Há 1.700 anos, um imperador romano ordenou aos cristãos que resolvessem suas diferenças e colocassem um ponto final em uma controvérsia teológica sobre a natureza de Cristo, a qual estava causando certa agitação nas igrejas do Oriente Médio.
Assim, um grupo de bispos se reuniu na cidade de Niceia (localizada na atual Turquia) e elaborou um documento que um estudioso recente chamou de “a primeira declaração de um credo a reivindicar o consenso universal e incondicional” dos seguidores de Jesus: o Credo Niceno.
Os protestantes têm uma relação complexa com essa declaração que fala sobre a Trindade, a Encarnação, a obra do Espírito Santo e a “Igreja una, santa, católica e apostólica”. Os evangélicos, que insistem na autoridade suprema das Escrituras e frequentemente se preocupam com qualquer coisa que se interponha entre as pessoas e a Palavra de Deus, têm demonstrado especial prudência em relação a ela.
Mas, nos últimos tempos, mais evangélicos têm usado este credo no culto. A CT conversou com vários pastores, autores e teólogos evangélicos para descobrir o porquê desse movimento.
As entrevistas foram editadas para maior concisão e clareza.
Glenn Packiam, autor de What’s a Christian, Anyway? [Afinal, o que é um cristão?]
O poder do Credo Niceno é que ele nos lembra de que a igreja é maior, mais antiga, mundial e histórica.
Esse credo tornou-se importante para mim em 2009, quando eu estava em uma igreja em Colorado Springs — a New Life Church [Igreja Nova Vida]. Essa era a igreja onde Ted Haggard era pastor. Em 2006, um escândalo envolvendo Haggard estourou, e, em 2007, houve um tiroteio próximo à igreja. Eu estava ministrando para os jovens e era perceptível que havia neles muita desilusão, sabe? Eles não estavam a ponto de desistir e abandonar a fé, mas pensavam: “Não quero simplesmente comprar uma ideia só porque alguém inteligente sabe falar bem sobre ela em um púlpito”. Então, comecei a lhes apresentar o Credo e a recitá-lo com eles.
Vi pessoas se entusiasmarem e dizerem: “Puxa, minha fé não é algo que foi inventado por Ted Haggard. Bilhões e bilhões de seguidores de Jesus já disseram essas mesmas palavras”.
Eu gostaria de encorajar as pessoas a considerarem uma série de sermões sobre o Credo. Também diria que elas devem recitá-lo em seus cultos. Façam isso uma, duas vezes. Façam isso por um mês e vejam o que acontece.
Matthew Barrett, autor de Simply Trinity [Simplesmente Trindade]
Quando recitamos o Credo, estamos nos unindo à Igreja Católica — e Católica aqui tem o sentido de Igreja universal — para confessar a mesma fé. E há uma solidariedade nesse ato que muitas vezes falta nas igrejas evangélicas. Será que estamos nos apoiando apenas em nossos próprios pés, confiando apenas em nossa própria autoridade, isolados em uma ilha? Ou estamos conectados a cristãos de todas as eras, que confessam esse Deus triúno?
Estou vendo mais igrejas batistas recitarem o Credo, e isso é encorajador. Os pastores sentem que é importante e as pessoas estão sedentas por isso.
Charley Hames Jr., bispo da Igreja Metodista Episcopal Cristã
Acredito que o interesse pela tradição pode ser geracional. Há uma volta à tradição e uma valorização crescente de alguns desses elementos mais antigos do passado como, por exemplo, o testemunho cristão e uma declaração sobre onde nos situamos na cultura.
Em nossas igrejas, integrantes da Geração Z são mais propensos a abraçar coisas desse tipo do que meu amigo, que é da Geração X.
Ronni Kurtz, coautor de Proclaiming the Triune God [Proclamando o Deus Triúno]
Na igreja batista que plantei em Kansas City, fizemos uma série de pregações sobre a Trindade e, como parte dessa série, começamos a recitar, como igreja, o Credo Niceno. Mesmo depois que a série de pregações chegou ao fim, a prática de recitar o Credo continuou.
Uma das coisas que pude ver que aconteceu foi que a igreja aprendeu a falar sobre a Trindade e a articular uma teologia trinitária. Eles conseguiam dizer coisas como “gerado, não criado” e se apropriar de uma teologia mais profunda. Cristãos comuns — mães e pais, irmãos e irmãs — falavam sobre a Trindade.

Suzanne Nicholson, professora da Universidade de Asbury
A Trindade é algo difícil de entender! Mas a beleza de Deus se revela na Trindade. Por que eu haveria de querer saber menos sobre a Trindade? Quero saber mais sobre Deus. Devemos conhecê-lo mais para glorificá-lo mais plenamente.
Se não ensinarmos boa teologia com regularidade, nossa igreja se verá em apuros. Se alguém disser que Jesus foi apenas um bom mestre, devemos ter as frases do Credo na ponta da língua: Cremos que ele é “Deus de Deus, Luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro”. Isso é fundamental para a nossa compreensão de quem Jesus é e para entendermos que estamos realmente adorando a Deus quando adoramos a Jesus.
Phillip Cary, autor de The Nicene Creed: An Introduction [O Credo Niceno: Uma Introdução]
Não se preocupe muito com a parte filosófica — olha só quem fala! Logo eu, um professor de filosofia. A beleza te orientará. E o Credo é tão lindo! O Pai nunca esteve sem o Filho que ele ama. Ele sempre entregou toda a sua essência divina ao Filho. Isso é maravilhoso e também é muito importante para a fé cristã.
Na minha juventude, nas igrejas evangélicas que frequentei, não recitávamos o Credo Niceno. Hoje em dia, sigo a tradição anglicana. Nós recitamos o Credo Niceno toda semana, e essa é uma das razões pelas quais sou anglicano.
Simon Chan, autor de Liturgical Theology [Teologia Litúrgica]
O Credo Niceno enfatiza a formação de um corpo. Comparo isso à maneira como uma nação canta seu hino nacional. Assim como cantar o hino nacional ajuda a forjar uma identidade nacional, recitar o Credo Niceno ajuda a forjar uma identidade eclesial. Somos moldados nessa fé trinitária.
Acho que muitos evangélicos se preocuparam com problemas reais, mas basicamente acabaram jogando o bebê fora junto com a água do banho, quando pararam de usar o Credo. Sou pastor nas Assembleias de Deus em Singapura e, infelizmente, não somos litúrgicos.
Dale M. Coulter, professor do Seminário Teológico Pentecostal
Tenho visto o Credo ser recitado em algumas igrejas pentecostais recentemente — em umas poucas congregações que estão na periferia do pentecostalismo. As igrejas que estão fazendo isso veem essa prática como parte da formação espiritual e também como um contraponto a muitas das loucuras que podem acontecer, quando a revelação privada e profética e todas essas coisas se tornam primordiais. É uma âncora. O Credo Niceno é uma lente para a interpretação bíblica.
Behnan Konutgan, tradutor da Nova Bíblia Turca
O Credo Niceno é bíblico! É como o resumo mais sintético da Bíblia. É também a nossa história. Foi nessa época que a igreja se uniu — como igreja internacional — para dizer que Jesus nasceu, mas não foi criado, que ele é igual ao Pai, e para anunciá-lo como Deus.
Na Turquia, nós, cristãos, amamos o Credo e o usamos para evangelizar.
Jerome Van Kuiken, autor de The Creed We Need [O Credo de que Precisamos]
O Credo destila com maestria alguns aspectos-chave das Escrituras e aponta especificamente tópicos em que os cristãos correm o risco de se desviarem, se não refletirem cuidadosamente sobre como todo esse material bíblico se articula, em especial a doutrina de Deus e de quem é Jesus.
Você conhece o velho ditado: “Se não aprendermos com o passado, estamos condenados a repeti-lo”. Isso tende realmente a acontecer em círculos biblistas que se concentram apenas nas Escrituras, sem consultar a igreja histórica.
Albert Mohler, presidente do Seminário Teológico Batista do Sul
Não acho que o Credo Niceno esteja acima da compreensão do cristão comum. Não espero que eles consigam memorizar termos gregos, para perceber a diferença entre homoousios e homoiousios — aliás, a diferença é um ditongo —, mas as congregações ficam fascinadas em saber que a diferença entre ortodoxia e heresia pode depender de uma sílaba.
A igreja dos que creem tem usado essas palavras para expressar a verdade bíblica e para distinguir entre verdade e erro. O Credo se torna parte da confissão de fé, e nós fazemos parte dessa tradição nicena.
Tish Harrison Warren, autora de author of Liturgy of the Ordinary [Liturgia do Ordinário]
Realmente sinto algo bem forte, quando afirmo que o Credo Niceno me conecta a cristãos de todos os tempos e lugares. O Credo não foi inventado por ninguém. Ele me faz lembrar que a fé cristã é essa grande sala na qual posso entrar, quaisquer que sejam minhas emoções, quer eu me sinta renovada, cheia de fé e com a sensação de que Deus é super real, quer Deus me pareça distante.
A cultura moderna diz a todos para que construam sua própria identidade, mas não lhes dá nada em que possam se agarrar. É uma cultura líquida, certo? Falamos muito de “modernidade líquida”. Há coisas no evangelicalismo que também podem ser assim.
As pessoas são atraídas de volta à liturgia e aos grandes credos porque isso as enraíza em uma história muito maior da obra de Deus. Tira do centro as nossas características temporais, circunstanciais. Tira do centro o nosso momento na história. Tira do centro a nossa política e as nossas divisões. O Credo põe no centro a história de Jesus como aquela que vem sendo contada por milhares de anos na igreja.
Russell Moore, editor-chefe da Christianity Today
Nossa igreja em Nashville recita o Credo Niceno uma ou duas vezes por ano. Todos nós somos adeptos do Credo, quer sejamos intencionais, quer não, e o Credo Niceno é uma boa ferramenta de ensino.
Acho que estamos vivendo um momento oportuno para que as igrejas comecem a recitar o Credo, pelo menos algumas vezes no ano. Quando fizerem isso, algum pastor pode aproveitar para ensinar e explicar: “Vejam, já faz 1.700 anos que a igreja escreveu este documento tão importante, e hoje vamos recitá-lo juntos.”