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Confissões de uma cristã ambiciosa

Minha ambição e meu desejo por reconhecimento eram evidentes, desde a infância. Isso é pecado?

A thought bubble with the shape of a trophy cut out of it.
Christianity Today September 2, 2025
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Getty

“Há uma grande diferença entre ser da classe média e ser da classe dos ambiciosos”, escreveu o comentarista conservador Aaron Renn, no ano passado.

“Ser da classe média significa construir uma vida para si”, disse ele, e tem a ver com “elementos materiais do sonho americano”. Ser da classe dos ambiciosos, em contrapartida, significa “subir na vida”, não tanto financeiramente — embora isso possa fazer parte do pacote —, mas sim em termos de reconhecimento social, especialmente entre colegas com sólida formação acadêmica.

A ambição da classe média é ter uma casa boa e tirar férias legais, disse Renn. Já a ambição da classe dos ambiciosos parece ser “querer se tornar um professor titular em uma boa universidade, ou ter um apartamento em um bairro da moda de Nova York, ou ter um artigo publicado no Wall Street Journal”.

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Nossa! Quando li o post do Renn, logo pensei: “Essa sou eu!”. Eu sou uma pessoa ambiciosa.

Não foi, porém, uma constatação chocante. Sou filha única de mãe solteira; logo cedo percebi a existência de camadas sociais, e em nenhum lugar isso era mais evidente do que na igreja. Na quarta série, eu já me preocupava com o que vestia — minhas roupas não eram feias, nem desleixadas, nem eram roupas que não me serviam; de alguma forma, porém, eram socialmente inadequadas. Na sexta série, eu nutria certo ressentimento pelo pastor da nossa igreja, pois ele tinha um doutorado, uma casa nova com um vasto gramado, e me parecia agir com condescendência em relação à minha mãe.

Lutar para alcançar sucesso não é um trabalho passivo. No final do ensino fundamental, recém-consciente tanto do custo da faculdade quanto da existência do sistema ocidental, eu me impus a tarefa de tirar notas perfeitas e ler todos os clássicos da literatura que pudesse, motivada por visões de conversas eruditas nas quais eu entenderia todas as alusões rebuscadas que os estudiosos mais experientes fariam. Eu até tentei ler Chaucer [escritor, filósofo e diplomata inglês] no Inglês Médio do original. Meu exemplar de Os Contos de Canterbury [de Chaucer], bem como um surrado exemplar de Morro dos Ventos Uivantes [romance da escritora inglesa Emily Brontë] eram fruto de invasão a uma casa de fazenda abandonada.

Aos 13 anos, escolhi aprender francês, em vez de espanhol, porque me parecia uma língua mais sofisticada. Afinal, as citações que eu via em meus livros eram em francês, e lembro-me de nutrir uma vaga ideia de manter em aberto, como uma carreira viável, o cargo de secretária de Estado (que eu idealizava como uma função para a qual eu me vestiria como a atriz Katharine Hepburn e falaria com sotaque transatlântico, em salas cheias de fumaça). No final do ensino médio, decidi me dedicar ao jornalismo investigativo. Esse interesse, que acabei não perseguindo, não se resumia apenas ao reconhecimento que viria com possíveis prêmios Pulitzer. Mas não deixava de ser também por eles.

Ser uma pessoa ambiciosa faz com que certas decepções sejam ainda mais dolorosas. Aos 16 anos, eu sabia com excruciante clareza como havia fracassado, depois de chegar à fase de entrevistas na minha candidatura à Universidade de Yale. E isso fez com que eu carregasse um rancor comigo, por mais tempo do que deveria. Hoje, 20 anos após a formatura do ensino médio, um dos fatos mais embaraçosos e desagradáveis sobre mim é que eu podia contar com riqueza de detalhes como o diretor do meu colégio me impediu injustamente de ser a oradora da turma — função que foi dada ao filho dele.

Aaron Renn também é ambicioso, como ele próprio reconheceu nesta primavera, em um post no Substack, no qual ele desenvolve sua taxonomia e nega explicitamente qualquer suposição de que se esforçar para crescer seja algo ruim. Embora minha expectativa fosse que ele reconhecesse que cada estilo de vida tem suas armadilhas e tentações características, Renn descreve a classe média e a classe dos ambiciosos como “inteiramente legítimas”.

Como alguém que se esforça para crescer, eu quero concordar com o que ele disse. Diga-me que estou indo bem. Mas a afirmação de Renn sobre a neutralidade moral do esforço para subir na vida está bem longe de ser universal na tradição cristã. Teólogos, desde Tomás de Aquino, em sua Summa Theologica, a Miroslav Volf, em seu livro recém-lançado The Cost of Ambition: How Striving to Be Better Than Others Makes Us Worse [O preço da ambição: como nos esforçar para ser melhores do que os outros nos torna piores], já argumentaram que muito do que costumamos chamar de esforço ou de ambição é, na verdade, pecado.

Então, o que dizer de todo o meu esforço? É algo inofensivo, ou talvez seja uma ferramenta neutra que pode ser usada para o bem ou para o mal? É mera questão de gosto e talento? Ou é, como afirma Tomás de Aquino, um desejo desmedido, um anseio por honrar a mim mesma “sem me referir a Deus” ou “[sem] proveito para os outros”?

Li e me debati com o livro de Volf, tendo em mente essas perguntas. É uma obra curta e literária, que interage com Søren Kierkegaard e Paraíso Perdido, de John Milton, juntamente com o testemunho das Escrituras. A obra de Volf traça uma distinção entre lutar por superioridade e lutar por excelência. Sua preocupação, como ele explica logo de início, está no fato de “alguém lutar para ser melhor do que os outros, e não simplesmente lutar para ser melhor”.

Essa diferença é mais significativa do que parece à primeira vista. Em uma cultura competitiva que treina seus membros para pensar em listas e classificações, qualquer melhoria tenderá a ser uma melhoria relativa, e essa relatividade diz respeito à posição das outras pessoas. Se eu me esforçar para ser melhor, naturalmente me tornarei melhor do que os outros. Se um time ganha, o outro perde. Se eu receber a grande resposta de Yale, outra pessoa receberá a devastadora carta de rejeição. A honra existe em quantidade limitada e não é suficiente para todos.

Mas, segundo Volf, lutar por superioridade “não é algo que esteja intrinsecamente ligado à melhoria”. Embora as duas coisas muitas vezes coincidam, “eu [também] posso me tornar melhor do que outra pessoa se ela se tornar pior ou se eu obstruir o desempenho do meu concorrente. É até possível que todos se tornem piores e eu, ainda assim, me torne melhor do que todos os outros”. Como observa o famoso Satanás de Milton: “Aqui podemos reinar seguros, e na minha escolha / Reinar é ambição que vale a pena, mesmo que seja no inferno; Melhor reinar no inferno do que servir no céu”.

Essa distinção abre uma lacuna entre lutar por superioridade e lutar por excelência, na qual se encaixa perfeitamente a definição de ambição pecaminosa da Summa Theologica. O problema, segundo argumenta Tomás de Aquino, não é a luta em si, mas sim lutar por honra para mim mesmo, um objetivo alcançado à custa dos outros e em desrespeito a Deus e ao próximo.

Se eu ousar afiar o fio da navalha da Summa para que corte de novo, pecado não é toda ambição, segundo a nossa concepção branda e moderna da palavra. Não é a busca de Volf por ser melhor, nem mesmo é a ambição social e intelectual da qual Renn e eu compartilhamos por nosso trabalho. (Eu também adoraria ter um artigo publicado no The Wall Street Journal. Editores, entrem em contato comigo, por favor!) Pecado é a “ambição egoísta” que Tiago associa à arrogância e à inveja (3.14-16, NRSVue) e que Paulo contrasta com Cristo (Filipenses 2.3-5).

Talvez o ponto central e natural aqui fosse mostrar uma reflexão sobre a humildade como virtude que se opõe ao vício da ambição. Essa é a abordagem de Paulo na passagem de Filipenses: “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a vocês mesmos” (v. 3).

No entanto, o apóstolo não chama seus leitores apenas a serem humildes. Há aqui também um incentivo à generosidade — uma insistência em agir em prol dos “interesses dos outros”.

Paulo os instrui: “cuidando, cada um, não somente dos próprios interesses, mas também dos interesses dos outros” (v. 4). Imitem a Jesus, ele aconselha, “que, apesar de ser Deus, não considerou que a sua igualdade com Deus era algo que deveria ser usado como vantagem; antes, esvaziou a si mesmo”, sofreu, morreu e foi ressuscitado e exaltado, ainda mais (v. 6-11). Sobre essa passagem, Volf diz:

Em vez de se apegar aos privilégios de ser o maior dos maiorais, Cristo desceu para se tornar servo até mesmo dos seres humanos mais desprezados. Em vez de receber honras dos outros e acumulá-las para si mesmo, ele procurou elevar todos à glória na qual todos os bens e todas as honras são compartilhados. Essa é a lógica da ampliação do poder e da vida, mas para todos, e não para si mesmo; não há superioridade comparativa aqui; há apenas uma generosa distribuição de condições que levam à excelência.

O fim da luta de Cristo foi a honra máxima, mas foi uma honra conquistada enquanto ele resgatava o mundo.

Algo semelhante poderia ser dito de Paulo, que parece ter sido um ambicioso nato. “No judaísmo, eu superava a maioria dos judeus da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições dos meus antepassados”, lembrou ele aos gálatas (1.14). “Se alguém pensa que tem razões para confiar na carne, eu ainda mais”, disse ele à igreja em Filipos: “circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, hebreu dos hebreus; quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível” (3.4-6).

Mas, após sua conversão, Paulo dedicou essa tendência ao serviço de Cristo (Colossenses 1.28-29) e de sua igreja (1Coríntios 12.31; Colossenses 2.1-2). Ele considerou todas essas conquistas como perda por causa de Jesus (Filipenses 3.7-10) e, embora ninguém pudesse negar que Paulo continuasse a ter ambição — dê uma olhada em seus mapas missionários e verá isso —, a sua era uma ambição de “proclamar o evangelho” (Romanos 15.20), não uma ambição voltada para si mesmo.

Talvez, então, eu possa me livrar dessa culpa. Não estou tão bem assim na minha imitação de Paulo, e muito menos de Cristo (1Coríntios 11.1), mas posso dizer com a consciência limpa que não estou lutando para ser superior aos outros no meu trabalho. Os escritores enfrentam a competição básica por oportunidades e empregos que existe em qualquer área de trabalho. Mas, em sentido mais profundo, o sucesso de uma boa escrita, particularmente da boa escrita cristã, não é um jogo de soma zero. Se outro escritor, mais bem-sucedido do que eu, influenciar seus leitores a serem fiéis e virtuosos, isso é bom para todos, inclusive para mim. E se eu estiver fazendo bem o meu trabalho, talvez esses leitores também sejam meus (e vice-versa, ou seja, talvez os meus leitores também sejam de outro escritor). Podemos criar um ciclo virtuoso de formação e de vendas de livros.

Isso não quer dizer que eu não traga mais no coração um desejo de reconhecimento. Por sua própria natureza, meu trabalho exige atenção para ter sucesso. Vejo meu projeto central como a persuasão, algo que é inerentemente social e relacional — ou seja, eu preciso de leitores. Sem leitores para persuadir, independentemente da qualidade daquilo que escrevo, não conseguirei fazer o que me propus a fazer. Não alcançarei a excelência.

Contudo, esse não é um reconhecimento limitado. Estou me esforçando para ser melhor entre outros, não melhor do que os outros. Não estou dizendo que eu nunca sinta uma pontada de inveja pelo best-seller ou pela quantidade de leitores de outra pessoa; mas, na maioria das vezes, sei que a estima merecidamente concedida a outros escritores não significa uma perda para mim. Repito, com a consciência limpa, que fico feliz em ver o bom trabalho de outras pessoas receber o devido reconhecimento.

Mesmo assim, percebi que seria errado fazer vista grossa para a minha própria culpa.

Isso me ocorreu outro dia, durante um treino para uma meia maratona de que vou participar, enquanto pensava no ritmo que eu conseguiria manter durante a corrida. Eu estava pensando com alegria no meu melhor tempo pessoal, que alcancei em uma corrida em 2016, e em como seria ainda mais impressionante se eu conseguisse fazer esse mesmo tempo quase uma década e três filhos depois. Naquela época, eu fiquei entre os 10% de mulheres com o melhor tempo na corrida. Agora, em uma faixa etária mais velha e em uma corrida mais longa, será que eu conseguiria ficar entre as primeiras colocadas? Quão superior eu poderia ser em relação às minhas colegas? Quão mais rápida, mais bem treinada, mais bem vestida? Elas notariam minhas roupas de corrida [mais] bonitas, aquelas com o logotipo minimalista que só quem conhece reconhece, da marca cara da Nova Inglaterra que eu finalmente decidi que podia comprar? Elas admirariam meu bom gosto? Elas me admirariam?

O treino correu bem, mas essa constatação do que eu sentia foi péssima. Eu estava prestes a me declarar inocente. O livro de Volf pode ser necessário para você, meu caro leitor, mas não para mim. Eu tenho tudo sob controle, ou pelo menos suficientemente sob controle.

Não, eu não tenho.

Volf começa o livro The Cost of Ambition [O preço da ambição] falando sobre o esforço no contexto dos esportes e, olhando para trás, é engraçado o fato de que achei isso meio bobo. Para a maioria de nós, os esportes são apenas jogos — expedientes nos quais a competição é algo inerente, mas basicamente artificial. Vou me esforçar para ultrapassar os outros atletas nesta corrida, mas não porque estamos fugindo de algum perigo ou indo para algum destino. Não é como a lendária primeira maratona, uma corrida desesperada até Atenas para anunciar que uma batalha fora vencida. Fora o exercício, o objetivo é correr uns contra os outros. É claro que nos esforçamos! Mas é um esforço inofensivo.

E pode ser [inofensivo], acho eu, se esse esforço for por excelência, se superar os outros for apenas a consequência natural de uma corrida bem-feita. Meu esforço, porém, não é apenas isso. Não é, segundo as palavras de Volf, uma busca pura e simples “por bens genuínos — pelo que esses bens são em si mesmos e pelos benefícios que trazem para nós mesmos, para os outros e para o mundo”. E não é algo que medimos apenas em relação à excelência de Cristo.

Ainda não cheguei a aprender totalmente a lição, a superar totalmente o vício, ou a adquirir um novo hábito virtuoso para contar com alegria. Terei participado dessa corrida, quando este artigo for publicado, e duvido que terei participado sem pensar, ainda que de modo fugaz, na minha superioridade em relação a qualquer corredor que eu ultrapassar. Mas, talvez, eu também possa, enquanto estiver correndo, meditar sobre o realismo e a perseverança com que Paulo fala de sua reorientação em relação ao esforço pecaminoso, em Filipenses 3.12-14:

Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha alcançado o alvo, mas prossigo para conquistá-lo, pois para isso também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha conquistado. Mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.

“Portanto, todos nós, que somos maduros, devemos ter esse mesmo entendimento”, acrescenta ele, no versículo 15. Que eu possa ter esse mesmo entendimento. Espero ser sempre uma pessoa ambiciosa, mas desejo me esforçar por algo que eu não precise confessar.

Bonnie Kristian é diretora editorial de ideias e livros da Christianity Today.

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