Em um episódio especial do podcast The Bulletin, o diretor sênior da CT Media, Mike Cosper, entrevistou o colunista do New York Times, Frank Bruni, sobre o seu livro The Age of Grievance [A Era da Murmuração]. Nesta era em que a polarização dividiu igrejas, famílias e amigos, Bruni sugere que a raiz desse problema é a murmuração, um impulso instigador de nossa cultura que foca na escassez, em vez de olhar para a abundância. Esta conversa propõe um caminho mais excelente para aqueles que estão inseridos nessa cultura, mas querem viver melhor.

Mike Cosper: Há um elemento no livro que me surpreendeu um pouco e estou curioso para saber sua opinião a respeito.
Uma noção que não está presente na obra é a ideia de perdão. E eu não estou falando sobre perdão em sentido religioso, mas sim num sentido interpessoal, em sentido cultural. Eu lembro de ter lido The Human Condition [A Condição Humana], da Hannah Arendt, há alguns anos. A certa altura, ela alega que não podemos ter uma cultura sem perdão.
Ela afirma que a vingança envolve tanto quem a executa quanto quem dela é vítima neste automatismo implacável de ação que nunca terá fim. Em contrapartida, o perdão é a única resposta que não reage apenas, mas age de forma nova e inesperada. A ideia é que o perdão seja esse momento em que nós podemos começar do zero, começar de novo.
Estou curioso: existe em nossa cultura um papel para o perdão, para que ele faça o tipo de coisa construtiva de que você fala no livro, a fim de que haja avanços?
Frank Bruni: Sim, eu acredito que o perdão tenha um papel, uma função.
Essa é uma daquelas coisas que precisamos preparar o caminho para trazer de volta. É o oposto da cultura do cancelamento. Em várias páginas [do livro], eu falo sobre como precisamos nos livrar dessa tendência que temos de julgar instantaneamente as pessoas. No último capítulo do livro, humildade é o conceito que eu exploro bem extensamente. Para mim, perdão e humildade são mais do que meros colegas. Eu acho que são gêmeos siameses.
MC: Gosto muito da ideia de como nos conduzirmos até o ponto de perdoar. Em conversas públicas — na internet ou pessoalmente —, quando pensamos em nossos posicionamentos políticos, podemos nos portar, conduzir nossos posicionamentos e nossas convicções de modo a sermos suficientemente humildes em relação a eles para não reagirmos de forma tão visceral, quando nos depararmos com uma ideia diferente da nossa?
Isso nos faz voltar para a questão fundamental — talvez haja uma diminuição do apetite [por isso]. Certamente, há uma diminuição do espaço para uma espécie de visão do pluralismo. Parece-me que você está dizendo que precisamos tentar abrir esse espaço que diz que devemos viver em um mundo onde há pessoas que fundamentalmente se opõem a muitas coisas que pensamos e nas quais acreditamos. Ainda assim precisamos encontrar um caminho para vivermos em paz uns com os outros. Mas nós não falamos nem pensamos dessa forma; a tendência é pensarmos cada vez mais em termos de ganhar ou perder.
FB: Acho que neste ponto temos até certos aspectos relacionados à criação de filhos na era moderna. Alguns grupos econômicos enviam a mensagem de que você merece um mundo que seja exatamente como lhe agrada. Você merece um mundo livre de ofensas e de insultos.
Não foi por acaso que Jonathan Haidt e seu coautor deram a seu livro o título de The Coddling of the American Mind [algo como A mente americana mimada]. Eles falam sobre uma geração de estudantes que estão sendo levados a acreditar que nunca deveriam encontrar em seu caminho coisas que os perturbem ou que lhes compliquem a vida.
Quando falo sobre humildade, o que quero dizer, em parte, é que precisamos reconhecer que nem sempre as circunstâncias vão nos agradar totalmente. As visões discordantes das outras pessoas têm tanto direito de serem expostas, discutidas e de existir quanto as nossas.
De alguma forma, chegamos hoje a uma cultura política na qual as pessoas acreditam que, no momento em que dissermos “talvez você tenha razão”, perdemos a discussão. Temos muitos atores, na política e fora dela, que pensam que paixão e virtude são sinônimos, que tudo é exagerado, que as coisas devem ser “tudo ou nada”; e, no fim, eles acabam prejudicando a própria causa, assim como também prejudicam essa trama que forma a vida pública e a nossa cultura.
MC: Na igreja, sempre falamos de questões de primeira ordem e de segunda ordem. Convicções de primeira ordem são aquelas como as do Credo Niceno, as do Credo dos Apóstolos — nosso conjunto fundamental de convicções. Questões de segunda ordem são aquelas que dividem os cristãos, como a forma que concebemos o batismo, ou o governo da igreja, ou a questão de homens versus mulheres na liderança.
Uma das coisas que é assustadora no momento que vivemos é a maneira como as brigas internas na igreja sobre questões de segunda ordem estão escalando para um nível de primeira ordem. Estamos nos tornando um povo que diz: “Se é por isso que devo sacrificar minha vida, que assim seja”.
FB: Seja nas igrejas ou em outros segmentos da sociedade, realmente parece que não valorizamos nem reconhecemos a importância de chegar a algum tipo de trégua para ter a paz coletiva que costumávamos ter. De certa forma, estamos vivendo um individualismo descontrolado, desenfreado.
Não apenas nos transformamos em um povo que é pessimista de uma forma espantosa e deprimente, como também nos transformamos em uma sociedade que é narcisista de uma forma espantosa e deprimente. Como eu disse, não vivemos em um mundo onde as circunstâncias se ajustam exatamente aos nossos gostos. E não devemos esperar que isso aconteça em nenhum momento de nossa vida.
Devemos ser instruídos a trabalhar incansavelmente pela justiça. E, enquanto fazemos isso, também temos de reconhecer as opiniões divergentes e não ver essas pessoas automaticamente como más.
Muitas vezes, se você as conhecesse e conversasse com elas, entenderia que existe uma história de vida por trás. Elas têm razões para acreditar no que acreditam, mas o problema é que nos tornamos individualistas de uma forma extrema, radical e tóxica. Na maioria dos casos, o preço que pagamos para travar essa luta dentro da igreja ou na esfera pública não vale a pena.
MC: No final do livro, você dedica bastante espaço a algumas visões de como resolver isso. Muitas delas têm a ver com educação, e duas coisas que me impressionaram foram a maneira como você fala sobre educação cívica e a maneira como você fala sobre alfabetização midiática [termo também conhecido como “educação para as mídias” e que diz respeito ao desenvolvimento de competências para uma compreensão crítica das mídias], algo que considero uma questão nevrálgica nestes tempos que vivemos.
A pergunta fundamental que me fiz, depois de ler isso, foi: você está otimista no sentido de que soluções como essa possam ser adotadas e funcionar? Esse tipo de coisa pode realmente trazer algum tipo de transformação? E como seria um roteiro para esse tipo de transformação?
FB: Não acho que essas duas coisas, por si só, possam nos salvar; mas acho que podem fazer parte de uma receita muito mais ampla para chegarmos a um ambiente mais saudável como sociedade.
O que é tão difícil em relação a isso é que temos as ferramentas para melhorar em todos os aspectos que precisamos. Mas o que me assusta nessa situação é que apenas uma medida não solucionará o problema. Precisamos de reformas políticas aliadas a reformas educacionais, aliadas a uma sondagem espiritual, aliadas a muito mais coisas.
Mas sinceramente creio que não deve ser assim tão difícil fazer algo [a respeito]. Uma coisa que faço com meus alunos universitários é conversar sobre onde eles obtêm informações, qual é a sua fonte. Conversamos sobre o que eles marcam como favorito, quem eles seguem e de que tipo de conteúdo gostam. E então discutimos para onde isso os tem conduzido.
Estas são algumas das perguntas que lhes faço:
- Você organizou tudo isso [em suas páginas] intencionalmente ou tomou algumas decisões e, então, os algoritmos entraram em ação?
- Aquilo que você consome nas redes sociais realmente representa o que você pretendia?
- O que você consome está alinhado com seus valores? Se a resposta for “não exatamente”, que tal reservar um momento agora e reorganizar um pouco as peças?
Já tive essa conversa com todas as minhas turmas de alunos. Ela precisa começar quando eles são bem mais jovens, e acho que precisa acontecer tanto em torno da mesa da cozinha [em casa] quanto na sala de aula. Se quisermos resolver o problema, todos precisamos ponderar sobre o modo como nos comportamos em nossa vida privada. Devemos nos perguntar se estamos vivendo como gostaríamos que outras pessoas vivessem, se estamos dando o exemplo do tipo de comportamento que desejamos que os jovens queiram ter.
Frank Bruni é jornalista há mais de três décadas, das quais trabalha há mais de 25 anos como colunista de opinião no The New York Times, correspondente da Casa Branca, chefe de gabinete em Roma e crítico gastronômico.
Mike Cosper é diretor sênior da CT Media, apresentador do podcast “The Rise and Fall of Mars Hill” e coapresentador do podcast The Bulletin.