Pais cristãos de qualquer lugar aspiram “educar o filho no caminho em que deve andar” (Pv 22.6), mas, às vezes, ficam divididos entre “não provoque a ira de seus filhos” (Ef 6.4) e “Quem poupa a vara odeia seu filho” (Pv 13.24). Encontrar o equilíbrio na educação cristã dos filhos é difícil, por qualquer ângulo que se olhe.
A maneira que mães e pais religiosos equilibram a autonomia crescente de seus filhos com um discipulado robusto é o tema de um novo livro, “Handing Down the Faith: How Parents Pass Your Religion to the Next Generation” [Transmitindo a fé: como os pais passam sua religião para a próxima geração], de Christian Smith, professor de Sociologia da Universidade de Notre Dame, e Amy Adamczyk, professora de Sociologia do John Jay College of Criminal Justice da City University of New York (CUNY).
Lyman Stone, demógrafo especializado em fertilidade e família, conversou com Smith sobre como sua pesquisa se conecta com o Estudo Nacional sobre Juventude e Religião (NSYR), por que a fé dos jovens adultos tornou-se mais consumista do que nunca e como pais e pastores de jovens costumam se desencontrar em seus esforços para discipular a próxima geração de cristãos.
(Clique aqui para ver uma entrevista com Melinda Lundquist Denton, pesquisadora do NSYR e co-autora de “Back Pocket God”).
Qual foi sua reação pessoal às descobertas da pesquisa?
Eu diria que começamos a entender a importância dos pais muito antes, quando estávamos estudando adolescentes no National Study of Youth and Religion, algo que teve início em 2000. Mas duas novas constatações nos surpreenderam muito.
A primeira surpresa ao conversar com pais religiosos dos Estados Unidos foi ver como todos eles falam sobre por que desejam criar seus filhos dentro da religião, qual é o valor de ser religioso e como desejam conduzir a educação religiosa dos filhos.
Na sociologia, há muita ênfase em diferença e diversidade, e esperávamos ouvir pais de tradições e classes sociais diferentes falar sobre a paternidade dos modos mais variados. Mas acabamos descobrindo que todos dizem basicamente as mesmas coisas. Até mesmo budistas, muçulmanos, hindus e mórmons têm uma maneira semelhante de entender a educação religiosa que pretendem dar aos filhos.
A outra constatação, que não nos surpreendeu, mas ainda assim vale ressaltar, é que a maioria dos pais acha que o que realmente é importante ao criar os filhos na fé é o fato de que isso será bom para eles neste mundo. Há muito pouca referência à salvação ou à eternidade. O foco está muito neste mundo, pois os pais creem que a religiosidade fará os filhos mais felizes e os capacitará a fazer escolhas melhores. Portanto, penso que os pais religiosos têm uma lógica muito imanentemente orientada, e não transcendentemente orientada.
A outra grande surpresa foram as opiniões dos pais sobre suas congregações religiosas. A crença popular é que os leigos querem apenas despejar seus filhos na igreja e deixar que os pastores de jovens cuidem da religião. Mas descobrimos que os pais desejam apenas que a igreja seja amigável e proporcione um bom ambiente para os filhos, pois creem que é trabalho deles, pais, cuidar dos assuntos religiosos. Parece haver uma espécie de discrepância entre como o clero e os pastores de jovens pensam sobre o envolvimento dos pais e a maneira que os próprios pais descreveram esse envolvimento.
Qual é a conexão entre seu livro e o National Study of Youth and Religion?
Quando começamos o NSYR, não pensávamos nos pais. Esse não era o foco. Mas, ao longo do estudo, tornou-se muito clara a importância dos pais na formação dos filhos. Percebemos que aquilo que os pais estão fazendo com os adolescentes realmente importa mais do que a mídia, a escola ou os amigos. Vimos que, se realmente quiséssemos compreender esse fato, precisávamos fazer um estudo focado em pais religiosos.
No livro, você diz que uma parte central do seu argumento é que o conceito de religião mudou fundamentalmente de um “projeto de solidariedade comunitária” para um “acessório de identidade pessoal”. Você pode explicar brevemente o que isso significa?
Esta é a minha interpretação histórica de nossas descobertas, uma tentativa de extrair o melhor sentido teórico que consigo do que está acontecendo. A ideia de projeto de solidariedade comunitária é que, em uma época anterior da história americana, a religião teria sido muito mais uma experiência coletiva e comunitária. Teria sido algo que as pessoas tinham em comum e que seguia uma dinâmica muito mais social. Os pais não teriam tanto encargo para promover a religião, pois era algo que simplesmente fazia parte da vida da comunidade. Com o tempo, esse mundo se dissolveu.
Ainda existem bolsões aqui e ali, mas, na maior parte, a religião foi redefinida. É algo individualista que pode ou não fazer parte da identidade pessoal de alguém, junto com outras características — como carreira, orientação sexual ou hobbies. A fé religiosa pode ser uma parte dessa noção mais ampla de identidade individual. Você pode escolher seguir uma religião ou não. O resultado disso é muita pressão sobre os pais.
À medida que as congregações refletem sobre essa mudança, especialmente no contexto dos programas que oferecem, quais são as implicações?
Os pais estão olhando para as igrejas basicamente como fontes de recursos. Para eles, elas não são uma forma de viver em comunidade. Não são um conjunto de pessoas que incorporam uma forma de viver alternativa ou renovada. São apenas recursos. Minha sensação é que o clero entende isso até certo ponto.
Eu não desejo prescrever nada. Mas, se as congregações querem ser capazes de se conectar com a visão que os pais têm hoje e talvez levá-los a outro patamar de entendimento, precisam pensar sobre quais recursos os pais desejam. Mas eu odeio falar desse modo, pois soa como marketing.
Não entendi.
Embora [seja dessa forma], sim, há implicações. Eu diria que a maneira de pensar sobre isso em termos de fidelidade é mais ou menos assim: se o que os pais estão exigindo não é exatamente o que queremos oferecer, você não pode simplesmente ignorar os pais.
Então, como criar um ambiente que alcança as pessoas onde elas estão e as atrai para algo além disso, sem se tornar apenas um dispensário de recursos religiosos para as pessoas escolherem segundo lhes convém?
Essa questão tem grandes implicações teológicas.
Um tema importante em suas entrevistas é que muitos pais — ou mesmo a maioria deles — preferem usar métodos indiretos para transmitir aos filhos sua religião. Não tanto métodos do tipo “faça seu filho sentar-se e lhe dê um sermão sobre a fé”, mas, em vez disso, métodos como “mostrar a ele o que está acontecendo e, por osmose, ele vai aceitar a religião ao longo do caminho”.
Mas você descobriu que a frequência das conversas sobre religião entre pais e filhos teve forte impacto no sucesso dos pais em transmitirem aos filhos sua religião. O que você acha dessa incongruência? Os pais religiosos estão adotando uma estratégia ruim?
Não acho que seja uma incongruência muito grande. Em primeiro lugar, os pais mais bem-sucedidos estão apenas sendo eles mesmos. Eles não estão dizendo: “Oh, meu Deus, meu filho já tem 7 anos, é melhor eu começar algum tipo de ensino religioso”. Eles estão sendo autênticos, sendo apenas quem são. E parte de quem eles são é que pensam sobre as questões da vida à luz de sua fé religiosa.
Alguns deles fazem isso de forma mais intencional do que outros. Creio que aqueles que têm mais sucesso em transmitir sua fé aos filhos ou já são de início tão autenticamente religiosos ou são intencionais ao dizer: “Ei, precisamos prestar atenção a isso e não apenas deixar que aconteça”. Em outras palavras, existe uma maneira de fazer algo por osmose que, ainda assim, é intencional.
O que absolutamente não funciona (e que os pais não vão tentar fazer, de qualquer forma) é a abordagem de “faça seu filho sentar-se e lhe passe um sermão sobre o assunto de uma hora por semana”. Os pais estão preocupados demais com a possibilidade de seus filhos se tornarem rebeldes e, por isso, estão dispostos a fazer essa transmissão de princípios religiosos com luvas de pelica. Penso que os pais, em sua maioria, têm essa sensação de estarem preocupados em “exagerar”. Eles estão preocupados em insistir muito, em não ser muito diretos, mas, ainda assim, pressionam e estimulam o máximo que podem.
Vamos voltar ao que você disse sobre pais que tinham expectativas relativamente modestas em relação à sua congregação religiosa. Eles se viam como o ator principal na formação religiosa de seus filhos. Mas se os pastores de jovens, por exemplo, veem os pais como muito desinteressados e os pais se veem como muito engajados nesse processo, o que poderia explicar essa diferença de visões?
Em primeiro lugar, devo dizer, não fizemos uma etnografia dos pais. Não fomos até a igreja com alguém e pegamos seus filhos no grupo de jovens. Portanto, nos baseamos no que pais e adolescentes relatam em entrevistas e pesquisas. Mas minha percepção das coisas ao estudar o tema ao longo dos anos é que provavelmente se trata de uma combinação de fatores. Pode ser que os pastores de jovens queiram mais investimento direto dos pais, mas os pais simplesmente não queiram fazer isso dessa maneira.
Minha suspeita é que muitos pastores de jovens obtêm informações sobre os pais a partir do que os adolescentes falam. Eles não saem para tomar um café com os pais, por exemplo. Não estou dizendo que os adolescentes estejam mentindo, mas, obviamente, eles darão uma perspectiva própria sobre o que está acontecendo em casa.
E, provavelmente, parte disso são apenas expectativas. Se você é contratado como pastor de jovens, está disposto a fazer grandes coisas. Mas, então, se vê em uma situação em que as famílias já têm suas rotinas estabelecidas. E essa é, provavelmente, uma situação frustrante para um pastor de jovens, certo?
Talvez, de acordo com seu ponto anterior, o clero ou os pastores de jovens tenham em mente um tipo de religião diferente da que os pais têm, e realmente queiram que algo transcendente seja comunicado. E isso afeta aquele modelo cultural de criação de filhos que você descreveu — em que os pais veem a religião como uma espécie de formação moral para preparar os filhos para a jornada da vida e, além disso, como uma forma de construir a solidariedade familiar.
Além da formação moral, eu diria que a religião lhe dá uma espécie de base, um lugar para voltar quando as coisas vão mal.
Então, é uma questão moral, mas também psicológica, emocional, mental e relacional. O que, como prevejo que você esteja prestes a apontar, eu duvido que seja algo que os pastores aprenderam no seminário.
Como missionário e pai, acho esse panorama assustador para o futuro de meu filho. Para mim, é preocupante a ideia da religião como um script psicológico, emocional e moral desvinculado de questões existenciais ou fundamentalmente espirituais. O fato de a pesquisa ter descoberto isso surpreendeu você?
Em certo nível, sim. Eu esperava que houvesse mais uma mescla de todas essas coisas, pelo menos. Em outro nível, tendo estudado por décadas a religião nos Estados Unidos, não, não foi surpreendente. A religião nos Estados Unidos acabou por se tornar muito terapêutica, voltada para o consumo e para este mundo.
Você levantou anteriormente a questão da incongruência, mas eu diria que essa é a verdadeira incongruência. A questão não é tanto as diferenças de estratégia entre pais e pastores de jovens, mas o entendimento de para que serve a igreja. Penso que os principais atores envolvidos nas igrejas têm ideias muito diferentes sobre o que estão fazendo lá. O que é fascinante, do ponto de vista sociológico, é como essas pessoas podem levar adiante essa incongruência por anos a fio e não descobrir realmente as diferenças entre si — como se, na verdade, não percebessem: “Oh, temos realidades totalmente diferentes acontecendo aqui”.
Por curiosidade, fiz uma pesquisa com meus seguidores no Twitter para saber a opinião deles sobre alguns elementos do modelo cultural que você descreve.
Eles não são uma amostra representativa, mas descobri que a grande maioria discordava da ideia de que exclusividade na religião seja algo ruim ou que ser pai é basicamente ajudar os filhos a descobrir quem são. Você acredita que existam subgrupos significativos da população que possam estar resistindo conscientemente a esse modelo cultural que você identificou?
Sim, e eu diria duas coisas. Primeiro, os seguidores do Twitter de alguém que está fazendo doutorado em demografia, que é um missionário e escreve para a Christianity Today não são o perfil comum de pais religiosos americanos. Também acho que esse fato demonstra o último ponto que você levantou: é claro que existem grupos de pessoas que não se conformam a esse modelo cultural.
Mas ficamos completamente admirados com o quanto todos esses pais falam de maneira semelhante. Penso que é justo dizer que existe esse modelo dominante, embora ele não tenha transformado todos em robôs.
Existem claramente subgrupos da população que não acreditam nesse modelo cultural de criação de filhos. E, do ponto de vista desses subgrupos, pode parecer que o mundo está repleto dessas pessoas fiéis. Mas, quando você olha para uma amostra nacional, a vasta maioria ainda é o que descrevemos.
Isso faz todo sentido para mim. E por falar de subgrupos interessantes, eu gostaria que você discorresse sobre o capítulo a respeito de grupos religiosos de imigrantes, que é simplesmente fascinante, na minha opinião.
Estou particularmente orgulhoso desse capítulo. Eu não o escrevi, portanto posso dizer isso. Eu diria que, para muitos evangélicos, o mundo é composto de pessoas que fizeram faculdade e são majoritariamente brancas. Mas existe uma grande parte de pessoas que não se encaixa nessa descrição. Embora o evangelicalismo tenha se diversificado étnica e racialmente de alguma forma, vale a pena ter em mente que o mundo lá fora tem muito mais diversidade do que nossas experiências individuais podem expressar. A sociedade muda. É interessante pensar em como ser fiel ao se conectar com essas diferenças.
Então, qual é a grande lição para as pessoas de fé?
Esta não é uma conclusão nova, mas reforça o que já sabemos há algum tempo: a religião nos Estados Unidos realmente se transformou em uma realidade individualista e voltada para o consumo.
Parece-me que isso requer que adotemos um certo distanciamento, façamos uma reflexão e tenhamos conversas a esse respeito — conversas difíceis — sobre como fazer a ponte entre todos esses elementos e tensões diferentes, para que você não se torne um entreguista, mas também não se torne um sectário.
Traduzido por: Maurício Zágari