No mês passado, concedi mais de uma dúzia de entrevistas para a imprensa sobre o voto evangélico hispânico e as eleições de 2020. Imagino que grande parte do interesse seja porque os evangélicos latinos estão no centro de dois principais grupos de eleitores na América. Há cerca de 60 milhões de latinos vivendo nos Estados Unidos, e eles votam esmagadoramente nos democratas. Os evangélicos, que representam cerca de 25% da população dos EUA, votam majoritariamente nos republicanos. Os evangélicos latinos, membros de ambas as comunidades, são eleitores indecisos por excelência. Como pastor da igreja The Gathering Place, uma congregação multiétnica liderada por latinos, estou, como muitos outros, experimentando em primeira mão a tarefa delicada e monumental de pastorear uma congregação politicamente diversa em tempos polarizados. A Flórida é um estado com um histórico significativo de oscilação entre os dois partidos em eleições, e os eleitores evangélicos latinos indecisos podem ser determinantes. Portanto, são muitos os apelos de políticos e as campanhas direcionadas à nossa comunidade. Fatalmente, ouço a pergunta: “Pastor, como devo votar sendo evangélico?” Eu nunca digo às pessoas em quem votar ou como votar, mas exponho os princípios do evangelho de Cristo para um engajamento público. Pastores são pastores, não autocratas.
Minha resposta inicial é lembrar a toda a família da igreja que evangélico NÃO é uma categoria política. O evangelicalismo não deve ser definido por ideologia partidária, mas por concomitâncias teológicas. O quadrilátero de David Bebbington — conversionismo, biblicismo, ativismo e crucicentrismo — sempre foi um arcabouço útil para mim. Além disso, aponto a muitos de nossos congregados o útil padrão de identificação evangélica desenvolvido pela NAE/LifeWay Research. O fato de muitos membros de igreja, eruditos e políticos terem definido o evangelicalismo em termos políticos é fundamentalmente um problema de catecismo e discipulado. Infelizmente, em tempos de pronunciada polarização, essa falha no discipulado leva a uma crise que ameaça dividir as congregações.
Muitas vezes, liderar congregações durante os períodos eleitorais gera duas tentações poderosas: desengajamento ou incivilidade. Uma tentação leva ao silêncio cúmplice; a outra, a um discurso público cacofônico e desumanizador. Para mim, nem o desengajamento nem a incivilidade são opções do evangelho de Cristo. Centrismo e apatia não são virtudes cristãs. Diante das tentações gêmeas do isolamento e da retórica desumanizante, o evangelho de Jesus nos chama às virtudes da coragem, da verdade e do amor. Como pastor de uma congregação politicamente diversa, preciso ter o cuidado de tratar das questões e orientações políticas com convicção, honestidade e caridade.
A lealdade primária dos cidadãos cristãos é ao evangelho de Cristo, e não a uma ideologia política. Isso não significa que os cristãos não possam atuar em partidos políticos, apenas significa que não lhes devem lealdade primária. O evangelho de Jesus não se encaixa perfeitamente em nenhum partido político. Todos nós somos, até certo ponto, politicamente sem lar. No entanto, nosso compromisso com a autoridade das Escrituras e do evangelho de Cristo exige que nos pronunciemos sobre coisas que impactam nossa vida em sociedade como cidadãos. Os profetas nos lembram que o medo de divergências ou de críticas não são razões válidas para o desengajamento cristão da vida pública. Em um momento hiperpolarizado, assumir a posição do evangelho, em qualquer assunto, pode nos tornar alvo de críticas apaixonadas, implacáveis e, às vezes, cruéis. Por não quererem ser alvo dessas polêmicas, alguns pastores optam por abandonar o engajamento público cristão. Como seguidor de Cristo, sou chamado a me pronunciar sobre nossos compromissos, centrados no evangelho de Jesus, para com a santidade da vida, a liberdade religiosa, a justiça e a reconciliação raciais, o amor ao imigrante, e a justiça em nossos sistemas penais. No entanto, devo estar sempre atento ao fato de que esses compromissos são, acima de tudo, estabelecidos pelo evangelho de Jesus e não por ideologia partidária. É evidente que pessoas bem-intencionadas podem divergir sobre quais políticas melhor alcançam esses objetivos do evangelho. Nosso discipulado informa a ética e os princípios, mas não apresenta frequentemente recomendações de políticas específicas. Não posso controlar se meus compromissos com o evangelho de Cristo são interpretados por lentes políticas ou partidárias. Só posso controlar meu modo de falar. Devo falar com respeito e civilidade enraizados nas Escrituras. O risco do engajamento sempre é o de ser mal interpretado ou rotulado. Ainda assim, para mim, o silêncio não é uma opção viável, principalmente porque muitas políticas têm impactos diretos de vida ou morte nas comunidades em que sirvo. A fé assume riscos.
Entretanto, coragem não é grosseria. Coragem é a capacidade de pregar o evangelho de Jesus no espaço público com convicção, e ao mesmo tempo respeitando a dignidade e a humanidade das pessoas que discordam de nós. Sempre que não integramos coragem com civilidade, contribuímos ainda mais para a polarização e a discórdia que procuramos curar. Em contrapartida, civilidade não é covardia, e sempre que não defendemos os valores do evangelho de Cristo no cenário político, deixamos um vazio que pode levar a leis e práticas injustas. Nosso momento atual nos chama a enfatizar uma renovada formação espiritual para a esfera pública. Essa formação espiritual está enraizada no que o eticista cristão Richard Mouw chama de “civilidade convicta”. A deterioração do discurso público fez com que muitos pastores que lideravam congregações profundamente divididas reexaminassem como discipularmos cidadãos cristãos. Tenho compartilhado em nossa congregação que não devemos questionar o compromisso das pessoas com Cristo baseando-nos em sua identificação partidária. A salvação é apenas pela graça, e não depende das preferências de voto.
Minha resposta pastoral às eleições sempre foi a mesma. Lembro a nossa congregação que os cidadãos cristãos se engajam com coragem e amor. Nenhum partido político detém o monopólio do evangelho de Cristo. Os cristãos são estrangeiros residentes; estamos no mundo, mas não somos deste mundo. Nossa cidadania do reino nos coloca na posição de nos engajarmos na política e, ao mesmo tempo, de resistirmos a ser cooptados. Talvez o melhor que possamos fazer seja constantemente lembrar nossas congregações de sua dupla cidadania. Nossa dupla cidadania nos chama a uma responsabilidade cristã que reflete convicção profunda e civilidade genuína.
Rev. Dr. Gabriel Salguero é fundador e presidente da Coalizão Nacional Evangélica Latina (NaLEC) e pastor da igreja The Gathering Place.
Traduzido por Maurício Zágari.