Church Life

O campo missionário do tio Pedro é o Carnaval

A maioria dos evangélicos evita o feriado. Um deles, porém, vê o Carnaval como uma oportunidade evangelística crucial.

Tio Pedro's ministry reaching those attending Carnival in Brazil
Christianity Today February 28, 2025
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Getty, YWAM

“Aconselhamento espiritual grátis. ”

É o que diz uma faixa que Pedro Souza coloca todo ano, durante os dias de Carnaval, na frente de uma igreja que fica na praça de Ouro Preto. A cidade de 75.000 habitantes sedia uma das celebrações mais animadas do país, atraindo milhares de brasileiros de todos os estados.

Tio Pedro, como é mais conhecido, vê o Carnaval como uma oportunidade missionária. A cada ano, ele e centenas de voluntários de igrejas evangélicas de todo o país viajam para Ouro Preto e ficam em uma tenda, montada na praça, oferecendo orações e aconselhamento a turistas no Carnaval.

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“Muitas pessoas entram na tenda pensando que encontrarão alguém que vai ler sua mão ou prever seu futuro”, disse tio Pedro, que trabalha em tempo integral com a JOCUM em outra cidade. “Em vez disso, elas encontram Jesus.”

Aos 63 anos, Tio Pedro tem abordado foliões desde 1986, dois anos depois de ter se juntado à JOCUM para administrar um programa de treinamento de futuros missionários. Seu ministério é único; a maioria dos evangélicos foge da cidade para o interior, para participar de retiros de vários dias, organizados por suas igrejas. Quanto mais longe do Carnaval for, melhor.

Por séculos, os católicos celebraram o Carnaval no fim de semana que antecede a Quarta-feira de Cinzas, com o intuito de se entregar a comportamentos que a igreja proibia durante a Quaresma, coisas como comer carne ou doces. (Durante a Idade Média, a igreja também desencorajava qualquer tipo de relação física ou intimidade.) Quando os católicos portugueses trouxeram o Carnaval para a América do Sul, este também incorporou a influência cultural e musical dos africanos escravizados, e se transformou em uma festa extravagante de várias semanas.

Os evangélicos evitam o feriado desde os primeiros dias do pentecostalismo em terras brasileiras, incomodados ​​tanto com a bebedeira desenfreada quanto com o sexo casual, além do desejo de se distanciar da igreja católica.

Tio Pedro entende por que muitos evangélicos se sentem desconfortáveis ​​com a imoralidade que veem celebrada durante o Carnaval. Mas ele não entende por que a igreja se retira fisicamente todo ano.

“Nas ruas, podemos alcançar pessoas que jamais pensariam em entrar em uma igreja”, disse ele.

Nágila Araújo foi uma dessas pessoas. Em 1998, a jovem de 24 anos estava no auge de sua carreira profissional de dançarina do ventre e era a atração principal de vários shows já agendados. Embora criada por uma mãe pentecostal, Nágila parou de frequentar a igreja porque acreditava que os ensinamentos cristãos não aceitavam a sua profissão.

Naquele ano, ela viajou com amigos para Ouro Preto. No primeiro dia de Carnaval, Nágila viu a faixa do tio Pedro. Intrigada com a oferta, ela entrou, segurando uma cerveja.

Logo, uma jovem veio compartilhar o evangelho com ela. Apesar de seu sucesso artístico, Nágila estava sofrendo com alguns problemas de saúde. Quando ela confidenciou à mãe e a um médico sobre eles, ambos a encorajaram a se voltar para Jesus, pois isso poderia tirá-la de um estilo de vida em que ela frequentemente bebia demais e poderia curar seu corpo. Ouvir a mesma mensagem pregada no Carnaval a tocou — e a convenceu a aceitar a Cristo.

Ela voltou para casa no dia seguinte e começou a frequentar uma igreja Quadrangular. Dois anos depois, ela começou a compartilhar seu testemunho em igrejas por todo o país. No início deste ano, foi ordenada pastora.

Nágila é grata pela estratégia “ousada” do tio Pedro e de seus voluntários.

“É preciso coragem para sair nas ruas e abordar estudantes universitários bêbados, sentados na calçada, ou pessoas deprimidas no meio de uma festa”, disse ela.

Nágila se conectou com o ministério de Carnaval do tio Pedro apenas quatro anos depois de este trabalho ter se mudado de Belo Horizonte, onde havia começado, para Ouro Preto.

No mesmo ano, tio Pedro começou a organizar seu próprio bloco de carnaval que se chama Jesus É Bom à Beça.

Nos últimos 27 anos, ele já recebeu centenas de evangélicos, a maioria de Belo Horizonte, que aparecem com fantasias e instrumentos alguns dias antes de sexta-feira. Nos outros dias, os participantes servem em equipes de oração, aconselhamento ou evangelismo de rua. Mas todos se juntam ao bloco.

O tema do bloco deste ano é Luz do Mundo, mensagem que os integrantes do Jesus É Bom à Beça expressarão por meio de dois sambas-enredo cristãos escritos por Pedro do Borel, um músico de louvor e adoração do Rio de Janeiro.

Este ano, o Jesus É Bom à Beça cantará essas duas músicas ininterruptamente, por duas horas. Mas, a cada 100 metros, eles também vão parar momentaneamente de tocar e cantar, vão se ajoelhar e orar pelas pessoas que celebram o Carnaval ao redor deles. Como faz todos os anos com seu bloco, o tio Pedro se aproximará do microfone e lerá Provérbios 24.11: “Liberte os que estão sendo levados para a morte; detenha os que caminham trêmulos para a matança! ”

“Não é incomum, depois de um momento de oração, olhar para cima e ver pessoas chorando, impactadas pelo que estamos fazendo”, disse tio Pedro.

Fora do horário do desfile (Jesus É Bom à Beça desfilará no domingo e na terça-feira deste ano), o grupo monta sua base em um prédio de uma igreja batista, na praça da cidade. De lá, tio Pedro despacha pessoas para ministrar na tenda, atuar em pequenas produções teatrais destinadas a captar a atenção dos foliões, distribuir garrafas d’água para pessoas sedentas e iniciar conversas evangelísticas com quem participa do Carnaval — em todos os momentos do dia.

Em 2000, um dos voluntários abordou Franklin Cruz, que participava do Carnaval, quando ele voltava para seu hotel, bêbado, no meio da noite. Enquanto a mulher sorridente descia uma rua estreita e íngreme, em uma das famosas ladeiras de paralelepípedo de Ouro Preto, Franklin imediatamente soube que teria uma noite memorável. Acabou sendo inesquecível mesmo, mas de uma forma diferente do que ele esperava.

Quando seus caminhos se cruzaram, a mulher perguntou se ele estava interessado em conversar com ela sobre Jesus. Franklin ouviu, e ficou tão intrigado que, quando voltou para sua casa no Rio, fez amizade com um cristão que o convenceu a encontrar uma igreja. Em um ano, ele foi batizado. Em 2007 foi ordenado pastor e, 10 anos depois, plantou uma igreja na cidade de Volta Redonda.

“Minha vida com Cristo começou porque, em um dia comum, alguém decidiu fazer uma coisa inusitada: pregar o evangelho nas ruas, durante o Carnaval”, disse ele.

Apesar dos testemunhos que são fruto do ministério do tio Pedro, alguns ainda o veem como um mero disfarce para fiéis que esperam “satisfazer seus desejos carnais”, como acusou em um vídeo de 2023 Rafael Cézar, pastor da Igreja Resgatar, em Pindamonhangaba.

No vídeo, ele diz: “Seria interessante se esses evangelistas de Carnaval, em vez de irem ao Carnaval, fossem a hospitais, à China, à Coreia do Norte.”

Dois anos atrás, Nágila participou de uma reunião em que um grupo de líderes de igrejas pediu o fim do bloco Jesus É Bom à Beça. Quando chegou a vez dela de falar, a pastora compartilhou seu próprio testemunho e entregou um exemplar de seu livro para cada pessoa presente.

“Todos pecamos e estamos destituídos da glória de Deus, mas todo aquele que crê encontra justificação em Jesus Cristo”, disse Nágila, lembrando as palavras de Romanos 3.22-23. “Devemos olhar com misericórdia para aqueles que estão participando do Carnaval, mas muitas pessoas legalistas acham que eles merecem arder no inferno.”

O músico Atilano Muradas ouviu esse mesmo tipo de crítica, quando começou a compor e a tocar músicas de adoração com ritmos brasileiros. “Antes de se converterem, algumas pessoas ouviam essas músicas e participavam do Carnaval; por isso as associam a pecado”, disse ele.

Muradas era compositor e puxador de samba-enredo de uma escola de samba evangélica, que desfilou de 1997 a 2009 na cidade de Curitiba.

Enquanto a escola de samba durou, o Carnaval lhe ofereceu a chance de cantar músicas cristãs por quase uma hora e montar uma tenda por onde os foliões podiam passar e interagir com os participantes evangélicos.

Franklin acredita nessa interação divina. Dois anos após conhecer a trupe do tio Pedro, ele voltou ao Rio de Janeiro como evangelista. “No primeiro ano, fiquei com medo”, disse ele. “Achei que poderia ficar tentado a voltar [para sua antiga vida]. ”

Hoje em dia, Franklin faz questão de ir à última noite do Carnaval, todo ano, a mesma noite em que ele conheceu o evangelho. Ele procura aberturas para conversas que, segundo ele espera, ajudem as pessoas a chegarem à mesma conclusão que ele chegou uma vez.

“Há muitos outros Franklins por aí, esperando para ouvir uma palavra de esperança. Quero fazer por outros o que fizeram por mim”.

Correção: Uma versão anterior deste artigo citou incorretamente o ano da ordenação de Franklin Cruz.

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