Em março de 2013, o centro de reabilitação de drogas administrado pelo governo em Hanói liberou Hung Quang Pham antes do tempo previsto.
Eles não queriam que o usuário de heroína, que estava cadavérico e contaminado pela AIDS, morresse em suas instalações.
Mas antes de Hung partir, amigos levaram-no para uma aula de estudos bíblicos ministrada dentro de uma clínica de reabilitação. Lá, os cristãos falaram de Jesus para Hung. Ele se lembra de uma sala cheia de pessoas que pulavam e cantavam, na qual homens e mulheres libertos da dependência de drogas louvavam a Deus. Eles disseram que Jesus lhes deu alegria de viver, e contaram a Hung como Jesus poderia resgatá-lo das drogas — como ele poderia curar seu corpo e salvar sua alma.
Depois que saiu da reabilitação, Hung foi para casa, e ficou deitado na cama, esperando pela morte. Pouco tempo depois, a esposa de um pastor o visitou e lhe entregou uma Bíblia. Hung começou a orar por coisas que ele sentia serem impossíveis, e Deus as respondeu, uma após a outra. Hung saiu da cama e, de repente, viu que conseguia andar de novo. Seu corpo estava curado.
Com essa nova chance de viver, Hung se ofereceu para trabalhar como voluntário em um ministério cristão voltado para usuários de drogas e voltou ao centro de reabilitação do governo para compartilhar sua história. Ele conheceu sua esposa, uma mulher que também lutava contra o vício. E foi milagrosamente curado do HIV. Em 2021, apesar de o casal ter escutado que jamais teriam filhos, a esposa de Hung deu à luz gêmeos, um menino e uma menina.
No início de 2023, sentei para tomar chá verde com um Hung saudável e sorridente, debaixo de um gazebo, no quintal de uma pequena clínica de reabilitação cristã para usuários de drogas que ele administrava. Quando nos conhecemos, seu ministério estava ajudando 11 homens que lutavam contra a dependência em drogas e 6 meninos órfãos.
“Cem por cento das pessoas que vêm para cá chegam desesperadas”, disse Hung. “Da mesma forma que Deus nos curou e salvou, estamos ajudando outros irmãos, orientando-os a confiar em Deus e introduzindo-os a um relacionamento com Jesus.” (Posteriormente, Hung se mudou para Hanói, e outro cristão assumiu o centro de reabilitação.)
Cada um dos aproximadamente 60 centros cristãos de reabilitação para usuários de drogas no Vietnã tem histórias miraculosas como a de Hung para contar — de cadáveres ambulantes que ressuscitaram para uma nova vida. A abordagem nesses centros de reabilitação é simples: abster-se do uso de substâncias químicas, ler a Bíblia e orar. Mas os líderes dos centros de reabilitação dizem que seus programas, imbuídos do amor da equipe formada por cristãos e do poder do Espírito Santo, já ajudaram milhares de usuários a se livrar da dependência e a se tornarem pastores, maridos, pais e cidadãos que contribuem para a sociedade. Eles dizem que está acontecendo um avivamento entre os marginalizados da sociedade vietnamita.
Até mesmo o governo comunista do Vietnã notou a transformação, especialmente neste momento em que luta para conter o uso de drogas e reabilitar os usuários. Como em muitos países do Sudeste Asiático, os centros de tratamento compulsório administrados pelo governo vietnamita são palco de muitos abusos de direitos humanos, entre eles o trabalho forçado e a tortura. Quase todos que concluem o tratamento acabam voltando para as drogas.
Em contraste, o sucesso dos centros cristãos de reabilitação voluntária — dos quais nenhum é legalmente registrado, por serem filiados a uma religião — tem deixado o governo curioso: o que esses cristãos estão fazendo? Podemos aprender com eles?
“Deus escolheu aqueles que são rejeitados pela sociedade, os que nada são aos olhos dos homens, para revelar sua glória”, disse Nam Quoc Trung, pastor de Hung e fundador do Aquila Rescue Center [Centro de Resgate Áquila], um dos maiores centros cristãos de reabilitação do Vietnã. “Neste exato momento, levo uma vida mais satisfatória do que a de qualquer bilionário.”
Desde a década de 1950, a região montanhosa do antigo Vietnã do Norte, onde Mianmar, Tailândia e Laos se encontram, conhecida como Triângulo Dourado, tem sido uma das maiores produtoras de ópio e heroína do mundo. Grande parte da produção é escoada pelo sul, através do Vietnã, a caminho para outras partes do mundo. Uma boa parte também fica no próprio Vietnã.
Todo esse suprimento tornou a heroína barata e amplamente disponível na maioria dos países do Sudeste Asiático, desencadeando epidemias de dependência a partir das décadas de 1960 e 1970.
Nas duas últimas décadas, os sindicatos das drogas tiraram vantagem da desestabilização dos governos no Triângulo Dourado, incentivando a produção de drogas sintéticas — principalmente a metanfetamina. Em 2021, autoridades do Sudeste e do Leste da Ásia apreenderam mais de um bilhão de pílulas de metanfetamina.
Para combater a crise dos narcóticos, muitos países do Sudeste Asiático impuseram duras consequências para o porte de drogas, entre elas a possibilidade de prisão perpétua. Em Singapura, pessoas condenadas por traficar mais de 15 gramas de heroína podem enfrentar a pena de morte. Nas Filipinas, a cruel guerra contra as drogas, promovida pelo ex-presidente Rodrigo Duterte e iniciada em 2016, levou à morte de mais de 6.000 suspeitos de tráfico de drogas, pois ele encorajou execuções extrajudiciais [nas quais pessoas eram executadas sem antes terem sido julgadas pelo devido processo legal].
Gloria Lai, diretora regional para a Ásia do Consórcio Internacional de Políticas sobre Drogas, disse que os governos frequentemente politizam a questão das drogas para ganhar eleições. As pessoas também estigmatizam todos os usuários de drogas, como se fossem criminosos ou indivíduos de alta periculosidade.
“As drogas são enquadradas como um mal social e vistas como culpadas, como a raiz de muitos dos problemas que as pessoas veem na sociedade… crime, pobreza, desordem e caos”, disse Lai. “Acho que viraram um bode expiatório e assim fica muito fácil obter uma vitória política.”
Como resultado, Camboja, Laos, Malásia, Filipinas, Tailândia e Vietnã enviam suspeitos de serem usuários para centros reabilitação de detenção compulsória para usuários de drogas, sem o consentimento deles e, muitas vezes, sem seguir o devido processo ou sem ter feito avaliações clínicas.
Os centros do Vietnã, fundados em 1992, são alguns dos mais severos da região, detendo crianças de até 12 anos.
Um relatório de 2011 do Observatório dos Direitos Humanos [Human Rights Watch ou HRW, na sigla em inglês] descobriu que nos centros de tratamento conhecidos como os 06 centros, situações de trabalho forçado, tortura e abuso eram comuns. Os suspeitos de dependência de drogas eram frequentemente detidos pela polícia e depois enviados para centros de detenção. Eles não conseguiam sair de lá e eram obrigados a fazer “terapia laboral”, muitas vezes trabalhando na produção agrícola, na fabricação de roupas ou na construção civil por um salário ínfimo. Ao longo dos anos, centenas de detentos escaparam dos centros durante fugas em massa.
Um ex-detento, Que Phong, disse que era obrigado a descascar castanhas de caju por seis ou sete horas todo dia, e ficava com as mãos queimando por causa da resina das castanhas. Se ele se recusasse, era esbofeteado, espancado ou enviado para uma “sala de punição”. Embora ele tenha a princípio se oferecido para ficar no centro por um ano, teve de permancer no local, de maneira forçada, por cinco anos.

Após receber alta, Que Phong voltou a fumar e a injetar heroína. “O tempo e o trabalho no centro não me ajudaram”, ele disse ao HRW, que observou que a taxa de recaída nos centros compulsórios do Vietnã estava entre 80% e 97%. Lai me disse que os centros de tratamento para usuários de drogas oferecem pouco incentivo para que as pessoas saiam de lá realmente recuperadas, já que dessa forma os centros perderiam sua mão de obra barata.
Além de perpetrar abusos de direitos humanos, os centros superlotados também espalharam o HIV. Em 2005, no auge da epidemia de AIDS, 40% dos detentos eram HIV positivo e muitos tinham tuberculose, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA. Ao mesmo tempo, poucos centros tinham assistência médica adequada para essas doenças.
Em 2012, a organização das Nações Unidas citou tais preocupações, quando pediu o fechamento de mais de 100 centros de detenção e reabilitação compulsória para usuários de drogas no Vietnã. O governo do Vietnã prometeu reduzir o uso dos 06 centros e aumentar o número de centros de tratamento voluntário, baseados em comunidades.
Mas, dentro de poucos anos, diante do uso vertiginoso de metanfetamina e uma das maiores taxas de mortes relacionadas a opioides no Leste e no Sudeste Asiático, o país recuou em seu compromisso. O governo dobrou o uso dos 06 centros, abrindo ou reabrindo dezenas deles entre 2014 e 2018.
Jim e Kathie Lowans, diretores regionais do Global Teen Challenge [Desafio Global para Adolescentes] para a região Ásia-Pacífico, disseram que, embora os participantes de seu programa cristão de reabilitação de drogas tenham que trabalhar, o trabalho é acompanhado por discipulado, treinamento de habilidades para a vida, aconselhamento, oração e estudo da Bíblia. Estudos sobre os programas do Teen Challenge nos Estados Unidos descobriram que eles têm uma taxa de sucesso de 67% a 86% em manter os graduados limpos das drogas. A equipe do programa e os participantes do Teen Challenge costumam chamar isso de “o fator Jesus”.
No Sudeste Asiático, o Teen Challenge abriu seu primeiro programa em Singapura, em 1976, depois, outro programa nas Filipinas, em 1988. Um parceiro pediu ao casal Lowans para ajudar a iniciar um centro de reabilitação no Camboja, em 2005. Desde então, o Teen Challenge abriu mais 12 programas na região.
Kathie Lowans acredita que os centros de reabilitação voluntária cristãos para dependentes de drogas funcionam melhor do que os centros compulsórios porque fazem sentido teologicamente. “Deus nos deu uma opção: escolha hoje a quem você servirá e hoje lhe dou uma escolha entre vida e morte. Devemos dar aos outros uma escolha”, disse ela. “O desejo de mudar deve vir de dentro, não da imposição de alguém. Seguir o modelo de Deus traz um resultado melhor e duradouro.”

O pai do tratamento cristão para dependentes químicos no Vietnã é, sem dúvida, o pastor Ngo Tan Si.
Diante do problema das drogas no país — e da falta de boas soluções — Ngo sentiu que Deus o chamou, em 1996, para ministrar a pessoas presas no ciclo da dependência de drogas. Ngo conta que Deus disse a ele: “As coisas que o homem não pode fazer, Deus pode”.
Filho de pastor, Ngo abandonou a fé cristã na adolescência, depois de ver como a religião empobrecera sua família e o impedira de ir para a universidade. (Um professor o tinha alertado que, como o governo vietnamita via pastores como seu pai com desconfiança, ele não seria admitido em uma universidade pública).
Deprimido, Ngo começou a beber, a fumar e a usar drogas. Logo ele estava gastando todo seu tempo e dinheiro à procura de substâncias para seu próximo “barato”. Seu pai, devastado, cogitava renunciar ao pastorado. Sua mãe chorava a noite toda. “Minha família parecia estar de luto”, Ngo me disse.
Em 1984, Ngo estava voltando para casa, depois de uma noite de bebedeira, quando começou a se sentir mal. Ele caiu na estrada, inconsciente. Amigos o encontraram horas depois e o levaram para casa, incapazes de acordá-lo. O pai de Ngo, que também era médico, verificou seus sinais vitais; Ngo estava quase morto. A mãe implorou a Deus por sua vida, convencida de que, se ele morresse, iria para o inferno.
Então, Ngo despertou.
Ngo se lembra de sentir que seu fim estava próximo e, pela primeira vez, teve medo de morrer. Ele se lembrou das pregações do pai e orou, dizendo que, se Deus o salvasse, ele o seguiria pelo resto de sua vida. Dois dias depois, Ngo diz que teve um encontro com Jesus em seu quarto, no qual o Senhor lhe mostrou todo o pecado em sua vida. Ngo se ajoelhou e chorou, vendo sua necessidade desesperada de salvação.
Poucos dias depois, quando seus velhos amigos vieram oferecer um cigarro e uma bebida, ele sentiu Deus lhe dizendo para falar que não sabia fumar nem beber. Seus amigos pensaram que ele estava louco e foram embora.
Ngo considera essa experiência como o momento de sua conversão. “Sinto que superei o pecado e, desde então, sou cristão”, disse ele.

Pelos próximos 12 anos, Ngo se perguntou por que Deus havia permitido que ele passasse por uma experiência tão dolorosa. Então, ele conta que ouviu o chamado para começar um ministério para usuários de drogas, e começou a entender o plano de Deus. Ngo estendeu a mão para aqueles que usavam drogas e tinham HIV. Um de seus amigos, que trabalhava para o governo no combate contra o HIV, convidou Ngo para ensinar a Bíblia para cerca de 80 homens que estavam lutando contra a dependência.
No começo, seus ouvintes pareciam mais interessados em fazer pausas para fumar ou tomar café do que em ouvir sua pregação. Mas, no terceiro dia, enquanto ele pregava, ficou chocado quando eles começaram a chorar e a orar. Vinte homens aceitaram o Senhor naquele dia, diz Ngo, e assim nasceu seu ministério.
Trabalhando com sua igreja, Ngo tentou abrigar alguns homens na Cidade de Ho Chi Minh. Mas o ambiente urbano oferecia uma tentação muito grande para quem estava tentando sair do mundo das drogas. Um cristão ofereceu sua casa, que ficava a duas horas de distância da cidade; então, Ngo levou 15 homens para lá, abrindo um novo centro em Bình Long que hoje se chama Born Again Family Rescue Center [Centro de Recuperação Família dos Nascidos de Novo]. Quando perderam o sustento da igreja, Ngo recorreu às famílias dos usuários, para que pagassem por sua reabilitação. Hoje, a maioria das clínicas de reabilitação cristãs do Vietnã depende de mensalidades pagas pelas famílias.
Na década de 1990, antes que o Vietnã tivesse acesso a medicamentos antirretrovirais para tratar o HIV, muitos dos homens que Ngo atendia, a quem ele chama de seus alunos, faleceram. Ele se lembra de um mês em que cinco homens atendidos por seu ministério morreram.
Ainda assim, Ngo continuou. Alguns alunos encontraram libertação da dependência de drogas, tornaram-se cristãos e começaram seus próprios ministérios de reabilitação. Outros ficaram limpos e depois tiveram uma recaída. Alguns passaram várias vezes por seu programa. Alguns saíram e nunca mais voltaram.
Um aluno, irritado com alguns conselhos sobre relacionamento que Ngo lhe dera, seguiu Ngo até a capela do centro com uma faca, ameaçando “cortá-lo em três pedaços”. O homem tropeçou e caiu a cerca de 3 metros dele, a faca quicando no chão da igreja. Mais tarde, durante um culto, esse aluno, aos prantos, pediu perdão a Ngo e a Deus.
Ngo disse que as diferenças entre os centros de reabilitação públicos e os dele são enormes. Quase todos que vêm até ele já estiveram em clínicas de reabilitação administradas pelo governo ou na prisão; alguns foram condenados a penas de até 30 anos. Perguntei a Ngo qual é a porcentagem de seus alunos que permanece livre das drogas, após terminar o programa. Ele disse que cerca de 30% ficam “firmes e fortes”.
“A reabilitação cristã tem a ver com amor”, disse ele. “Ela tem o poder do Espírito Santo, tem a verdade, que é a Palavra de Deus, e tem a pregação da mudança de mente. Mas nas reabilitações administradas pelo governo, sempre há [pessoas] brigando, odiando umas às outras e enchendo a mente com desejos da carne. Essas pessoas têm sentimentos de vingança, amargura e feridas não curadas.”
Na reabilitação de Ngo, depois que um recém-chegado se desintoxica das drogas e se adapta à rotina, a equipe ora por libertação em áreas nas quais a pessoa está enfrentando lutas. Trata-se de encontrar cura não apenas para a dependência de drogas, diz Ngo, mas também para outras áreas de escravidão, como a falta de perdão, a raiva, o pecado sexual ou espíritos imundos.
Ao contrário dos centros de internação compulsória, as clínicas de reabilitação cristãs do Vietnã não têm cercas de arame farpado nem portões trancados para manter as pessoas presas lá dentro. Os alunos podem ir embora se quiserem. “A única cerca está na mente deles”, disse Ngo. Ele quer que os participantes saibam “que o centro de Deus não é uma prisão”.
Os alunos são informados de que o centro de reabilitação é administrado como um ministério cristão, e que eles são bem-vindos, independentemente de se tornarem cristãos ou não.
“Nós respeitamos muito a liberdade de escolha deles”, disse Ngo. “Queremos deixar que recebam e vejam a presença do Senhor por meio de membros mais velhos na reabilitação, pela maneira como falam, lidam com os novos membros e, especialmente, pelo amor de uns pelos outros”.
A transformação não se limita aos homens que se juntam ao centro. Muitos pais, depois de sofrerem por anos vendo seus filhos definharem devido à dependência, testemunham as transformações de seus filhos e passam a crer em Jesus. Ngo, que frequentemente conecta igrejas com as famílias dos alunos, descobriu que, se a família de um aluno se converte, há uma probabilidade muito maior de que o aluno permaneça limpo após terminar o programa.
Isso faz parte do objetivo maior de Ngo, que é enviar alunos com uma visão: Deus mudou a minha vida. Deus mudou a sua vida. Deus pode mudar a vida de qualquer um. Vá e salve outros dependentes de drogas.
Das 60 clínicas de reabilitação cristãs do Vietnã — que variam em tamanho, indo de um punhado de participantes a mais de 100 —, Ngo estima que metade foi iniciada por seus ex-alunos.
A visão de Ngo se espalhou não apenas pelo então Vietnã do Sul, onde o cristianismo esteve concentrado por muito tempo, mas também pelo norte do país, local considerado historicamente uma região comunista e ateísta. Ngo diz que as clínicas de reabilitação cristãs para dependentes de drogas estão alcançando famílias de funcionários do governo na capital Hanói e arredores. Depois que as forças comunistas vietnamitas venceram a Guerra do Vietnã, em 1975, o país dividido foi reunificado e o poder político se consolidou em Hanói. Como Ngo conta, muitos cidadãos do norte foram contratados para empregos governamentais bem remunerados, que permitiram que seus filhos vivessem vidas cercadas de conforto no pós-guerra. Os jovens começaram a usar drogas recreativas baratas e de fácil acesso. Muitos se tornaram viciados, e seus pais ficaram desesperados.
“Deus permitiu que isso acontecesse para que o amor de Deus entrasse [no Vietnã do Norte]”, disse Ngo. “Somente por meio de jovens dependentes de drogas e envolvidos com gangues, e somente pela libertação dessa dependência pelo poder do sangue de Jesus… muitos funcionários do governo foram salvos.”
Uma dessas crianças rebeldes foi Nam, fundador do Centro Áquila e ex-aluno de Ngo. Quando jovem, a busca obstinada de Nam por heroína o levou a roubar. Ele roubava e vendia bens de seus pais. Certa vez, ele manteve sua filha de um mês como refém até sua esposa e sua mãe lhe darem dinheiro para comprar drogas.
“Eu era como um animal”, disse Nam. Ele passou por mais de uma dúzia de internações em centros de tratamento do governo, tendo constantes recaídas.
Então, em 2006, Nam encontrou um amigo com quem costumava consumir drogas. O homem estava feliz e sóbrio. Ele disse a Nam que tinha ido para uma clínica de reabilitação cristã e que o amor de Jesus o havia resgatado. Nam decidiu se internar no centro Bình Long, de Ngo. Não demorou muito para que ele se visse devorando a Bíblia e pedindo perdão a Deus. Pela primeira vez, ele estava livre.
Foi um novo começo. Toda a sua família logo aceitou a Cristo. Nam se tornou pastor e começou sua própria clínica de reabilitação cristã para dependentes de drogas. Seus pais juntaram dinheiro para construir um prédio de seis andares em Hanói, para igrejas usarem e abrigarem mulheres dependentes de drogas (o prédio foi vendido mais tarde para construir uma clínica de reabilitação separada para mulheres). A perseguição do governo local forçou Nam a fechar o primeiro local da clínica, mas ele logo ganhou a confiança das autoridades de Hanói e se viu convidado a voltar aos centros de tratamento do governo, onde antes fora detido, para compartilhar como Jesus o libertou da dependência. Ao longo de um período de quatro anos, Nam compartilhou o evangelho com 20 mil pessoas — entre elas, Hung — nos centros de reabilitação e deu início a aulas para ensino da Bíblia em vários centros.
Em 2015, Nam também construiu um novo centro de reabilitação de drogas em Quôc Oai, um distrito cercado de colinas verdejantes, que fica uma hora a oeste de Hanói. Hoje, o Centro Áquila é uma propriedade espaçosa, semelhante a um retiro, situada ao lado de um lago. Conta com um internato cristão para crianças, que oferece ensino de primeiro e segundo graus, salão de culto, cozinha, campo de futebol, piscina e dormitórios para 200 funcionários, alunos e pacientes da reabilitação — que se chamam de “irmãos” e “irmãs”.
Em uma manhã fria de janeiro, o Centro Áquila estava agitado com os sons de pessoas dedilhando violão, conversas e o canto dos pássaros do viveiro. Estudantes do ensino médio, com casacos de inverno sobre o uniforme, subiam os degraus da Aquila Dream Academy, uma escola cristã não registrada [pelo governo]. Seus dias começam com um louvor liderado pelos alunos, uma breve mensagem e testemunhos. Então, eles se sentam em estações de trabalho e folheiam livros cujas lições eles seguem em seu próprio ritmo, auxiliados por professores que os ajudam, quando eles têm alguma dificuldade.
Descendo uma colina, o som do louvor fluía de uma capela onde cerca de 100 homens balançavam o corpo, batiam palmas e levantavam as mãos, enquanto cantavam. Era quarta-feira, dia que os irmãos dedicam inteiramente a sessões na capela e aulas de ensino da Bíblia ministradas por missionários visitantes. Alguns irmãos se isolam pela manhã em “cavernas de oração” individuais, que ficam no subsolo do ginásio ao ar livre, onde se debruçam sobre suas Bíblias em mesas baixas.
A uma curta distância de moto da área de reabilitação masculina fica o recém-construído Centro Priscilla, um prédio roxo e branco que abriga cerca de 30 mulheres que lutam contra a dependência. É uma das poucas instalações cristãs que atendem mulheres. Na sociedade patriarcal do Vietnã, os pais geralmente lutam para ajudar um filho a superar as drogas, mas podem simplesmente desistir de uma filha que se torna dependente, segundo Nam. Muitas dessas mulheres recorrem à prostituição.
Vang Thi Lam Cam levou seis anos para deixar o centro. Nascida em uma família pobre no centro do Vietnã, Vang me contou que sua vida começou a desmoronar depois que seus pais se divorciaram e a mãe se casou novamente com um homem violento e abusivo. Ansiosa para deixar a família para trás, Vang se mudou e estudou para se tornar professora. Ela começou a frequentar festas, a beber muito e a ganhar uma renda extra cantando em bares. Então, Vang se apaixonou.
Ela se mudou com o namorado para Hanói. Lá, descobriu que ele e seus amigos estavam fumando heroína. Curiosa, ela mesma experimentou e começou a usar regularmente. Quando alguns amigos a confrontaram, dizendo que ela tinha um problema com drogas, a princípio Vang resistiu. Depois, percebeu que eles estavam certos.
“Fiquei tão decepcionada”, disse Vang. “Eu fiquei com muito medo e não queria mais viver. Eu acreditava que, se você é dependente de drogas, a única saída é a morte.”
Esquálida, fraca e exausta, Vang tentou se matar com uma overdose. Então, ela começou a vender drogas. Entrava e saía de clínicas de reabilitação do governo. Em uma delas, em 2013, ela ouviu Nam pregar pela primeira vez.
“Eu estava tão desesperada e decepcionada comigo mesma, mas, ao mesmo tempo, ainda queria ter uma vida decente”, disse Vang. “Daquele momento em diante, a esperança começou a pulsar em meu coração e comecei a orar.”
Ela sabia que tinha de cortar laços com a sua antiga vida; por isso, ao sair da reabilitação do governo em 2016, Vang imediatamente ligou para Nam e se juntou ao programa feminino no Centro Áquila. Apesar dos desafios — ela tem um temperamento explosivo e entrava em conflito com as outras mulheres — Vang perseverou. Hoje, sóbria há 11 anos, Vang disse que cresceu e amadureceu em sua fé. “Eu não penso em drogas”, ela disse.
Atualmente, é casada com um homem que também passou pelo programa do Centro Áquila. Ela é uma espécie de mentora e ajuda outras mulheres que estão chegando no centro. Vang afirma que consegue ver a si mesma, quando mais jovem, na vida das novas residentes, e escuta com paciência suas histórias. À medida que o relacionamento entre Vang e as residentes vai se desenvolvendo, ela as encoraja por meio da Palavra de Deus.
No Centro Áquila, histórias como a de Vang são mais regra do que exceção. Em um estudo do governo, 100% dos egressos do programa que foram pesquisados relataram ter parado de usar drogas. A grande maioria afirmou ter encontrado um propósito para a sua vida, ter mais controle sobre si mesmos e mais confiança. “As pessoas ficam surpresas”, disse Nam. “Elas não podem negar que estamos caminhando com Deus e que o que estamos fazendo está funcionando.”
Essas estatísticas fazem autoridades vietnamitas visitar o Centro Áquila e se encontrarem com Nam. Policiais e funcionários do governo enviam seus filhos para a escola do Áquila e encaminham seus parentes para lá, em vez de recomendarem centros de tratamento compulsório.
“Pessoalmente, eles sabem com certeza as diferenças [entre os dois] e a eficácia dos centros de reabilitação cristãos”, disse Nam. Ele frequentemente é convidado para falar para grupos de policiais e compartilhar como ele reabilitou tantas pessoas dependentes de drogas. Em todas as reuniões, ele afirma que a raiz do seu sucesso é o poder de Jesus.
Apesar de seus históricos, o Áquila e outros centros de reabilitação cristãos no Vietnã ainda não são legalmente reconhecidos pelo governo como centros de tratamento, porque professam abertamente sua fé. Em vez disso, eles operam como ministérios da igreja que não possuem registro, o que os impede de receber subsídios ou doações de empresas. Esse status também limita o modo como eles podem se promover. Quando a mídia vietnamita faz alguma reportagem sobre o Centro Áquila, eles editam qualquer menção a Deus nas entrevistas.
Há sinais, no entanto, de que as atitudes do governo podem estar mudando. Duas denominações, entre as quais está o grupo pentecostal que patrocina o Centro Áquila e 13 outras clínicas de reabilitação cristãs para dependentes de drogas, receberam status legal em 2023. Nam acredita que esses desdobramentos tornarão mais fácil para os centros receberem seu respectivo reconhecimento por parte do governo.
Em dezembro de 2023, autoridades convidaram Nam e membros do Centro Áquila para uma visita a Quang Tri, um distrito ao longo da fronteira com o Laos e um ponto crítico para o tráfico de drogas. Durante uma reunião na qual Nam compartilhou sobre o ministério, ele disse que 100 pessoas se apresentaram para receber a Cristo. E 40 pessoas do distrito vieram para o Centro Áquila para se livrarem das drogas.
“Vimos a grande necessidade que pessoas enfrentam naquela região”, disse ele. “Quando cheguei lá, Deus me falou que ele usaria os fracos para envergonhar os fortes deste mundo. E naquele lugar tomado pela escuridão, Deus mostrará sua glória.”
Angela Lu Fulton é editora no Sudeste Asiático para a Christianity Today.