caminho para a supremacia, e depois caíram no esquecimento.

O mesmo acontece com os presidentes americanos, apesar de estarem mais próximos. Conheço os que foram excepcionalmente bons e ruins, mas não guardo registro de outros que já ocuparam o cargo mais alto do país. Essas são as vicissitudes da história. Em nossa vaidade, nós, seres humanos, queremos escrever nossos nomes nos anais da história — só que a geração seguinte chega bem abastecida de borrachas.

Mas Pôncio Pilatos, o governador da província romana da Judeia, no primeiro século, conseguiu se tornar memorável. Na Páscoa, meninos irrequietos entram nas igrejas vestidos com trajes militares romanos, que produziram em casa para fazer o papel de Pilatos. Ele é um personagem central nas encenações dramáticas de toda Semana Santa.

Ele também é mencionado no Credo Niceno, uma confissão central de nossa fé. O nome de Pôncio Pilatos tem sido repetido inúmeras vezes, domingo após domingo, ao longo dos últimos mil e quinhentos anos desde a ratificação desse credo, o que fez dele um dos nomes mais conhecidos do mundo. O credo se refere ao seu papel na morte de Jesus com brevidade característica: “e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos”. Essas palavras já foram ditas por bilhões de pessoas, mas quem foi esse governador de província e o que ele tem a nos ensinar sobre os perigos da fama?

Pilatos pertencia à alta classe da sociedade romana. Ele foi nomeado para o cargo de governador da Judeia, uma região instável, propensa a revoltas e rebeliões. Pilatos provavelmente via seu tempo na Judeia como um trampolim para algo mais grandioso, talvez a supervisão de alguma parte mais atrativa do império.

Nesse aspecto, Pilatos foi como muitos alpinistas de carreira que passaram por algum lugar visando chegar a outro. A ambição é algo comum à humanidade. Muitos de nós temos o objetivo de construir um currículo e, finalmente, chegar a qualquer posição que acreditamos ser necessária para fazermos um nome. Temos um desejo inato de fazermos algo especial, de sermos memoráveis.

É nesse contexto que Pilatos conhece Jesus. No evangelho de Mateus, quando Jesus é levado à presença de Pilatos, ele já havia sido preso e interrogado pelo Sinédrio (Mateus 26.57-68). É sexta-feira de manhã, e Pilatos inicialmente faz uma pergunta direta a Jesus: “Você é o rei dos judeus?” (Mateus 27.11). Para o povo judeu, essa era uma pergunta teológica relacionada ao cumprimento da profecia messiânica e à esperança do resgate de Deus. Para Pilatos, não se tratava de nada disso. Para ele, a questão era se Jesus reivindicava para si uma realeza que pudesse ameaçar a Pax Romana.

Os cristãos se lembram da morte iminente de Jesus nas mãos de Pilatos como parte da história do evangelho; para Pilatos, no entanto, a questão era em grande parte política e pessoal: Para as aspirações de Pilatos em relação à sua carreira no império, seria melhor se Jesus morresse? Apesar de sua aparente percepção de que Jesus era inocente quanto às acusações políticas feitas contra ele (Lucas 23.13-16), Pilatos acaba dizendo sim e sentenciando Jesus à morte.

Nesse sentido, Pilatos representa todos as concessões morais que fazemos para alcançar o que a sociedade nos diz que devemos desejar. Nos EUA, ao longo de toda a nossa história republicana, há um consenso de que os líderes dos dois principais partidos têm feito esse tipo de concessão com tanta frequência, que o único princípio que orienta a nossa política é o de adquirir mais poder.

Essa suspeita se espalhou para além do governo, abrangendo a mídia, os bancos e até mesmo as instituições religiosas — a ponto de nos perguntarmos se vale a pena lutar contra essa corrupção generalizada. Podemos pensar:a própria igreja é corrupta. O amor não dura. Nossos empregadores só querem tirar vantagem de nós. Os políticos não têm nossos interesses em mente. Por que não nos desesperarmos?

Se tantos de nossos líderes e de nossas instituições só se preocupam consigo mesmos, por que não criarmos nossos próprios feudos por qualquer meio necessário? Vemos isso ao nosso redor: As reuniões do conselho escolar, as reuniões da igreja e as interações pessoais e on-line podem ser tão tóxicas quanto o nosso discurso nacional. Precisamos nos tornar cruéis para sobrevivermos nesses tempos sombrios em que vivemos? Será que Pilatos fez a coisa certa?

Há um perigo em adotarmos a postura moral do império, a fim de sermos bem-sucedidos. É possível conseguirmos o emprego dos nossos sonhos, mas lamentarmos o tipo de pessoa que nos tornamos para chegar lá. Há uma razão para Jesus ter perguntado: o que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma (Marcos 8.36)?

No momento em que ele profere a sentença final, os evangelhos não descrevem Pilatos como alguém que sinta dores na consciência por ter condenado Jesus à morte. Talvez coisas como essa tenham deixado de incomodá-lo, pois o perigo de fazer concessões morais é que, quanto mais as fazemos, mais fácil se tornam.

Pilatos é lembrado como o exemplo paradigmático de concessão moral e da corrupção que ela causa no coração humano. Parece que, quando chegou à presença de alguém verdadeiramente bom e belo — o próprio filho de Deus —, ele não conseguiu reconhecer isso. Ele só viu Jesus como um obstáculo a ser superado no caminho da sua ambição.

Esse é um alerta para todos nós. Quando temos o verdadeiro bem diante de nós, mesmo ferido e ensanguentado, será que ainda conseguimos reconhecê-lo pelo que ele é?

Preocupa-me o fato de que, como igreja, tenhamos deixado de ver Jesus e seu caminho como boas novas. Não me refiro a querer receber os benefícios redentores de sua morte e ressurreição, mas se sua vida e seu modo de ser ainda cativam ou não a nossa imaginação. O chamado de Jesus para cuidarmos dos menores desses irmãos (Mateus 25.40) e buscarmos a santidade pessoal (Mateus 5–7) ainda cativa nosso coração? A cruz como poder na fraqueza (1Coríntios 1.18) ainda informa a maneira como nos envolvemos com o mundo? Ou o que nós queremos é poder para dominar a vontade de homens e mulheres?

Pilatos estava errado — ele queria as coisas erradas e, se formos honestos, nós também queremos. A questão central da existência humana não é: Como posso ser importante para ser lembrado? A questão é: Será que consigo reconhecer e seguir o Caminho da verdade e do bem quando o encontro?

Depois de ser crucificado, Jesus ressuscitou. Essa é a mensagem da Páscoa. A rejeição da beleza por parte de Pilatos foi rejeitada, e seu erro se tornou uma nota de rodapé na história da redenção.

No entanto, a ressurreição é mais do que provar que Pilatos estava errado. A ressurreição confirma as coisas que Jesus disse sobre si mesmo — que ele é o Filho de Deus. Ela justifica e consolida toda a vida de Jesus como um milagre, e propõe uma maneira diferente de ser humano, uma maneira que não é definida pela busca de poder e de importância em detrimento do caráter.

Amar a Deus e ao próximo, preocupar-se com os oprimidos e sacrificar-se pelos outros não são tolices. Ser santo ainda é o correto. Talvez seja por isso que o credo tenha a audácia de citar o nome de Pilatos: para nos lembrar de que há coisas mais importantes do que sermos lembrados pelo nosso poder.

Esau McCaulley é professor associado de Novo Testamento no Wheaton College e autor de How Far to the Promised Land: One Black Family's Story of Hope and Survival in the American South e do livro infantil Andy Johnson and the March for Justice, que será lançado em breve. Atualmente, ele está em período sabático em Yarnton Manor e Wycliffe Hall, em Oxford.

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A fantasia fatal

Como a traição de Judas revela o cerne da esperança equivocada.

Christianity Today March 27, 2024
Óleo sobre tela: Death is vast as a planet at night, Catherine Prescott, 20 x 25”, 2009.

Então, um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, dirigiu‑se aos chefes dos sacerdotes e lhes perguntou: “O que me dareis se eu o entregar a vós?” Acordaram com ele trinta moedas de prata. – Mateus 26.14

“Podemos notar… que [Jesus] nunca foi considerado um mero mestre da moral. Ele não gerou esse efeito em nenhuma das pessoas que realmente o conheceram. Ele gerou principalmente três efeitos — ódio — terror — adoração. Não havia sequer vestígio de pessoas que expressaram uma aprovação moderada.” C. S . Lewis, Deus no Banco dos Réus

Não podemos escolher a versão de Jesus que adoraremos. Nós o amamos como ele é. Qualquer outra coisa é idolatria. Qualquer outra coisa é fantasia. Qualquer outra coisa está aquém daquilo que Jesus morreu para que tivéssemos.

Havia um homem que seguia Jesus e era considerado um de seus discípulos. Ele foi autorizado a fazer obras para as quais somente Jesus poderia capacitar alguém, e recebeu a tarefa de guardar os recursos de sua missão. Contudo, em algum momento da sua jornada de três anos com o Messias, ele sucumbiu ao mal do desencanto. A sua vida, que terminou em Aceldama ou “campo de sangue” (Atos 1.19), revela tanto as limitações da nossa perspectiva humana como o convite de Jesus à confiança total.

Mas vamos dar um passo atrás na famosa fatalidade de sua história e observar o clima que parecia envolver Judas. Como pôde ele viver próximo à Fonte de toda esperança, de toda beleza, de toda alegria, e terminar em meio a tanta angústia e desespero? Será que o veneno da comparação pode ter amargurado seu coração? Será que sua imaginação foi seduzida pela fantasia de um monarca heroico que derrubaria um império opressor? Será que ele viu uma contradição desorientadora na resposta graciosa de Jesus ao fato de Maria de Betânia ter derramando o óleo precioso para ungir os pés do Mestre?

A fantasia prende a pessoa a uma visão falsa. Ela ocupa o espaço que a fé e a esperança deveriam preencher. Quando as coisas não acontecem como o esperado, espirais de desilusão e de decepção se desenrolam. Alguém é o culpado. Embora seja tentador culpar Deus por não realizar o bem que imaginamos, se tivermos um vislumbre da realidade no espelho, descobrimos que fomos nós que cedemos ao chamado sedutor da ilusão.

Ao se deparar com a realidade de Jesus, a lealdade de Judas a seus objetivos pessoais acabou por cegá-lo, e ele deixou escapar a história que poderia ter vivido. Jesus fica longe de nossos rótulos e de nossas caixas. Ele constantemente rompe nossas expectativas. Seu reinado é cosntruído sobre a verdade e a graça, e não sobre o atendimento de nossas expectativas. Ele tem uma intenção, um objetivo, uma seriedade em cada passo e em cada decisão sua.

Tristeza, dor, confusão, expectativas não atendidas e orações não respondidas tendem a revelar as profundezas do nosso coração — será que amamos Jesus por quem ele realmente é ou pela fantasia que criamos?

Jesus foi o Rei que derrubou um império opressor, mas, contrariando as expectativas de Judas, esse império não era Roma, e sim o pecado, o ódio e, em última análise, a morte. Jesus não decepciona. Ele é o Rei que parte em mil pedaços nossos sonhos mais emocionantes e revela uma história rica em possibilidades, fé e alegria.

Na história de Judas, lamentamos a falsa promessa da carne e o nosso desejo por ganhos mundanos. Também tiramos os olhos da fantasia que construímos para nós mesmos, e os voltamos para Aquele cuja vida provoca em nós o desejo por coisas mais profundas, mais belas, mais autênticas e mais duradouras do que a nossa mente pode conceber.

Quando nossas fantasias são despedaçadas e nos sentimos expostos, podemos nos afastar, desapontados, ou nos voltar vulneravelmente para Jesus e deixar que sua natureza eterna devore o nosso faz de conta e seja nossa esperança viva, que respira, ressuscitada.

Para refletir:



Identifique verdades sobre Jesus com as quais você achou desafiador concordar ou as quais achou difícil aceitar. Com quais aspectos da natureza dele você lutou?

Visualize o impacto que teria em sua vida se você amasse Jesus de todo o coração pelo que ele é. Como abraçá-lo e amá-lo de forma autêntica moldaria suas experiências cotidianas e sua perspectiva em geral?

Eniola é missionária, compositora e poeta, mora na Califórnia, e colabora com grupos como o Upper Bono, Bethel e Maverick City.

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Adoração e desperdício

A graça em doar, quando a generosidade parece absurda.

Christianity Today March 26, 2024
Tinta acrílica sobre tela: Offertory, Susan Savage, 32 x 26”

Ela fez o que pôde. Derramou o perfume no meu corpo antecipadamente, preparando‑o para o sepultamento. Em verdade lhes digo que, onde quer que o evangelho for anunciado em todo o mundo, também o que ela fez será contado em sua memória. – Marcos 14.8-9

Se há uma coisa que adoro é um presente inesperado — seja dar ou ganhar. Recentemente,eu me peguei mandando alguns convidados embora da minha casa com coisas que adoro: bules, roupas e até joias pessoais. Experimentei a alegria e a liberdade que sentimos no ato de doar coisas — coisas que têm valor real. Mas doações extravagantes e inesperadas como essa raramente nascem de uma atitude de generosidade natural. Há uma graça sobrenatural em ação, como a que vemos na história da mulher com seu jarro de alabastro (Marcos 14.3-9).

Sei que é graça porque passei a maior parte da minha vida sofrendo de uma mentalidade de escassez: a ideia de que não há o suficiente para todos e que seria melhor resguardar o pouco que tenho. Quando li o relato da mulher que ungiu Jesus nos dias anteriores à crucificação, meu espírito encheu-se de um sonoro: sim!. E enxuguei lágrimas de admiração por este grandioso ato de adoração. Mas confesso — e até estremeço ao fazê-lo — que minha carne ainda responde da mesma forma que responderam os que estavam presentes naquele recinto; assim, comecei a esmiuçar minuciosamente a extravagância daquela mulher.

Contrariando os protestos que alegaram desperdício e impropriedade [daquele ato], Cristo defende a mulher, explicando a seus discípulos que ela o preparava para o sepultamento (v. 8). O ato de devoção e de sacrifício daquela mulher apontará para sempre para a Boa Nova, e ela será lembrada sempre que isso for proclamado em todo o mundo (v. 9). A mulher que ungiu Jesus esvaziou até a última gota o que poderia ter sido o seu bem mais precioso, derramando o seu tesouro em favor do Deus encarnado. Ela ungiu o Verbo antes de seu sepultamento, evocando uma lembrança tangível de Jesus como o Ungido, o tão esperado Messias (Isaías 61.1-3).

Imagino que Jesus ainda estivesse levemente perfumado por aquele óleo, quando foi levado diante de Pilatos. Imagino que ele ainda carregasse o doce aroma amadeirado do nardo nos cabelos, na barba — uma unção residual. Enquanto ele carregava a cruz, eu me pergunto se, além do cheiro de suor e sangue, os que assistiam à cena sentiam também essa fragrância. Talvez eles tenham sentido um cheiro adocicado no ar, quando Cristo subia o Gólgota. Eu me pergunto se os dois homens pregados em suas próprias cruzes, um de cada lado de Jesus, sentiram esse perfume.

O sinal da unção era em grande parte restrito aos reis no antigo judaísmo. O ato ousado desta mulher não apenas reconhecia Cristo como Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, mas também prenunciava o que Cristo faria, dois dias depois, ao se derramar de forma pródiga, amorosa e aparentemente tola na cruz. Ao se entregar como oferta, Jesus realiza algo que jamais poderíamos ter feito por nós mesmos. O que às vezes pode parecer tolice para nós é fidelidade; o que parece um desperdício é um ato pleno de adoração.

Minha generosidade é mais uma disciplina espiritual do que uma virtude; não posso me orgulhar por doar, pois isso vai contra a vontade da minha carne. Deus, em sua bondade, convida-me a doar com generosidade e capacita-me por meio de seu Espírito a fazê-lo. Percebi que, ao me ensinar a doar coisas, ele está curando uma parte de mim que ainda acredita que não haverá o suficiente. Portanto, orgulho-me nesta fraqueza e regozijo-me,

embora às vezes ainda ouça as vozes que se dirigiram à mulher de Betânia:

“Como você ousa fazer isso?”

“Isso é irresponsável. Você é irresponsável.

“Você está doando algo que nem pode comprar. E para quê?"

Então chega Jesus, meu defensor: “Ela fez uma coisa linda […] Ela fez o que pôde.” E todas as vozes se calam.

Para refletir:



Qual é a sua reação honesta à escandalosa generosidade da mulher que ungiu Jesus? Com quem você provavelmente se pareceria naquele recinto?

Como essa pródiga generosidade desafia os nossos instintos de autopreservação financeira ou social?

Hannah é cofundadora da Everyday Heiroom Co., marca de acessórios femininos que se dedica a adornar as mulheres como amadas de Deus, usando métodos atemporais de artesanato e contação de estórias.

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Books

Meu filho é uma pessoa com deficiência. Ele também é a imagem de Deus

Como pastor, tenho me debatido com as implicações teológicas da deficiência do meu filho.

Christianity Today March 22, 2024
Courtesy of Greg Harris / Jalen Laine Photography / Edits by CT

Quando Benji, meu filho de nove anos de idade, era bebê, vivíamos em hospitais, durante os seus primeiros meses de vida. Ele sofria de convulsões motoras focais e passou por vários exames, para descobrir a medicação e a dosagem corretas para mantê-las sob controle.

Então, em uma tarde cinzenta e chuvosa de novembro — em meio a inúmeras noites sem dormir, a consultas médicas e ao aprendizado como pais de primeira viagem — recebemos uma ligação para marcar uma consulta com um geneticista, a fim de tratar do diagnóstico recém-descoberto do nosso filho: síndrome de deleção 1p36 (também conhecida por monossomia 1p36). Disseram-nos para não pesquisar nada no Google, mas é claro que pesquisamos tudo.

Antes da consulta, minha esposa e eu preparamos várias perguntas importantes, entre elas: Isso é hereditário? É degenerativo? O que mais precisamos saber sobre essa síndrome?

No dia da consulta, chegamos cedo e esperamos ansiosamente pelas respostas que satisfariam nossas mentes curiosas e preocupadas. O especialista estava atrasado e chegou tarde, mesmo para os padrões médicos. Ele entrou no pequeno consultório ainda falando ao celular. Alguns momentos se passaram, enquanto ele terminava sua conversa. Em seguida, num só fôlego, ele desligou o celular com um adeus, e disse olá para nós. Ele atirou o celular e uma pasta sobre a mesa, antes de se recostar na cadeira.

Depois que fizemos nossas perguntas, ele abriu a pasta para dar uma olhada nos papéis, antes de fechá-la rapidamente. Um zumbido fraco fez com que ele pegasse novamente o celular e respondesse com uma mensagem de texto. Em seguida, colocou o celular sobre a mesa pela segunda vez, em menos de um minuto. Ele endireitou o corpo e se inclinou ligeiramente para a frente. Depois de olhar para nós, para nosso filho bebê, e depois de volta para nós, ele disse:

Esta é a vida de vocês agora. Vocês só precisam amá-lo como ele é. As informações que estão nesta pasta fornecem todas as respostas que eu poderia lhes dar.

Ele deslizou a pasta para o nosso lado da mesa e se levantou da cadeira. E, depois de dar uma última olhada em nós e em Benji — quase tão rápido quanto havia entrado — ele deixou a sala e a nós com todas as nossas perguntas sem resposta. Dentro da pasta encontramos o mesmo artigo acadêmico que havíamos encontrado semanas antes, por meio de nossa pesquisa on-line proibida. Parece que nos disseram para não pesquisar o diagnóstico no Google antes, pois isso roubaria a atenção do especialista. Mas a verdade contida na máxima “essa reunião poderia ter sido um e-mail” resume bem essa breve e fria troca de mensagens.

Minha esposa e eu ainda nos lembramos de como aquela primeira consulta foi inútil e até prejudicial. E, no entanto, assim como até mesmo um relógio quebrado marca a hora certa duas vezes por dia — às vezes, palavras cheias de proveitosa e duradoura sabedoria podem vir da boca de alguém tão desinteressado quanto aquele especialista: Vocês só precisam amá-lo como ele é.

Alguns meses mais tarde, em uma noite quente em San Diego, eu estava sentado com meu filho adormecido nos braços, em um quarto de hotel, em uma conferência para famílias de “1pês” (apelido carinhoso que damos ao diagnóstico de nome complicado). Minha esposa havia saído para passar a noite com as outras mães, enquanto eu estava sentado sob uma luz fraca, lendo o livro The Life We Never Expected (A vida que nunca esperamos), de Andrew e Rachel Wilson.

Um insight sobre o modo de nos dirigirmos a Deus, em nossas orações, como “nosso Pai” foi particularmente comovente para mim, como um filho do Pai que estava aprendendo a ser um pai para o meu filho. O livro dizia: “Tudo o mais que eu digo no restante da minha oração é baseado na verdade de que Deus é bom, que ele quer me fazer o bem e me fará — portanto, se Deus não me der imediatamente o que estou pedindo, é porque, de alguma forma, há algo melhor”. E eu chorei, não por Benji ser quem é — na verdade, ele é um encanto —, mas porque eu estava sofrendo por uma vida que eu nunca esperei ter como pai dele.

No entanto, com o tempo, passei a lamentar menos por aquela minha vida inesperada e a me deleitar mais com meu filho. É evidente que observar ocasionalmente outras crianças da idade dele saltando e superando-o nas fases de desenvolvimento provocavam dores momentâneas de decepção e preocupação. Mas, na maior parte do tempo, eu estava apenas tentando conhecer e entender meu filho.

Os melhores professores são aqueles que nos incentivam a fazer perguntas melhores do que aquelas que achávamos serem “essenciais”. E, quanto mais tempo eu passava com aquele doce menino de cabelos loiros e olhos azuis, mais ele me ensinava sobre mim mesmo, sobre a vida e sobre Deus.

Uma das primeiras perguntas que meu filho me levou a fazer foi sobre a imago Dei e o que significa o fato de os seres humanos serem feitos à imagem de Deus. Será que meu filho tinha menos da imagem de Deus do que o restante de nós, por causa de questões como a sua deleção genética, suas anormalidades cromossômicas, seus atrasos no desenvolvimento e outras diferenças? Esse não é o tipo de pergunta que dizemos em voz alta, na frente de pessoas educadas, mas era uma pergunta que eu me fazia, e suspeito que outras pessoas também fazem a si mesmas.

Nesse aspecto, fui ajudado pelos insights da estudiosa bíblica Carmen Imes, em seu brilhante livro, Being God's Image[Sendo a imagem de Deus]. De acordo com a Bíblia, argumenta ela, os seres humanos não são apenas feitos à imagem de Deus — eles são a imagem de Deus.

Em seu livro, Imes ressalta que a palavra em hebraico que é traduzida como “imagem” também é usada para descrever ídolos: A “imago Dei é concreta. Assim como uma estátua que representa um rei ou uma divindade, os seres humanos representam Yahweh para a criação. Ser a imagem de Deus é a nossa identidade humana”, escreve Imes, o que significa que “a imagem de Deus não é algo que carregamos; é algo que somos” (ênfase minha).

Dos nossos primeiros estágios de desenvolvimento até nosso último suspiro, nós, seres humanos, somos uma representação física da presença de Deus na Terra, em virtude tão somente de nossa existência concreta. “Embora nossa condição como imagem de Deus possa levar a determinadas ações, a ‘imagem’ não é algo que fazemos, mas o que somos”, diz Imes, e não é “uma capacidade que possa ser perdida” — seja ela intelectual ou não. Não há nada que precisamos fazer ou nos tornar para estarmos qualificados para representar Deus.

Portanto, afirmo com confiança que meu filho é a imago Dei, assim como afirmaria sobre qualquer outra pessoa. Outra pergunta que meu filho me levou a fazer foi: Quão intencional e proposital é a deleção genética do meu filho, na vontade soberana de Deus?

Quando pensamos sobre a experiência humana, as pessoas que seguem a Bíblia são rápidas em citar Salmos 139, que nos diz que somos tecidos no ventre de nossa mãe e que fomos feitos de modo especial e admirável. Mas eu me perguntava: “Quão confortável eu me sinto, inserindo o nome do meu filho nos trechos em que o salmista fala sobre si mesmo? De que modo especial e admirável meu filho foi gerado no ventre de minha esposa? Eu diria essas coisas em relação a meu filho, sem fazer exceções ou restrições?

Uma das minhas maiores dificuldades em ver o Benji como alguém que fora gerado de modo especial e admirável [por Deus] era o fato de que lhe faltava material genético. Eu me debatia quanto ao fato de as implicações e os problemas significativos que ele tinha, decorrentes dessa microdeleção, serem resultantes de um design intencional de Deus.

Mas em um episódio da Terça-feira com a Torá, em que Carmen Imes falou sobre Êxodo 4.10-12, fui lembrado de que Deus não se esquiva das deficiências enfrentadas por seu povo. De fato, por mais surpreendente que pareça, Deus leva o crédito por deficiências como surdez, mudez e cegueira. Nesse texto, Moisés levanta uma objeção ao seu comissionamento, descrevendo sua falta eloquência e, além disso, enraizando-a no fato de ser “pesado de boca e pesado de língua” (v. 10, ARA).

Em seu artigo “Mosaic Disability and Identity in Exodus 4.10; 6.12, 30” [A deficiência e identidade de Moisés em Êxodo] , Jeremy Schipper e Nyasha Junior demonstram que a expressão em hebraico traduzida como “pesado de boca e pesado de língua” é um termo usado para designar uma deficiência física que pode ser encontrado em textos médicos antigos. Em resposta à reclamação de Moisés sobre sua dificuldade de fala, eles dizem: “Deus responde a Moisés assegurando-lhe que Deus controla todas as condições físicas”.

A resposta de Deus à objeção de Moisés esclarece a intencionalidade de Deus no mosaico diversificado da (des)eficiência humana. A intencionalidade da deficiência pode ser desconcertante para muitos, a ponto de olharmos para pessoas com deficiência, depois de lermos Salmos 139 ou Êxodo 4.10-12, e nos perguntarmos — assim como Adão e Eva perguntaram no Jardim —: será que Deus realmente disse…?

No entanto, se todas as pessoas são a imago Dei (Gênesis 1.26-27), se cada pessoa é tecida de modo especial e admirável, e projetada com propósito por Deus (Salmo 139.13-15), e se Deus leva o crédito pelas experiências vividas de nossas deficiências (Êxodo 4.10-11), então, pisamos em terreno bíblico estável quando afirmamos que — embora meu filho seja um pecador nato, como todos os outros deste lado do Éden — ele também é quem é pelo projeto de Deus.

Nós o amaremos como ele é? Por mais frustrante que tenha sido ouvir isso da boca de um especialista despreparado e excessivamente desatencioso, essas palavras são instrutivas para a igreja de hoje. A sociedade norte-americana geralmente não é acolhedora em sua abordagem à comunidade de pessoas com deficiência — e, infelizmente, a igreja costuma ser ainda pior.

Em seu livro profundo e contundente, My Body Is Not a Prayer Request [Meu corpo não é um motivo de oração], Amy Kenny discute o capacitismo que enfrenta na igreja como uma mulher com deficiência. Ela lamenta que as igrejas locais estejam entre os espaços mais difíceis de serem frequentados por pessoas com deficiência. Em um trecho, ela diz: “Fico magoada por ter de justificar minha própria existência na igreja. O pertencimento não deveria ter a assimilação como preço de admissão”. Kenny tem razão, e sou grato por seu ativismo.

Como pastor em uma igreja local e como pai de três imagens singulares de Deus, passei a acreditar que os discípulos de Jesus experimentam dois tipos de transformação em suas vidas, quando cumprem os dois maiores mandamentos: amar a Deus e amar a cada pessoa como a nós mesmos.

O mundo nos diz para amarmos nossa tribo e nos colocarmos em primeiro lugar, mas o evangelho nos convida a amar a Deus e a tratar até mesmo o estranho mais distante como nosso próximo. Por causa da bondade de Jesus, e para que o mundo saiba que pertencemos a ele, somos chamados a viver e a exibir uma vida duplamente transformada, que segue o padrão dos dois mandamentos mais importantes que Cristo nos deu: amar a Deus de todo o coração e amar o próximo como a nós mesmos.

No culto do próximo domingo de manhã, olhe ao redor do seu templo e avalie se o prédio da sua igreja propicia o tipo de espaço e de comunidade onde as pessoas com deficiência possam encontrar um pertencimento robusto e rico. Mas, antes disso, precisamos nos perguntar se realmente acreditamos que todas as pessoas, mesmo aquelas com deficiência, são feitas à imagem de Deus e de acordo com a vontade de Deus.

As Escrituras nos dizem que o caminho de Deus “é perfeito” (Salmos 18.30) e que ele é “justo em todos os seus caminhos e é bondoso em tudo o que faz” (Salmos 145.17). Se realmente acreditarmos que cada ser humano ao nosso redor foi feito de modo especial e admirável, será que, então, vamos amá-los e servi-los exatamente como eles são?

Greg Harris é pastor em Vancouver. Ele é apaixonado pelo “discipulado profundo” na igreja local e pela formação espiritual voltada para pessoas frequentemente negligenciadas espiritualmente.

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O Antigo Testamento prevê a crucificação. Mas e quanto à ressurreição?

Mesmo antes da vinda de Cristo, o “terceiro dia” é um refrão que percorre as Escrituras.

Christianity Today March 21, 2024
Illustration by Christianity Today / Source Images: WikiArt / Getty

Se lhe pedissem para resumir o evangelho em uma frase, qual passagem você escolheria? Meu palpite é que qualquer lista de possíveis passagens teria de incluir 1Coríntios 15.3-5.

O evangelho, segundo as palavras de Paulo nesses versículos icônicos, é “que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas e, mais tarde, aos Doze”. Fundamentalmente, o evangelho é a vida, a morte, o sepultamento e a ressurreição de Jesus Cristo, em cumprimento às Escrituras. É mais do que isso, é claro, mas não menos.

No entanto, é notório que há um problema. É relativamente fácil identificar passagens do Antigo Testamento que apontam para o sofrimento e a morte de Cristo pelos nossos pecados. Os quatro Evangelhos invocam muitas delas, como Salmos 22, Isaías 53 e Zacarias 12.10-14. Mas o que Paulo tem em mente, quando diz que Jesus “ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”? Há algum versículo escondido em algum canto da Bíblia Hebraica que preveja isso?

Até mesmo minha Bíblia de estudo fica perplexa. Ela normalmente é repleta de referências cruzadas; sobre esse assunto, porém, a única passagem do Antigo Testamento que ela sugere é Oseias 6.2 (“no terceiro dia ele nos restaurará”, cf. NIV), cujo texto parece estar falando de Israel como um todo. Há textos-prova claros sobre a crucificação, como Isaías 53, mas nenhum equivalente para a ressurreição, muito menos que trate da ressurreição no terceiro dia.

No entanto, isso não se deve ao fato de a ideia de ressuscitar para uma nova vida no terceiro dia não se encontrar em nenhum lugar das Escrituras. Na verdade, essa ideia está por toda parte nas Escrituras. Ver como e por que isso acontece pode nos ensinar a ler a Bíblia com mais atenção — o que, na maioria das vezes, significa ouvir os refrões e os ecos em sinfonia, em vez de pesquisar frases isoladas no Google em busca de uma correspondência exata.

O primeiro exemplo que as Escrituras trazem de vida que se levanta da terra no terceiro dia aparece no capítulo inicial de Gênesis. No terceiro dia, a terra produz plantas e árvores frutíferas, e elas dão sementes “de acordo com as suas espécies” (Gênesis 1.12), com uma capacidade de continuar produzindo vida pelas gerações seguintes.

Desse ponto em diante, a ressurreição da “semente” vivificante de Deus no terceiro dia se torna um padrão. Isaque, o filho destinado a morrer no monte Moriá, é ressuscitado no terceiro dia (Gênesis 22.1-14). O mesmo aconteceu com o rei Ezequias (2Reis 20.5). E também com Jonas (Jonas 1.17). Os irmãos de José são libertados da ameaça de morte no terceiro dia (Gênesis 42.18), assim como o copeiro do Faraó (40.20-21). Israel, que está morrendo de sede no deserto, encontra água que lhe dá vida no terceiro dia (Êxodo 15.22-25). E, ao chegar ao Sinai, o povo é instruído a “estar prontos ao terceiro dia, porque nesse dia o Senhor descerá” (Êxodo 19.11). A rainha Ester, quando o povo judeu estava sentenciado à morte, entra na presença do rei no terceiro dia, obtém o favor dele e traz sua nação da morte para a vida (Ester 5.1).

Portanto, quando Oseias fala sobre Israel ser restaurado no terceiro dia, ele não está tirando da cartola um número aleatório. Ele está ecoando um tema bem estabelecido, que se origina no primeiro capítulo da Bíblia. Como diz Oseias:

Venham, voltemos para o Senhor.
Ele nos despedaçou, mas nos trará cura;
ele nos feriu, mas enfaixará as nossas feridas.
Depois de dois dias, ele nos dará vida novamente;
ao terceiro dia, ele nos restaurará,
para que vivamos em sua presença.

Oseias 6.1-2

Foi exatamente isso que aconteceu no domingo de Páscoa. Cristo não ressuscitou simplesmente; ele ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Ele é a árvore que dá frutos e que tem a capacidade de trazer nova vida de acordo com a sua espécie. Ele é o Filho único, destinado à morte, que depois retornou ao Pai bem e verdadeiramente vivo, tendo provado quão profundo é o amor do Pai. Ele é o novo Jonas, vomitado das profundezas depois de três dias, para pregar o perdão aos gentios. Ele é a nova Ester, que reverteu a sorte de seu povo, ao interceder na sala do trono celestial, obtendo o favor do Rei, vencendo seus inimigos e, por fim, dando-lhes descanso.

No terceiro dia, como prometeu Oseias, Deus nos restaurará para que possamos viver em sua presença. Ele já fez essa obra. Portanto, podemos viver em sua presença.

Andrew Wilson é pastor responsável pelo ensino na King’s Church de Londres e autor de Remaking the World.

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Os papéis de gênero para além da visão ocidental

Scott W. Sunquist chama a igreja do Ocidente a observar a diversidade das eclesiologias ao redor do mundo.

Christianity Today March 21, 2024
Illustration by María Jesús Contreras

O recente ressurgimento do interesse nos papéis de gênero segundo a Bíblia — ou seja, em como homens e mulheres servem na igreja e em como agem em relação um ao outro no lar — parece estar concentrado na igreja ocidental, especialmente nos EUA. A revista Christianity Today entrou em contato com o presidente do Gordon-Conwell Theological Seminary, Scott W. Sunquist, que também é missiólogo com especialização em cristianismo não ocidental, para lhe perguntar sobre o contexto global em torno da questão do gênero e a igreja.

Esta entrevista foi levemente editada para fins de estilo e clareza.

Como os termos do debate sobre os papéis de gênero vieram a ser definidos na igreja evangélica?

Farei dois comentários prévios: Primeiro, “evangélico” se tornou uma categoria contestada, de modo que sempre que perguntamos sobre “a igreja evangélica”, precisamos especificar melhor de que família ou tradição estamos falando. Em segundo lugar, grande parte do “debate” sobre os papéis de gênero ocorreu quando minha família estava no exterior; portanto, perdemos a forma inicial da discussão em torno dos termos complementarismo e igualitarismo. Eles foram conceitos novos que começaram a se difundir no final da década de 1980.

O debate evangélico sobre essa questão tem sido muito diferente da discussão ecumênica, maior e mais ampla, sobre os papéis de homens e mulheres. A Igreja Ortodoxa não ordena sacerdotes do sexo feminino e os católicos romanos também não. As principais igrejas protestantes começaram a franquear a mulheres o acesso a todos os cargos da igreja, na esteira do grande movimento missionário, no qual as mulheres predominaram no trabalho pioneiro. Os pentecostais, desde os primeiros anos do movimento, reconheceram a igualdade de função de mulheres e de homens e, portanto, nessa tradição, as mulheres estavam plantando e pastoreando igrejas já no início do século 20.

A visão dicotômica (“ou isto/ou aquilo”) dos papéis de gênero que temos hoje surgiu principalmente das tradições dos batistas do Sul, dos batistas independentes e de reformados conservadores, que defendem a clareza de dois gêneros e que delineiam com o termo complementarista os papéis tidos como aceitáveis para as mulheres. E é preciso deixar claro que esse discurso específico é uma abordagem americana que foi exportada em alguma medida por meio da obra missionária.

Deve ser dito também que nem todas as tradições que se identificam como evangélicas, tanto nos Estados Unidos quanto no resto do mundo, encaram o debate da mesma maneira.

O debate entre complementarismo e igualitarismo é muito importante nos EUA (e na igreja ocidental em geral). Como a visão dos papéis dos homens e das mulheres na igreja é vista em outros países do mundo? No que diz respeito às distinções entre homens e mulheres, como as Escrituras se revelam em diferentes convicções eclesiológicas pelo mundo afora?

Como todos sabemos, a diversidade de culturas (vista mais claramente na religião e no idioma) é uma coisa bela de se ver e pela qual devemos agradecer a Deus. Tive o privilégio de ter ensinado e de ter aprendido com líderes cristãos em muitos países da Ásia e da África. Em geral, quando as mulheres aprendem a ler e a escrever, seus papéis mudam. O evangelho traz alfabetização e educação para as mulheres, e isso geralmente é uma ameaça aos papéis femininos tradicionais nas culturas islâmica, hindu e budista. As mulheres ganham poder por meio da alfabetização. Elas se tornam capazes de ensinar seus filhos, fazer perguntas e evangelizar outras pessoas.

Entretanto, em muitas culturas ao redor do mundo, homens e mulheres cristãos sentam-se em lados diferentes do santuário, e, no lado destinado às mulheres, são elas que ficam responsáveis por cuidar das crianças. Os papéis de gênero são culturais, mas o evangelho sempre traz uma dose de liberdade para as mulheres que vivem em culturas onde são oprimidas. Dito de forma diferente: Quando o evangelho entra em qualquer cultura, ele move essa cultura em direção a uma maior graça, integridade e melhorias para todas as pessoas. As culturas são afetadas pela Queda, e o evangelho retifica os padrões das culturas para indivíduos, famílias e sociedades.

Como comparar isso às igrejas monoétnicas nos EUA?

Seguindo a partir da sua pergunta anterior, vamos imaginar o que acontece quando pessoas de outros países vêm para os Estados Unidos. As igrejas coreanas (e a maioria das chinesas) são dominadas por uma ética e uma ordem social de base confucionista, na primeira geração. Nas sociedades confucionistas, toda ordem social é hierárquica: o imperador acima dos súditos, o pai acima dos filhos, o marido acima da esposa etc. Portanto, essas igrejas raramente têm mulheres na liderança, embora as mulheres geralmente dirijam as igrejas dos bastidores.

O lado positivo disso é que um coreano entenderia a igreja como Minha igreja, com meu povo; e também entenderia que o cristianismo não é uma religião estrangeira e eu posso ir à igreja sem mudar de cultura. O lado negativo dessa forte adesão aos padrões culturais é que, às vezes, as mulheres não são tratadas pelos homens com respeito e dignidade cristãos. Isso prejudica o testemunho cristão. Esse é um dos muitos exemplos culturais que podemos identificar como uma conversão incompleta das culturas. Encontramos exemplos assim nas culturas do mundo inteiro.

Como mencionei anteriormente, há uma retificação que vem com a conversão a Cristo. A conversão não nos deixa ficar com todos os padrões pecaminosos da nossa cultura. Muitas igrejas indianas e do Oriente Médio nos Estados Unidos têm homens e mulheres sentados em lados diferentes do santuário. Devemos nos lembrar de que tanto as culturas dos povos originais locais quanto os ensinamentos dos missionários ocidentais frequentemente influenciam o lugar e o papel das mulheres.

Nos Estados Unidos, não existe uma igreja chinesa ou uma igreja negra que seja “pura” — e nem mesmo uma suposta igreja “branca” pura. Todas as culturas são feitas à imagem de Deus, mas todas também são afetadas pela Queda. É importante lembrar disso, para não tentarmos moldar todos os grupos étnicos à “nossa” própria imagem e para não insistirmos em nossa definição de papéis de gênero na família e na igreja.

À medida que o evangelicalismo crescer fora do mundo ocidental, as controvérsias e as discussões sobre os papéis das mulheres e dos homens ficarão mais ou menos relevantes no evangelicalismo mais amplo?

Se por “evangelicalismo” você quer dizer tradições de fé centradas na autoridade bíblica, na centralidade de Cristo e na necessidade de conversão, então, o evangelicalismo já cresceu fora do mundo ocidental. Atualmente, no Ocidente, esses “evangélicos” representam apenas cerca de 30% dos evangélicos do mundo todo. Como Ogbu Kalu costumava dizer, “o cristianismo africano é cristianismo evangélico”. A maioria das comunidades cristãs em crescimento (inclusive as pentecostais) em locais como China, África, Sul da Ásia, Sudeste Asiático e América Latina seria considerada evangélica, segundo a descrição acima mencionada. Em muitas das igrejas independentes africanas, o evangelicalismo não ocidental geralmente tem ensinamentos peculiares, mas, em termos gerais, elas são igrejas evangélicas e sua abordagem de gênero segue as normas culturais.

Mas, como mencionei anteriormente, a situação das mulheres melhorou. Precisamos prestar atenção e observar como o evangelho remodela várias culturas africanas e asiáticas, especificamente no que se refere à visão e ao papel das mulheres. Grande parte da discussão delas sobre os papéis de gênero na igreja está relacionada à aplicação da Bíblia aos papéis de gênero em sua cultura atual, além de terem de ler livros ocidentais e ouvir cristãos ocidentais. Quando se trata de questões não essenciais, como papéis de gênero, os cristãos ocidentais precisam ouvir, por exemplo, como os cristãos egípcios ou malaios moldam suas eclesiologias, seu cuidado pastoral e sua pregação. Os cristãos americanos não são bons em ouvir.

Eu pastoreei uma igreja presbiteriana em Singapura, quando havia apenas uma mulher ordenada no presbitério, e ela era da Inglaterra. A próxima mulher a ser ordenada foi uma aluna minha, a qual se tornou pastora de uma igreja que ajudei a plantar. A mudança ocorreu ao longo de anos e não foi concretizada por “autoridades” de fora, mas por meio de estudo bíblico, reconhecimento de dons espirituais e oração. Como nos Estados Unidos, nem todas as denominações em Singapura e na Malásia ordenam mulheres. Mas a maioria das funções na igreja — de ministrar como diáconos e presbíteros, de ler as Escrituras, de ensinar, de plantar igrejas, de servir a Santa Ceia — agora está franqueada às mulheres. A ordenação é a única função que não está aberta às mulheres em todas as igrejas evangélicas do mundo.

O que a igreja ocidental pode aprender com a igreja global sobre como abordar os papéis de homens e mulheres? Como podemos buscar a unidade e, ao mesmo tempo, defender as convicções bíblicas?

Acho que precisamos reconhecer que a igreja global é diversificada no que concerne às suas eclesiologias, pois é disso que estamos falando: quem pode ser ordenado, pregar, supervisionar os sacramentos e ensinar. Os cristãos chegaram a muitas conclusões diferentes sobre questões não essenciais, e precisamos ser graciosos em receber a riqueza que nossa comunhão global nos propicia. Algumas igrejas limitam a participação das mulheres no culto por motivos bíblicos e/ou de tradição. Essa é uma prerrogativa delas que devemos honrar, desde que as mulheres sejam respeitadas e tenham maneiras significativas de participar do corpo de Cristo.

Em um mundo tão dividido como o nosso, os cristãos do Ocidente devem aprender humildemente com a igreja majoritária, buscando uma unidade mais profunda em torno do essencial e não permitindo que aquilo que não é essencial, como os papéis de gênero, venha a nos dividir. O mundo precisa ver a unidade por meio de uma humildade cristã cheia de graça.

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De olho no prêmio do serviço fiel

Como a disciplina rigorosa nos prepara para a recompensa.

Christianity Today March 17, 2024
Intersection, Curtis Newkirk, acrílico sobre painel de madeira, 24 x 24”, 2021.

Todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso, para obter uma coroa que logo perece; mas nós o fazemos para ganhar uma coroa imperecível. – 1Coríntios 9.25

A cidade de Corinto era a sede dos Jogos Ístmicos. Realizados a cada dois anos (em vez de a cada quatro, como os Jogos Olímpicos), eles celebravam Poseidon, o deus do mar. Os atletas treinavam durante meses para se preparar para a competição, a fim de mostrar suas proezas diante de um público ávido.

Quando o apóstolo Paulo desafiou a igreja de Corinto, dizendo “corram de tal modo que alcancem o prêmio” (1Coríntios 9.24), ele usou uma imagem que sua audiência reconheceria de imediato: a de um atleta. Paulo escreveu: “Todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso para obter uma coroa que logo perece, mas nós o fazemos para ganhar uma coroa imperecível” (v. 25). O apóstolo desafiou seus leitores a tratarem a vida cristã como uma façanha atlética: a treinarem, correrem, lutarem e terminarem bem.

Os cristãos ocidentais frequentemente meditam sobre o dom da salvação. Mas há uma diferença entre um dom e um prêmio. O dom é concedido gratuitamente; o prêmio é algo que se ganha e que se conquista. O prêmio a que Paulo se refere em 1Coríntios 9 não é a salvação, mas sim a recompensa pelas obras que realizamos como pessoas salvas por Deus. A maneira como vivemos nossa salvação na Terra tem ramificações reais, tanto no presente quanto na eternidade. Anteriormente, em sua carta à igreja de Corinto, Paulo expressa isso por meio da metáfora da construção de uma casa:

“Porque ninguém pode pôr outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus Cristo. Se alguém constrói sobre esse alicerce usando ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, a sua obra será mostrada, porque o Dia a trará à luz. Ela será revelada pelo fogo, e o fogo provará a qualidade da obra de cada um.” (1Coríntios 3.11-13).

Cada seguidor de Cristo recebe o dom gratuito da salvação pela graça de Deus (Efésios 2.8). O modo como edificamos sobre esse dom é como colocamos em prática a nossa salvação (Filipenses 2.12). Se construirmos com feno e palha — se ficarmos atrás de coisas inúteis e passageiras —, pouco teremos a mostrar em favor de nossa fé na Terra. Mas quando construímos com ouro, prata e pedras preciosas de uma vida cristã madura, das boas obras feitas para o mundo, a qualidade de nossa construção será revelada no final.

Para construir dessa forma, temos de ser fortes. Como um atleta que treina para os jogos, devemos disciplinar nosso corpo e mantê-lo sob controle (1Coríntios 27): não por legalismo, por vergonha ou por medo, mas por amor ao Deus que nos salvou. A disciplina — viver uma vida que tem limites — traz liberdade. Ao dizer não a impulsos doentios e ao ouvir a orientação do Espírito Santo, somos libertados para termos relacionamentos mais profundos, melhor saúde, uma fé mais forte e um testemunho maior. A vida disciplinada não é uma vida sem objetivo, mas focada. Fixamos nossos olhos no prêmio do “servo bom e fiel” (Mateus 25.21) e podemos correr com a aprovação dele em mente.

Não escolhemos a disciplina para ganhar a salvação; nós a escolhemos porque somos salvos. Por estarmos em Cristo, [e sermos] uma nova criação, devemos escolher dizer “não” para algumas coisas e a dizer “sim” ao que é melhor — para o bem do nosso tempo, para o descanso, para a conexão, para o discipulado, para a saúde e para o crescimento. O período da Quaresma nos ensina a dizer um “não” temporário, para que possamos experimentar um “sim” muito mais profundo e gratificante a Deus. Em qualquer área que aprendamos a adiar a gratificação, por amor a Deus (e não por legalismo), isso nos leva a uma experiência mais profunda de sua afeição [por nós] e ao profundo impacto de uma vida guiada pelo Espírito.

A coroa dos Jogos Ístmicos era feita de pinheiro. Nas culturas grega e romana, o pinheiro representava a vida eterna. Ainda assim, a coroa recebida pelo atleta vencedor se deteriorava em poucas semanas. Aquelas coroas não duravam, mas nosso prêmio durará para sempre (1Coríntios 9.24-25). A recompensa que recebemos por uma vida cristã fiel e disciplinada é eterna e imutável. Os caminhos frutíferos que construímos sobre a nossa salvação são vistos e honrados pelo nosso Deus e, quando estivermos face a face com ele, poderemos saber que cada esforço invisível, cada provação duramente vencida, cada entrega dolorosa valeu a pena. Que possamos dizer com Paulo: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé” (2Timóteo 4.7).

Para refletir:



De que modo o período da Quaresma é apresentado como um momento para demonstrar disciplina e dizer um “não” temporário, em prol de um “sim” mais profundo a Deus?

Como Paulo usa a metáfora de um atleta para transmitir uma verdade espiritual mais profunda? Você enxerga exemplos assim na sua vida??

Phylicia é a fundadora da organização Every Woman a Theologian [Cada mulher (é) uma teóloga], autora de dois livros e apresentadora do podcast Verity.

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Um poder que se tornou possível através do sacrifício

Mensagem para o Domingo de Ramos: o jumento, o leão e o cordeiro.

Christianity Today March 17, 2024
Óleo sobre papel: Hall, Claire Waterman., 2018.

Ao recebê‑lo, as quatro criaturas viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram‑se diante do Cordeiro. Cada um deles tinha uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. – Apocalipse 5.8

A fim de compreender melhor o forte contraste do Domingo de Ramos — com o Rei Jesus andando pelas ruas de Jerusalém, montado num humilde jumento — olhamos para o livro de Apocalipse. Em Apocalipse 5, João pinta uma cena dramática, na qual Deus apresenta um livro em forma de rolo que não pode ser aberto porque ninguém é considerado digno de abri-lo. O apóstolo fica emocionado diante da impossibilidade da situação e a incapacidade de abrir os sete selos. Então, um ancião diz a João que pare de chorar: “Eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu, para poder abrir o livro e os seus sete selos” (v. 5, ESV). Imagino o ancião fazendo essa declaração com voz estrondosa e um gesto amplo em direção ao trono — e todos os olhos no céu à espera de ver irromper um leão flamejante e rugindo, em uma demonstração de tremendo poder. Imagino olhos olhando de um lado a outro, brilhantes, cheios de expectativa, a princípio sem ter consciência da criatura em pé, no trono. Então, eles o veem, aquele que é digno — não um leão, mas um cordeiro sacrificial, cuja garganta fora cortada, cujo sangue escorria pelo peito, manchando a lã branca e pura com um vermelho carmesim profundo.

Teria sido correto se Jesus tivesse se mostrado como o Leão da tribo de Judá, pois estaria de acordo com a forma como o ancião anunciou a sua vinda; porém, ele não o fez. Em vez disso, Jesus aparece como uma das criaturas menos ameaçadoras do planeta. Ele é acessível. Manso. Humilde.

Este tema do poder demonstrado através da contenção e do sacrifício permeia as páginas das Escrituras. Jesus Cristo continuamente revela a majestade em humildade: o Rei dos Reis vem ao mundo não num palácio, mas num celeiro que cheirava a excrementos de animais. Sua glória é primeiramente manifestada não a Herodes, o Grande, mas a humildes pastores. Ele não escolhe ser o mentor de uma elite acadêmica, mas sim do cidadão do povo. Ele não se junta aos escalões superiores da sociedade, mas aos sem-teto, à medida que demonstra, aos seus discípulos perplexos, a natureza de um reino de cabeça para baixo, invertido.

Este é o Messias que entra em Jerusalém montado num jumento e vê ramos de árvores sendo espalhados diante de si. Ele não se dirige aos corredores do poder para derrubar Roma e satisfazer a expectativa nutrida pela multidão de uma vitória militar; antes, dirige-se ao centro do culto judaico para confrontar noções equivocadas sobre o que significa servir a Deus. Jesus não sucumbiu à aclamação da multidão nem buscou um trono na Terra. Em vez disso, ele foi entronizado em um instrumento romano de tortura e execução, em obediência ao Pai, para que pudéssemos ser perdoados, purificados e reconciliados com Deus.

Jesus encarnou a intenção original de Deus, contida nos capítulos 1 e 2 de Gênesis: que a humanidade exercesse o domínio da mordomia sobre a terra, a fim de gerar vida, como um jardineiro se esforça para cultivar a fecundidade e a beleza através de seus esforços. Adão e Eva falharam nesta tarefa; por isso foi necessário que surgisse um novo tipo de ser humano — alguém que esmagasse a cabeça da Serpente, mas que também fosse ferido no processo. Jesus era um servo sofredor; um leão que também era um cordeiro. Ele é o Deus de autoridade incomparável, que vestiria as vestes de um servo e lavaria os pés daqueles que o abandonariam. Aquele que entraria em Jerusalém, na semana de sua execução, recebido pela aclamação de uma multidão, e que dias depois encararia outra multidão, que exigiria a sua crucificação. Nós o vemos chorando pelas multidões, imediatamente após a entrada triunfal, preocupado com aqueles que o rodeavam, mesmo à medida que a sua própria vida ficava envolta em perigo (Lucas 19.41). Jesus estava completamente seguro do carinho e da provisão do Pai. Ele enxergava para além do véu da morte, via a Ressurreição, e, por isso, foi capaz de suportar a traição, o sofrimento e o horror da cruz.

Como seres humanos imperfeitos, atraídos por aplausos e temerosos da dor, muitas vezes procuramos encarnar o poder do leão — contudo, seguimos um leão que se fez cordeiro. Que possamos seguir os passos do nosso Mestre, neste Domingo de Ramos, percorrendo o caminho sacrificial da cruz, para que outros possam encontrar a vida que está no sangue do nosso Salvador.

Para refletir:



Embora ele fosse poderoso, por que Jesus escolheu se rebaixar para servir aos outros?

Estou usando meus recursos, minhas habilidades e minha influência para servir aos outros? Se não estou, como posso dar um passo prático esta semana para usar o poder para servir?

Mick Murray serve no ministério pastoral há mais de 15 anos, na Antioch Community Church, em Waco, Texas.

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Como o Papa é católico, há cristãos dizendo que não devemos nos juntar a ele em oração

Na Europa, os evangélicos estão divididos quanto ao relacionamento correto com Roma.

Christianity Today March 16, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Unsplash / Getty

Leonardo De Chirico está envolvido em uma discussão incessante com o governo italiano sobre as “características intrínsecas” dos edifícios religiosos.

O pastor evangélico insiste que a Breccia di Roma (Brecha de Roma) — que fica no prédio de uma antiga loja, a cerca de um quilômetro do Coliseu — é uma igreja. Os cristãos se reúnem lá regularmente para orar, louvar a Deus e ouvir a pregação da Palavra. No entanto, a autoridade do fisco nacional observou que o espaço multifuncional, que também abriga uma biblioteca teológica e um centro de treinamento missionário, não tem tetos abobadados, vitrais, altar elevado, velas ou imagens de santos, ou seja, não possui elementos comumente associados a igrejas no país de maioria católica e, portanto, não se qualifica para a isenção de impostos concedida a prédios religiosos.

“São argumentos tolos e sem sentido”, disse De Chirico à CT. “As fotos que eles mostraram eram de edifícios magníficos, mas nós mostramos que as salas de oração muçulmanas são simples e que algumas igrejas católicas se reúnem em lojas. As sinagogas se parecem com o espaço da nossa igreja. E todas elas são isentas de impostos. Não estamos pedindo privilégios. Não estamos pedindo algo que os outros não tenham.”

Esse litígio vem se estendendo desde 2016. Um tribunal de primeira instância foi favorável à tese da igreja Batista Reformada, mas a autoridade fiscal entrou com um recurso. O caso agora está indo para a Suprema Corte da Itália.

Mas o status de isenção de impostos não é a discordância mais séria que De Chirico tem com os italianos sobre o que é uma igreja. Em 2014, ele escreveu um panfleto criticando o papado. Em 2021, o pastor reformado e ocupante da cátedra de teologia da Aliança Evangélica Italiana escreveu um livro, no qual argumenta que a “estrutura teológica do catolicismo romano não é fiel ao evangelho bíblico”.

Portanto, ele ficou frustrado, para dizer o mínimo, quando Thomas Schirrmacher, o secretário-geral da Aliança Evangélica Mundial (WEA, na sigla em inglês), juntou-se a uma vigília de oração ecumênica na Praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano, em setembro do ano passado. Para ele, pareceu que o secretário-geral da associação evangélica global estava acatando a liderança espiritual do Papa Francisco e endossando uma visão de unidade que não é fundamentada no evangelho.

“Quando oramos com alguém, em público, estamos dizendo que as diferenças entre nossas teologias são meras notas de rodapé”, disse De Chirico. “O diálogo é bem-vindo, mas há diferenças fundamentais que não podemos esquecer nem ignorar”.

Em outubro, a Aliança Evangélica Italiana criticou publicamente Schirrmacher, dizendo que o líder evangélico havia “passado dos limites”. A Aliança Evangélica Espanhola emitiu uma declaração semelhante, no mês seguinte.

“Não é fácil defender que nós, evangélicos, não inclinamos a cabeça diante do Papa, quando o secretário-geral da WEA inclina”, foi dito na declaração da Aliança Evangélica Espanhola. “Consideramos necessário expressar publicamente nossa rejeição retumbante à participação do do secretário-geral da WEA nesse evento e à maneira como ele agiu”.

Durante a maior parte da história dos evangélicos, o relacionamento com os católicos na Europa foi marcado por rejeição, diferenças, antagonismo e assédio. Se voltarmos um pouco mais no tempo, essa história envolve mártires, julgamentos por heresia e execuções públicas.

A primeira Aliança Evangélica, na verdade, foi organizada nos anos 1800, para se opor ao estabelecimento da religião pelo Estado e à repressão católica às conversões. O grupo organizou sua primeira campanha pública em 1851, para libertar dois protestantes presos na Itália. Um casal foi considerado culpado de impiedade, depois de entrar em conflito com as autoridades de Florença sobre as características intrínsecas da fé cristã.

Nas últimas décadas, entretanto, esse relacionamento mudou substancialmente. As preocupações com o comunismo, durante a Guerra Fria, e com o secularismo e a pluralização religiosa, no século 21 — juntamente com as reformas do Vaticano II — levaram muitos evangélicos europeus a verem a Igreja Católica Romana como amiga e aliada.

A Itália, a Espanha e outros países de maioria católica não têm mais um establishment estatal da religião. No entanto, a Igreja Católica ainda desfruta de privilégios concedidos por leis. E é ela quem define as normas para aquilo que as autoridades reconhecem como religioso, dificultando a vida da minoria evangélica.

A liderança da WEA reconhece que as relações entre evangélicos e católicos podem ser uma questão altamente sensível. Mas a organização também insistiu que o diálogo inter-religioso contínuo e a colaboração em questões como liberdade religiosa não “mudaram, não traíram nem comprometeram os princípios teológicos da WEA”.

Nos países de maioria católica, entretanto, muitos evangélicos europeus ainda precisam distinguir pontos de diferença — em parte, porque ainda podem estar lutando por um reconhecimento básico. Às vezes, isso se parece com um conflito com funcionários do governo que têm uma ideia muito específica do que é uma igreja. Outras vezes, a luta é contra pressupostos culturais amplos sobre o que conta como “religião”.

Em lugares como a Irlanda, “os evangélicos sequer fazem parte do cenário”, disse Bob Wilson, um plantador de igrejas em Dublin que é apoiado pela Communitas International. “No passado, quando todos iam à igreja, todos iam à Igreja Católica Romana. Agora, nestes tempos em que ninguém vai à igreja, ninguém vai a igreja nenhuma”.

A Irlanda é oficialmente secular desde que uma emenda de 1972 à sua Constituição foi aprovada com um apoio esmagador.

Mas a influência da Igreja Católica Romana sobre a cultura é bastante acentuada. As expectativas e normas sociais — desde como se parece uma família até como se parece um ministro religioso — são definidas pela igreja católica.

Isso pode dificultar a vida dos evangélicos, especialmente a dos plantadores de igrejas, pastores e missionários. Wilson às vezes luta para convencer as pessoas de que ele é realmente um pastor.

Há alguns anos, como ele se lembra, acabou em um pub, em Dublin, tentando explicar o que significava ser um plantador de igrejas. Ele se lembra de que realmente esperava poder criar um espaço seguro no pub para falar de Jesus.

As coisas não foram como ele esperava.

Educadamente, um homem levantou uma caneca de cerveja na direção de Wilson e disse: “Sabe, uma pessoa comum na Irlanda acharia que você está completamente louco”.

No entanto, nem todo mundo reage dessa forma. Wilson tem se sentido encorajado ao ver alguns católicos descontentes encontrarem o caminho para a igreja e descobrirem uma maneira diferente de crer em Cristo. Mas o processo é lento.

“É tudo uma questão de construir relacionamentos”, disse Wilson, “e isso é algo que se tem que fazer pessoa por pessoa”.

Felipe Lobo Arranz, pastor evangélico luterano, disse que a situação é semelhante na Espanha. De acordo com dados demográficos, o país tem dois terços de católicos. Mas a realidade é que muitos deles são estéreis. Eles não levam o catolicismo a sério, disse o pastor, embora este [o catolicismo] ainda influencie fortemente as opiniões deles sobre como deve ser o cristianismo.

No entanto, Arranz encontra maneiras de usar isso a seu favor. Em seu trabalho evangelístico na cidade litorânea de Alicante, ele frequentemente se vê apelando para os ideais de espanhóis descontentes e desiludidos.

“Este é um país que sabe quando algo é bom e verdadeiro”, disse ele. “Os espanhóis admiram os humildes: pessoas que fazem o bem e se relacionam com os outros como amigos verdadeiros.”

Como missionário, Arranz passa a maior parte do tempo conversando com outras pessoas, em volta de “boa comida e boa bebida”. Ele constrói relacionamentos, envolve-se na vida das pessoas e vê que elas pouco a pouco se abrem para discussões sobre o evangelho.

“Depois de muito tempo, você é recebido no Santo dos Santos dos espanhóis para falar sobre o divino”, disse ele, “mas é necessário aquecer a fornalha da amizade verdadeira por um longo tempo, para chegar a esse ponto”.

É assim também na Itália. Embora De Chirico tenha se visto envolvido em batalhas nos tribunais e considere importante criticar publicamente a teologia católica, esse não é seu trabalho principal como pastor evangélico.

Ele prega e cuida de sua congregação de cerca de 60 pessoas, como tem feito desde 2009 — e como fez por 12 anos antes disso, na cidade de Ferrara, no norte do país. Ele se conecta com a população local — padres, professores dos seminários católicos próximos, estudantes internacionais e pessoas que moram em Roma.

A igreja também serve como centro de treinamento para pastores e plantadores de igrejas, e como uma espécie de centro para os evangélicos de todo o país.

“Não há ameaça física, nem oposição feroz no sentido de fechar igrejas ou algo do gênero”, disse De Chirico. “Apenas dificultam a nossa vida".

E embora o ministério seja mais difícil do que precisa ser, nesses países de maioria católica, os evangélicos só precisam ser fiéis ao seu chamado, diz ele.

“Em um contexto em que são minoria, como na Itália, tudo é sempre passo a passo, ou ‘piano, piano’ [expressão italiana que significa fazer algo devagar, pouco a pouco], como dizemos aqui”.

Ken Chitwood é um estudioso de religião global que vive e trabalha na Alemanha.

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O evangelho segundo o Instagram: influencers cristãos disputam com os pastores pela atenção dos crentes

Líderes evangélicos alertam contra a imaturidade espiritual e as motivações econômicas no espaço das redes sociais.

Christianity Today March 14, 2024
Illustration by Christianity Today / Source Images: Unsplash / Getty

Os pastores brasileiros se preocupam com o fato de um sermão semanal não ser suficiente para competir com os influencers cristãos superpopulares nas mídias sociais, a quem os membros de suas igrejas ouvem no restante da semana.

Eles [os pastores] reconhecem que a Internet tem desempenhado um papel fundamental no crescimento do cristianismo evangélico no Brasil. No entanto, ela também tem ajudado a tornar os ensinamentos heréticos e a indústria de influencers cristãos mais difundidos do que nunca. Assim, como igrejas e instituições ortodoxas podem reagir a esse cenário?

Duas pesquisas recentes mostram que os YouTubers e podcasters cristãos brasileiros têm mais influência do que os líderes das denominações e os pastores de megaigrejas do país.

O Quaest, um instituto de pesquisa de opinião pública, descobriu que os principais líderes evangélicos foram superados por influencers cristãos em quesitos como fama, engajamento e mobilização.

Segundo a pesquisa, o JesusCopy, canal do YouTube, é mais popular do que Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, a quarta maior denominação do país. O podcast de teologia Bibotalk é mais popular do que o bispo Robson Rodovalho, fundador das igrejas Sara Nossa Terra, um movimento neopentecostal.

Outra pesquisa — realizada pelo Nosotros, um grupo de consultoria criado pelo antropólogo Juliano Spyer — constatou que as vozes evangélicas tradicionais tendem a ficar mais isoladas e a ser menos importantes para o debate on-line.

“Influenciadores como o deputado Marco Feliciano e o bispo Edir Macedo não se destacam em relação a outros evangélicos que têm um papel central nesta rede”, disse Spyer. “Nomes como o da cantora e pastora Eyshila, o da pastora Camila Barros, o do cantor e compositor Anderson Freire e o da pastora e cantora Midian Lima podem ser menos conhecidos por quem não é evangélico, mas estão entre os principais influencers neste campo”.

Na melhor das hipóteses, as mídias sociais ajudaram a alçar o cristianismo evangélico a um lugar de relevância e aceitação na sociedade contemporânea. Em vez de serem conhecidos por suas posições antiquadas contra o Carnaval, a TV, as novelas e o futebol, os evangélicos nas mídias sociais romperam estereótipos e se apresentaram como comunicadores descolados e conectados.

No entanto, junto com esse entusiasmo por uma nova forma de comunicar o evangelho surgiram alguns líderes abusivos e ensinamentos nada ortodoxos.

O Movimento Galpão — cujo nome faz referência ao prédio em que funcionava — foi fundado em 2021, em Alphaville, rico subúrbio da cidade de São Paulo. O movimento realizava cultos semanais para jovens e os transmitia para milhares de espectadores nas mídias sociais. A cara do movimento era Victor Bonato, um influencer com 145 mil seguidores no Instagram.

A história do Galpão terminou em escândalo, em setembro do ano passado, quando Bonato — pseudônimo usado por Victor de Paula Gonçalves, um profissional de marketing digital de 27 anos — foi preso sob acusação de ter cometido crimes sexuais contra três mulheres. O Galpão, então, declarou que Bonato não fazia mais parte do movimento. Uma semana depois, o espaço fechou para “reforma”.

“Essa reforma significa um novo tempo, tempo de conexão, de acessar novos níveis em Deus, tempo de alinhamento”, diz um comunicado postado no Instagram, “e nós convidamos vocês a fazerem o mesmo no seu secreto; em breve estaremos retornando com nossa nova agenda”. O movimento não postou mais nada desde então.

Os líderes evangélicos anseiam por ver os jovens se unirem e crescerem na fé, mas alertam sobre líderes sem preparo teológico adequado, sem experiência pastoral ou sem supervisão.

Uma das razões para o problema, segundo o teólogo pentecostal Gutierres Fernandes Siqueira, é a falta de preparo teológico adequado e de experiência pastoral.

“O apóstolo Paulo alertou sobre o perigo de neófitos na fé se tornarem líderes ou mestres”, disse Gutierres, lembrando que um presbítero “não pode ser recém-convertido, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação em que caiu o Diabo” (1Timóteo 3.6).

“Como consequência do rápido crescimento do cristianismo evangélico no Brasil, há pessoas que acabaram de se converter e agora estão assumindo o papel de influenciador”.

Historicamente, para ser líder era preciso ter uma formação em estudos teológicos ou anos de serviço em uma igreja local, antes de ter a oportunidade de pregar para uma congregação. Assim, ainda que os cristãos busquem ensino para além dos próprios púlpitos, eles devem fazer certas perguntas sobre os criadores de conteúdo e sobre o conteúdo em si.

O pastor Sérgio Queiroz, fundador da Cidade Viva, uma igreja batista de João Pessoa, recomenda que os cristãos levem em conta a formação espiritual, as qualificações e as motivações de um influenciador.

“O influenciador hoje vive um verdadeiro dilema entre produzir um conteúdo mais aprofundado e cuidadoso e produzir um vídeo curto, de fácil consumo e com maior chance de viralizar”, disse Queiroz, que também é professor da Faculdade Internacional Cidade Viva. “Um produtor de conteúdo respeitável deve sempre preferir a profundidade à viralidade.”

Para os recém-chegados à fé, as tentações são muitas. As mídias sociais cristãs no Brasil constituem um ecossistema de negócios que se retroalimenta em larga escala.

Com a crescente popularidade dos influenciadores, as mídias sociais se tornaram uma tentadora oportunidade de negócios para os cristãos brasileiros.

O número de aspirantes a esse posto é tão grande que deu origem a movimentos como O Retiro, que se apresenta como “o maior encontro de influenciadores cristãos do mundo” e cuja “missão é espelhar o evangelho por toda terra através das redes sociais”.

Criado pelo pastor e evangelista Guilherme Batista, O Retiro realiza eventos para centenas de influenciadores cristãos, e chega a cobrar até R$ 600 (US$ 150) por ingresso.

Mas as contas virtuais desses influenciadores tendem a oferecer um conteúdo do tipo autoajuda — com menos evangelismo e mais frases motivacionais. Segundo o relatório da pesquisa da Nosotros, 30% dos influenciadores cristãos podem ser rotulados primordialmente como palestrantes motivacionais. (Do restante, 25% compartilham conteúdo político e 45% produzem conteúdo devocional).

“Onde quer que haja uma teologia propensa ao estímulo da autoestima dos fiéis, ao individualismo como doutrina ética e ao empreendedorismo como racionalidade econômica, lá estará o coaching como um instrumento ou como uma possibilidade eclesiológica”, disse Taylor de Aguiar, antropólogo cuja tese de doutorado trata das práticas de coaching no meio evangélico.

“[…] no Instagram, as pessoas parecem sempre felizes e dispostas a compartilhar tudo o que convier como bom a si mesmas e, por extensão, aos outros”, disse ele. “Quem seria capaz de ser crítico ao receber um vídeo com palavras bem ditas, sensatas e emotivas, sobre vencer a procrastinação, superar o luto ou crescer na vida profissional, deixando os obstáculos para trás?”

Mensagens como essas têm seu lugar no ensino cristão, mas os críticos se preocupam que as motivações econômicas e os algoritmos das mídias sociais estejam enfatizando essas mensagens em demasia, e que a igreja esteja ficando muito dependente desse tipo de conteúdo de autoajuda.

Além disso, esse conteúdo reforça uma inclinação de parte da igreja em favor da ideia de que é possível pregar on-line sem ter estudo teológico. “A tradição evangélica no Brasil tem esse lado anti-intelectual”, disse Gutierres. A presença desse ativismo digital, conclui ele, é uma espécie de herança dessa tradição.

“Esses influenciadores podem até pensar que não precisam de preparo, e que apenas retórica e um bom slogan bastam. Mas igreja é muito mais do que isso.”

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