Apesar do meu desejo de fixar raízes, nas últimas duas décadas vivi em pelo menos umas cinco cidades diferentes nos Estados Unidos. Uma das consequências que essa vivência me trouxe foi a perspectiva — e, para ser totalmente sincero, trouxe também fortes convicções — a respeito daquilo que alguns lugares fazem melhor (ou pior) do que outros.
Por exemplo, você pode comprar tacos [comida mexicana] em Dallas e em Los Angeles, mas ficará mais feliz se comprar burritos em Los Angeles e tacos em Dallas. Minha mulher e eu aprendemos, da pior maneira possível, que pedir uma pizza fora de New Jersey, nossa terra natal, em geral é sinônimo de decepção. E a qualidade da infraestrutura é algo que varia mais do que se possa esperar: remoção confiável da neve e regras de trânsito coerentes não são algo garantido em todas as cidades dos Estados Unidos.
Sem esse tipo de perspectiva que me permite fazer comparações, seria fácil supor que as vantagens e os problemas de um lugar são mais singulares do que realmente são. Em seu excelente livro How Big Things Get Done [Como fazer grandes coisas], Bent Flyvbjerg e Dan Gardner argumentam que esse “viés de singularidade” é um obstáculo recorrente para os nossos planos. Não conseguimos perceber que as coisas que nos são peculiares também fazem parte de uma categoria maior ou de uma “classe de referência”. Essa coisa que nos é peculiar pode ter características únicas, mas ainda assim é uma iteração dentre muitas. Esse preconceito nos torna míopes e, em consequência disso, muitas pessoas ficam inconscientemente presas a um serviço de remoção de neve ineficaz, assim como os habitantes de outros estados do meu país continuam acreditando que já comeram uma pizza boa [mesmo nunca tendo comido uma pizza de New Jersey].
Os cristãos não estão livre desse problema. Estamos isolados uns dos outros por conta das graves divisões da igreja, de modo que movimentos teológicos, denominações, organismos eclesiásticos regionais e congregações individuais são altamente suscetíveis a esse viés de singularidade. Corremos o risco de negligenciar lições que poderíamos aprender com aqueles que fazem parte da nossa classe de referência — isto é, com outras comunidades eclesiásticas que têm experiências semelhantes.
Penso nisso quase sempre que ouço meus amigos evangélicos falarem sobre liturgia, algo que eles fazem com frequência cada vez maior e num tom esbaforido de pessoas que acham ter encontrado algum tipo de panaceia espiritual. E eu entendo. A liturgia, quando bem feita, é bela e poderosa, e o que acontece no culto cristão é, com certeza, da mais alta importância.
Ainda assim, sempre que sugeri com delicadeza aos meus amigos que eles poderiam estar supervalorizando a liturgia, eles geralmente respondiam dizendo que a tradição evangélica de culto é empobrecida, e que eu estava simplesmente falando do ponto de vista de alguém que pertence a uma tradição historicamente enraizada, que sempre teve sua liturgia e, por isso, não pensa muito nisso.
Prefiro não insistir no assunto. Mas esse é um bom exemplo de viés de singularidade e de falta de interesse em sua classe de referência. Porque, quaisquer que sejam as diferenças significativas entre um evangélico mais conservador e um evangélico mais liberal — e falo como alguém com visões histórico-ortodoxas sobre a Encarnação, a Ressurreição e questões de gênero e sexualidade —, ainda assim pertencemos a mesma classe de referência. Em termos teológicos, somos afligidos pela mesma natureza pecaminosa, batizados no mesmo Cristo, chamados à mesma vida de fé. E, talvez, uma das maneiras indiretas pelas quais podemos praticar o ecumenismo seja notando os erros uns dos outros.
A primeira coisa que alguém como eu percebe nesse crescente interesse evangélico pela liturgia é que há uma certa confusão sobre o que ela realmente é. Em amor, permitam-me esclarecer: nem toda oração escrita é uma liturgia. Liturgia não é algo que você faz sozinho, em casa; também é exagerado até mesmo dizer que liturgia é algo que você possa fazer em casa, com seus amigos e familiares. Isso se chama oração, ainda que seja recitada, e não espontânea.
A liturgia propriamente dita é a oração de toda a igreja. É a nossa união comunitária com Jesus, em seu ato único de se oferecer ao Pai no Espírito. Na maioria das tradições cristãs históricas, esse ato é personificado na Ceia do Senhor, na qual o Senhor nos agracia consigo mesmo e nós nos voltamos para ele em gratidão e louvor. Isso é liturgia.
Por essa razão, não sei bem se acho engraçado ou constrangedor quando vejo escritores ou líderes evangélicos que se dizem “liturgistas” por escreverem orações que outras pessoas podem recitar. Este é um ministério encantador, mas deveria ter outro nome.
Mas vamos ao cerne da questão: os entusiastas da liturgia tendem a se encantar com o poder da liturgia para a formação da fé cristã. Afinal, dizem eles, a liturgia forma nas pessoas hábitos que são contraculturais do ponto de vista político, cultural e econômico. Ricos ou pobres, feios ou bonitos, todos comemos juntos. Pessoas de todas as raças e nacionalidades se reúnem em torno da mesma mesa. Recitamos os credos históricos a uma só voz.
Certamente, essas observações sobre o que acontece na liturgia são corretas do ponto de vista factual (e são boas, e também verdadeiras). Mas elas interpretam a adoração de forma errada, quando a consideram um meio na vida espiritual. A adoração não é um meio. Ela é um fim em si mesma.
O propósito da nossa vida é adorar a Deus. No entanto, vejo novos entusiastas da liturgia querendo pegar esse fim e usá-lo como um meio, como uma maneira de formar cristãos melhores, mais descolados e mais politicamente conscientes.
Mas a adoração a Deus não deve ser feita para essa — nem para qualquer outra finalidade. Adoramos a Deus porque é por isso que existimos. Nós nos importamos com os pobres e com a reconciliação racial e a justiça porque são atos de adoração em nossa caminhada para o maior de todos os atos de adoração, com todo o povo de Deus. O fato de nossa comunhão com Deus, na adoração, resultar em frutos de boas obras é obra unicamente de Deus (Ef 2.10; Fp 2.13), e não resultado de nossos esquemas litúrgicos geniais.
E há outro problema um tanto alarmante com esse pressuposto da liturgia como formação: ao longo da história da Igreja, as comunidades cristãs litúrgicas não foram melhores do que as outras. Não foram mais piedosas, nem mais justas socialmente, nem mais diversas culturalmente.
Há cinco séculos, a minha tradição produziu o primeiro Livro de Oração Comum — e, até hoje, o livro de oração contém, acredito eu, as melhores liturgias em língua inglesa do mundo, com suas cadências e frases de efeito perfeitas, bem como seu uso implacável da linguagem bíblica. Essa herança litúrgica não fez da Igreja Episcopal uma comunidade de cultura bíblica, de identidade cristã diferenciada no mundo, de seriedade teológica ou dotada de diversidade econômica e racial.
Recitamos o Credo Niceno todos os domingos, e mesmo assim a denominação ainda sofre com o unitarismo crescente. Fora dos períodos da Quaresma e da Páscoa, a liturgia começa com “Bendito seja Deus: Pai, Filho e Espírito Santo”, e, ainda assim, muito do que é dito em muitos púlpitos episcopais equivale a nos encorajar a dirigir nossas orações “a quem interessar possa”.
Digo essas coisas como alguém que, apesar de tudo, é bastante apaixonado por liturgia. Acredito que as palavras importam, que a beleza importa, que a igreja deve orar dessa maneira.
Porém, a estrutura da liturgia é, em última análise, pouco mais do que a regulamentação das “regras de trânsito” da vida da igreja: são as faixas na estrada, as placas de preferência, os semáforos, as grades de proteção nas curvas, são tudo aquilo de que precisamos [para manter o trânsito em ordem]. Não culpo os evangélicos por quererem essas coisas. Mas se você for à cidade mais próxima, verá que as pessoas ainda furam o sinal vermelho e desrespeitam as placas de “Pare”. A liturgia visa garantir que o culto da igreja seja deliberado e fiel; mas a liturgia, por si só, não garante uma fé e uma prática cristãs vibrantes, assim como uma infraestrutura rodoviária decente não garante bons motoristas.
Para isso, será preciso algo mais. Convenientemente, acho que os evangélicos já têm o que é preciso.
Matthew Burdette é um estudioso da religião, escritor e editor. Você pode ler seu trabalho online em Theology of Culture with Matt Burdette [Teologia da Cultura com Matt Burdette].