Em tempos de provações e problemas, muitos americanos recorrem à Bíblia em busca de encorajamento. E com razão, de acordo com um novo estudo. Em meio a uma pandemia global, uma eleição contenciosa e agitação social, a American Bible Society (ABS), com a ajuda do Programa de Prosperidade Humana da Universidade de Harvard, encontrou uma forte correlação entre a leitura das Escrituras e a esperança.
Os leitores frequentes da Bíblia foram avaliados 33 pontos mais esperançosos do que os leitores que não leem as Escrituras com regularidade, em duas pesquisas com mais de mil pessoas, feitas com seis meses de intervalo. O estudo também descobriu que as pessoas ficam mais esperançosas quando leem as Escrituras com mais frequência .
Em uma escala de 1 a 100, com 100 sendo o mais esperançoso que há, os americanos que relatam ler a Bíblia três ou quatro vezes por ano pontuaram 42; as pessoas que leem mensalmente pontuaram 59; semanalmente, 66; e várias vezes por semana, 75.
Pessoas que nunca leram a Bíblia são pouca coisa mais esperançosas do que aquelas que raramente a leem, de acordo com o estudo. Mas as pessoas que não leem a Bíblia são cerca de 5 pontos menos esperançosas do que aquelas que leem as Escrituras mensalmente.
A leitura da Bíblia — em conjunto com outras formas de vida em comunidade e discipulado, como frequentar a igreja ou participar de um pequeno grupo — parece contribuir para a sensação de bem-estar e felicidade das pessoas, disse Tyler VanderWeele, diretor do Programa de Prosperidade Humana da Escola de Saúde Pública T.H Chan, da Universidade de Harvard.
“As igrejas têm um papel importante e profundo na contribuição para o bem-estar das pessoas em geral, especialmente durante tempos como este”, disse ele.
Essas descobertas são consistentes com outros estudos sobre o impacto da filiação religiosa para a prosperidade humana, de acordo com VanderWeele. As pessoas que frequentam a igreja e leem a Bíblia tendem a ser mais felizes, têm menos probabilidade de cometer suicídio e têm maior senso de propósito na vida.
Este estudo de duas fases é algo sem igual, pois avaliou pessoas antes e depois que a pandemia de coronavírus atingiu os Estados Unidos. A primeira pesquisa foi feita em janeiro e a segunda, em junho, quando o número total de casos confirmados passava de 2,5 milhões e a Organização Mundial da Saúde contabilizava mais de 125 mil mortes de cidadãos americanos.
Uma pesquisa que destacasse o impacto da COVID-19 não era o plano original, disse John Plake, diretor de inteligência ministerial da ABS. Contudo, os pesquisadores reconheceram que, mesmo com todas as coisas ruins trazidas pela pandemia, eles foram presenteados com essa oportunidade.
Em janeiro de 2020, Plake e seus colegas da American Bible Society decidiram expandir o número de perguntas que faziam em sua 10ª pesquisa anual sobre o Estado dos estudos bíblicos. Eles estavam pensando em termos de um índice de prosperidade humana desenvolvido em Harvard, e decidiram incluir algumas perguntas sobre segurança, felicidade e saúde mental no estudo sobre o uso da Bíblia.
Eles coletaram informações de mais de mil pessoas e começaram a processá-las, como fizeram nos anos anteriores.
Antes de terminarem, os casos de COVID-19 começaram a disparar. O vírus se espalhou tão rápido que foi considerado uma pandemia, a National Basketball Association (NBA) suspendeu sua temporada, o presidente Donald Trump declarou estado de emergência nacional e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças pediram às pessoas que não se reunissem em grandes grupos.
Os pesquisadores da ABS, prestes a publicar seu estudo sobre o uso da Bíblia, mudaram de ideia: e se, em vez de divulgar seus novos dados na semana da Páscoa, eles os retivessem e fizessem uma segunda pesquisa? Eles poderiam obter uma visão crítica de como uma crise nacional afeta a maneira como as pessoas se envolvem com a Bíblia — e como o envolvimento com a Bíblia afeta as pessoas em tempos de crise.
Os pesquisadores logo perceberam que, uma vez que usaram os índices de prosperidade humana no estudo de janeiro, eles tinham inadvertidamente estabelecido um ponto de comparação para medir como as pessoas estavam se saindo durante a COVID-19.
VanderWeele participou desse estudo. Ele disse que o estudo é importante porque ajuda a revelar o número de vítimas da pandemia de COVID-19 e os lockdowns correlacionados — algo que não pode ser medido por dados do mercado de ações ou pelo produto interno bruto. O Human Flourishing Program fez parceria com a ABS para o segundo estudo, realizado em junho.
As descobertas foram publicadas em outubro no Journal of General Internal Medicine em um relatório feito em coautoria por VanderWeele, Plake, Jeffery Fulks da ABS e Matthew Lee de Harvard. O relatório intitulado “Índices nacionais de bem-estar, antes e durante a pandemia de COVID-19, em amostras on-line” mostra que questões como felicidade e satisfação com a vida, saúde mental e física, sensos de significado e propósito, bem como estabilidade financeira e material diminuíram drasticamente entre janeiro e junho. O vírus assolou o país e as paralisações afetaram a economia e isolaram as pessoas em suas casas.
O estudo em sua maior parte confirma o que todos sabem. A estabilidade financeira e material, como era de se esperar, foi o golpe mais pesado para muitas pessoas, caindo 16,7%. VanderWeele observa, porém, que os dados mostraram uma grande variação no impacto econômico. Algumas pessoas não perderam seus empregos e economizaram, por ficar em casa, o que as deixou em uma condição financeira relativamente melhor, enquanto outras sofreram muito com a paralisação da economia.
A felicidade e a satisfação com a vida caíram 9,6% entre os entrevistados, e a saúde mental e física diminuiu 7,4%.
O estudo também descobriu que a conexão social não diminuiu tanto quanto se poderia esperar. Isso pode ser porque, embora muitas pessoas estivessem em isolamento social, elas construíram relacionamentos mais próximos com aqueles que estavam em seus círculos imediatos.
A própria família de VanderWeele passou mais tempo junto e seus filhos começaram a se comunicar com os avós regularmente pela Internet.
“Acho que esse tempo mostrou-se um período de reflexão sobre o que realmente importa na vida”, disse VanderWeele. “De uma perspectiva cristã, muitas vezes crescemos por meio do sofrimento."
Mas o dado mais interessante, do ponto de vista da ABS, foi como a Bíblia, a igreja e as disciplinas cristãs pareceram ajudar as pessoas neste período sombrio. Esses dados mostraram que o declínio nos índices de prosperidade humana foi menos pronunciado entre pessoas que liam a Bíblia regularmente e participavam de uma igreja, seja presencialmente ou via on-line.
O envolvimento com as Escrituras parece ter atingido o pico logo após o início da COVID-19 — tendo sido o mais alto em anos —, mas depois caiu significativamente no final de junho. Essa é uma tendência comum quando as pessoas passam por traumas, de acordo com Scott Ross, que trabalha na ABS, com igrejas, a questão da cura de traumas. Embora muitos se voltem para a Bíblia em busca de respostas em tempos difíceis, em geral param de ler com tanta regularidade depois de um tempo. O que está acontecendo agora parece ser uma resposta de toda a sociedade ao trauma, de certa forma.
Mas a evidência mostra que os americanos que se envolvem ativamente com a Bíblia e no culto comunitário têm uma pontuação mais alta em todos os índices de prosperidade humana, inclusive melhor saúde física e mental e um senso mais profundo de caráter e virtude. Eles têm até um sensação maior de estabilidade financeira e material em comparação com aqueles que não frequentam igrejas nem se envolvem com a Bíblia.
Os cristãos também são consideravelmente mais esperançosos. Numa escala de 1 a 100, os não-cristãos pontuaram cerca de 50, os cristãos não praticantes pontuaram 57 e os cristãos que participam regularmente da vida de uma congregação local pontuaram 66.
A conexão é apenas uma correlação. Os pesquisadores não demonstraram que a leitura da Bíblia ou o culto cristão causam prosperidade humana, mas apenas que as duas coisas acontecem de maneiras correlacionadas. No entanto, eles pensam que os dados dão uma ideia melhor de como é uma sociedade saudável, bem como dão às pessoas razões de cunho prático e social para encorajar a participação na igreja e o estudo da Bíblia.
“Acho que a pesquisa sobre o Estado dos estudos bíblicos me mostrou empiricamente tudo o que eu sabia intuitiva e existencialmente”, disse Ross.
Ele acredita que as igrejas podem usar essa informação para fazer a diferença em como ministram às pessoas.
“O que estamos vendo é que, à medida que as pessoas simplesmente recebem uma oportunidade de compartilhar e ouvir umas às outras, bem como de processar e se envolver com as Escrituras em grupo, podemos observar que os sintomas de trauma diminuem.”
Adam MacInnis é jornalista e vive em Nova Scotia, no Canadá.
Traduzido por: Mariana Albuquerque