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Morre Samuel Escobar, teólogo que via evangelismo e ação social como componentes inseparáveis da vida cristã

O teólogo peruano não teve medo de debater com marxistas nem de propor desafios à igreja.

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Christianity Today May 2, 2025
Ruth Padilla / Edits by CT

Samuel Escobar, pastor e teólogo peruano cuja paixão por justiça social e evangelismo deu origem a um novo campo da missiologia, faleceu em 29 de abril, em Valência, Espanha. Ele tinha 90 anos.

Em 1970, Escobar e René Padilla, Orlando Costas e Pedro Arana, seus colegas teólogos latino-americanos, cunharam a expressão missão integral, uma visão teológica que considera evangelismo e justiça social como componentes inseparáveis da vida cristã. Eles viam esse princípio como uma forma de aplicar a fé evangélica às injustiças que presenciavam, e ressaltavam que cuidar dos pobres era algo que estava no centro da mensagem de Jesus.

No Congresso inaugural de Lausanne, em 1974, Escobar fez um discurso para mais de 2 mil líderes cristãos de 150 países, argumentando que a igreja tinha a responsabilidade de lidar com a pobreza e a miséria que afetavam seus membros mais vulneráveis.

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“O caminho de Cristo é o serviço”, disse ele em um discurso no qual citou Mateus 20.27 (“quem quiser ser o primeiro deverá ser servo dos demais”) e João 20.21 (“Como o Pai me enviou, assim eu os envio”).

Escobar nasceu em Arequipa, uma cidade no sul do Peru, em 1934. Seus pais se tornaram protestantes pouco antes de seu nascimento, apesar de o país ser quase inteiramente católico. O pai de Escobar era policial; quando ele e a esposa se separaram, o filho ficou morando com a mãe. Escobar frequentou uma escola primária administrada por missionários e, mais tarde, foi um dos dois únicos protestantes entre os 500 alunos de sua escola pública em Arequipa.

Escobar, que na juventude “devorava livros e escrevia poemas”, ingressou no curso de artes e letras da Universidade Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, em 1951. Naquele mesmo ano, M. David Oates, missionário da denominação norte-americana Batista do Sul, batizou Escobar na Igreja Batista Ebenezer de Miraflores, em Lima. Mais tarde, de 1979 a 1984, Escobar serviu como pastor da igreja. Em 1958, casou-se com Lily Artola, que conhecera na mesma igreja.

Após se formar em pedagogia, em 1957, Escobar começou a atuar como secretário itinerante da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES, na sigla em inglês) para a América Latina. Como parte desse trabalho, Escobar teve contato com jovens fortemente influenciados pela ideologia de esquerda, a qual espalhara-se pela América Latina a partir da Revolução Russa de 1917, ganhando força renovada após a Revolução Cubana de 1959.

“O marxismo era uma ideologia poderosa nos campi universitários, e a pobreza extrema, as ditaduras militares e a opressão dos pobres tornavam sua mensagem relevante”, escreveu Escobar.

Escobar visitava com frequência universidades latino-americanas, dando palestras sobre evangelismo e missões, antes de abrir espaço para perguntas.

“Os marxistas vinham não apenas para me refutar, mas também com o intuito de aproveitar a ocasião para proclamar a sua mensagem”, dizia ele. “Estudantes evangélicos ficavam surpresos ao ver que era possível debater com os marxistas e apresentar o Evangelho como uma alternativa válida.”

Em 1967, Escobar publicou Diálogo entre Cristo e Marx, uma compilação dessas palestras. Em uma campanha evangelística realizada mais tarde, naquele mesmo ano, os organizadores do evento distribuíram 10 mil exemplares da obra aos participantes.

Apesar de sua sede de diálogo, “no ambiente evangélico em que cresci, no Peru da década de 1950, uma característica distintiva de um evangélico genuíno era que ele ou ela não acreditava em diálogo nem o praticava”, escreveu Escobar.

No entanto, Escobar “estudou muito e se preparou para falar com os estudantes marxistas de uma forma que fizesse sentido para eles, com uma preocupação ao mesmo tempo social e evangelística”, disse o teólogo brasileiro Valdir Steuernagel, que conheceu Escobar enquanto estudava na Argentina, em 1972.

“Dialogar com as pessoas sobre o caminho que as levou a Cristo pode ser um primeiro passo valioso para entender como podemos ser uma ajuda — e não um obstáculo — na jornada de muitos outros a quem Cristo deseja alcançar”, escreveu Escobar posteriormente em seu livro Evangelizar Hoje.

Enquanto Escobar se conectava com os estudantes, seu país passava por mudanças significativas. O Peru passava por um período de instabilidade política, e sofreu dois golpes de Estado, em 1962 e em 1968.

O país também passava por uma migração interna significativa. Em 1950, 59% dos peruanos viviam na Cordilheira dos Andes (a mesma proporção da população que hoje vive na costa litorânea), em terras que, em grande parte, pertenciam a um pequeno grupo das elites locais. Cansados da pobreza e da opressão, muitos camponeses começaram a se mudar para as cidades costeiras, onde sofriam em favelas, suportando a mesma exploração da qual tentavam escapar.

Testemunhando isso, Escobar e seus colegas latino-americanos — Padilla, Costas e Arana — desenvolveram a missão integral, sua maneira de contextualizar a fé evangélica para as injustiças que presenciavam. (Os quatro homens também fundaram a Fraternidade Teológica Latino-Americana, uma organização que continua a promover uma teologia latino-americana contextualizada.) As novas convicções também se valiam da teologia da libertação, que o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez havia desenvolvido como uma resposta católica ao sofrimento que testemunhara.

Em suas palestras em Lausanne, em 1974, Padilla e Escobar apresentaram à igreja global sua convicção de que evangelismo e ação social andavam de mãos dadas. Em resposta, muitos líderes conservadores da igreja rotularam a missão integral como uma teologia marxista ou de esquerda. Harold Lindsell, um dos membros fundadores do Seminário Teológico Fuller, escreveu para a revista Christianity Today que “Escobar parecia estar dizendo que o socialismo é preferível ao capitalismo, e que muitos latino-americanos abraçam o marxismo por causa de sua ênfase na justiça”.

O próprio Escobar nunca abraçou o marxismo. Mas a sua decisão de ensinar seus alunos cristãos a combater as ideias marxistas com a Bíblia e a teologia incomodava até mesmo seus colegas da IFES, que não entendiam por que ele estaria aberto a dialogar com esses grupos.

Escobar também percebeu que sua paixão por discussões políticas não era algo que mexia com todos, e que a onda de marxismo entre os estudantes não duraria para sempre. Ao dar uma palestra no México, em 1973, Escobar ouviu um estudante dizer que sua geração havia rejeitado a ideia de mudar o mundo por meio de fórmulas marxistas e, em vez disso, estava se voltando para os alucinógenos. “O que Cristo tem a dizer sobre isso?”, perguntou-lhe esse estudante. Surpreso, Escobar compartilhou a promessa de Jesus de uma vida abundante e lhe explicou a futilidade de uma experiência religiosa destituída da fé em Cristo.

Escobar mantinha-se em sintonia com seu contexto local, independentemente de onde estivesse vivendo. No final da vida, mudou-se para a Espanha. Após observar o declínio da Igreja Católica e a ascensão do pós-modernismo, aplaudiu quando um ministério local publicou uma edição ilustrada do Livro de Eclesiastes como ferramenta evangelística.

“Uma mudança de metodologia não será suficiente. O que é necessário é uma mudança de espírito, que consiste em recuperar as prioridades da própria pessoa de Jesus”, escreveu ele, em 1999, em Tiempo de Misión: América Latina y la Misión Cristiana Hoy. Os títulos de algumas de suas obras — entre as quais estão o livro Evangelizar Hoy, de 1995, o artigo “Qué Significa Ser Evangélico Hoy”, de 1982, e o artigo “Campos Missionários em Movimento”, de 2016 — comunicavam sua crença na constante necessidade de mudança.

 “Durante o século 20, a palavra missionário no Peru era reservada para cristãos britânicos ou norte-americanos, de cabelos loiros e olhos azuis, que haviam cruzado o oceano para levar o evangelho à misteriosa terra dos Incas”, escreveu ele em 2003, em A Time for Mission: The Challenge for Global Christianity (Tempo de Missão: O Desafio para o Cristianismo Global). “Hoje, há um número crescente de mestiços peruanos — latino-americanos de olhos escuros, pele morena e miscigenados — que estão sendo enviados como missionários para as vastas terras altas e para as selvas do Peru, bem como para a Europa, África e Ásia.”

Escobar sempre buscou trazer “respostas para as realidades políticas, econômicas e sociais de seu contexto”, disse Ruth Padilla DeBorst, teóloga e filha de René Padilla, amigo íntimo de Escobar.

As ideias da missão integral de Escobar continuam a moldar o trabalho atual de Lausanne — e a gerar debates.

“Ele demonstrou que nossa fé não é uma fé que se aliena, que se esconde, que se recusa a conversar”, disse Steuernagel. “Ao contrário, ele aproveitava as oportunidades para dar seu testemunho. E o fazia com graça e firmeza, algo tão importante nestes tempos polarizados e raivosos de hoje.”

Escobar foi presidente honorário da IFES e presidente da Sociedade Americana de Missiologia; morou em lugares como Peru, Argentina, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Espanha. No Canadá, atuou como diretor-geral da InterVarsity Christian Fellowship naquele país. Nos EUA, lecionou no Calvin College, de 1983 a 1985, e no Eastern Baptist Theological Seminary, na Filadélfia, como sucessor de seu velho amigo Costas, de 1985 a 2005.

Em 2001, o braço missionário das igrejas da American Baptist nos EUA pediu a Escobar que ajudasse a denominação local na Espanha a expandir seu programa de educação teológica. Nos quatro anos seguintes, ele dividiu seu tempo entre o Eastern Baptist Theological Seminary, na Filadélfia, e Valência, onde morava sua filha, que também se chama Lily.

Em 2004, Lily, sua esposa, foi diagnosticada com Alzheimer, e Escobar e a filha se tornaram seus principais cuidadores, até sua morte, em 2015. Escobar deixa a filha, Lily, o filho, Alejandro, e três netos.

A Primera Iglesia Evangélica Bautista de Valencia, onde Escobar congregava, realizará um culto em memória de Escobar na sexta-feira, dia 2 de maio.

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