O ano era 2002 e eu estava numa sessão de aconselhamento pré-matrimonial com meu noivo e meu pastor. Éramos um casal jovem, cheio de sonhos, e estávamos lendo um livro que iria nos ajudar a revelar as expectativas que tínhamos em relação um ao outro e em relação ao nosso casamento.
Uma das perguntas, eu me lembro bem, era se eu planejava trabalhar fora de casa. Estávamos prontos para respondê-la. Já tínhamos conversado sobre isso. Eu trabalharia até termos filhos, respondemos cheios de confiança, e, depois que os filhos nascessem, eu estava entusiasmada com a ideia de ser mãe e dona de casa. Tínhamos feito até mesmo um planejamento financeiro para esse cenário. Estava tudo decidido.
Nosso pastor assentiu e disse que era bom o fato de estarmos de acordo sobre esse assunto. Então, ele fez uma pausa e organizou seus pensamentos. “Uma coisa que quero que vocês tenham em mente”, disse ele, com todo cuidado, “é que não há problema se mudarem de ideia.”
Fiquei um pouco irritada com a ideia de ele estava questionando nosso planejamento, mas ele continuou: “O que quero dizer é que você pode gostar de ser mãe e dona de casa, e isso é ótimo! No entanto, pode ser que tenha mais dificuldades com isso do que imaginava. E, se isso acontecer, é preciso que você perceba que não há nada de errado em mudar de ideia”, aconselhou ele. “Pode ser que esse cenário funcione sem problemas financeiros, o que é ótimo. Mas pode ser também que aconteçam coisas que estão fora do seu controle e você tenha que conseguir um emprego, para ajudar com as despesas da casa.”
A questão toda, disse ele, era que, embora fosse sensato falarmos sobre as nossas expectativas, o casamento não é um compromisso com um plano. Nossas promessas seriam feitas não para um cenário ideal, mas um para o outro e para Deus.
Essas palavras têm me encorajado nestes últimos 22 anos, e me lembro delas com frequência. Também não consigo deixar de associá-las aos nossos votos de casamento. Embora escrever os próprios votos estivesse começando a entrar na moda naquele tempo, nós fizemos os votos tradicionais — “na alegria, na tristeza, na riqueza, na pobreza, na saúde e na doença” — que datam da Reforma Protestante e faziam parte de uma das reformas propostas por Martinho Lutero. E, a despeito de todas as coisas erradas que já fizemos em nosso casamento, acho que essa foi uma das coisas que fizemos certo.
Nos anos que se passaram desde que nos casamos, ouvi noivos e noivas proferirem votos personalizados em outros tantos casamentos. Entendo que isso agora parece normal e que a intenção é ser romântico. Mas me parece ingênuo os casais escreverem seus próprios votos, enquanto ainda só estão enxergando o casamento do lado de fora.
Talvez eu esteja ficando velha. Mas gostaria que os casais mais jovens pudessem ver o valor e a liberdade que os votos matrimoniais tradicionais trazem. E não digo isso para promover alguma agenda sobre papéis ideais dentro do casamento. Pelo contrário, digo isso porque vejo as gerações mais jovens sobrecarregadas com a obrigação de ter que reinventar tudo, com a necessidade de tratar cada escolha como uma expressão máxima de identidade. A autoinvenção se tornou uma constante luta.
Isso é especialmente válido em relação a casamentos e, principalmente, para as noivas. É bem verdade que essas cerimônias sempre foram exibições de status familiar e de riqueza. Mas agora já não basta mais mostrar a festa que você e sua família foram capazes de pagar; um casamento também é uma declaração de identidade, um anúncio do tipo de pessoa que você é e do tipo de casamento que você terá. Depois de passar a adolescência e o início da vida adulta exibindo sua identidade individual online, o casamento é a ocasião em que você estreia sua identidade nova e singular como casal. E soa como algo bem exaustivo.
Pelo que observo, casais cristãos percorrem esse mesmo caminho tanto quanto casais seculares, embora às vezes acrescentem um viés teológico. Já ouvi votos personalizados em casamentos que afirmam uma teologia do casamento e dos papéis de gênero que se expressam pela divisão de tarefas: ela promete sempre lavar a louça, ele promete sempre manter o carro dela funcionando.
Isso me lembra de um antigo pastor que cuidava da esposa que sofria de esclerose múltipla. Por acaso o casamento deles foi de alguma forma prejudicado porque ela não conseguia mais fazer as tarefas domésticas? Ela era menos esposa dele por causa disso? Os votos relativos a tarefas domésticas são feitos para fins cômicos, mas me pergunto se esses casais já pensaram que um dia eles também ficarão velhos, ou doentes e incapazes de cuidar de si mesmos, a tal ponto que até mesmo lavar a louça se tornará difícil.
Outra vertente de votos que encontrei pende em outra direção: as promessas que fazem não são pequenas e pontuais demais, mas sim efêmeras ou completamente ausentes. Esses votos personalizados soam mais como cartas de amor públicas, que exploram os sentimentos de cada parte, sobre como um vê o outro como o parceiro ideal, mas sem fazer nenhuma menção ao que acontecerá quando esse ideal se deparar com problemas.
O roteiro tradicional de votos matrimoniais, que tem sido evitado por tantos casais, é respeitado por um motivo. Quando comparamos as duas coisas, os votos antigos parecem uma pausa para respirar, uma chance de simplesmente se comprometer com o que vier pela frente, “na alegria e na tristeza”, com humildade e amor.
E quando digo “tradicional” não me refiro aos votos matrimoniais que eram feitos na década de 1950. Refiro-me aos votos da década de 1550, pois todos sabemos que os votos matrimoniais cristãos usados como padrão são um produto da Reforma Protestante.
No século 16, o casamento estava em crise, pois pessoas de 14 anos podiam decidir e aceitar se casar em segredo, sem a necessidade de um celebrante (embora pudessem posteriormente buscar uma bênção na igreja). Se um casal se casasse dessa maneira e concebesse um filho, que o marido não quisesse criar, ele poderia simplesmente negar que o casamento tinha acontecido. Ou um casal poderia querer se casar, mas outro homem poderia alegar que já havia se casado com aquela mesma mulher em segredo. Era a palavra dele contra a dela.
Os tribunais eclesiásticos estavam lotados de casos de litígios matrimoniais. Como o divórcio não era permitido, a Igreja Católica frequentemente recorria à anulação de casamentos — negando que eles tivessem acontecido.
Com o início da Reforma, Martinho Lutero começou a exigir que os casais fizessem seus votos matrimoniais publicamente. Era uma espécie de garantia para as mulheres e obrigava os menores de idade a obter a permissão dos pais para se casarem. Além disso, Lutero disse que a igreja deveria permitir o divórcio e começar a dar o nome certo para essa situação — votos rompidos — em vez de fingir que esses casamentos nunca aconteceram. Denuncie o pecado com ousadia, ensinava Lutero, mas conceda graça com generosidade.
Lutero também criticou homens de sua época que viam o casamento como uma forma de as mulheres usá-los, subjugá-los e domesticá-los para uma vida de trabalho doméstico e dependência. Contra essa ideia, disse ele, a fé cristã honra as responsabilidades comuns de maridos e pais:
[O cristianismo] abre os olhos, e olha pelo Espírito para todos esses deveres insignificantes, desagradáveis e menosprezados, e está ciente de que todos eles são adornados com a aprovação divina, como se fossem adornados com o ouro e as jóias mais preciosas. [O cristianismo] Diz: “Ó Deus, porque tenho certeza de que me criaste como homem, e de que a partir do meu corpo geraste esta criança, também sei com certeza que ela desfruta do teu perfeito prazer. Confesso-te que não sou digno de ninar este bebezinho, de lavar suas fraldas ou de ser encarregado de cuidar da criança e de sua mãe. Como é que eu, um homem sem nenhum mérito, cheguei a esta distinção de ter a certeza de que estou servindo à tua criatura e à tua preciosíssima vontade? Ó, com que alegria o farei, mesmo que os deveres sejam ainda mais insignificantes e menosprezados. Nem a geada nem o calor, nem a labuta nem o trabalho me afligirão ou me dissuadirão, pois tenho certeza de que isso é agradável aos teus olhos.”
E para aqueles que zombavam dos homens que levavam a sério os deveres do casamento, Lutero tinha uma repreensão severa:
Agora me diga, quando um pai lava fraldas ou realiza alguma outra tarefa corriqueira para seu filho, e alguém o ridiculariza como se fosse um tolo subjugado, embora esse pai esteja agindo no espírito que acabamos de descrever e na fé cristã, meu caro amigo, diga-me qual dos dois está ridicularizando mais intensamente o outro? Deus, com todos os seus anjos e as suas criaturas, está sorrindo, não porque esse pai esteja lavando fraldas, mas porque ele o faz na fé cristã. Aqueles que zombam dele e veem apenas a tarefa, mas não a fé, estão ridicularizando Deus e todas as suas criaturas, como se fosse o maior tolo da Terra. Na verdade, eles estão apenas ridicularizando a si mesmos; com toda a sua esperteza, não passam de uns tolos do diabo.
Este é o casamento cristão. Não se trata de tarefas domésticas ou de identidade pessoal. Não se trata apenas de afeição mútua. Trata-se de serviço e amor, um amor com o qual permanecemos comprometidos, mesmo enquanto crescemos, enquanto mudamos, enquanto celebramos, enquanto choramos, enquanto envelhecemos, até a morte. O casamento é uma maneira pela qual Deus nos usa para amarmos os outros com um amor fiel e generoso, que reflete o amor de Deus por nós.
É isso que está expresso nos votos matrimoniais que Lutero escreveu, que se aproximam dos votos tradicionais de hoje. Os votos escritos por Lutero rapidamente chegaram à Inglaterra e foram adaptados por Thomas Cranmer às linhas em inglês, que foram incluídas, com pequenos ajustes, no Livro de Oração Comum de 1662.
Você provavelmente conhece as palavras “prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da nossa vida, até que a morte nos separe”. E se você vive um bom casamento, sabe que essas palavras se tornam um consolo — pois o amor não se resume a manter as aparências. E esses votos de amor não são apenas para os momentos bons e prósperos da vida; eles são também para os momentos de tristeza mais profunda.
Gretchen Ronnevik é autora de Ragged: Spiritual Disciplines for Spiritually Exhausted [Desgastados: Disciplinas Espirituais para os Espiritualmente Exaustos] e coapresentadora do podcast Freely Given [Dado de graça].